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Nabil-i-A'zam : Os Rompedores da Alvorada Vol II - The Dawn Breakers Vol II
Os Rompedores da Alvorada
Volume II
A Narrativa de Nabil II
OS ROMPEDORES DA ALVORADA

A NARRATIVA DE NABÍL DOS PRIMEIROS DIAS DA REVELAÇÃO BAHÁ'Í

"Nós nos manteremos firmes, com a vida na mão, inteiramente resignados à Sua vontade, para que talvez, através da benevolência de Deus e de Sua graça, esta Letra revelada e manifesta possa oferecer a vida em holocausto no caminho do Ponto Primaz, o Mais Excelso Verbo."

Bahá'u'lláh

TRADUZIDO DO ORIGINAL PERSA PARA O INGLÊS POR SHOGHI EFFENDI

VOLUME II
EDITORA BAHÁ'Í
Título original em inglês: "The Dawn-Breakers"
Tradução de Leonora S. Armstrong
Para
A Folha Mais Sagrada

A Última Sobrevivente de uma Idade Heróica e Gloriosa

Dedico esta Obra em Sinal de um Grande Débito de Gratidão e Amor

CAPÍTULO XIV
A VIAGEM DE MULLÁ HUSAYN A MÁZINDARÁN

'Alí Khán convidou cordialmente Mullá Husayn a se demorar alguns dias em sua casa antes de sua partida de Máh-Kú. Expressou um desejo ardente de lhe prover de toda facilidade para sua viagem a Mázindarán. Mullá Husayn, entretanto, recusou adiar sua partida ou se valer dos meios de conforto que 'Alí Khán tão devotadamente colocara à sua disposição.

Fiel às instruções que havia recebido, ele parou em toda cidade e aldeia que o Báb lhe dissera deveria ser visitada, reunindo os fiéis, transmitindo-lhes o amor e as saudações de seu bem-amado Mestre, restaurando-lhes a confiança, animando novamente seu zelo e os exortando a permanecerem firmes em Seu caminho. Em Teerã teve ele mais uma vez o privilégio de entrar na presença de Bahá'u'lláh e de receber de Suas mãos aquele sustento espiritual que o capacitou a enfrentar, com tão indomável coragem, os perigos que contra ele, com tanta ferocidade, acometeram nos dias finais de sua vida.

De Teerã, Mullá Husayn procedeu a Mázindarán, em ansiosa expectativa de testemunhar a revelação do tesouro oculto, segundo lhe prometera seu Mestre. Quddús estava nesse tempo morando em Bárfurúsh, na casa que pertencera originariamente a seu próprio pai. Associava-se livremente às pessoas de todas as classes e pela meiguice de seu caráter e pelo largo âmbito de seus conhecimentos, havia conquistado o afeto e a irrestrita admiração dos habitantes dessa cidade. Ao chegar, nesta cidade Mullá Husayn foi diretamente à casa de Quddús, por quem foi recebido com carinho. O próprio Quddús atendeu a seu hóspede, fazendo o possível para provê-lo de qualquer coisa que parecesse necessária a seu conforto. Com as próprias mãos removeu o pó e lavou a pele empolada de seus pés. Ofereceu-lhe o lugar de honra na companhia de seus amigos reunidos e lhe apresentou, com reverência extrema, cada um dos crentes que aí afluíram a fim de recebê-lo.

Na noite de sua chegada, assim que os crentes convidados para o jantar a fim de conhecerem Mullá Husayn haviam retornado as suas casas o anfitrião, virando-se a seu hóspede, perguntou se queria esclarecê-lo mais detalhadamente sobre suas experiências íntimas com o Báb na fortaleza de Máh-Kú. "Muitas e diversas", respondeu Mullá Husayn, "foram as coisas que ouvi e testemunhei durante os nove dias de minha associação com Ele. Falou-me das coisas relativas a Sua Fé, tanto direta como indiretamente. Nenhuma instrução definida deu-me Ele, porém, quanto ao curso que eu deveria prosseguir quanto a propagação de Sua Causa. Tudo o que me disse foi isto. 'Em teu caminho a Teerã, deverias visitar os crentes em cada cidade e aldeia pela qual passares. De Teerã deves proceder a Mázindarán, pois aí jaz oculto um tesouro que a ti será revelado, um tesouro que desvelará a teus olhos o caráter da tarefa que és destinado a cumprir.' De Suas alusões pude eu, embora indistintamente, perceber a glória de Sua Revelação e discernir os sinais da futura ascendência de Sua Causa. De Suas palavras inferi que seria exigido, afinal, o sacrifício de mim próprio, indigno que sou, em Seu caminho. Pois em ocasiões anteriores, sempre que me despedia de Sua Presença, o Báb me assegurava invariavelmente que eu haveria de ser chamado ainda outra vez a Seu encontro. Desta vez, porém, ao pronunciar Suas palavras de despedida, nenhuma promessa me fez nesse sentido, nem se referiu à possibilidade de eu estar com Ele face a face jamais neste mundo. 'A Festa do Sacrifício', foram Suas últimas palavras a mim, 'rapidamente se aproxima. Levanta-te, envida os máximos esforços e não permites que coisa alguma te detenha de atingir teu destino. Uma vez alcançado teu destino, prepara-te para Nos receber, pois Nós também dentro em breve te seguiremos.'

Quddús perguntou se trouxera algum dos escritos de seu Mestre e, ao ser informado que com ele nenhum tinha, apresentou a seu hóspede as páginas de um manuscrito que tinha em seu poder, pedindo-lhe que lesse determinadas passagens. Assim que havia lido uma página desse manuscrito, submeteu-se seu semblante a uma transformação súbita e completa. Suas feições mostravam uma indefinível expressão de admiração e surpresa. O elevado estilo, a profundidade - acima de tudo, a influência penetrante das palavras que acabava de ler, lhe agitaram intensamente o coração e de seus lábios evocaram os maiores elogios. Pondo de lado o manuscrito, disse: "Bem posso perceber que o Autor destas palavras tirou Sua inspiração daquele Manancial que é imensuravelmente superior às fontes donde se deriva comumente a erudição dos homens. Com isto quero testemunhar de todo coração meu reconhecimento da sublimidade dessas palavras e minha inquestionável aceitação da verdade por elas revelada." Pelo silêncio guardado por Quddús, bem como pela expressão que seu semblante demonstrava, Mullá Husayn se convenceu de que ninguém, senão seu anfitrião poderia ter escrito essas palavras. Instantaneamente levantou-se de seu assento e, em pé, com cabeça curvada, no limiar da porta, declarou com reverência: "O tesouro oculto do qual o Báb falou jaz agora desvelado diante de meus olhos. Sua luz já dissipou as trevas da perplexidade e dúvida. Embora meu Mestre esteja oculto em meio às fortalezas nas montanhas de Adhirbáyján, o sinal de seu esplendor e a revelação de Seu poder estão manifestos diante de mim. Encontrei em Mázindarán o reflexo de Sua glória."

Quão grave, quão assombroso o erro de Hájí Mirza Aqásí! Esse ministro néscio imaginara futilmente que, condenando o Báb a uma vida de exílio desesperador num recanto remoto e isolado de Adhirbáyján, ele assim conseguisse ocultar dos olhos de seus compatriotas aquela Chama do imorredouro Fogo de Deus. Longe estava ele de perceber que, ao colocar num monte a Luz de Deus, estava ajudando a lhe difundir o brilho e proclamar a glória. Pelos seus próprios atos, pelos seus espantosos cálculos errôneos, em vez de ocultar dos olhos dos homens aquela Chama celestial, ele a fez sobressair ainda mais e ajudou a lhe incrementar o ardor. Como era eqüitativo, por outro lado, Mullá Husayn, e quão aguçado e seguro seu juízo dentre aqueles que o haviam conhecido e visto, nenhum poderia, por um momento sequer, questionar a erudição desse jovem, seu encanto, sua alta integridade e espantosa coragem. Tivesse ele, após a morte de Siyyid Kázim, se declarado o prometido Qá'im, os mais distintos entre seus co-discípulos teriam unanimemente reconhecido sua pretensão e se submetido à sua autoridade. Mullá Muhammad-i-Mámáqání, aquele célebre e erudito discípulo de Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í, depois de conhecer em Tabríz por intermédio de Mullá Husayn as pretensões da nova Revelação, não fizera a seguinte declaração: "Tomo Deus como meu testemunho! Se essa pretensão do Siyyid-i- Báb tivesse sido feita por esse mesmo Mullá Husayn, eu, em vista de suas notáveis características e da amplidão de seus conhecimentos, teria sido o primeiro a campear pela sua causa e proclamá-la a todos. Como ele, entretanto, se dignou de se subordinar a outra pessoa, deixei de ter confiança em suas palavras e tenho recusado responder a seu apelo." E Siyyid Muhammad-Baqír-i-Rashtí, ao ouvir Mullá Husayn tão bem resolver as perplexidades que deste tanto tempo lhe afligia a mente, não deu testemunho de suas altas realizações em tão fervorosos termos como estes: "Eu, que me queria imaginar capaz de confundir e silenciar Siyyid Kázim-i-Rashtí, percebi, quando primeiro conheci e conversei com aquele que se diz ser apenas seu humilde discípulo, quão lastimavelmente havia eu errado em meu juízo. De tal força parece ser dotado esse jovem que, se ele declarasse ser o dia a noite, eu ainda acreditaria ser ele capaz de deduzir provas que demonstrassem concludentemente aos olhos dos eruditos sacerdotes a verdade de sua afirmação."

Na mesma noite em que foi levado ao encontro do Báb, Mullá Husayn, embora de início consciente de sua própria infinita superioridade e predisposto a menosprezar as pretensões avançadas pelo filho de um obscuro mercador de Shiráz, não deixou de perceber, assim que seu anfitrião principiara a desenvolver Seu tema, os incalculáveis benefícios latentes em Sua Revelação. Com entusiasmo abraçou ele Sua Causa e desdenhosamente abandonou qualquer coisa que pudesse impedir seus próprios esforços para compreendê-la devidamente e lhe promover efetivamente os interesses. E ao lhe ser concedida, no devido tempo, a oportunidade de apreciar a transcendente sublimidade dos escritos de Quddús, Mullá Husayn, com sua costumeira sagacidade e inerrante juízo, foi capaz, outrossim, de estimar o verdadeiro valor e mérito daqueles dons especiais de que tanto a pessoa como as palavras de Quddús foram dotadas. A vastidão de seus próprios conhecimentos adquiridos minguava até se tornar insignificante em face das virtudes oriundas de Deus, que a tudo abrangiam, demonstradas pelo espírito desse jovem. Nesse mesmo momento hipotecou ele sua imorredoura lealdade àquele que tão poderosamente espelhava o esplendor de seu próprio bem-amado Mestre. Sentiu ser sua primeira obrigação subordinar-se inteiramente a Quddús, seguir-lhe as pegadas, conformar-se a sua vontade e lhe garantir por todos os meios em seu poder o bem-estar e a segurança. Até a hora de seu martírio, Mullá Husayn permaneceu fiel a sua promessa. Na deferência extrema que daí em diante mostrava a Quddús, ele era motivado somente por uma firme e inalterável convicção da realidade daqueles dons sobrenaturais que tão claramente o distinguiam dos outros co-discípulos. Não houve outra consideração que o induzisse a mostrar tamanha deferência e humildade em sua conduta para com alguém que parecia ser apenas seu igual. O aguçado discernimento de Mullá Husayn rapidamente apreendia a magnitude do poder que nele jazia latente, e a nobreza de seu caráter o impelia a demonstrar de um modo digno seu reconhecimento dessa verdade.

Tal foi a transformação efetivada na atitude de Mullá Husayn para com Quddús que os crentes que se reuniram na manhã seguinte em sua casa admiraram-se extremamente ao verem o hóspede que na noite anterior ocupara o lugar de honra, e sobre quem foram prodigalizadas tanta bondade e hospitalidade, havia cedido seu lugar a seu anfitrião e agora estava em pé, em seu lugar, no limiar, numa atitude de completa humildade. As primeiras palavras que, na companhia dos crentes reunidos, Quddús dirigiu a Mullá Husayn, foram as seguintes: "Agora, nesta mesma hora, deves te levantar e, armado com a vara da sabedoria e do poder, silenciar a hoste dos maus conspiradores que se esforçam por desacreditar o belo nome da Fé de Deus. Deves enfrentar aquela multidão e lhes confundir as forças. Na graça de Deus deves por tua confiança e as suas maquinações considerar uma tentativa fútil de obscurecer o esplendor da Causa. Deves entrevistar o Sa'ídu'l-Ulamá, aquele notório tirano, de coração falso, e destemidamente desvelar diante de seus olhos as características distintas desta Revelação. Daí deverás proceder a Khurásán. Na cidade de Mashhad, deves construir uma casa de tal modo projetada que possa não só servir como nossa residência particular, como também fornecer facilidades adequadas para a recepção de nossos convidados. Para lá, breve deveremos viajar e naquela casa residir. Para lá deverás convidar cada alma receptiva que esperemos possa ser guiada ao Rio da vida eterna. Nós as prepararemos e admoestaremos a formarem grupos e proclamarem a Causa de Deus."

Mullá Husayn partiu no dia seguinte na hora do nascimento do sol a fim de entrevistar o Sa'ídu'l-Ulamá. Sem assistente, inteiramente só, procurou sua presença e lhe transmitiu, assim como Quddús mandara, a Mensagem do novo Dia. Com intrepidez e eloqüência pleiteou, em meio aos discípulos reunidos, a Causa de seu bem-amado Mestre, exortando-o a demolir aqueles ídolos esculpidos pela sua própria vã fantasia e sobre seus fragmentos esmiuçados plantar o estandarte da guia Divina. Apelou a ele que desembaraçasse sua mente dos credos do passado que a agrilhoavam e se apressasse, livre e sem empecilho, para as orlas da salvação eterna. Com característico vigor, superou cada argumento com o qual aquele feiticeiro enganador procurava refutar a verdade da Mensagem Divina e expôs, por meio de sua lógica irrespondível, as falácias de cada doutrina que ele tentava propor. Acometido pelo medo de que a congregação de seus discípulos se reunisse unanimemente em volta da pessoa de Mullá Husayn, o Sa'ídu'l-Ulamá, recorreu ao mais desprezível dos estratagemas, lançando mão da mais abusiva linguagem na esperança de salvaguardar a integridade de sua posição. Arremessou suas calúnias na face de Mullá Husayn e, desdenhando com altivez as provas e os testemunhos aduzidos pelo seu oponente, asseverou confiantemente, sem a mínima justificação de sua parte, a futilidade da Causa que ele fora chamado para abraçar. Assim que Mullá Husayn percebeu sua completa incapacidade para apreender o significado da Mensagem que ele lhe trouxera, levantou-se de seu assento e disse: "Meu argumento não logrou despertar-vos de vosso sono de negligência. Meus atos nos dias vindouros vos provarão o poder da Mensagem que vos dignastes a desprezar." Falou com tal veemência e emoção que o Sa'ídu'l-Ulamá se sentiu completamente confundido. Tão grande foi a consternação de sua alma que nem pode responder. Virou-se então Mullá Husayn a um membro desse auditório que parecia haver sentido a influência de suas palavras e o incumbiu de relatar a Quddús as circunstâncias dessa entrevista. "Diga-lhe," acrescentou, 'Desde que não me mandaste especificamente procurar vossa presença, determinei-me a partir de imediato para Khurásán. Procedo à execução em sua totalidade daquelas coisas que me instruístes a fazer.'"

Sozinho e com o coração inteiramente desligado de tudo menos de Deus, Mullá Husayn partiu em sua jornada a Mashhad. Seu único companheiro enquanto trilhava seu caminho a Khurásán, foi o pensamento de cumprir fielmente os desejos de Quddús, e o que tão somente o sustentava era a consciência de sua infalível promessa. Foi diretamente à casa de Mirza Muhammad-Baqir-i-Qá'íní e dentro em breve conseguiu comprar na vizinhança dessa casa em Bálá-Khíyábán um terreno no qual começou a erigir a casa que fora mandado a construir e à qual deu o nome de Bábíyyih, nome esse que continua a ter até o tempo presente. Pouco depois de ser a casa terminada, Quddús chegou em Mashhad e residiu nessa casa. Um ininterrupto fluxo de visitantes, a quem a energia e o zelo de Mullá Husayn haviam preparado para a aceitação da Fé, manava para a presença de Quddús, reconhecia a pretensão da Causa e espontaneamente se alistou sob sua bandeira. A infalível vigilância com a qual Mullá Husayn laborava na difusão do conhecimento da nova Revelação e a maneira magistral de que Quddús edificava seus aderentes, cujo número sempre crescia, causaram uma onda de entusiasmo que varreu toda a cidade de Mashhad e cujos efeitos se espalharam rapidamente dos confins de Khurásán. A casa de Bábíyyih breve se converteu em um centro de reunião para uma multidão de devotos que estavam inflamados com uma resolução inflexível de demonstrar por todos os meios em seu poder as grandes inerentes energias de sua Fé.

CAPÍTULO XV
A VIAGEM DE TÁHIRIH DE KARBILÁ A KHURÁSÁN

Assim que se aproximava a hora marcada, quando, segundo as dispensações da Providência, haveria de ser rompido o véu que ainda ocultava as verdades fundamentais da Fé, flamejou no coração de Khurásán uma chama de tal intensidade consumidora que os mais formidáveis obstáculos no caminho do reconhecimento final da Causa se dissipavam e esvaiam(1). Esse fogo tamanha conflagração ateou nos corações dos homens que os efeitos de seu poder vivificador se sentiam nas províncias mais remotas da Pérsia. Obliterou todo traço das desconfianças e dúvidas que haviam persistido ainda nos corações dos crentes e até então os impedido de apreender a plena medida da glória da Causa. O decreto do inimigo condenara a isolamento perpétuo Aquele que era a personificação da beleza de Deus, procurando por este meio extinguir para sempre a chama de Seu amor. A mão da Onipotência, entretanto, num tempo em que a hoste de malfeitores contra Ele maquinava obscuramente, estava assiduamente ocupada em lhes confundir as intrigas e nulificar os esforços. Na província no extremo leste da Pérsia, o Todo-Poderoso, através da mão de Quddús, ateou um fogo que ardia com a mais intensa chama nos peitos do povo de Khurásán. E em Karbilá, além dos confins ocidentais dessa terra, Ele acendera a luz de Táhirih, luz esta destinada a difundir seu esplendor sobre a Pérsia toda. De leste e oeste desse país, a voz do Invisível convocou aquelas grandes luzes gêmeas para se apressarem a ir à terra de Tá(2), lugar do alvorecer da glória, a casa de Bahá'u'lláh. Ele mandou que cada uma procurasse a presença daquela Estrela Dalva da Verdade e se movesse em volta de Sua pessoa, que buscasse seu conselho, dobrasse Seus esforços e preparasse o caminho para Sua Revelação vindoura.

Segundo o decreto Divino, nos dias em que Quddús residia ainda em Mashhad, foi revelada da pena de Báb uma Epístola dirigida a todos os crentes da Pérsia, na qual se exortou a todo aderente leal da Fé a "apressar-se a ir à Terra de Khá," a província de Khurásán(3). A notícia dessa alta injunção espalhou-se com admirável rapidez e despertou entusiasmo universal. Chegou aos ouvidos de Táhirih, que, nesse tempo, residia em Karbilá e envidava todo esforço para estender o âmbito da Fé que ela esposara(4). Deixara sua cidade natal de Qazvín e havia, após a morte de Siyyid Kázim, chegado naquela cidade santa, esperando ansiosamente testemunhar os sinais que o falecido siyyid predissera. Em páginas anteriores temos visto como, instintivamente, ela fora levada a descobrir a Revelação do Báb e como, espontaneamente, havia reconhecido sua verdade. Sem advertência ou convite percebeu pairar sobre a cidade de Shíráz a luz do alvorecer da prometida Revelação e se sentiu impelida a escrever sua mensagem e hipotecar sua fidelidade Àquele que era o Revelador dessa luz.

A resposta imediata do Báb à declaração de fé que ela, sem haver atingido Sua presença, foi movida a fazer, lhe animou o zelo e vastamente aumentou a coragem. Ela se levantou para difundir em toda parte Seus ensinamentos, denunciou veementemente a corrupção e a perversidade de sua geração, advogou destemidamente uma revolução fundamental nos hábitos e modos de seu povo(5). Seu espírito indomável foi vivificado pelo fogo de seu amor pelo Báb e a glória de sua visão atingiu realce ainda maior com a descoberta das inestimáveis bênçãos latentes em Sua Revelação. A intrepidez inata e a força de seu caráter foram aumentadas centuplicadamente por sua inabalável convicção da vitória final da Causa que ela abraçara; e sua ilimitada energia foi revitalizada por seu reconhecimento do valor permanente da Missão que ela se havia levantado para defender. Todos que a conheciam em Karbilá ficaram encantados por sua mágica eloqüência e sentiam a fascinação de suas palavras. Ninguém podia resistir ao seu encanto; poucos podiam esperar ao contágio de sua crença. Todos davam testemunho de suas extraordinárias características, maravilhavam-se de sua personalidade assombrosa e se convenciam da sinceridade de suas convicções.

Ganhou-se para a causa, por seu intermédio, a honrada viúva de Siyyid Kázim, nativa de Shíráz e a primeira entre as mulheres de Karbilá a reconhecer sua verdade. Tenho ouvido Shaykh Sultán descrever sua extrema devoção a Táhirih, a quem ela reverenciava como guia espiritual e estimava como sua afetuosa companheira. Ele era também fervoroso admirador do caráter da viúva do Siyyid, a cuja meiguice de modos prestava muitas vezes um ardente tributo. "Tal era sua amizade para Táhirih", freqüentemente se ouvia Shaykh Sultán comentar, "que com extrema relutância consentia que essa heroína, que estava hospedada em sua casa, se ausentasse, nem sequer por uma hora, de sua presença." Tão grande devoção de sua parte não deixou de excitar a curiosidade e vivificar a fé de suas amigas, tanto persas como árabes, que constantemente a visitavam em sua casa. No primeiro ano de sua aceitação da Mensagem, ela subitamente adoeceu e depois de passarem três dias, assim como fora no caso de Siyyid Kázim, partiu dessa vida.

Entre os homens que em Karbilá entusiasticamente abraçaram a Causa do Báb mediante os esforços de Táhirih, havia um certo Shaykh Sálih, árabe residente dessa cidade, que foi o primeiro a derramar seu sangue no caminho da Fé em Teerã. Tão profusa era Táhirih em seus elogios de Shaykh Sálih que alguns suspeitavam ser seu grau igual ao de Quddús. Shaykh Sultán era também um dos que caiu sob o fascínio de Táhirih. Ao regressar de Shíráz, identificou-se com a Fé, audaz e assiduamente lhe promovendo os interesses e fazendo o possível para executar as instruções e desejos de Táhirih. Outro admirador foi Shaykh Muhammad-i-Shibil, pai de Muhammad-Mustafá, árabe nativo de Bagdá, que se destacava entre os ulemás dessa cidade. Com o apoio desse grupo escolhido de defensores firmes e capazes, Táhirih logrou inflamar a imaginação e alistar a lealdade de um número considerável dos habitantes persas e árabes do Iraque, a maioria de quem foi por ela induzida a aliar-se com os irmãos da Pérsia que breve seriam chamados para amoldarem com suas façanhas o destino da Causa de Deus e com seu sangue vital lhe selar o triunfo.

O apelo do Báb, originariamente dirigido à Seus seguidores na Pérsia, foi dentro em breve transmitido aos aderentes de Sua Fé no Iraque. Gloriosamente respondeu Táhirih. Seu exemplo foi seguido de imediato por grande número de seus admiradores fiéis, todos os quais expressaram sua prontidão para viajar de imediato a Khurásán. Os ulemás de Karbilá tentaram dissuadí-la de empreender essa jornada. Táhirih, logo percebendo o motivo que os induzia a oferecer-lhe tal conselho e consciente de seus maus desígnios, dirigiu a cada um desses sofistas uma longa epístola na qual assinalou seus próprios motivos e expôs a dissimulação por parte deles(6).

De Karbilá ela procedeu a Bagdá(7). Uma delegação representativa, composta pelos líderes de maior capacidade entre as comunidades xiita, sunita, cristã e judaica, procurou sua presença e tentou convencê-la da loucura de suas ações. Ela, entretanto, pode lhes silenciar os protestos e os espantou com a força de seu argumento. Desiludidos e confusos, retiraram-se, profundamente conscientes de sua própria impotência(8).

Os ulemás de Kirmánsháh receberam Táhirih com respeito e lhe ofereceram vários presentes em sinal de sua estima e admiração(9). Em Hamadán(10), porém, os líderes eclesiásticos da cidade estavam divididos em sua atitude para com ela. Alguns poucos tentaram secretamente provocar o povo e lhe minar o prestígio; outros foram movidos a lhe elogiar abertamente as virtudes e aplaudir a coragem. "Compete-nos," declararam de seus púlpitos esses amigos, "seguirmos seu nobre exemplo e lhe pedir, reverentemente, que nos desvende os mistérios do Alcorão e resolva as complexidades deste Livro Sagrado. Pois nossas mais altas realizações são apenas uma gota em comparação com a imensidade de seu conhecimento." Enquanto Táhirih estava em Hamadán, vieram vê-la aquelas pessoas que seu pai, Hájí Sálih, havia mandado de Qazvín para lhe dar boas vindas e lhe solicitar, em seu nome, que visitasse sua cidade natal e prolongasse sua estada entre eles(11). Embora relutante, ela consentiu. Antes de partir, disse àqueles que a haviam acompanhado do Iraque que procedessem a sua terra natal. Entre estes se achavam Shaykh Sultán, Shaykh Muhammad-i-Shibil e seu jovem filho, Muhammad-Mustafá, 'Abid e seu filho Násir, a quem se deu subseqüentemente o nome de Hájí 'Abbás. Aqueles de seus companheiros que antes residiam na Pérsia, tais como Siyyid Muhammad-i-Gulpáyigání, cujo pseudônimo era Tá'ír e a quem Táhirih dera o nome de Fata'l-Malíh, e outros também, foram aconselhados a regressar a seus lares. Somente dois de seus companheiros com ela permaneceram - Shaykh Sálih e Ibráhím-i-Gulpáyigání, ambos os quais sorveram da taça do martírio, o primeiro em Teerã e o outro em Qazvín. Deu seus próprios parentes, Mirza Muhammad-'Alí, uma das Letras dos Viventes e seu cunhado e Siyyid 'Abdu'l-Hádí, que fora noivo de sua filha, viajaram com ela por todo o caminho de Karbilá a Qazvín.

Assim que chegou na casa de seu pai, seu primo, o arrogante e falso Mullá Muhammad, filho de Mullá Taqí, que se estimava como sendo, depois de seu pai e seu tio, o de maior capacidade entre todos os mujtahids da Pérsia, mandou certas senhoras de seu próprio lar para persuadirem a Táhirih a transferir sua residência da casa de seu pai para a dele. "Que digam a meu presunçoso e arrogante parente," foi sua resposta audaz às mensageiras: "Se tivesse sido seu desejo realmente ser um par e companheiro fiel para mim, teria se apressado a me encontrar em Karbilá e a pé guiado meu howdah(12) por todo o caminho até Qazvín. Eu, enquanto viajávamos juntos, o teria despertado de seu sono de negligência e lhe mostrado o caminho da verdade. Mas isto não tinha que ser. Passaram-se três anos desde nossa separação. Nem neste mundo nem no próximo poderei eu jamais associar-me a você que já está afastado de minha vida para sempre".

Esta resposta tão austera e inexorável incitou tanto Mullá Muhammad como seu pai a uma explosão de fúria. De imediato pronunciaram-na herege e se esforçaram dia e noite para lhe minar a posição e macular a fama. Táhirih defendia-se veementemente e persistia em expor a depravação de seu caráter(13). Seu pai, um homem pacífico e eqüitativo, deplorava essa disputa acrimoniosa e se esforçou para efetuar uma reconciliação e harmonia entre eles, mas falharam seus esforços.

Continuou esse estado de tensão até o tempo em que, no princípio do mês de Ramadán, no ano de 1263 A. H.(14), chegou em Qazvín um certo Mullá 'Abdu'lláh, nativo de Shíráz e fervoroso admirador tanto de Shaykh Ahmad como de Siyyid Kázim. Subseqüentemente, durante seu julgamento em Teerã, na presença do Sáhib-Díván, esse Mullá 'Abdu'lláh contou o seguinte: "Nunca fui Bábí convicto. Quando cheguei em Qazvín, estava em viagem a Máh-Kú, onde pretendia visitar o Báb e investigar a natureza de Sua Causa. No dia de minha chegada em Qazvín, percebi que a cidade estava em grande tumulto. Assim que passei pelo mercado vi um bando de homens brutais que haviam privado um homem de seu turbante e seus sapatos, amarrado em volta de seu pescoço o turbante, pelo qual o arrastavam pelas ruas. Uma multidão enfurecida atormentava-o com ameaças, pancadas e maldições. 'Sua ofensa imperdoável', disseram-me em resposta à minha indagação, 'é que ele se atreveu a elogiar em público as virtudes de Shaykh Ahmad e Siyyid Kázim. Em conseqüência, Hájí Mullá Taqí, o Hujjátu'l-Islám, o pronunciou herege e decretou sua expulsão da cidade.'

"Espantou-me a explicação que deram. Como poderia um shaykh, pensei comigo, ser considerado herege e julgado digno de tratamento tão cruel? Desejoso de certificar-me da verdade desse boato através do próprio Mullá Taqí, procedi a sua escola e lhe perguntei se havia realmente pronunciado contra ele tal condenação. 'Sim', retrucou, impassível, 'o deus a quem o falecido Shaykh Ahmad-i-Baharayhí adorava é um deus em quem eu jamais poderei crer.' Tanto a ele como a seus seguidores considero as próprias personificações do erro. Senti-me impelido naquele mesmo momento a bater-lhe no rosto na presença de seus discípulos aí reunidos. Restringi-me, no entanto, e fiz votos de, se Deus quiser, lhe furar os lábios com meu dardo, para que nunca mais pudesse pronunciar tal blasfêmia.

"Logo saí de sua presença e dirigi meus passos ao mercado, onde comprei um punhal e uma lâmina de lança do mais aguçado e fino aço. Escondi-os em meu peito, prontos para satisfazer a paixão que dentro de mim ardia. Aguardando minha oportunidade, entrei, uma noite, no masjid onde ele costumava dirigir a congregação em prece. Esperei até a hora da alvorada, quando vi uma mulher idosa entrar no masjid, levando um tapete, o qual estendeu sobre o assoalho do mihráb(15). Pouco depois vi Mullá Taqí entrar sozinho, andar para o mihráb e oferecer sua oração. Cautelosa e quietamente, eu o segui e fiquei em pé atrás dele. Enquanto se prostrava no chão, eu precipitei-me sobre ele, tirei minha lâmina de lança e a mergulhei em seu pescoço. Ele deu um alto grito. Joguei-o de costas e, desembainhando meu punhal, eu o enfiei bem fundo em sua boca. Com o mesmo punhal o bati em vários lugares no peito e no lado, e o deixei sangrando no mihráb.

"Subi imediatamente ao telhado do masjid, donde presenciei o frenesi e a agitação da população. Uma multidão precipitou-se a entrar e, pondo-o numa maca, o transportou até sua casa. Não podendo identificar o assassino, o povo aproveitou da oportunidade para satisfazer seus instintos mais vis. Lançaram-se um contra outro, com violência atacando e acusando-se mutuamente na presença do governador. Ao saber que numerosas pessoas inocentes haviam sido sujeitadas a graves injúrias e aprisionadas, fui impelido pela voz de minha consciência a confessar meu ato. Assim procurei a presença do governador e lhe disse: 'Se eu vos entregar em suas mãos o autor desse assassinato, prometereis por em liberdade todas as pessoas inocentes que estão sofrendo em seu lugar?' Assim que dele obtivera a necessária afirmação, lhe confessei que eu havia cometido o ato. Ele de início não se dispôs a acreditar em mim. A meu pedido, chamou a velhinha que estendera o tapete no mihrab, mas recusou convencer-se pela evidência por ela dada. Fui finalmente conduzido ao leito de Mullá Taqí, que estava prestes a falecer. Logo que me viu, reconheceu minhas feições. Em sua agitação, ele me apontou com o dedo, indicando que eu o atacara. Assinalou seu desejo de que eu fosse retirado de sua presença. Pouco depois, expirou. Eu fui preso imediatamente, sentenciado de assassinato e aprisionado. O governador, entretanto, deixando de cumprir sua promessa, não libertou os presos."

Agradou-se muito o Sáhib-Díván da franqueza e sinceridade de Mullá 'Abdu'lláh. Deu ele pois, ordens secretas a seus guardas para permitirem que escapasse da prisão. À hora de meia-noite, o prisioneiro se refugiou na casa de Ridá Khán-i-Sardár, que havia recentemente se casado com a irmã do Sipah-Sálár e nesta casa ele permaneceu escondido até a grande lugar de Shaykh Tabarsí, quando se determinou a participar da sorte dos heróicos defensores do forte. Ele, bem como Ridá Khán, que o seguiu até Mázindarán, sorveu, afinal, da taça do martírio.

As circunstâncias do assassinato levaram à fúria a ira dos legítimos herdeiros de Mullá Taqí, que agora se determinaram a tomar vingança de Táhirih. Conseguiram que ela fosse confinada estritamente na casa de seu pai e incumbiram aquelas mulheres que eles haviam escolhido para vigiá-la, de não permitirem que sua cativa saísse de seu quarto exceto a fim de fazer suas abluções diárias. Acusaram-na de haver sido realmente a instigadora do crime. "Ninguém, senão tu," asseveraram, "és culpada pelo assassinato de nosso pai. Tu emitiste a ordem de assassinato." Aqueles que foram tomados presos e confinados, eles os conduziram a Teerã, onde os encarceraram na casa de um dos kad-khudás(16) da capital. Os amigos e herdeiros de Mullá Taqí espalharam-se em todas as direções, denunciando seus cativos como repudiadores da lei do Islã e exigindo para eles a pena de morte imediata.

Bahá'u'lláh, que nesse tempo residia em Teerã, foi informado da lastimável situação desses prisioneiros que haviam sido os companheiros e defensores de Táhirih. Como Ele já conhecia o kad-khudá em cuja casa estavam encarcerados, decidiu visitá-los e intervir por eles. Aquele oficial avarento e falso bem consciente da generosidade extrema de Bahá'u'lláh, na esperança de obter para si vantagens pecuniárias substanciais, exagerou muito o infortúnio que sobreviera aos infelizes prisioneiros. "Estão destituídos das mais exíguas necessidades da vida," insistia o kad-khudá. "Estão famintos e suas roupas são miseravelmente inadequadas." Bahá'u'lláh deu assistência financeira imediata para seu alívio e solicitou ao kad-khudá a amenizar a severidade da disciplina sob a qual eram confinados. Este consentiu a que fossem aliviados alguns poucos que não podiam suportar o peso opressivo de suas correntes, e para os outros fez o possível para lhes suavizar o rigor de seu encarceramento. Incentivado por avareza, informou seus superiores da situação e deu ênfase ao fato de terem alimentos, bem como dinheiro, fornecidos regularmente por Bahá'u'lláh para aqueles aprisionados em sua casa.

Esses oficiais foram por sua vez tentados a derivar da liberdade de Bahá'u'lláh toda vantagem possível. Chamaram-No a sua presença, protestaram contra Sua ação, acusaram-No de cumplicidade no ato pelo qual os cativos haviam sido condenados. "O kad-khudá," replicou Bahá'u'lláh, "defendeu diante de Mim a causa deles e discorreu longamente sobre seus sofrimentos e suas necessidades. Ele próprio deu testemunho de sua inocência e a Mim apelou por ajuda. Em retribuição pelo auxílio que em resposta a seu convite, me senti impelido a prestar, vós agora me acusais de um crime do qual sou inocente." Esperando intimidar Bahá'u'lláh com ameaças de punição imediata, recusaram permitir que Ele regressasse a Sua casa. O encarceramento ao qual teve que sujeitar-se foi a primeira aflição que sobreveio a Bahá'u'lláh no caminho da Causa de Deus, o primeiro aprisionamento que sofreu por causa de Seus bem-amados. Permaneceu em cativeiro por poucos dias, até que Já'far-Qulí Khán, irmão de Mirza Áqá Khán-i-Núrí, que mais tarde foi nomeado Grão Vizir do Xá e alguns outros amigos intervieram por Ele e, ameaçando o kad-khudá em linguagem severa, conseguiram efetivar Sua libertação. Aqueles responsáveis por Seu encarceramento haviam confidentemente esperado receber, como recompensa por Sua liberdade, a soma de mil túmáns(17), mas breve descobriram que tinham que se conformar com a vontade de Já'far-Qulí Khán sem esperança de receberem, nem dele, nem de Bahá'u'lláh, a mínima remuneração. Com desculpas profusas e grande pesar, renderam as suas mãos seu Cativo.

Os herdeiros de Mullá Taqí estavam, entrementes, envidando todo esforço para vingar o sangue de seu distinto parente. Não satisfeitos com aquilo que já haviam feito, dirigiram seu apelo ao próprio Muhammad Sháh tentando conquistar sua simpatia para sua causa. Diz-se haver o Xá respondido do seguinte modo: "Vosso pai, Mullá Taqí, seguramente não poderia ter tido pretensão de ser superior ao Imame 'Alí, Comandante dos Fiéis. E ele não instruiu a seus discípulos que, caso caísse vítima da espada de Ibn-i-Mulham, o assassino, tão somente, deveria expiar com sua morte seu ato, que nenhum outro, senão ele, deveria ser morto? Por que não deve o assassinato de vosso pai ser vingado de modo semelhante? Declarei a mim seu assassino e emitirei minhas ordens para ele ser entregue em vossas mãos para que lhe possais infligir o castigo merecido."

A atitude inflexível do Xá induziu-os a abandonar as esperanças que haviam nutrido. Declararam Shaykh Sálih o assassino de seu pai, conseguiram prendê-lo e ignominiosamente o mataram. Foi ele o primeiro a derramar seu sangue no solo da Pérsia no caminho da Causa de Deus, o primeiro daquela gloriosa companhia destinada a selar com seu sangue vital o triunfo da santa Fé de Deus. Enquanto o conduziam à cena de seu martírio, sua face ardia de zelo e júbilo. Apressou-se ao pé do cadafalso e foi ao encontro de seu algoz como se estivesse dando boas vindas a um amigo querido de toda a vida. Caiam incessantemente de seus lábios palavras de triunfo e de esperança. "Rejeitei," exclamou ele com exultação, ao se aproximar seu fim, "as esperanças e as crenças dos homens desde o momento em que Te reconheci, Tu que és minha Esperança e minha Crença!". Seus restos mortais foram enterrados no pátio do santuário do Imame Zádih Zayd em Teerã.

O ódio insaciável que animava aqueles responsáveis pelo martírio de Shaykh Sálih impeliu-os a procurarem ainda mais instrumentos para a execução de seus desígnios. Hájí Mirza Aqásí, a quem o Sáhib-Díván longrara convencer da conduta pérfida dos herdeiros de Mullá Taqí, recusou atender seu apelo. Não dissuadidos por causa de sua recusa, submeteram seu caso ao Sadr-i-Ardibílí, homem notoriamente presunçoso e um dos mais arrogantes entre os chefes eclesiásticos da Pérsia. "Vede," argüiram, "a indignidade que foi infligida àqueles cuja função suprema é guardar a integridade da Lei. Como podeis vós, que sois seu expoente ilustre e principal, permitir que tão grave afronta para sua dignidade permaneça impune? Sois realmente incapaz de vingar o sangue daquele ministro do Profeta de Deus que foi trucidado? Não compreendeis que o próprio ato de ser tolerado tão abominável crime soltaria uma torrente de calúnia contra aqueles que são os principais repositórios dos ensinamentos e preceitos de nossa Fé? Vosso silêncio não haverá de encorajar os inimigos do Islã a demolirem a estrutura que vossas próprias mãos ergueram? E, em conseqüência, vossa própria vida não serão posta em perigo?"

O Sadr-i-Ardibílí ficou gravemente apreensivo e em sua impotência procurou seduzir seu soberano. Dirigiu a Muhammad Sháh o seguinte pedido: "Humildemente queria eu implorar a Vossa Majestade que permitais que os cativos acompanhem os herdeiros daquele líder martirizado em sua volta a Qazvín, a fim de que estes, de sua espontânea vontade, lhes possam publicamente perdoar sua ação e facilitar a recuperação de sua liberdade. Tal gesto de sua parte haverá de lhes realçar consideravelmente a posição e conquistar a estima de seus compatriotas." O Xá, completamente inconsciente dos malévolos desígnios daquele astucioso conspirador, acedeu de imediato a seu pedido, mas na condição expressa de que lhe fosse enviada de Qazvín uma declaração escrita informando-lhe que a condição dos prisioneiros após sua libertação era inteiramente satisfatória e que não haveria probabilidade de lhes sobrevir qualquer dano no futuro.

Mal foram os cativos entregues nas mãos dos malfeitores, quando estes se puseram a satisfazer seus sentimentos de ódio implacável para com eles. Na primeira noite depois de haverem sido entregues aos seus inimigos. Hájí Asadu'lláh, irmão de Hájí Alláh-Vardí e tio paterno de Muhammad-Hádí e Muhammad-Javad-i-Farhádí, conhecido mercador de Qazvín que havia adquirido uma reputação por piedade e integridade tão alta como a de seu ilustre irmão, foi cruelmente morto. Bem sabendo que em sua própria cidade natal não lhe poderiam infligir o castigo que desejavam, determinaram-se a tirar-lhe a vida enquanto em Teerã, de um modo que os protegesse de suspeita de assassinato. Na hora de meia-noite perpetraram o ato ignominioso e, na manhã seguinte, anunciaram que doença fora a causa de sua morte. Seus amigos e conhecidos, em sua maioria nativos de Qazvín, nenhum dos quais pudera descobrir o crime que havia extinguido uma vida tão nobre, concederam-lhe um enterro digno de sua posição.

Os outros de seus companheiros, entre eles Mullá Táhir-i-Shírází e Mullá Ibráhím-i Mahallatí, ambos muitos estimados por sua erudição bem como por seu caráter, com selvageria foram assassinados logo após sua chegada em Qazvín. A população inteira, que havia sido assiduamente instigada antes, clamava por sua execução imediata. Um bando de facínoras desavergonhados, munidos de facas, espadas, lanças e machados, investiram contra eles e os despedaçaram com tão desenfreada barbaridade que entre seus membros espalhados não se encontrava nenhum fragmento sequer para sepultura.

Deus misericordioso! Atos de tão incrível selvageria foram perpetrados numa cidade como Qazvín, que se orgulha do fato de que nada menos de cem dos mais eminentes eclesiásticos do Islã residem dentro de seus portões e, no entanto, nenhum se encontrava entre todos os seus habitantes para levantar a voz em protesto contra tão revoltantes assassinatos! Ninguém parecia questionar seu direito de perpetrar atos tão iníquos e vergonhosos. Ninguém parecia perceber a incompatibilidade absoluta entre tais atos ferozes cometidos por aqueles que se diziam os repositórios únicos dos mistérios do Islã e a conduta exemplar daqueles que primeiro manifestaram ao mundo a sua luz. Ninguém se sentiu impelido a exclamar com indignação: "Ó malvada e perversa geração! A que profundezas de infâmia e vergonha vos baixastes! As abominações das quais fostes autores não excederam em sua desumanidade os atos dos mais dos vis dos homens? Não quereis reconhecer que nem a ferocidade dos animais selvagens do campo nem a de qualquer coisa que se mova sobre a Terra, jamais igualou aquela que distingui vossos atos? Por quanto tempo haverá de durar vossa negligência? Não é vossa crença que a eficácia de toda oração congregacional depende da integridade daquele que dirige essa oração? Não tendes declarado repetidas vezes que nenhuma dessas orações é aceitável aos olhos de Deus, a menos que e antes que, o imame por quem a congregação é dirigida haja purgado de todo traço de malícia o seu coração? E, no entanto, aqueles que instigam a perpetração de tais atrocidades e nelas participam, não os julgais os verdadeiros dirigentes de vossa Fé, as próprias personificações da eqüidade e da justiça? Não foi as suas mãos que entregastes as rédeas de vossa Causa e não os considerastes os mestres de vossos destinos?"

A notícia desse ultraje chegou a Teerã e se espalhou com espantosa rapidez por toda a cidade. Hájí Mirza Aqásí protestou veementemente. "Em qual passagem do Alcorão," dizem haver ele exclamado, "em qual tradição de Maomé, se justificou o massacre de várias pessoas a fim de vingar o assassinato de uma só?" Muhammad Sháh também expressou forte desaprovação da conduta pérfida do Sadr-i-Ardibílí e seus confederados. Denunciou-lhe a covardia, baniu-o da capital e o condenou a uma vida de obscuridade em Qum. Essa degradação de seu posto causou satisfação imensa ao Grão Vizir, que havia até então laborado em vão para efetivar sua queda, e a quem essa súbita retirada aliviou das apreensões que a extensão de sua autoridade inspirara. Sua própria denúncia do massacre de Qazvín foi motivada não tanto pela sua simpatia com a Causa das vítimas indefesas, como pela esperança de envolver Sadr-i-Ardibílí em tais embaraços que inevitavelmente o tivessem de desonrar aos olhos de seu soberano.

O fato de não haver o Xá e seu governo infligido castigo imediato aos malfeitores os encorajou a procurar ainda mais meios de satisfazer seu implacável ódio aos seus oponentes. Dirigiram agora a atenção à própria Táhirih e resolveram que ela sofresse de suas mãos a mesma sorte que aos companheiros sobreviera. Enquanto ainda presa, Táhirih, assim que foi informada dos desígnios de seus inimigos, dirigiu a seguinte mensagem a Mullá Muhammad, que sucedera à posição do seu pai e estava agora reconhecido como o Imame Jum'ih de Qazvín: " 'De bom grado com as bocas extinguiriam a luz de Deus, mas Deus só desejava aperfeiçoar Sua luz, embora os infiéis a abominem(18).' Se minha Causa é a Causa da Verdade, se o Senhor a quem adoro não for outro, senão o Deus Uno e Verdadeiro, Ele, antes de haverem passado nove dias, me livrará do julgo de vossa tirania. Se Ele falhar, se não efetivar minha libertação, estareis livres para agirdes como desejardes. Havereis estabelecido irrevogavelmente a falsidade de minha crença." Mullá Muhammad, reconhecendo sua incapacidade para aceitar um desafio tão audaz, não se dignou de tomar conhecimento algum dessa mensagem e tentou por todos os meios astutos executar seu propósito.

Naqueles dias, antes de soar a hora por Táhirih fixada para sua libertação, Bahá'u'lláh indicou Seu desejo de livrá-la do cativeiro e trazê-la a Teerã. Determinou-se a estabelecer, aos olhos do adversário, a verdade das palavras de Táhirih e a frustrar os ardis que os inimigos haviam concebido para sua morte. Assim, pois, foi chamado a Sua presença Muhammad Hádíy-i-Farhádí, a quem foi confiada a tarefa de efetivar a transferência imediata de Táhirih à própria residência de Bahá'u'lláh em Teerã. Muhammad-Hádí foi incumbido de entregar à esposa, Khátún-Ján, uma carta selada e lhe dar instruções para seguir, disfarçada como mendiga, para a casa em que Táhirih estava confinada e entregar em suas mãos a carta, depois do qual deveria esperar um pouco na entrada da casa, até que Táhirih viesse e então apressar-se em a levar e a confiar aos cuidados dele. "Assim que Táhirih estiver em tua companhia," exortou Bahá'u'lláh ao emissário, "deverás partir imediatamente para Teerã. Nesta noite mesma, expedirei às cercanias do portão de Qazvín um subordinado meu com três cavalos, os quais levarás e permanecerás em lugar que será por ti escolhido fora dos muros de Qazvín. A esse lugar deverás conduzir Táhirih, onde montarão os cavalos e, por um caminho pouco freqüentado, esforçar-te a alcançar na hora do amanhecer as imediações da capital. Logo que se abrirem os portões, deverás entrar na cidade e seguir logo a Minha casa. A máxima cautela deve ser exercida para que a identidade de Táhirih não seja revelada. O Todo-poderoso haverá seguramente de te guiar os passos e te cercar de Sua infalível proteção."

Fortificado por essa afirmação de Bahá'u'lláh, Muhammad-Hádí prontamente partiu a fim de levar a cabo as instruções que recebera. Sem que qualquer empecilho o obstruísse, desempenhou sua tarefa, hábil e fielmente, conseguindo entregar Táhirih com segurança, na hora marcada, na casa de seu Mestre. Seu súbito e misterioso desaparecimento de Qazvín encheu de consternação amigos e inimigos igualmente. Inútil foi sua busca nas casas durante toda a noite, e frustrados foram seus esforços por encontrá-la. Até os mais céticos entre os oponentes ficaram atônitos diante do cumprimento da predição por ela pronunciada. Alguns poucos vieram a perceber o caráter sobrenatural da Fé por ela esposada e, contentes, aquiesceram em suas pretensões. Mirza 'Abdu'l-Vahháb, seu próprio irmão, naquele mesmo dia admitiu a verdade da Revelação, mas pelos atos subseqüentemente deixou de demonstrar a sinceridade de sua crença(19).

A hora que Táhirih fixara para sua libertação já a encontrou seguramente estabelecida à sombra protetora de Bahá'u'lláh. Bem sabia ela em cuja presença fora admitida; profundamente consciente estava do caráter sagrado da hospitalidade que tão benevolamente lhe havia sido concedida(20). Assim como acontecera com sua aceitação da Fé proclamada pelo Báb, quando ela, sem ser admoestada ou chamada, saudou Sua Mensagem e lhe reconhecer a verdade, do mesmo modo percebia ela por seu próprio conhecimento intuitivo, a futura glória de Bahá'u'lláh. Foi no ano de 1260, enquanto em Karbilá, que em suas odes se referiu a seu reconhecimento da Verdade a ser por Ele revelada. A mim mesmo foram mostrados em Teerã, na casa de Siyyid Muhammad, a quem Táhirih denominara Fata'l-Malíh, os versos que por seu próprio punho escrevera, cada letra dos quais dava eloqüente testemunho de sua fé nas exaltadas Missões tanto do Báb como de Bahá'u'lláh. Ocorre nessa ode o seguinte verso: "A fulgência da Beleza de Abhá penetrou o véu da noite; eis as almas dos que O amam, dançando, feitas partículas de pó na luz que de Sua face lampejou!" Foi por estar firmemente convicta do invencível poder de Bahá'u'lláh que se sentiu impelida a pronunciar com tanta confiança sua predição e a lançar na face dos inimigos seu desafio tão audaz. Nada menos que uma fé inabalável na infalível eficácia desse poder a teria induzido nas mais tenebrosas horas de seu cativeiro, a asseverar com tamanha coragem e certeza que estava próxima sua vitória.

Poucos dias após a chegada de Táhirih em Teerã, Bahá'u'lláh decidiu mandá-la a Khurásán na companhia dos crentes que estavam se preparando para ir a essa província. Ele também se determinara a deixar a capital e seguir na mesma direção alguns dias depois. Assim, pois, chamou Aqáy-i-Kalím e lhe disse que tomasse de imediato as medidas necessárias para assegurar a transferência de Táhirih, com sua acompanhante, Qánitih, a um lugar fora do portão da capital, donde, mais tarde, procederiam a Khurásán. Preveniu-o que exercesse extremo cuidado e vigilância para que os guardas estacionados na entrada da cidade e que tinham ordens de não permitirem a passagem de mulheres pelos portões sem uma licença, não descobrissem sua identidade e lhe impedissem a partida.

Tenho ouvido Aqáy-i-Kalím contar o seguinte: "Pondo nossa confiança em Deus, saímos montados, Táhirih, sua acompanhante e eu, a um lugar nas imediações da capital. Nenhum dos guardas estacionados no portão de Shimirán fez a mínima objeção, nem indagaram eles a respeito de nosso destino. A uma distância de dois farsangs(21) da capital, apeamos no meio de um pomar abundantemente abastecido de água e situado ao pé de uma montanha e em cujo centro havia uma casa que parecia completamente abandonada. Indo a procura do proprietário, encontrei por acaso um velho ocupado em regar suas plantas. Em resposta a minha pergunta, explicou ele que uma disputa surgira entre o dono e seus inquilinos, em conseqüência da qual os ocupantes haviam abandonado o lugar. 'Pediu-me o dono,' acrescentou, 'que guardasse a propriedade até se resolver a disputa.' Muito me contentou essa informação e o convidei a participar conosco de nosso almoço. Quando mais tarde decidi ir a Teerã, ele consentiu em vigiar e proteger Táhirih e sua acompanhante. Ao entregá-las a seu cuidado, eu lhe assegurei que voltaria àquela noite, eu mesmo, ou enviaria uma pessoa de confiança a quem eu seguiria na manhã seguinte com todos os requisitos para a viagem a Khurásán.

"Ao chegar em Teerã, mandei para onde estava Táhirih, Mullá Báqir, uma das Letras dos Viventes com um acompanhante. Informei Bahá'u'lláh de sua partida, sã e salva, da capital. Muito O contentou a informação que Lhe dei e Ele denominou aquele pomar 'Bágh-i-Jannat'(22). 'Aquela casa', comentou, 'foi providencialmente preparada para sua recepção, a fim de que nela fossem acolhidos os bem-amados de Deus.'

"Demorou-se sete dias Táhirih, nesse lugar, depois do qual partiu, acompanhada de Muhammad-Hasan-i-Qazvíní, de sobrenome Fatá e alguns outros, em direção a Khurásán. Ordenou-me Bahá'u'lláh que arranjasse tudo para sua partida, providenciando qualquer coisa que pudesse ser necessária para a viagem."

CAPÍTULO XVI
A CONFERÊNCIA DE BADASHT

Poucos dias depois de Táhirih iniciar sua jornada, Bahá'u'lláh ordenou a Aqáy-i-Kalím que completasse os necessários preparativos para Sua projetada partida para Khurásán. A seu cuidado entregou os membros de Sua família, pedindo-lhe que providenciasse tudo o que lhes pudesse assegurar bem-estar e segurança.

Quando chegou em Sháh-Rúd, Bahá'u'lláh foi recebido por Quddús, que deixara Mashhad, onde residia e viera Lhe dar boas vindas ao saber de Sua aproximação. A província inteira de Khurásán estava, naqueles dias, passando pela angústia de uma violenta agitação. As atividades que Quddús e Mullá Husayn haviam iniciado, seu zelo, sua coragem, sua linguagem franca, despertaram o povo de sua letargia, acendendo nos corações de alguns os mais nobres sentimentos de fé e devoção e nos peitos de outros, provocando os instintos de apaixonado fanatismo e malícia. Numerosos inquiridores constantemente afluíam de todas as direções a Mashhad, ansiosamente procurando a residência de Mullá Husayn e sendo por ele conduzido à presença de Quddús.

Muito breve a tais proporções se elevou seu número, que isso excitou a apreensão das autoridades. O chefe de polícia via com preocupação e consternação as multidões de pessoas agitadas que incessantemente afluíam a todas as partes da cidade santa. Em seu desejo de assegurar seus direitos, intimidar Mullá Husayn e induzi-lo a restringir o âmbito de suas atividades, emitiu ordens para prender imediatamente o servo especial dele, de nome Hasan, e sujeitá-lo a tratamento cruel e ignominioso. Furaram-lhe o nariz, passaram uma corda pela incisão e com esta como cabresto, pelas ruas o conduziram e exibiram.

Mullá Husayn estava na presença de Quddús quando lhe veio a notícia da aflição infame que a seu servo sobreviera. Receando que se tornasse pesaroso o coração de seu amado chefe, ao saber dessa triste ocorrência, levantou-se e se retirou em silêncio. Breve seus companheiros se reuniram a seu redor, expressaram sua indignação por aquele ataque atroz contra esse tão inocente seguidor de sua Fé e lhe solicitaram que vingasse o ultraje. Mullá Husayn tentou lhes mitigar a ira. "Não deixeis vos afligir e perturbar," exortava ele, "por causa da indignidade que sucedeu a Hasan, pois Husayn está ainda convosco e o entregará em vossas mãos são e salvo amanhã."

Em face de tão solene afirmação, seus companheiros não se aventuraram a comentar mais. Ardiam-lhes os corações, entretanto, com impaciência para reparar aquela injúria amarga. Alguns afinal, decidiram juntar-se e levantar altamente, pelas ruas de Mashhad, o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!"(1), como protesto contra aquela repentina afronta à dignidade de sua Fé. Foi esse brado o primeiro de seu gênero a ser erguido em Khurásán em nome da Causa de Deus. A cidade retumbava com o som daquelas vozes. Os ecos de seus brados alcançaram até às regiões mais distantes da província, erguendo nos corações do povo em grande tumulto e foram o sinal para os tremendos acontecimentos destinados a vir no futuro.

Em meio à confusão que se seguiu, aqueles que seguravam o cabresto pelo qual arrastavam Hasan pelas ruas, pereceram pela espada. Os companheiros de Mullá Husayn conduziram a sua presença o cativo já liberto e lhe informaram da sorte que havia sobrevindo ao opressor. "Recusastes," diz-se haver Mullá Husayn comentado, "tolerar as provações às quais foi Hasan sujeitado; como podereis vos reconciliar com o martírio de Husayn?(2)"

A cidade de Mashhad, que acabava de recuperar sua paz e tranqüilidade após a rebelião que o Sálár provocara, mergulhou-se novamente em confusão e angústia. O Príncipe Hamzih Mirza estacionara com suas tropas e munições a uma distância de quatro farsangs(13) da cidade, pronto para enfrentar qualquer emergência que surgisse, quando, de repente, lhe veio a notícia desses novos distúrbios. De imediato expediu ele um destacamento à cidade, com instruções para obter a assistência do governador na apreensão de Mullá Husayn e conduzi-lo a sua presença. 'Abdu'l-'Alí Khán-i-Marághiyí, capitão da artilharia do príncipe, imediatamente interviu. "Julgo-me," apelou ele, "um dos que amam e admiram Mullá Husayn. Se vós pensais em lhe infligir qualquer mal, imploro-vos que tomeis minha vida e então procedais a executar vosso desígnio, pois eu, enquanto viver, não poderei tolerar o menor desrespeito para com ele."

O príncipe, que bem sabia quanto necessitava desse oficial, sentiu-se muito embaraçado diante dessa inesperada declaração. "Também já encontrei Mullá Husayn," foi sua resposta, em sua tentativa de remover a apreensão de 'Abdul-'Alí Khán. "Eu também lhe nutro a maior devoção. Chamando-o a meu acampamento, espero restringir o âmbito dos distúrbios que têm sido provocados e salvaguardar sua pessoa." O príncipe então dirigiu a Mullá Husayn, por seu próprio punho, uma carta na qual mostrou quanto era desejável que transferisse sua residência por alguns dias a seu quartel e lhe assegurava seu sincero desejo de protegê-lo contra os ataques de seus oponentes enfurecidos. Ordenou que sua própria tenda, belamente ornamentada, fosse erguida na vizinhança de seu acampamento e reservada para a recepção do hóspede esperado.

Ao receber essa comunicação, Mullá Husayn a apresentou a Quddús, quem lhe aconselhou que respondesse ao convite do príncipe. "Nenhum mal te pode suceder," Quddús lhe assegurou. "Quanto a mim, nesta mesma noite partirei na companhia de Mirza Muhammad-'Alíy-i-Qazvíní, uma das Letras dos Viventes, para Mázindarán. Queira Deus, tu também, mais tarde, chefiando uma grande companhia dos fiéis e precedido pelos 'Estandartes Negros' partirás de Mashhad e virás a mim. Haveremos de nos encontrar em qualquer lugar que o Todo-poderoso tenha decretado."

Jubilosamente Mullá Husayn respondeu. Prostrou-se aos pés de Quddús e lhe assegurou sua firme determinação de cumprir com fidelidade as obrigações que ele lhe impusera. Quddús abraçou-o afetuosamente e, beijando-lhe os olhos e a testa, o entregou à infalível proteção do Todo-poderoso. Cedo naquela mesma tarde, Mullá Husayn, montando seu corcel, seguiu com dignidade e calma ao acampamento do Príncipe Hamzih Mirza e foi cerimoniosamente conduzido por 'Abdu'-l'Alí Khán, que juntamente com vários outros oficiais fora designado pelo príncipe para ir a seu encontro e lhe dar boas vindas, à tenda que havia sido erigida especialmente para seu uso.

Naquela mesma noite Quddús chamou a sua presença Mirza Muhammad-Báqir-i-Qá'iní, que construíra o Bábíyyih, juntamente com alguns dos mais proeminentes dentre seus companheiros e os incumbiu de prestarem inquestionável lealdade a Mullá Husayn e lhe obedecerem em tudo o que ele desejasse que fizessem. "Turbulentas são as tempestades que estão a nossa frente", disse-lhes. "Os dias tensos, de violenta comoção, rapidamente se aproximam. Aderi a ele, pois em obediência a seu mando está vossa salvação."

Com estas palavras despediu-se Quddús de seus companheiros e, acompanhado por Mirza Muhammad-'Alíy-i-Qazvíní, partiu de Mashhad. Poucos dias depois, encontrou com Mirza Sulaymán-i-Núrí, quem lhe informou das circunstâncias que atendiam a libertação de Táhirih de seu encarceramento em Qazvín, de sua viagem em direção a Khurásán e da subseqüente partida de Bahá'u'lláh da capital. Mirza Sulaymán, bem como Mirza Muhammad 'Alí, permaneceu na companhia de Quddús até que chegaram em Badasht. Alcançaram essa aldeia na hora do alvorecer e aí encontraram reunidas muitas pessoas a quem reconheceram como seus irmãos de crença. Decidiram, entretanto, continuar sua viagem e assim procederam diretamente a Sháh-Rúd. Quando se aproximavam dessa aldeia, Mirza Sulaymán, que estava seguindo a uma distância atrás deles, encontrou Muhammad-i-Haná-Sáb, que estava viajando a Badasht. Ao indagar sobre o objetivo dessa reunião, Mirza Sulaymán foi informado de que Bahá'u'lláh e Táhirih, poucos dias antes, haviam deixado Sháh-Rúd para essa aldeia; que um grande número de crentes já havia chegado de Isfáhán, Qazvín e outras cidades da Pérsia, e esperavam acompanhar Bahá'u'lláh em Sua projetada jornada a Khurásán. "Diga a Mullá Ahmad-i-Ibdál, que está agora em Badasht," disse Mirza Sulaymán, "que nesta mesma manhã brilhou sobre vós uma luz cujo esplendor deixastes de reconhecer(4)."

Bahá'u'lláh, logo que foi informado por Muhammad-i-Haná-Sáb da chegada de Quddús em Sháh-Rúd, decidiu ir a seu encontro. Acompanhado por Mullá Muhammad-i-Mu'allim-i-Núrí, partiu a cavalo naquela mesma noite para essa aldeia e na manhã seguinte, na hora do nascer do sol, já havia regressado a Badasht com Quddús.

Era o início do verão. Ao chegar, Bahá'u'lláh alugou três jardins, um dos quais designou exclusivamente ao uso de Quddús, outro separou para Táhirih e sua acompanhante e o terceiro reservou para si próprio. Aqueles que se haviam reunido em Badasht eram oitenta e um em número, todos os quais, desde o tempo de sua chegada até o dia de sua dispersão, foram hóspedes de Bahá'u'lláh. Todos os dias revelava Ele uma Epístola que Mirza Sulaymán-i-Núrí entoava na presença dos crentes reunidos. A cada um conferiu Ele um novo nome. Ele Próprio foi daí em diante designado pelo nome de Bahá; à última Letra dos Viventes foi conferido o título de Quddús e a Qurratu'l-Ayn o título de Táhirih. O Báb subseqüentemente revelou uma Epístola especial a cada um dos que se haviam reunido em Badasht, dirigindo-se a cada um pelo nome que lhe fora recentemente conferido. Quando, em época posterior, alguns dos mais rígidos e conservadores dentre os co-discípulos se dignaram de acusar Táhirih de rejeitar indiscretamente as consagradas tradições do passado, o Báb, a quem foram dirigidas essas queixas, nos seguintes termos replicou: "Que haverei eu de dizer a respeito daquela a quem a Língua de Poder e Glória denominou Táhirih (a Pura)?"

Cada dia dessa memorável reunião testemunhou a ab-rogação de mais uma lei e o repúdio a uma tradição desde muito estabelecida. Os véus que guardavam a santidade dos preceitos do Islã foram inexoravelmente rompidos e os ídolos que desde tanto tempo reclamavam a adoração de seus devotos cegos foram bruscamente demolidos. Qual a Fonte, porém, donde procediam essas inovações audazes e desafiadoras, ninguém sabia; qual a Mão que constante e infalivelmente lhes dirigia o curso, ninguém suspeitava. Até a identidade Daquele que conferira um novo nome a cada um dos congregados nessa aldeia permanecia desconhecida àqueles que os haviam recebido. Cada um conjeturava de acordo com seu grau de entendimento. Poucos, acaso alguns, tenuemente desconfiavam ser Bahá'u'lláh o Autor das modificações de vasto alcance que tão destemidamente se introduziam.

Shaykh Abú-Turáb, um dos mais informados quanto à natureza dos desenvolvimentos em Badasht, contou - segundo dizem - o seguinte incidente: "Um mal estar, um dia, confinou Bahá'u'lláh a Seu leito. Quddús, ao saber de Sua indisposição, apressou-se logo a visitá-Lo. Quando foi conduzido a Sua presença, sentou-se à direita de Bahá'u'lláh. Os outros companheiros foram pouco a pouco admitidos a Sua presença e se agruparam a Seu redor. Mal se haviam reunido quando de repente entrou Muhammad-Hasan-i-Qazvíní, mensageiro de Táhirih, recém-denominada Fata'l-Qazvíni, que trazia a Quddús um convite premente de Táhirih para visitá-la em seu próprio jardim. 'Dela já me desliguei inteiramente,' foi sua resposta audaz e decisiva. 'Com ela me recuso a encontrar(5).' O mensageiro logo se retirou, mas breve veio novamente, reiterando a mesma mensagem e apelando para ele que lhe atendesse o chamado urgente. 'Ela insiste em vossa visita,' foram suas palavras. 'Se persistirdes em vossa recusa, ela mesma virá até vós.' Percebendo sua atitude inexorável, o mensageiro desembainhou a espada e a pôs aos pés de Quddús, dizendo: 'Recuso ir sem vós. Ou dignai-vos em me acompanhar à presença de Táhirih, ou me cortai a cabeça com esta espada.' 'Já declarei minha intenção de não visitar Táhirih,' retrucou Quddús irosamente. 'Disposto estou a ceder à alternativa que te dignaste a me apresentar.'

"Muhammad-Hasan, que se sentara aos pés de Quddús, havia estendido o pescoço para receber o golpe fatal, quando de súbito a figura de Táhirih, adornada e desvelada, apareceu diante dos olhos dos companheiros reunidos. Consternação de imediato se apoderou da assembléia inteira(6). Atônitos estavam todos diante dessa repentina e totalmente inesperada aparição. Contemplar-lhe a face sem véu lhes era inconcebível. Até fitar sua sombra era coisa por eles julgada imprópria, desde que a consideravam a verdadeira encarnação de Fátimih(7), aos seus olhos o mais nobre emblema da castidade.

"Quieta, silenciosamente e com a maior dignidade, Táhirih avançou e, indo em direção a Quddús, sentou-se a sua direita. Sua impertubável serenidade estava em nítido contraste com os semblantes assustados dos que lhe contemplavam a face. Medo, ira e perplexidade agitavam as profundezas de suas almas. Essa súbita revelação parecia haver lhes atordoado as faculdades. 'Abdu'l-Kháliq-i-Isfáhání tão severamente abalado estava que cortou sua garganta com as próprias mãos. Coberto de sangue e com gritos de agitação, fugia da face de Táhirih. Alguns outros, seguindo-lhe o exemplo, abandonaram os companheiros e renunciaram à sua Fé. Alguns foram vistos em pé mudos diante dela, confundidos com espanto. Quddús, entremente, permanecera sentado em seu lugar, segurando na mão a espada desembainhada, enquanto o rosto demonstrava um sentido de ira inexpressível. Parecia estar esperando o momento em que pudesse infligir a Táhirih o golpe fatal.

"Sua atitude ameaçadora, entretanto, não conseguia movê-la. Seu semblante mostrava aquela mesma dignidade e confiança evidenciadas no primeiro momento de sua aparição perante os crentes reunidos. Um sentimento de júbilo e triunfo agora lhe iluminava a face. Levantou-se ela de seu assento e, não impedida pelo tumulto que provocara nos corações de seus companheiros, começou a dirigir-se aos que restavam daquela assembléia. Sem a mínima premeditação e em linguagem que mostrava uma semelhança impressionante àquela do Alcorão, fez seu apelo com inigualável eloqüência e fervor profundo. Concluiu o discurso com este versículo do Alcorão: 'Verdadeiramente, em meio a jardins e rios haverão os piedosos de habitar, no assento da verdade, na presença do Rei potente.' Ao pronunciar estas palavras, lançou um olhar furtivo em direção tanto de Bahá'u'lláh como de Quddús, de tal maneira que os que isto presenciavam não podiam dizer a qual dos dois se referia. Imediatamente depois, declarou: 'Sou o Verbo que o Qá'im há de pronunciar, o Verbo que porá em debandada os chefes e nobres da Terra.'(8)

"Virou-se então para Quddús e o repreendeu por haver deixado de cumprir em Khurásán o que ela julgara essencial ao bem-estar da Fé. "Estou livre para seguir as instâncias de minha própria consciência," retrucou Quddús. "Não estou sujeito à vontade e ao bel-prazer de meus companheiros. Retirando dele seu olhar, Táhirih convidou aqueles presentes a celebrarem de um modo digno esta grande ocasião. "Este dia é o dia de festividade e regozijo universal," acrescentou, "o dia em que os grilhões do passado são rompidos. Que os que participaram nesta grande realização se levantem e abracem uns aos outros."

Aquele dia memorável e os que imediatamente o seguiram testemunharam os modificações mais revolucionárias na vida e nos hábitos dos seguidores reunidos do Báb. Seu modo de adorar passou por uma transformação súbita e fundamental. Foram irrevogavelmente rejeitadas as orações e cerimônias pelas quais aqueles devotos haviam sido disciplinados. Grande confusão, entretanto prevalecia entre aqueles que tão zelosamente haviam levantado a fim de advogar essas reformas. Alguns poucos condenavam uma mudança tão radical, como sendo a essência da heresia, e se recusaram a anular o que consideravam ser os invioláveis preceitos do Islã. Alguns aceitavam Táhirih como o juiz único e a única pessoa qualificada para demandar dos fiéis obediência implícita. Outros que denunciaram sua conduta aderiram a Quddús, a quem consideravam como o único representante do Báb, o único que tinha o direito de pronunciar sobre assuntos tão importantes. Ainda outros que reconheciam a autoridade tanto de Táhirih como de Quddús viam o episódio todo como uma provação mandada por Deus designada para separar o verdadeiro do falso e distinguir os fiéis dos desleais.

A própria Táhirih se aventurou em algumas ocasiões a repudiar a autoridade de Quddús. "Julgo-o," dizem haver ela declarado, "um discípulo a quem o Báb me mandou edificar e instruir. Não o vejo a outra luz." Quddús, por sua parte, não deixou de denunciar Táhirih como "a autora de heresia" e aqueles que lhe advogavam as opiniões ele os estigmatizava como "as vítimas do erro". Esse estado de tensão persistiu por alguns dias até que Bahá'u'lláh interviu e, de Sua maneira magistral, efetivou uma reconciliação completa entre eles. Saneou Ele as feridas causadas por aquela controvérsia áspera e os esforços de ambos Ele dirigiu ao caminho do serviço construtivo(9).

Atingira-se o objetivo daquela memorável reunião(10). O toque de clarim da nova Ordem soara. As convenções obsoletas que haviam agrilhoado as consciências dos homens foram audazmente desafiadas e intrepidamente abolidas. Desobstruíra-se o caminho para a proclamação das leis e dos preceitos destinados a conduzir a nova Era. Os que restavam dos companheiros congregados em Badasht decidiram, pois, partir para Mazindárán. Quddús e Táhirih sentaram-se no mesmo howdah(11), preparado para sua viagem por Bahá'u'lláh. No caminho, Táhirih cada dia compunha uma ode que, segundo suas instruções, era entoada por aqueles que a acompanhavam, enquanto seguiam seu howdah. Montanha e vale escoavam os brados com os quais aquele grupo entusiástico, enquanto viajava a Mazindárán, saudava a extinção do velho Dia e o nascimento do Novo.

De vinte e dois dias foi a duração da estada de Bahá'u'lláh em Badasht. Alguns poucos dos seguidores do Báb durante sua viagem a Mázindárán tentaram abusar da liberdade que o repúdio às leis e sanções de uma Fé obsoleta lhes conferira. Viram o ato sem precedentes da parte de Táhirih, o de abandonar o véu, como sinal para transgredir os limites da moderação e satisfazer seus desejos egoístas. Os excessos aos quais alguns poucos chegaram provocaram a ira do Todo-Poderoso e causou sua dispersão imediata. Na vila de Níyálá, passaram por penosas provações, sofrendo feridas severas nas mãos de seus inimigos. Essa dispersão extinguiu o mal que alguns irresponsáveis entre os aderentes da Fé haviam tentado incitar, e Lhe preservou imaculadas a honra e dignidade.

Tenho ouvido o próprio Bahá'u'lláh descrever esse incidente: "Estávamos todos reunidos na aldeia de Níyálá e descansando ao pé de uma montanha, quando, na hora do alvorecer, fomos repentinamente acordados pelas pedras que o povo da vizinhança estava jogando contra nós do cume da montanha. A ferocidade de seu ataque induziu nossos companheiros a fugir em terror e consternação. Vesti Quddús em minhas próprias roupas e o mandei a um lugar seguro, aonde eu pretendia ir a seu encontro. Ao chegar, vi que ele tinha ido embora. Não havia permanecido em Níyalá nenhum de nossos companheiros, exceto Táhirih e um jovem de Shíráz, Mirza 'Abdu'lláh. A violência com que fomos agredidos havia trazido desolação a nosso acampamento. Pessoa alguma pude eu encontrar em cuja custódia pudesse entregar Táhirih, a não ser aquele jovem que, nessa ocasião, mostrou uma coragem e uma determinação verdadeiramente admiráveis. Espada em mão, destemido em face do selvagem assalto dos habitantes da aldeia, que precipitava para saquear nossa propriedade, ele avançou para deter a mão dos agressores. Embora ele mesmo estivesse ferido em várias partes do corpo, arriscava a vida para proteger nossa propriedade. Eu lhe mandei desistir de fazê-lo. Após haver cessado o tumulto, aproximei-me de alguns dos habitantes da aldeia e pude convencê-los da crueldade e ignomínia de sua conduta. Subseqüentemente consegui recuperar uma parte de nossa propriedade saqueada."

Bahá'u'lláh juntamente com Táhirih e sua acompanhante, seguiram para Núr. Shaykh Abú-Turáb foi por Ele escolhido para vigiá-la e garantir sua proteção e segurança. Entrementes se esforçavam os malfeitores para incendiar a ira de Muhammad Sháh contra Bahá'u'lláh e, apontando-O como principal instigador dos distúrbios de Sháh-Rúd e Mázindárán, consegui, afinal, induzir o soberano a mandar prendê-Lo. "Até agora," dizem haver o Xá irosamente comentado, "recusei sancionar qualquer culpa que lhe atribuíssem. O que motivou minha indulgência foi meu reconhecimento dos serviços que a meu país seu pai prestara. Desta vez, porém, me determinei a mandar executá-lo."

Assim, pois, mandou um dos oficiais em Teerã dar instruções a seu filho que residia em Mázindárán para prender Bahá'u'lláh e conduzi-Lo à capital. O filho desse oficial recebeu a comunicação justamente no dia antes da recepção que preparara em homenagem a Bahá'u'lláh, a quem tinha grande devoção. Profundamente se afligiu, mas não divulgou a notícia a ninguém. Bahá'u'lláh, entretanto, percebeu sua tristeza e o aconselhou a colocar sua confiança em Deus. No dia seguinte, enquanto Bahá'u'lláh estava sendo acompanhado por Seu amigo a sua casa, encontraram um cavaleiro que vinha de Teerã. "Muhammad Sháh está morto!" Exclamou o amigo no dialeto de Mázindárán, voltando apressadamente a Ele, após breve conversação com o mensageiro. Tirou a intimação imperial e a mostrou. Perdera o documento sua eficácia. Aquela noite foi passada na companhia de seu hóspede numa atmosfera de ininterrupta calma e alegria.

Nesse meio tempo havia Quddús caído nas mãos de seus oponentes e sido confinado em Sárí na casa de Mirza Muhammad-Taqí, principal mujtahid daquela cidade. Os companheiros restantes, após sua dispersão em Níyálá, se haviam espalhado em várias direções, levando cada um de seus correligionários as notícias dos momentosos acontecimentos de Badasht.

CAPÍTULO XVII
O ENCARCERAMENTO DO Báb NA FORTALEZA DE CHIHRÍQ

O incidente de Níyálá ocorreu em meados do mês de Sha'bán, no na de 1264 A.H.(1) Perto do fim desse mesmo mês, foi o Báb levado a Tabríz, onde sofreu nas mãos de Seus opressores uma injúria severa e humilhante. Essa deliberada afronta à Sua dignidade quase se sincronizou com o ataque dirigido pelos habitantes de Níyálá contra Bahá'u'lláh e Seus companheiros. Um foi apedrejado por um povo ignorante e pugnaz; o outro castigado a bastonada por um cruel e traiçoeiro inimigo.

Relatarei agora as circunstâncias que levaram àquela odiosa indignidade que os perseguidores do Báb se dignaram de Lhe infligir. Segundo as ordens emitidas por Hájí Mirza Áqásí, fora Ele transferido à fortaleza de Chihríq(2) e entregue à guarda de Yahyá Khán-i-Kurd, cuja irmã era esposa de Muhammad Sháh, a mãe de Náyi bu's-Saltanih. Estritas e explícitas instruções foram dadas pelo Grão-Vizir a Yahyá Khán, ordenando-lhe que a ninguém permitisse entrar na presença de seu Prisioneiro. Foi advertido especialmente que não seguisse o exemplo de 'Alí Khán-i-Máhkú-í, que pouco a pouco havia sido levado a desatender as ordens recebidas(3).

A despeito do caráter enfático dessa injunção e em face da inexorável oposição do onipotente Hájí Mirza Aqásí, Yahyá Khán se achou impotente para seguir aquelas instruções. Ele também, logo veio a sentir a fascinação de seu Prisioneiro e, assim que entrou em contato com Seu espírito, se esqueceu do dever que lhe fora ordenado cumprir. Desde o início, o amor do Báb lhe penetrou o coração e conquistou todo o seu ser. Os curdos que viviam em Chihríq, e cujo fanatismo e ódio dos xiitas excediam a aversão que os habitantes de Máh-Kú lhes tinham, foram igualmente sujeitados à transformadora influência do Báb. Tal foi o amor por Ele ateado em seus corações que toda manhã antes de saírem para o trabalho diário, dirigiam os passos à Sua prisão e, fitando de longe a fortaleza que continha o Ente bem-amado, Lhe invocavam o nome e suplicavam Suas bênçãos. Prostravam-se no chão e procuravam refrescar suas almas com a lembrança D'Ele. Relatavam livremente, um ao outro, as maravilhas de Seu poder e glória e contavam os sonhos que davam testemunho do poder criador de Sua influência. A ninguém recusava Yahyá Khán entrada na fortaleza(4). Como Chihríq não tinha capacidade para acomodar o crescente número de visitantes que afluíam aos seus portões, facilitou-lhes a obtenção do alojamento necessário em Iskí-Shahr, a antiga Chihríq, situada à distância de uma hora da fortaleza. Quaisquer provisões requisitadas para o Báb eram compradas na velha cidade e transportadas à Sua prisão.

O Báb, um dia, pedira que lhe fosse comprado algum mel, mas o preço pago lhe parecia exorbitante. Recusou-o, dizendo: "Mel de qualidade superior poderia ter sido comprado, sem dúvida, por um preço menor. Eu que sou vosso exemplo tenho sido mercador de profissão. Incumbe-vos em todas as transações seguir Meu modo. Não deveis fraudar vosso próximo, nem permitir que ele vos fraude. Tal foi o modo de vosso Mestre. Os mais astutos e capazes dos homens não O puderam enganar, nem Ele por Sua parte se dignava de agir de um modo pouco generoso para com as mais desprezíveis e desamparadas das criaturas." Insistiu em que o servo que fizera a compra voltasse e Lhe trouxesse um mel de qualidade superior e preço menos caro.

Durante o cativeiro do Báb na fortaleza de Chihríq, acontecimentos de caráter assustador causaram ao governo grave inquietação. Breve se tornou evidente que alguns dos mais eminentes entre os siyyids, os ulemás e os oficiais de governo de Khuy haviam abraçado a Causa do Prisioneiro e se identificado completamente com Sua Fé. Entre estes se encontravam Mirza Muhammad-'Alí e seu irmão Búyuk-Áqá, sendo ambos siyyids de distinto mérito que se haviam levantado com ardente fervor para proclamar sua Fé a toda espécie e classe de pessoas entre seus compatriotas. Uma corrente contínua de inquiridores e crentes confirmados fluía em ambas as direções entre Khuy e Chihríq, em conseqüência de tais atividades.

Aconteceu nesse tempo que um proeminente oficial de grandes dotes literários, Mirza Asadu'lláh, a quem mais tarde o Báb conferiu o título de Dayyán, e cuja veemente denúncia de Sua Mensagem havia frustrado todos os esforços por convertê-lo, teve um sonho. Ao acordar, determinou-se à não contá-lo a pessoa alguma e, fixando sua escolha em dois versículos do Alcorão, dirigiu ao Báb o seguinte pedido: "Concebi em minha mente três coisas definidas. Peço-vos que me reveleis sua natureza." A Mirza Muhammad-'Alí se pediu que submetesse ao Báb esse pedido por escrito. Poucos dias depois, recebeu uma resposta escrita pelo próprio punho do Báb, na qual expôs em sua totalidade as circunstâncias daquele sonho e revelou os textos exatos daqueles versículos. A exatidão dessa resposta efetivou uma súbita conversão. Embora não acostumado a andar a pé, Mirza Asadu'lláh se apressou a subir por aquele caminho íngreme e pedregoso que conduzia de Khuy à fortaleza. Tentaram seus amigos induzi-lo a seguir a cavalo a Chihríq, mas ele recusou a oferta. Seu encontro com o Báb confirmou-o em sua crença e excitou aquele ardor abrasador que ele até o fim da vida continuou a manifestar.

Nesse mesmo ano, expressara o Báb Seu desejo de que quarenta de Seus companheiros empreendessem, cada um, a composição de um tratado e procurassem, mediante versículos e tradições, estabelecer a validade de Sua Missão. De imediato Seu desejo foi obedecido e devidamente submetido à Sua presença o resultado de seus labores. O tratado de Mirza Asadu'lláh ganhou a admiração incondicional do Báb e o mais alto grau, segundo Sua estimação. Conferiu-lhe o nome de Dayyán e em sua honra revelou o Lawh-i-Hurúfát,(5) no qual fez a seguinte afirmação: "Não tivesse o Ponto do Bayán(6) outro testemunho com o qual estabelecer Sua verdade, bastaria isto - haver Ele revelado uma Epístola como esta, uma Epístola que nem a maior quantidade de erudição poderia produzir."

O povo do Bayán, que compreendeu mal o propósito que baseia essa Epístola, pensou que fosse uma mera exposição da ciência de Jafr(7). Quando, em época posterior, nos primeiros anos do encarceramento de Bahá'u'lláh na cidade-prisão de 'Akká, Jináb-i-Muball-igh, de Shíráz, pediu que desenredasse os mistérios dessa Epístola, foi de Sua pena revelada uma explicação que aqueles que interpretaram mal as palavras do Báb bem poderiam ponderar. Das afirmações do Báb aduziu Bahá'u'lláh irrefutável evidência provando que o aparecimento do Man-Yuzhiruhu'lláh(8) deveria forçosamente ocorrer dentro de nada menos de dezenove anos após a Declaração do Báb. Desde muito havia o mistério do Mustagháth(9) frustrado as mentes mais prescrutadoras entre o povo do Bayán, provando-se um intransponível obstáculo para seu reconhecimento do Prometido. Nessa Epístola desvendara o próprio Báb aquele mistério; ninguém, entretanto, pôde compreender a explicação que Ele dera. Coube a Bahá'u'lláh desvelá-lo aos olhos de todos os homens.

O incansável zelo demonstrado por Mirza Asadu'lláh induziu seu pai, que era amigo íntimo de Hájí Mirza Aqásí, a relatar-lhe as circunstâncias que conduziram à conversão de seu filho e lhe informar de sua negligência em cumprir com os deveres que o Estado lhe impusera. Estendeu-se sobre o fervor com que tão hábil servo do governo se levantara para servir a seu novo Mestre e o sucesso que havia coroado seus esforços.

Mais uma causa de apreensão por parte das autoridades governamentais foi fornecida pela chegada em Chihríq de um dervixe que viera da Índia e que ao encontrar com o Báb, admitiu a verdade de Sua Missão. Todos que conheceram esse dervixe, a quem o Báb denominara Qahru'-lláh, durante sua estada em Iskí-Shahr, sentiram o ardor de seu entusiasmo e foram profundamente impressionados pela tenacidade de sua convicção. Um crescente número de pessoas se enlevavam no encanto de sua personalidade e prontamente reconheciam o dominante poder de Sua Fé. Tal foi a influência que exercia sobre eles que alguns entre os crentes se inclinavam a considerá-lo um expoente da Revelação Divina, embora ele negasse totalmente tais pretensões. Freqüentemente se lhe ouvia relatar o seguinte: "Nos dias em que eu ocupava a exaltada posição de um nababo na Índia, o Báb me apareceu numa visão. Fixou em mim Seu olhar e me conquistou completamente o coração. Levantei-me e havia começado a segui-Lo quando me olhou atentamente e disse: 'De tuas roupas vistosas deves te despir, tua terra natal deves deixar e a pé apressar-te ao Meu encontro em Adhírbáyján. Em Chihríq atingirás o desejo de teu coração.' Segui-Lhe as instruções e alcancei agora minha meta."

A notícia do tumulto que aquele humilde dervixe pôde causar entre os líderes curdos em Chihríq chegou em Tabríz e daí foi comunicada a Teerã. Mal a notícia alcançara a capital, quando ordens foram emitidas para a transferência imediata do Báb para Tabríz, na esperança de se aliviar a agitação que sua prolongada residência naquela localidade havia provocado. Antes de alcançar Chihríq a notícia dessa nova ordem, já havia o Báb incubido 'Azím de informar Qahru'lláh de Seu desejo de que ele regressasse à Índia e lá consagrasse a vida ao serviço de Sua Causa. "Sozinho e a pé," ordenou Ele, "deve regressar para o lugar donde veio. Com o mesmo ardor e desprendimento com que realizou sua peregrinação a este país deve ele agora dirigir-se à sua terra natal e laborar incessantemente a fim de promover os interesses da causa." Ordenou também que a Mirza 'Abdu'l Vahháb-i-Turshízí, que residia em Khuy, desse instruções para seguir de imediato a Urúmíyyíh, onde, lhe disse, breve estaria com ele. O próprio 'Azím recebeu instruções para ir para Tabríz e lá informar Siyyid Ibráhim-i-Khalil de Sua chegada naquela cidade. "Dize-lhe", acrescentou o Báb, "que o fogo de Nimrod breve se acenderá em Tabríz, mas apesar da intensidade de sua chama, dano algum sucederá aos nossos amigos."

Assim que Qahru'lláh recebeu a mensagem de seu Mestre, de pronto se levantou para executar Seus desejos. A qualquer um que desejasse acompanhá-lo, dizia: "Jamais poderás suportar as durezas desta jornada. Abandona o pensamento de ir comigo. Haverias seguramente de perceber no caminho, visto que o Báb ordenou que eu voltasse sozinho para minha terra natal." A força constrangedora de sua resposta silenciou aqueles que pediam que lhes fosse permitido com ele viajarem. Recusou aceitar de qualquer pessoa dinheiro ou roupas. Sozinho, vestido nos mais pobres trajes, com báculo em mão, andou a pé por todo o caminho de volta a seu país. Não se sabe o que em fim lhe sucedeu.

Muhammad-'Alíy-i-Zunúzí, cognominado Anís, era um dos que conheceram a mensagem do Báb em Tabríz e se sentiu inflamado com o desejo de apressar-se a Chihríq e atingir Sua presença. Aquelas palavras haviam nele ateado um irreprimível anelo de se sacrificar em Seu caminho. Siyyid 'Alíy-i-Zunúzí, seu padastro, um notável de Tabríz, apresentou fortes objeções à sua partida da cidade e foi afinal induzido a confiná-lo em sua casa e vigiá-lo estritamente. O filho languescia nesse encarceramento desde o tempo em que o Bem-Amado chegara em Tabríz até ser levado de volta novamente à Sua prisão em Chihríq.

Tenho ouvido Shaykh Hasan-i-Zunúzí relatar o seguinte: "Aproximadamente no mesmo tempo que o Báb dispensou 'Azim de Sua presença, recebi Dele instruções para reunir todas as Epístolas disponíveis, por Ele reveladas durante Seu aprisionamento nas fortalezas de Máh-Kú e Chihríq, e entregá-las às mãos de Siyyid Ibráhim-i-Khalil, que então residia em Tabríz, solicitando-lhe que as escondesse e preservasse com o máximo cuidado.

"Durante minha estada naquela cidade, eu muitas vezes visitava Siyyid 'Alíy-i-Zunúzí, que era parente meu, e freqüentemente o ouvia deplorar a triste sorte do filho. 'Parece haver perdido a razão', queixava ele amargamente. 'Ele por sua conduta, me tem trazido censura e opróbrio. Tenta acalmar a agitação de seu coração e o induza a ocultar suas convicções.' Todo dia que o visitava, testemunhava eu as lágrimas que de seus olhos continuamente choviam. Depois que o Báb havia partido de Tabríz, um dia quando fui vê-lo, admirei-me de notar o júbilo e contentamento que lhe iluminavam o semblante. Seu belo rosto estava engrinaldado de sorrisos enquanto avançava para me receber. 'Os olhos de meu Bem-Amado,' disse ele, enquanto me abraçava, 'viram este rosto, e estes olhos contemplaram Seu semblante.' 'Deixai-me,' acrescentou, 'dizer-vos o segredo de minha felicidade. Depois de haver o Báb sido levado de volta a Chihríq, enquanto eu jazia, um dia, confinado em meu quarto, a Ele voltei meu coração e nestas palavras supliquei: 'Tu vês, ó meu Mais-Amado, meu cativeiro e desamparo, e sabes com que ansiedade anelo contemplar Tua face. Com a luz de Teu semblante dissipa a treva que me oprime o coração.' Que lágrimas de agonizante pesar derramei naquela hora! Tão acabrunhado de emoção estava, que me parecia haver perdido a consciência. De súbito ouvi a voz do Báb, e eis que me chamava! Mandou-me levantar. Contemplei a majestade de Seu semblante, enovante Ele aparecia diante de mim. Sorria enquanto olhava em meus olhos. Precipitei-me e me lancei aos Seus pés. 'Regozija-te,' dizia-me, "aproxima-se a hora em que, nesta mesma cidade, serei suspenso diante dos olhos da multidão, e cairei vítima ao fogo do inimigo. A ninguém escolherei senão a ti, para participar Comigo da taça do martírio. Assegura-te de que essa promessa que te dou será cumprida. Enlevou-me a beleza daquela visão. Ao voltar a mim, senti-me imerso num oceano de júbilo, um júbilo cujo esplendor todas as tristezas do mundo jamais poderiam obscurecer. Aquela voz continua a ressoar em meus ouvidos. Aquela visão sobre mim paira durante o dia, bem como nas horas da noite. A memória daquele inefável sorriso já dissipou a solitude de minha prisão. Estou firmemente convencido de que não mais se pode adiar a hora em que há de ser cumprida Sua promessa.' Exortei-o a ser paciente e esconder suas emoções. Ele me prometeu não divulgar aquele segredo, e se incumbiu de exercer para com Siyyid 'Alí a máxima tolerância. Apressei-me a assegurar ao pai sua determinação, e consegui que o libertasse de seu encarceramento. Esse jovem, até o dia de seu martírio, continuou a associar-se aos pais e parentes, num estado de completa serenidade e alegria. Tal foi sua conduta para com amigos e parentes que, no dia em que ofereceu sua vida por seu Bem-amado, todo o povo de Tabríz chorou e por ele expressou seus lamentos."

CAPÍTULO XVIII
O INTERROGATÓRIO DO Báb EM TABRÍZ

O Báb, antecipando a hora de Sua aflição que se aproximava, havia dispersado Seus discípulos reunidos em Chihríq e, com serena resignação, aguardava a ordem que haveria de chamá-Lo a Tabríz. Aqueles a cuja custódia Ele fora entregue julgaram que não seria aconselhável passar pela cidade de Khuy, situada no caminho à capital de Adhirbáyján. Decidiram ir via Urúmíyyih e assim evitar as demonstrações que o tão excitado povo de Khuy provavelmente faria como protesto contra a tirania do governo. Quando o Báb chegou em Urúmíyyih, Malik Qásim Mirza O recebeu cerimoniosamente e Lhe concedeu a mais calorosa hospitalidade. Em Sua presença, o príncipe Lhe mostrava deferência extraordinária e se recusava a tolerar o mínimo desrespeito por parte daqueles que tinham permissão para vir ao Seu encontro.

Numa certa sexta-feira, quando o Báb ia ao banho público, o príncipe, tendo curiosidade de provar a coragem e o poder de seu Hóspede, deu ordens ao cavalariço que Lhe oferecesse um dos seus cavalos mais selvagens para montar. O servo apreensivo de que o Báb sofresse algum mal, secretamente se aproximou Dele e tentou induzi-Lo a recusar montar um cavalo que fizera tombar os mais corajosos e hábeis cavaleiros. "Não receieis,' foi Sua resposta. "Faze como te foi mandado e confia-Nos aos cuidado do Todo Poderoso." Os habitantes de Urúmíyyih, havendo sido informados da intenção do príncipe, haviam enchido a praça pública, ansiosos de testemunhar o que ia suceder ao Báb. Logo que o cavalo Lhe foi trazido, aproximou-se dele calmamente e, segurando a rédea que o servo lhe oferecera e acariciando-o meigamente, pôs o pé no estribo. O cavalo permaneceu imóvel a Seu lado, como se consciente do poder que o dominava. A multidão que presenciou esse mais inusitado espetáculo maravilhou-se do comportamento do animal. As sua mentes simples, esse extraordinário incidente parecia nada menos que um milagre. Em seu entusiasmo se apressaram a beijar o estribo do Báb, mas foram impedidos pelos guardas do príncipe, que receavam que tão grande ímpeto do povo Lhe fizesse algum mal. O próprio príncipe, que havia acompanhado seu Hóspede a pé até as proximidades do banho, antes de chegarem à entrada, foi por Ele solicitado a regressar a sua residência. Por todo o caminho, os lacaios do príncipe se esforçavam para conter o povo que, de todos os lados, se apressava para obter um vislumbre do Báb. Ao chegar, dispensou Ele todos que O haviam acompanhado, com exceção do servo particular do príncipe e Siyyid Hasan, os quais esperavam na antecâmara e Lhe assistiram enquanto se despia. Ao regressar do banho, montou o mesmo cavalo e foi aclamado pela mesma multidão. O príncipe, a pé, veio a Seu encontro e O conduziu a sua residência.

Mal o Báb deixara o banho, apressou-se o povo de Urúmíyyih para levar, até a última gota, a água que Lhe havia servido para as abluções. Grande agitação prevalecia nesse dia. O Báb, ao observar essas evidências de irrestrito entusiasmo, lembrou-se da bem- conhecida tradição, comumente atribuída ao Imame 'Alí, Comandante dos Fiéis, a qual se refere especificamente a Adhirbáyján. O lago de Urúmíyyih - afirma essa mesma tradição em suas passagens concludentes - ferverá, transbordará as margens e inundará a cidade. Ao ser informado subseqüentemente de como a grande maioria do povo, por sua espontânea vontade, se levantara para proclamar sua completa lealdade a Sua Causa, comentou Ele calmamente: "Pensam os homens que, quando dizem 'Acreditamos', serão deixados em paz e não serão postos à prova?(1)" Este comentário foi plenamente justificado pela atitude assumida para com Ele por esse mesmo povo ao chegar a notícia do horrendo tratamento por Ele recebido em Tabríz. Dentre aqueles que com tanta ostentação haviam professado sua fé nele, mal existia um punhado que, na hora da provação, perseverasse em sua lealdade a Sua Causa. Destacava-se entre estes, Mullá Imám-Vardí, a tenacidade de cuja fé ninguém, salvo Mullá Jalíl-i-Urúmí, nativo de Urúmíyyih e uma das Letras dos Viventes, podia exceder. A adversidade outro efeito não teve, senão o de intensificar o ardor de sua devoção e reforçar sua crença na justiça da Causa que ele abraçara. Mais tarde atingiu a presença de Bahá'u'lláh, a verdade de Cuja Missão ele prontamente reconheceu e para a promoção da qual se esforçou com o mesmo zelo fervoroso que havia caracterizado suas tentativas anteriores de promover a Causa do Báb. Em reconhecimento de seus serviços de longa data, ele, bem como sua família, foi honrado com numerosas Epístolas da pena de Bahá'u'lláh, nas quais Ele lhe elogiava as realizações e invocava as bênçãos do Onipotente sobre seus esforços. Com inalterável determinação continuou ele a lidar para promover a Fé, até atingir mais de oitenta anos, quando partiu desta vida.

As descrições dos sinais e maravilhas que os inumeráveis admiradores do Báb haviam testemunhado foram breve transmitidos de boca a boca e incentivaram uma onda de entusiasmo sem precedentes que se espalhou com espantosa rapidez sobre o país inteiro. Varreu Teerã e incitou os dignitários eclesiásticos do reino a envidarem contra Ele novos esforços. Tremiam eles diante do progresso de um Movimento que, se lhe fosse permitido seguir o curso, breve engolfaria - tinham certeza - as instituições das quais dependia sua autoridade, ainda mais, sua própria existência. Viam por todos os lados crescentes evidências de uma fé e uma devoção tais como eles próprios não haviam podido evocar, de uma lealdade que atacara desde mesmo a raiz da estrutura erguida por suas próprias mãos e que todos os recursos a seu dispor não haviam até então conseguido minar.

Tabríz, especialmente, passava pelas dores de desenfreada agitação. A notícia da iminente chegada do Báb inflamara a imaginação de seus habitantes e acendera a animosidade mais feroz nos corações dos líderes eclesiásticos de Adhirbáyján. Somente estes, dentre todos os habitantes de Tabríz, se abstiveram de participar nas demonstrações com as quais uma população agradecida aclamava a volta do Báb a sua cidade. Tamanho era o fervor do entusiasmo popular com aquela notícia evocara, que as autoridades decidiram hospedar o Báb num lugar fora dos portões da cidade. Somente àqueles com quem Ele desejava encontrar, foi concedido o privilégio de se aproximarem Dele. A todos os demais foi estritamente proibido o acesso.

Na segunda noite após Sua chegada, o Báb chamou a Sua presença 'Azím e, durante a conversação com ele, asseverou enfaticamente Sua pretensão de não ser outro, senão o prometido Qá'im, porém encontrou relutância em admitir, sem reservas, esta pretensão. Percebendo sua agitação interior, Ele disse: "Amanhã, na presença do Valí'Ahd(2) e em meio aos ulemás e notabilidades da cidade reunidos, proclamarei Minha Missão. Quem quer que se sinta inclinado a Mim exigir outro testemunho, além dos versículos que tenho revelado, deverá do Qá'ím de sua vã fantasia buscar satisfação."

Tenho ouvido 'Azím dar o seguinte testemunho: "Naquela noite estava eu profundamente perturbado. Permaneci acordado e irrequieto até a hora do nascer do sol. Assim que havia oferecido a prece matinal, no entanto, percebi que uma grande transformação sobreviera a mim. Uma nova porta parecia haver se descerrada e estava aberta diante de minha face. Breve vinha nascendo em mim a convicção de que, seu eu fosse leal a minha fé em Maomé, o Apóstolo de Deus, deveria por força também reconhecer sem reservas as pretensões avançadas pelo Báb e me submeter, sem receio ou hesitação, a qualquer coisa que Ele se dignasse a decretar. Esta conclusão aliviou meu coração agitado. Apressei-me em ir ao Báb e Lhe pedir perdão. 'É mais uma evidência da grandeza desta Causa,' disse Ele, 'que até 'Azím(3) tivesse se sentido tão extremamente perturbado e abalado pelo seu poder e pela imensidade de sua pretensão.' 'Assegurai-vos,' acrescentou, 'a graça do Todo-Poderoso vos capacitará a fortalecer o pusilânime e tornar firmes os passos de quem vacila. Tão grande será vossa fé que, se o inimigo vos mutilasse ou despedaçasse o corpo, na esperança de diminuir por um jota ou til o ardor de vosso amor, não conseguiria atingir seu objetivo. Vós, sem dúvida, nos dias vindouros, havereis de encontrar face a face Aquele que é o Senhor de todos os mundos e participar do júbilo de Sua presença.' Estas palavras dissiparam as trevas de minhas apreensões. Daquele dia em diante, jamais um traço sequer de medo ou agitação lançou sobre mim sua sombra."

A detenção do Báb fora dos portões de Tabríz nada adiantava para acalmar a agitação que reinava na cidade. Toda medida de precaução, toda restrição que as autoridades haviam imposto, serviu para agravar uma situação que já se tornara ominosa e ameaçadora. Hájí Mirza Áqásí emitiu suas ordens para a convocação imediata dos dignitários eclesiásticos de Tabríz na residência oficial do governador de Adhirbáyján para o expresso propósito de acusar o Báb publicamente e procurar os meios mais efetivos para a extinção de Sua influência. Hájí Mullá Mahmúd, intitulado o Nizámu'l-'Ulamá, que era tutor de Násiri'd-Dín Mirza, o Vali'Ard(4), Mullá Muhammad-i-Mámáqání, 'Alí-Asghar, o Shaykhu'l-Islám e muitos dos mais distintos shaykhs e doutores de divindade estavam entre aqueles reunidos para esse fim(5). O próprio Násiri'd-Dín Mirza assistiu essa reunião. Coube a presidência a Nizámu'l-'Ulamá' que, logo que se iniciara o processo, encarregou um oficial do exército, em nome da assembléia, de introduzir o Báb em sua presença. Uma multidão de gente havia, nesse meio tempo, assediado a entrada do salão e, com impaciência, aguardava o momento em que Lhe pudesse vislumbrar a face. Tão grande era o número dos que se apressavam para a frente, que teve de ser forçada uma passagem para Ele através daqueles aglomerados junto do portão.

Ao chegar, o Báb observou que cada assento naquele salão estava ocupado, salvo um só, sem a mínima hesitação, procedeu a ocupar aquele assento vazio. A majestade de Seu porte, a expressão de pujante confiança que pousava em Sua fronte - acima de tudo o espírito de poder que se irradiava de todo o Seu ser, pareciam por um momento haver esmagado a alma do corpo daqueles a quem Ele saudara. Um silêncio profundo, misterioso, caia de súbito sobre eles. Nem uma só alma naquela distinta assembléia se atreveu a murmurar uma palavra sequer. Finalmente, a quietude que sobre eles pairava foi interrompida pelo Nizámu'l-'Ulamá. "Quem pretendes ser", perguntou ele ao Báb, "e qual a mensagem que trouxeste?" "Eu Sou," três vezes exclamou o Báb, "Eu Sou, Eu Sou, o Prometido! Sou Aquele cujo nome há mil anos invocais, a cuja menção vos tendes levantado, cujo advento tendes ardentemente desejado presenciar, e a hora de cuja Revelação tendes suplicado a Deus que apressasse. Verdadeiramente, digo, incumbe aos povos, tanto do Oriente como do Ocidente, obedecerem Minha Palavra e hipotecar lealdade a Minha pessoa." Ninguém se aventurou a responder, exceto Mullá Muhammad-i-Mámáqání, um líder da comunidade shaykhí, que havia sido, ele mesmo, discípulo de Siyyid Kázím. Foi ele cuja infidelidade e insinceridade o siyyid havia em lágrimas observado, e a perversidade de cuja natureza ele havia deplorado. Shaykh Hasan-i-Zunúzí, que ouvira Siyyid Kázim fazer essas críticas, me relatou o seguinte: "Admirei-me muito do tom de sua referência a Mullá Muhammad e tinha curiosidade de saber qual seria sua futura conduta para merecer tais expressões de pena e condenação de seu mestre. Antes de descobrir sua atitude nesse dia para com o Báb, eu não percebia o grau de sua arrogância e cegueira. Eu estava em pé, juntamente com outras pessoas fora do salão e pude acompanhar a conversação daqueles que estavam dentro. Mullá Muhammad estava sentado à esquerda do Valí-'Ahd. O Báb ocupava um assento entre eles. Imediatamente depois de haver Ele se declarado O Prometido, um sentimento de reverência se apoderou dos presentes. Silenciosos, confusos, baixaram as cabeças. A palidez de seus rostos traia a agitação de seus corações. Mullá Muhammad, aquele renegado zarolho, de barba branca, repreendeu-O com insolência, dizendo: 'Tu, miserável e imaturo moço de Shiráz! Já convulsionaste e subverteste o Iraque; agora desejas provocar tumulto igual em Adhirbáyján?' 'Vossa Senhoria,' replicou o Báb, 'não vim aqui de Minha própria vontade. Fui chamado a este lugar.' 'Silêncio,' retrucou furiosamente Mullá Muhammad, 'tu perverso e desprezível seguidor de Satanás!' 'Vossa Senhoria,' respondeu outra vez o Báb, 'mantenho o que já declarei.'

"O Nizámu'l-'Ulamá achou melhor desafiar abertamente Sua Missão. 'A pretensão que avançastes,' disse ao Báb, 'é estupenda; deve necessariamente ser sustentada pela mais incontrovertível evidência.' 'A mais poderosa e mais convincente evidência da verdade da Missão do Profeta de Deus,' respondeu o Báb, 'é, deve-se admitir, Sua própria Palavra. Ele mesmo é testemunho desta verdade: "Não lhes é suficiente Nós havermos feito descer a Ti o Livro?"(6) O poder de aduzir tal evidência foi a Mim concedido por Deus. Dentro do espaço de dois dias e duas noites, declaro-vos, poderei revelar versículos tão numerosos que igualarão ao Alcorão inteiro'. 'Descrevei oralmente, se dizeis a verdade,' pediu o Nizámu'l-'Ulamá, 'o procedimento desta reunião em linguagem que se assemelhe à fraseologia dos versículos do Alcorão de modo que o Valí-'Ahd e os sacerdotes aqui congregados possam dar testemunho da verdade de vossa pretensão.' O Báb prontamente acedeu a seu desejo. Mal havia Ele pronunciado as palavras, 'Em nome de Deus, o Misericordioso, o Compassivo, louvores Àquele que criou os céus e a Terra,' quando Mullá Muhammad-i-Mámáqání interrompeu, chamando-Lhe a atenção a uma infração das regras de gramática. 'Esse nosso Qá'ím, por si próprio designado,' exclamou ele com arrogante desdém, 'desde mesmo o início de seu discurso demonstra sua ignorância das regras mais rudimentares da gramática!' 'O próprio Alcorão,' argüiu o Báb, 'de modo algum concorda com as regras e convenções correntes entre os homens. A Palavra de Deus jamais poderá se sujeitar às limitações de Suas criaturas. Não, as regras e os cânones adotados pelos homens foram deduzidos do texto da Palavra de Deus e nela se baseiam. Esses homens têm descoberto, nos próprios textos daquele Livro Sagrado, nada menos que trezentos exemplos de erros gramaticais, semelhantes àquele que agora tendes criticado. Desde que era a Palavra de Deus, outra alternativa não tiveram, senão resignarem-se a Sua Vontade(7)."

"Repetiu, Ele então, as mesmas palavras que Ele havia pronunciado, às quais Mullá Muhammad fez, outra vez, a mesma objeção. Pouco depois, outra pessoa aventurou-se a dirigir ao Báb esta pergunta: 'A qual tempo, pertence a palavra Ishtartanna'? Em resposta citou o Báb este versículo do Alcorão: 'Longe esteja a glória de teu Senhor, o Senhor de toda grandeza, daquilo que eles Lhe imputam e paz esteja sobre Seus Apóstolos! E louvores a Deus, o Senhor dos mundos.' Imediatamente depois, levantou-se e saiu da reunião(8)."

Desagradou seriamente ao Nizámu'l-'Ulamá, a maneira como fora conduzida a reunião. "Como é vergonhosa," ouviu-se ele mais tarde exclamar, "a descortesia do povo de Tabríz! Qual seria a relação possível entre aqueles fúteis comentários e questões tão importantes, tão momentosas?" Alguns outros, igualmente, se sentiam inclinados a denunciar o tratamento infame que o Báb nessa ocasião recebera. Mullá Muhammad-i-Mámáqání, entretanto, persistia em suas veementes denúncias. "Advirto-vos," protestou altamente, "se permitirdes que esse moço siga irrestrito suas atividades, dia virá em que a população inteira de Tabríz se haja aglomerado em volta de seu estandarte. Se, ao chegar esse dia, ele significar seu desejo de que todos os ulemás de Tabríz, inclusive o próprio Vali-'Ahd, sejam expulsos da cidade e que ele tão somente, assuma as rédeas da autoridade civil e eclesiástica, nenhum de vós que agora vedes com apatia sua causa, se sentirá capaz de lhe fazer oposição efetiva. A cidade inteira ainda mais, toda a província de Ahirbáyján, o apoiará unanimente."

As denúncias persistentes desse mau conspirador excitaram as apreensões das autoridades de Tabríz. Aqueles que seguravam nas mãos as rédeas do poder aconselharam-se sobre as medidas mais efetivas a serem tomadas a fim de resistir ao progresso de Sua Fé. Insistiam alguns na opinião de que, em face do óbvio desrespeito que o Báb mostrara ao Valí-'Ahd, ocupando-lhe o lugar sem sua permissão, e haver deixado de obter o consentimento do presidente da reunião quando se levantou para sair, deveria Ele ser novamente chamado a uma reunião igual e receber das mãos de seus membros um castigo humilhante. Násiri'd-Dín Mirza, porém, recusou concordar com tal proposta. Decidiu-se, afinal, fosse o Báb levado à casa de Mirza 'Alí-Asghar, que era tanto o Shaykhu'l Islám de Tabríz como um siyyid, e das mãos do guarda pessoal do governador recebesse a punição merecida. O guarda recusou-se atender a esse pedido, preferindo não se intrometer numa questão que a seu ver coubesse somente aos ulemás da cidade. O Shaykhu'l-Islám resolveu infligir, ele próprio, o castigo. Chamou o Báb a sua casa e com sua mão, onze vezes aplicou as varas aos Seus pés(9).

Naquele mesmo ano, esse tirano insolente foi atacado de paralisia e, após haver sofrido a dor mais excruciante, teve uma morte miserável. Seu caráter traiçoeiro, ávaro e ambicioso era reconhecido universalmente pelo povo de Tabríz. Notoriamente cruel e sórdido, era temido e detestado pelo povo que gemia sob seu julgo e orava por libertação. As circunstâncias abjetas de sua morte lembraram tanto aos amigos como aos oponentes o castigo que deve necessariamente esperar aqueles a quem nem o temor a Deus nem a voz da consciência pode deter de se comportarem com tão pérfida crueldade para com seus semelhantes. Depois de sua morte, foram abolidas em Tabríz as funções do Shaykhu'l-Islám. Tal foi sua infâmia que o próprio nome da instituição à qual se associara veio a ser abominado pelo povo.

E no entanto, seu comportamento, por mais vil e traiçoeiro que fosse, não foi o único exemplo da conduta nefária que caracterizava a atitude dos dirigentes eclesiásticos, entre seus conterrâneos, para com o Báb. Quão lastimavelmente têm eles errado e quão longe se desviado do caminho da eqüidade e justiça! Com quanto desdém rejeitaram os conselhos do Profeta de Deus e as admoestações dos Imames da Fé! Não declararam estes explicitamente, que, "se um Jovem de Baní-Háshim(10) se manifestasse e convocasse o povo a um novo Livro e a leis novas, todos deveriam se apressar a Ele e Lhe abraçar a Causa?" Embora tenham esses mesmos imames afirmado claramente que "a maioria de Seus inimigos serão os ulemás," esses homens cegos e ignóbeis, entretanto, preferiram seguir o exemplo de seus líderes e considerar a conduta deles o modelo da retidão e justiça. Seguem-lhes nas pegadas, implicitamente lhes obedecem as ordens e se julgam o "povo da salvação", os "eleitos de Deus" e os "guardiões da Verdade".

De Tabríz levaram o Báb de volta a Chihríq, onde novamente foi entregue à guarda de Yahyá Khán. Seus perseguidores haviam tolamente imaginado que por meio de ameaças e intimidação O induziriam a abandonar Sua Missão. Aquela reunião deu ao Báb a oportunidade de expor enfaticamente, na presença dos mais ilustres dignitários congregados na capital de Adhirbáyján, as feições distintas de Sua pretensão, e de confutar, em linguagem resumida e convincente, os argumentos de Seus adversários. A notícia daquela momentosa declaração, que acarretara conseqüências de tão vasto alcance, espalhou-se rapidamente por toda a Pérsia e reanimou mais profundamente os sentimentos dos discípulos do Báb. Estimulou-lhes novamente o zelo, reforçou Sua posição e foi sinal para os tremendos acontecimentos que breve haveriam de convulsionar aquela terra.

Mal regressara o Báb a Chihríq quando escreveu, em linguagem audaz e comovente, uma denúncia do caráter e da ação de Hájí Mirza Aqásí. Nas passagens iniciais dessa epístola, intitulada o Khutbiy-i-Qahríyyih(11), o Autor se dirige ao Grão-Vizir nestes termos. "Ó tu que desacreditaste em Deus e afastaste de Seus sinais a tua face!" Essa longa epístola foi enviada a Hujját, que estava, nesses dias, confinado em Teerã. Teve instruções para ir pessoalmente entregá-la a Hájí Mirza Aqásí.

Tive o privilégio de ouvir dos lábios de Bahá'u'lláh, enquanto na cidade-prisão de 'Akká, o seguinte relato: "Mullá Muhammad-'Alíy-i-Zanjání, pouco depois de haver entregue essa Epístola a Hájí Mirza Aqásí, veio me visitar. Estava na companhia de Mirza Masih-i-Núrí e alguns outros crentes quando ele chegou. Relatou as circunstâncias que acompanhavam a entrega da Epístola e nos recitou o texto inteiro, que tinha cerca de três páginas de comprimento e que ele havia decorado." O tom da referência de Bahá'u'lláh a Hujját indicou quão imensamente Lhe agradaram a pureza e nobreza de sua vida e quanto Ele lhe admirava a inabalável coragem, a vontade indômita, o desprendimento das coisas do mundo e a inalterável constância.

CAPÍTULO XIX
A REVOLTA DE MÁZINDARÁN

No mesmo mês de Shah'bán que testemunhou as indignidades infligidas sobre o Báb em Tabríz e as aflições que sobrevieram a Bahá'u'lláh e Seus companheiros em Níyálá, Mullá Husayn regressou do acampamento do Príncipe Hamzih Mirza a Mashhad donde iria proceder, sete dias depois, a Karbilá, acompanhado por qualquer pessoa que ele desejasse. O príncipe lhe ofereceu certa quantia para lhe custear as despesas da viagem, oferta essa que ele declinou, devolvendo o dinheiro com o pedido de que o despendesse em alívio dos pobres e necessitados. 'Abdu'l-'Alí Khán outrossim ofereceu prover todas as necessidades da projetada peregrinação de Mullá Husayn e expressou sua ansiedade de pagar as despesas de quem quer que ele escolhesse para acompanhá-lo. Tudo o que dele aceitou foram uma espada e um cavalo, ambos dos quais ele era destinado a utilizar com consumada habilidade e coragem, para repelir os assaltos de um inimigo traiçoeiro.

Jamais poderá minha pena descrever adequadamente a devoção que Mullá Husayn incendiara nos corações do povo de Mashhad, nem tentar sondar a profundidade de sua influência. Sua casa, naqueles dias, era continuamente assediada por multidões de pessoas que, ansiosas, solicitavam que lhes fosse permitido acompanhá-lo na viagem que ele planejara. Mães traziam os filhos, irmãs os irmãos, e com lágrimas imploravam que aos aceitasse como suas mais estimadas oferendas no Altar do Sacrifício.

Ainda estava Mullá Husayn em Mashhad quando veio um mensageiro que lhe trazia o turbante do Báb e lhe transmitiu a notícia de que um novo nome, o de Siyyid 'Alí, lhe fora conferido por seu Mestre. "Adorna tua cabeça," foi a mensagem, "com Meu turbante verde, emblema de Minha linhagem e, com o Estandarte Negro(1) desfraldado diante de ti, apressa-te a ir a Jazíriy-i-Khadrá(2) e preste teu auxílio a Meu bem-amado Quddús.

Logo que lhe chegou essa mensagem, Mullá Husayn se levantou para executar o desejo de seu Mestre. Deixando Mashhad para um lugar situado à distância de um farsang(3) da cidade, içou o Estandarte Negro, colocou na cabeça o turbante do Báb, reuniu os companheiros, montou seu corcel e deu o sinal para sua marcha a Jazíriyi-i-Khadrá. Seus companheiros, em número duzentos e dois, entusiasticamente O seguiram. Aquele dia memorável foi o dia dezenove de Sha'bán, no ano de 1264 A. H.(4). Onde quer que parassem, em cada vila e aldeia pela qual passavam, Mullá Husayn e seus co-discípulos proclamavam destemidamente a mensagem do Novo Dia, convidavam o povo a lhe abraçar a verdade e escolhiam dentre aqueles que responderam a seu chamado alguns a quem pediam que a eles se juntassem nessa jornada.

Na cidade de Níshápúr, Hájí 'Abdu'l-Majíd, pai de Badí(5), que era mercador muito conhecido, alistou-se sob a bandeira de Mullá Husayn. Embora sem rival o prestígio de seu pai como dono da mais célebre mina de turquesas de Níshápúr, abandonando todas as honras e todos os benefícios materiais que sua cidade natal lhe conferira, hipotecou sua lealdade incondicional a Mullá Husayn. Na vila de Míyámay, trinta entre os habitantes declararam sua fé e se uniram com aquela companhia. Todos eles, com exceção de Mullá Isá, foram martirizados no forte de Shaykh Tabarsí(6).

Chegando em Chashmih-'Alí, um lugar situado perto da cidade de Dámghán e na estrada para Mázindarán, Mullá Husayn decidiu interromper a viagem e lá demorar por alguns dias. Acampou à sombra de uma árvore grande, ao lado de um ribeirão. "Estamos no ponto onde se separam os caminhos," disse aos companheiros. "Aguardaremos Seu decreto quanto à direção que devemos tomar." Perto do fim do mês de Shavvál(7), surgiu uma ventania violenta que derrubou um ramo grande daquela árvore, e com isso Mullá Husayn comentou: "A árvore da soberania de Muhammad Sháh, segundo a vontade de Deus, foi desarraigada e lançada em terra." No terceiro dia após haver ele pronunciado essa predição, um mensageiro em caminho para Mashhad, chegou de Teerã e anunciou a morte de seu soberano(8). No dia seguinte, a companhia determinou-se a partir para Mázindarán. Ao levantar-se para ir seu líder apontou na direção de Mázindarán e disse: "É este o caminho que conduz à nossa Karbilá. Quem quer que não esteja preparado para as grandes tribulações que jazem em nossa frente que agora se retire para sua casa e desista da viagem." Várias vezes repetia ele essa advertência e, enquanto se aproximava de Savád-Kúh, declarou explicitamente: "Eu, juntamente com setenta e dois de meus companheiros, sofrerei a morte por causa do Bem-Amado. Quem não puder renunciar ao mundo, que parta agora, neste mesmo momento, pois mais tarde não poderá escapar." Vinte de seus companheiros preferiram voltar, sentindo-se impotentes para resistir as provações às quais seu líder continuamente se referia.

A notícia de que se aproximavam da cidade de Bárfurúsh alarmou o Sa'ídu'l-'Ulamá'. A vasta e crescente popularidade de Mullá Husayn, as circunstâncias que acompanhavam sua partida de Mashhad, o Estandarte Negro que flutuava diante dele - acima de tudo, o número, a disciplina e o entusiasmo de seus companheiros, combinaram para provocar o implacável ódio daquele mujtahid cruel e soberbo. Mandou ele que o pregoeiro convocasse o povo de Bárfurúsh ao masjid e anunciasse que seria feito por ele um serão de tão momentosa conseqüência que nenhum aderente leal do Islã nas circunvizinhanças poderia perder a oportunidade de ouvi-lo. Uma imensa multidão de homens e mulheres se aglomerava no masjid, viu-o ascender ao púlpito, jogar no chão o turbante, rasgar a gola de sua camisa e lamentar a triste situação em que a Fé caíra. "Despertai," disse do púlpito em voz retumbante, "pois nossos inimigos estão em nossas próprias portas, prontos para extinguir tudo o que estimamos como puro e santo no Islã! Se deixarmos de lhes resistir, ninguém haverá de sobreviver a sua investida. Aquele que é o líder daquela banda veio sozinho um dia e assistiu minhas aulas. Desprezou-me completamente e me tratou com desdém marcante na presença de meus discípulos. Como eu me recusei a conceder-lhe as honras que ele esperava, levantou-se irosamente e me lançou seu desafio. Num tempo em que Muhammad Sháh estava sentado em seu trono e no auge de seu poder, esse homem teve a temeridade de me atacar com tanta amargura. E agora que a mão protetora de Muhammad Sháh foi subitamente retirada, que excessos não cometerá esse instigador de mal que ora avança, conduzindo sua banda selvagem? É dever de todos os habitantes de Bárfurúsh, tanto jovens como velhos, homens e também mulheres, munirem-se contra esses abjetos destruidores do Islã e por todos os meios em seu poder lhes resistir a investida. Amanhã, na hora do alvorecer, levantai-vos todos e marchai adiante para lhes exterminar as forças."

A congregação inteira se levantou em resposta a seu chamado. Sua apaixonada eloqüência, a inquestionável autoridade que sobre eles exercia, e o medo de perderem suas próprias vidas e bens, combinaram para induzir os habitantes dessa cidade a fazerem toda preparação possível para o esperado encontro. Muniram-se de toda arma que pudessem ou achar ou maquinar e, ao romper do dia saíram da cidade de Bárfurúsh, plenamente determinados a enfrentar e trucidar os inimigos da Fé e lhes saquear os bens(9).

Assim que Mullá Husayn resolvera seguir pelo caminho que conduzia a Mázindarán, logo depois de oferecer sua oração matinal, ordenou ele que os companheiros se desfizessem de todas as possessões. "Deixai atrás todos os vossos pertences," exortou, "e contentai-vos com apenas os corcéis e as espadas, a fim de que todos possam testemunhar vossa renúncia a todas as coisas terrenas e perceber que este pequeno grupo de companheiros eleitos de Deus nenhum desejo nutre de salvaguardar os próprios bens e muito menos de cobiçar os bens alheios." Instantaneamente todos eles obedeceram e, descarregando seus corcéis, se levantaram e jubilosamente o seguiram. O pai de Badí foi o primeiro a pôr de lado a sacola, que continha uma quantidade considerável de turquesas, as quais ele trouxera da mina pertencente ao seu pai. Uma só palavra de Mullá Husayn bastava para induzi-lo a jogar para o lado da estrada o que sem dúvida era seu maior tesouro e aderir ao desejo de seu líder.

À distância de um farsang(10) de Bárfurúsh, Mullá Husayn e seus companheiros encontraram os inimigos. Uma multidão provida de armas e munição havia se aglomerado e lhes obstruía o caminho. Uma expressão feroz de selvageria pousava em suas faces, e as imprecações mais vis caiam incessantemente de seus lábios. Os companheiros, em face do tumulto desse povo irado, fizeram um movimento como se fossem desembainhar as espadas. "Ainda não," ordenou seu líder, "antes de o agressor nos forçar a nos proteger, não deverão nossas espadas sair das bainhas." Mal pronunciara ele estas palavras, quando contra eles se dirigiu o fogo do inimigo. Seis dos companheiros foram de imediato lançados ao chão. "Bem-amado líder," exclamou um deles, "nós nos levantamos e vos seguimos sem outro desejo senão o de nos sacrificarmos no caminho da Causa por nós abraçada. Permiti, nós vos suplicamos, que nos defendamos e não nos deixeis cair tão ignominiosamente vítimas do fogo do inimigo." "Não chegou ainda a hora," respondeu Mullá Husayn, "está ainda incompleto o número." Logo depois, uma bala penetrou o peito de um de seus companheiros, um siyyid de Yazd(11) que havia andado a pé todo o caminho de Mashhad até aquele lugar e que era um de seus mais fortes esteios. Ao ver esse devotado companheiro cair morto aos seus pés, Mullá Husayn ergueu os olhos ao céu e orou. "Vê, ó Deus, meu Deus, a lastimável condição de Teus companheiros eleitos, e testemunha a acolhida que esse povo concedeu a Teus bem-amados. Sabes Tu que outro desejo não nutrimos senão o de guiá-los ao caminho da Verdade e lhes conferir o conhecimento de Tua Revelação. Tu Próprio ordenaste que defendêssemos nossas vidas contra os ataques do inimigo. Fiel a Teu mando, levanto-me agora com os companheiros para resistirmos a investida que contra nós lançaram(12)."

Desembainhando a espada e esporeando o corcel para o meio do inimigo, Mullá Husayn acossou, com maravilhosa intrepidez, aquele que investira contra seu companheiro caído. O oponente, tendo medo de enfrentá-lo, refugiou-se atrás de uma árvore e, erguendo o mosquete, tentou proteger-se. Logo o reconhecendo, Mullá Husayn precipitou-se e com um só golpe cortou através do tronco da árvore, o cano do mosquete e o corpo de seu adversário(13). A força assombrosa desse golpe confundiu o inimigo e lhe paralisou os esforços. Todos fugiram em pânico, em face de tão extraordinária manifestação de destreza, de força e de coragem. Foi essa façanha a primeira de seu gênero a atestar a proeza e o heroísmo de Mullá Husayn, façanha essa que lhe ganhou os elogios do Báb. Quddús igualmente lhe prestou sua homenagem pela serena valentia que Mullá Husayn nessa ocasião exibiu. Diz-se que, ao receber a notícia, citou ele o seguinte versículo do Alcorão: "Assim não fostes vós que os matastes, mas Deus quem os matou; e aqueles dardos foram de Deus e não teus! Ele queria provar os fiéis por uma provação misericordiosa Dele Próprio procedente em verdade, Deus ouve, sabe. Sucedeu isso, para que Deus reduzisse ao nada a astúcia dos infiéis."

Eu mesmo, enquanto em Teerã, no ano de 1265 A. H.(14), um mês após a conclusão daquela luta memorável de Shaykh Tabarsí, ouvi Mirza Ahmad relatar as circunstâncias desse incidente na presença de alguns crentes, entre os quais Mirza Muhammad-Husayn-i-Hakamíy-i-Kirmání, Hájí Mullá Ismá'il-i-Faráhání, Mirza Habídu'lláh-i-Isfáhání e Siyyid Muhammad-i-Isfáhání.

Quando, em época subseqüente, visitei Khurásán e estava hospedado na casa de Mullá Sádiq-i-Khurásání em Mashhad, onde eu fora convidado a ensinar a Causa, pedi a Mirza Muhammad-i-Furúghí, na presença de alguns crentes, entre os quais Nabíl-i-Akbar e o pai de Badí, que me esclarecesse quanto ao verdadeiro caráter daquele espantoso relato. Enfaticamente replicou Mirza Muhammad: "Fui eu mesmo testemunha daquele ato de Mullá Husayn. Não tivesse eu o visto com os próprios olhos, jamais teria acreditado." A propósito disso, o mesmo Mirza Muhammad nos relatou o seguinte: "Após o combate de Vas-Kas, quando o Príncipe Mihdí-Qulí Mirza, completamente derrotado, fugira da face dos companheiros do Báb, o Amír-Nizám(15) severamente lhe repreendeu. 'Incumbi-vos,' ele lhe escreveu, 'da missão de subjugar um punhado de estudantes jovens, desprezíveis. Coloquei à vossa disposição o exército do Xá e, no entanto, permitistes que sofresse tão ignominiosa derrota. Que haveria vos sucedido, queria eu saber, tivesse eu a vós confiado a missão de derrotar as forças combinadas dos governos russo e otomano?" Achou o príncipe que seria bom entregar ao mensageiro os fragmentos do cano daquela espingarda rachada pela espada de Mullá Husayn, com instruções para apresentá-las, pessoalmente, ao Amír-Nizám. 'Tal é,' foi sua mensagem ao Amír, 'a força desprezível de um adversário que com um só golpe de sua espada demoliu em seis pedaços a árvore, o mosquete e quem o segurava.

"Tão convincente testemunho da força de seu oponente constituía, aos olhos de Amír-Nizám, um desafio do qual nenhum homem de sua posição podia deixar de tomar conhecimento. Resolveu ele reprimir o poder que, por um ato tão atrevido, procurara demonstrar-se contra suas forças. Não podendo, apesar do número preponderante de seus homens, derrotar Mullá Husayn e seus companheiros por meios normais e justificáveis, recorreu miseravelmente à traição e fraude como instrumentos para atingir seu propósito. Mandou o príncipe afixar seu selo ao Corão e hipotecar a honra de seus oficiais para que daí em diante se abstivessem de qualquer ato de hostilidade para com os ocupantes do forte. Por este meio pode ele induzi-los a depor as armas, e assim conseguiu ele infligir aos seus oponentes indefesos uma derrota ingloriosa e esmagadora. Tão notável exibição de destreza e força não pode deixar de atrair a atenção de um número considerável de observadores cujas mentes se haviam mantido, até então, sem mácula de preconceito ou malícia. Evocou o entusiasmo de poetas que, em várias cidades da Pérsia, se sentiam inspirados a celebrar as façanhas do autor de um ato tão audaz. Seus poemas contribuíram à difusão do conhecimento daquele poderoso feito e à imortalização de sua memória. Entre aqueles que prestaram homenagem à valentia de Mullá Husayn, havia um certo Ridá-Qulí Khán-i-Lalih-Báshí, quem, no "Tárikh-i-Násirí" elogiou profusamente a prodigiosa força e inigualada destreza que haviam caracterizado aquele golpe.

Aventurei-me a perguntar a Mirza Muhammad-i-Furúghí se sabia que no "Násikhu't-Tavárík" fora mencionado o fato de haver Mullá Husayn, nos primeiros anos da mocidade, sido instruído na arte da esgrima, que adquirira sua proficiência só após considerável período de treinamento. "É pura invenção," afirmou Mullá Muhammad. "Eu o conheço desde a infância, tendo tido associação com ele como colega de escola e amigo desde muito tempo. Nunca soube de ele possuir tamanha força e poder. Até me julgo superior quanto a vigor e resistência física. Tremia-lhe a mão enquanto escrevia, e muitas vezes expressava ele sua incapacidade de escrever tão completamente e com tanta freqüência como desejava. Isto lhe era um grande empecilho e até sua viagem a Mázindarán continuou ele a sofrer de seus efeitos. No momento em que desembainhou a espada, porém, para repulsar aquele ataque selvagem, um poder misterioso parecia havê-lo subitamente transformado. Em todas as lutas subseqüentes, via-se ser ele o primeiro a avançar e esporear o corcel ao acampamento do agressor. Sem auxílio, enfrentava e combatia as forças combinadas de seus oponentes e ganhava, ele mesmo, a vitória. Nós, que o seguíamos da retaguarda, tínhamos de nos contentar com aqueles que já haviam sido incapacitados e enfraquecidos pelos golpes que eles haviam suportado. Bastava seu nome para aterrorizar os corações de seus adversários. Fugiam à menção dele; quando ele se aproximava, tremiam. Até mesmo aqueles que eram seus constantes companheiros emudeciam de admiração em face dele. Ficávamos atônitos diante da demonstração de sua força estupenda, sua vontade indômita e sua completa intrepidez. Todos nós estávamos convencidos de que ele cessara de ser o Mullá Husayn a quem havíamos conhecido e que nele residia um espírito que Deus, tão somente, poderia conferir.

Este mesmo Mirza Muhammad-i-Furúghí relatou a mim o seguinte: "Mal havia Mullá Husayn dado o golpe memorável contra seu adversário quando desapareceu de nossa vista. Não sabíamos aonde fora. Somente seu servo, Qambar'Alí, pôde seguí-lo. Ele mais tarde nos informou que seu mestre se precipitou contra os inimigos e com um só golpe de sua espada pode derrubar cada um dos que se atreveram a atacá-lo. Desapercebido das balas que sobre ele choviam, forçou passagem através das fileiras do inimigo e tomou rumo para Bárfurúsh. Seguiu diretamente à residência do Sa'ídu'l-'Ulamá, três vezes passou ao redor de sua casa e exclamou: 'Esse desprezível covarde que incitou os habitantes dessa cidade a travar guerra santa contra nós e ignominiosamente se escondeu atrás das paredes de sua casa - que emerja de seu refúgio inglorioso! Que ele, pelo seu exemplo demonstre a sinceridade de seu apelo e a justeza de sua causa. Terá ele esquecido que quem prega uma guerra santa deve forçosamente marchar, à vanguarda de seus seguidores e pelos seus próprios feitos lhes incendiar a devoção e sustentar o entusiasmo?"'

A voz de Mullá Husayn abafava o clamor da multidão. Os habitantes de Bárfurúsh renderam-se e breve ergueram o brado de, "Paz, paz!" Mal se levantara a voz da rendição quando se fizeram ouvir de todos os lados as aclamações dos seguidores de Mullá Husayn que, naquele momento, apareceram, galopando em direção a Bárfurúsh. A exclamação de "Yá Sáhíbu'z-Zamán!"(16) que com altas vozes faziam ressoar, encheu de consternação os corações dos que a ouviram. Os companheiros de Mullá Husayn, que haviam abandonado a esperança de ainda o encontrar vivo, maravilharam-se ao vê-lo sentado ereto em seu cavalo, ileso e em nada afetado pela ferocidade daquela investida. Dele se aproximaram, reverentemente, e lhes beijaram o estribo.

Na tarde daquele dia foi concedida a paz que os habitantes de Bárfurúsh imploravam. A multidão congregada ao seu redor, Mullá Husayn dirigiu estas palavras: "Ó seguidores do Profeta de Deus e xiitas dos imames de Sua Fé! Por que vos levantastes contra nós? Por que julgais o derramamento de nosso sangue um ato meritório aos olhos de Deus? Temos nós alguma vez repudiado a verdade de vossa Fé? É essa a hospitalidade que o Apóstolo de Deus incumbiu Seus seguidores de conceder tanto aos fiéis como aos infiéis? Que fizemos nós para merecermos tal condenação de vossa parte? Considerai: eu só, sem outra arma, senão a espada, pude enfrentar a chuva de balas que sobre mim os habitantes de Bárfurúsh derramaram, e emergi incólume do meio do fogo com qual me assediaste. Tanto minha pessoa como meu cavalo escapou ileso de vosso ataque sobrepujante. Excetuando-se uma ligeira arranhadura recebida em minha face, fostes impotentes para me ferirem. Deus me protegeu e se dignou de estabelecer aos vossos olhos a ascendência de Sua Fé."

Imediatamente depois, Mullá Husayn procedeu ao caravançarai de Sabzih-Maydán. Apeou e, em pé na entrada da estalagem, esperou a chegada de seus companheiros. Assim que se haviam reunido e acomodado nesse lugar, ele mandou buscar pão e água. Os comissionados para trazê-los voltaram com mãos vazias e lhe informaram que não conseguiram obter pão do padeiro nem água da praça pública. "Vós nos tendes exortado," disseram-lhe, "a pormos em Deus nossa confiança e a Sua vontade nos resignarmos. 'Nada nos pode suceder salvo o que Deus nos destinou. Nosso Senhor leal é Ele; que em Deus ponham os fiéis sua confiança!"'(17)

Mullá Husayn mandou fechar os portões do caravançarai. Reunindo seus companheiros, lhes solicitou que permanecessem congregados em sua presença até a hora do pôr do sol. Assim que a noite se aproximava, perguntou se qualquer um dentre eles estaria disposto a se levantar e, renunciando à sua vida por causa de sua Fé, ascender ao telhado da caravançarai e fazer soar o adhán(18). Um jovem alegremente respondeu. Mal caíram de seus lábios as palavras introdutórias de "Alláh-u-Akbar" quando de repente uma bala o atingiu e lhe causou a morte imediata. "Que se levante outro dentre vós," exortava Mullá Husayn, "e, com a mesmíssima renúncia, prossiga a oração que aquele jovem não pôde terminar." Mais um jovem se pôs em pé e assim que pronunciara as palavras. "Dou testemunho de ser Maomé o Apóstolo de Deus," foi ele também lançado ao chão por outra bala do inimigo. Um terceiro jovem, a mando de seu líder, tentou completar a oração que os companheiros martirizados haviam sido forçados a deixar inacabada. Sofreu, igualmente, a mesma sorte. Assim que se aproximava do fim de sua oração e pronunciava as palavras "Não há Deus, senão Deus," ele, por sua vez, tombou morto.

Ao cair o terceiro companheiro, decidiu Mullá Husayn abrir o portão da caravançarai e se levantar, juntamente com os amigos, para repelir esse inesperado ataque por um inimigo traiçoeiro. Com um salto montando o cavalo, deu o sinal para a investida contra os agressores que se haviam aglomerado em frente dos portões e enchido o Sabzih-Maydán. Com espada na mão e seguido de seus companheiros, conseguiu ele dizimar as forças que contra ele se haviam disposto. Aqueles poucos que escaparam de suas espadas fugiram diante deles em pânico, mais uma vez apelando por paz, mais uma vez implorando clemência. Ao anoitecer havia a multidão inteira desvanecido. O Sabzih-Maydán, que poucas horas antes transbordava com a massa fervente de adversários, estava agora abandonado. Aquietara-se o clamor da multidão. O Maydán e suas imediações, com os corpos dos trucidados neles esparzidos, apresentavam um triste e comovente espetáculo, cena esta que dava testemunho da vitória de Deus sobre Seus inimigos.

Essa vitória(19) tão espantosa induziu alguns dos nobres e dirigentes do povo a intervirem junto a Mullá Husayn suplicando que mostrasse misericórdia a seus concidadãos. Vieram a pé para lhe apresentarem a petição. "Deus é nossa Testemunha", imploravam, "de que nenhuma intenção alimentamos, senão a de estabelecer a paz e reconciliação entre nós. Permanecei sentado em vosso corcel por enquanto, até havermos explicado nosso motivo." Observando a sinceridade de seu apelo, apeou e os convidou para entrarem com ele no caravançarai. "Nós, diferentes do povo dessa cidade, sabemos como receber o estranho em nosso meio," disse-lhes, enquanto os mandava sentarem-se ao seu lado e pedia que lhes fosse servido chá. "O Sa'ídu'l-'Ulamá," responderam, "foi tão somente responsável por haver ateado o fogo de tanto dano. O povo de Básfurúsh de modo algum deveria ser implicado no crime por ele cometido. Que se esqueça agora do passado. Queríamos sugerir, no interesse de ambos os lados, que vós e vossos companheiros partais amanhã para Ámul. Bárfurúsh está na agonia de grande excitamento; receamos que sejam novamente instigados a vos atacar." Mullá Husayn, embora insinuando não ser sincero o povo, acedeu a sua proposta; com a qual 'Abbás-Qulí Khán-i-Lárijání(20) e Hájí Mustafá Khán se levantaram juntos e jurando pelo Corão que com eles haviam trazido, solenemente declararam sua intenção de considerá-los seus hóspedes aquela noite e, no dia seguinte, de dar instruções a Khusraw-i-Qádí-Kalá'í(21) e a cem soldados de cavalaria para que lhes garantissem passagem segura através de Shír-Gáh. "A maldição de Deus e de Seus Profetas esteja sobre nós, tanto neste mundo como no vindouro", acrescentaram, "se jamais permitirmos que a vós ou a vossos companheiros seja infligido o menor mal." Logo depois de fazerem essa declaração, chegaram seus amigos que haviam ido buscar alimentos para os companheiros e forragem para os cavalos. Mullá Husayn mandou seus correligionários quebrarem seu jejum, já que nenhum deles nesse dia, que era sexta-feira, dia doze do mês de Dhi'l-Qa'dih(22), tomara qualquer alimento ou bebida desde a hora do alvorecer. Tão grande foi o número de notabilidades e seus companheiros que se amontoaram no caravançarai nesse dia que nem ele nem qualquer de seus companheiros haviam tomado o chá que ofereceram aos visitantes.

Naquela noite, cerca de quatro horas após o pôr-do-sol, Mullá Husayn, juntamente com os amigos, jantou na companhia de 'Abbás-Qulí Khán e Hájí Mustafá Khán. No meio daquela mesma noite, o Sa'idu'l-'Ulamá chamou Khusraw-i-Qádí-Kalá'í e confidencialmente lhe intimou seu desejo de que, a qualquer hora ou em qualquer lugar que ele mesmo decidisse, se apoderasse de todos os bens dos homens entregues a seu cuidado e que eles próprios, sem nenhuma exceção, fossem trucidados. "Não são eles seguidores do Islã?", perguntou Khusraw. "Essas mesmas pessoas, como eu já soube, não preferiram sacrificar três de seus companheiros a deixar inacabado o chamado à oração que haviam erguido? Como poderíamos nós, que nutrimos tais desígnios e perpetramos tais atos, ser considerados dignos deste nome?" Aquele perverso desavergonhado insistiu em que suas ordens fossem fielmente obedecidas. "Mate-os," disse-lhe, enquanto apontava o pescoço com o dedo, "e não tenhais medo. Eu me terei por responsável pelo vosso ato. Eu, no Dia do Juízo, responderei a Deus em vosso nome. Nós que temos em nossas mãos o cetro da autoridade, estamos certamente melhor informados do que vós e podemos melhor julgar do modo mais eficaz de extirpar essa heresia."

À hora do alvorecer, 'Abbás-Qulí Khán pediu que Khusraw fosse conduzido a sua presença, e lhe ordenou que exercesse a máxima consideração para com Mullá Husayn e seus companheiros para lhes garantir passagem segura através de Shír-Gáh, e que recusasse qualquer remuneração que lhe quisessem oferecer. Khusraw fingiu submissão a essas instruções e lhe assegurou que nem ele nem os soldados de sua cavalaria relaxariam sua vigilância ou vacilariam em sua devoção a eles. "Ao regressarmos," acrescentou, "nós vos mostraremos sua própria expressão, por escrito, de sua satisfação com os serviços que lhe teremos prestado."

Quando Khusraw foi conduzido por 'Abbás-Qulí Khán e Hájí Mustafá Khán e outros líderes representativos de Bárfurúsh à presença de Mullá Husayn e lhe foi apresentado, este comentou: "Se fizerdes bem, isso reverterá em vosso próprio benefício; se fizerdes mal, o mal a vós redundará(23)." Se esse homem nos tratar bem, grande será sua recompensa; e se agir traiçoeiramente para conosco grande será sua punição. A Deus queríamos entregar nossa Causa e a Sua vontade estamos completamente resignados."

Pronunciadas estas palavras, Mullá Husayn deu o sinal para a partida. Mais uma vez se ouviu Qambár-'Ali erguer o chamado de seu mestre: "Montai vossos corcéis, ó heróis de Deus!" - chamado esse que ele invariavelmente emitia em tais ocasiões. Ao som destas palavras, todos se apressaram a seus corcéis. Um destacamento da cavalaria de Khusraw marchou em sua frente. Seguiram-se imediatamente Khusraw e Mullá Husayn que, lado a lado, andavam montados no centro da companhia. Na retaguarda seguiram os outros companheiros e, a sua direita e a sua esquerda, marchava o resto dos cem soldados da cavalaria, os quais Khusraw armara como instrumentos prontos para a execução de seu desígnio. Fora combinado que a companhia partisse cedo da manhã de Bárfurúsh e chegassem em Shír-Gáh no mesmo dia ao meio-dia. Duas horas após o nascer do sol, partiram para seu destino. Khusraw tomou intencionalmente o caminho da floresta o qual, julgava ele, melhor serviria seu propósito.

Assim que nele haviam penetrado, Khusraw deu o sinal para ataque. Ferozmente seus homens se jogaram em cima dos companheiros saqueando-lhes os bens, matando alguns, entre os quais o irmão de Mullá Sádiq e tomando presos os restantes. Logo que o grito de agonia e angústia lhe alcançou os ouvidos, Mullá Husayn parou e apeando, protestou contra a pérfida conduta de Khusraw. "A hora do meio-dia já há muito passou", disse-lhe, "e ainda não atingimos nosso destino. Recuso proceder mais convosco; posso dispensar vossa guia e companhia e a de seus homens." Virando-se a Qambar-'Alí, pediu-lhe que estendesse o tapete para a oração, a fim de que oferecesse suas devoções. Estava fazendo as abluções quando Khusraw, que também desmontara, chamou um de seus subordinados e o mandou informar a Mullá Husayn que, se ele queria chegar são e salvo a seu destino, lhe entregasse tanto sua espada como seu cavalo. Recusando responder, Mullá Husayn prosseguiu a oferecer sua oração. Pouco depois, Mirza Muhammad-Taqíy-i-Juvayníy-i-Sabzivárí, homem de talento literário e intrépida coragem, foi a um subordinado que estava preparando o qalyán(24) e lhe pediu que o deixasse levá-lo pessoalmente a Khusraw, pedido esse ao qual ele prontamente acedeu. Mirza Muhammad-Taqí estava se baixando para acender o fogo do qalyán quando de súbito, metendo a mão no peito de Khusraw, retirou de suas vestes seu punhal e em suas vísceras o mergulhou até o cabo(25).

Continuava Mullá Husayn a orar quando de novo foi erguido pelos seus companheiros o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán"(26). Precipitaram-se sobre seus maldosos agressores e, em uma só investida, derrubaram todos, salvo o subordinado que preparara o qalyán. Aterrorizado e indefeso, prostrou-se ele aos pés de Mullá Husayn e lhe implorou socorro. Foi-lhe dado o qalyán ornamentado de jóias que pertencia a seu mestre. Recebeu ele, então, ordens para regressar a Bárfurúsh e contar a 'Abbás-Qulí Khán tudo o que testemunhara. "Diga-lhe," disse Mullá Husayn, "quão fielmente Khusraw cumpriu sua missão. Aquele malvado falso imaginava totalmente que minha missão tivesse terminado, que tanto minha espada como meu cavalo tivessem desempenhado sua função. Pouco sabia que seu trabalho havia apenas começado, que antes de serem inteiramente executados os serviços que possam prestar, nem seu poder nem o poder de qualquer outro além dele, de mim os poderá tirar."

Como a noite se aproximava, a companhia decidiu demorar-se nesse lugar até a hora da alvorada. Ao amanhecer, Mullá Husayn, após haver oferecido sua oração, reuniu os companheiros e lhes disse: "Estamos nos aproximando de nossa Karbilá, nosso destino final." Logo depois, partiu a pé em direção àquele lugar, sendo seguido pelos companheiros. Vendo que alguns poucos estavam tentando levar com eles os bens de Khusraw e seus homens, ordenou-lhes que deixassem atrás tudo, menos suas espadas e seus cavalos. "Cumpre-vos," insistia ele, "chegardes naquele lugar sagrado numa condição de desprendimento completo, totalmente santificados de tudo o que pertence a este mundo"(27). Havia ele andado a distância de um maydán(28) quando alcançou o santuário de Shaykh Tabarsí(29). O Shaykh fora um dos que transmitiram as tradições atribuídas aos imames da Fé e o lugar de sua sepultura era visitado pelo povo da região. Ao alcançar esse lugar, recitou ele o seguinte versículo do Corão: "Ó meu Senhor, abençoa Tu minha chegada neste lugar, pois somente Tu podes conceder tais bênçãos."

Na noite anterior a sua chegada, o guardião do santuário sonhou que o Siyyidu'sh-Shuhadá, o Imame Husayn, viera a Shaykh Tabarsí, acompanhado de nada menos de setenta e dois guerreiros e grande número de seus companheiros. Sonhou que eles se demoraram nesse lugar, travaram a mais heróica das batalhas, triunfando em cada combate sobre as forças do inimigo e que o próprio Profeta de Deus chegou, uma noite, e fez parte dessa abençoada companhia. Quando Mullá Husayn veio no dia seguinte, o guardião de imediato o reconheceu como o herói visto em sua visão, prostrou-se aos seus pés e os beijou devotadamente. Mullá Husayn convidou-o a se sentar ao seu lado e o ouviu relatar sua experiência. "Tudo o que testemunhaste," assegurou ele ao guardião do santuário, "há de se realizar. Aquelas cenas gloriosas serão novamente representadas diante de teus olhos." Esse servo decidiu-se afinal a participar da sorte dos heróicos defensores do forte e caiu vítima, martirizado dentro de seus muros.

No mesmo dia de sua chegada, que era o dia 14 de Dhi'l-Qa'dih(30), Mullá Husayn deu a Mirza Muhammad-Báqír, que construíra o Bábiyyih, as instruções preliminares referentes ao desenho do forte que deveria ser construído para sua defesa. Ao anoitecer do mesmo dia, viram-se subitamente cercados por uma multidão irregular de homens montados que haviam emergido da floresta e se preparavam para disparar contra eles suas armas de fogo. "Somos habitantes de Qádí-Kalá," gritaram. "Viemos vingar o sangue de Khusraw. Antes de passarmos todos na espada, não estaremos satisfeitos." Assediada por uma turba selvagem pronta a lançar-se sobre eles, a companhia teve de desembainhar mais uma vez as espadas, em defesa própria. Erguendo o brado de "Yá Sáhihu'z-Zamán", aos saltos avançaram, repulsaram os agressores e os puseram em fuga. Tão tremendo foi o brado, que aqueles homens montados se desvaneceram tão subitamente como haviam aparecido. Mirza Muhammad Taqíy-i-Juvayní, a seu próprio pedido, assumira o comando desse combate.

Receando que os agressores voltassem para um novo ataque contra eles e recorressem a um massacre geral, seguiram-nos até alcançarem uma vila que pensavam fosse a de Qádí-Kalá. Ao vê-los, todos os homens fugiram apavorados. A mãe de Nazar Khán, proprietária da vila, foi morta, inadvertidamente na escuridão da noite, em meio à confusão que se seguiu. O clamor das mulheres, que protestavam violentamente, dizendo não terem relação alguma com o povo de Qádí-Kalá, breve atingiu os ouvidos de Mirza Muhammad-Taqí, que de pronto ordenou que os companheiros detivessem as mãos até se certificarem do nome e caráter do lugar. Logo descobriram que a vila pertencia a Nazar Khán e que a mulher cuja vida fora sacrificada era sua mãe. Profundamente aflito ao verificar tão lastimável erro da parte dos companheiros, Mirza Muhammad-Taqí pesarosamente exclamou: "Não tencionávamos nós molestar nenhum homem ou mulher dessa vila. Nosso propósito único era conter a violência do povo de Qádí-Kalá, que estava prestes a nos massacrar a todos." Apresentou suas desculpas sinceras pela lamentável tragédia da qual foram seus companheiros os autores inconscientes.

Nazar Khán, que entrementes se escondera em sua casa, convenceu-se da sinceridade do pesar expresso por Mirza Muhammad-Taqí. Embora sofrendo por causa dessa penosa perda, sentiu-se impelido a chamá-lo e convidá-lo a sua casa. Até pediu a Mirza Muhammad-Taqí que o apresentasse a Mullá Husayn, expressando um desejo ardente de conhecer os preceitos de uma Causa capaz de atear nos corações de seus aderentes tão grande fervor.

Na hora da alvorada, Mirza Muhammad Taqí, acompanhado de Nazar Khán, chegou ao santuário de Shaykh Tarbarsí e encontrou Mullá Husayn ocupado em dirigir a oração congregacional. Tal foi o êxtase que se irradiava de seu semblante que Nazar Khán sentiu um impulso irresistível de se juntar àqueles devotos e repetir as mesmas preces que estavam então caindo de seus lábios. Após a conclusão dessa prece, Mullá Husayn foi informado da perda que Nazar Khán sofrera. Ele expressou na mais comovente linguagem os pêsames que ele e a inteira companhia de seus co-discípulos sentiam por ele em sua grande perda. "Deus sabe," ele lhe assegurou, "que nossa intenção única foi proteger nossas vidas; não queríamos perturbar a paz da vizinhança." Mullá Husayn procedeu então a relatar as circunstâncias que provocaram o ataque contra eles dirigido pelo povo de Bárfurúsh e explicou a conduta traiçoeira de Khusraw. De novo lhe assegurou da tristeza que a morte de sua mãe lhe havia causado. "Não aflijais vosso coração," respondeu Nazar Khán, espontaneamente. "Oxalá me tivessem sido dados cem filhos, todos os quais teria eu jubilosamente posto aos vossos pés, como oferenda ao Sáhibu'z-Zamán!" Hipotecou, naquele mesmo momento, sua lealdade imorredoura a Mullá Husayn e se apressou a voltar a sua vila a fim de buscar quaisquer provisões que pudessem ser necessitadas para a companhia.

Mullá Husayn ordenou que os companheiros começassem a construção do forte que fora projetado. A cada grupo designou uma seção do trabalho, encorajando-os a apressarem sua execução. Durante essas operações estavam continuamente importunados pelos habitantes das vilas vizinhas que, instigados persistentemente pelo Sa'ídu'l-'Ulamá, saiam e os agrediam. Cada ataque do inimigo terminava em fracasso e ignomínia. Não detidos pela ferocidade de suas freqüentes investidas, os companheiros resistiam destemidamente aos seus ataques até conseguirem subjugar temporariamente as forças que por todos os lados haviam assediado. Ao ser completado o trabalho da construção, empreendeu Mullá Husayn os preparativos necessários para o assédio que o forte estava destinado a suportar e providenciou, a despeito dos empecilhos que lhe obstavam o caminho, tudo o que parecia ser essencial ao bem-estar dos ocupantes.

Mal se completara o trabalho quando chegou Shaykh Abú-Turáb trazendo a notícia da chegada de Bahá'u'lláh na vila de Nazar Khán. Informou a Mullá Husayn que fora especialmente mandado por Bahá'u'lláh para lhes avisar que seriam todos Seus hóspedes naquela noite e que Ele Próprio estaria com eles naquela mesma tarde. Tenho ouvido Mullá Mirza Muhammad-i-Furúghí contar o seguinte: "As boas novas trazidas por Shaykh Abú-Turáb conferiram ao coração de Mullá Husayn júbilo indescritível. De imediato se apressou para a recepção de Bahá'u'lláh. Ele mesmo participou com eles em varrer e borrifar de água as entradas para o santuário e pessoalmente atendia a qualquer coisa que fosse necessária para a vinda do bem-amado Visitante. Assim que O viu aproximar-se com Nazar Khán precipitou-se em direção a ele, com ternura O abraçou e conduziu ao lugar de honra que para Sua recepção ele reservara. Estávamos demasiado cegos naqueles dias para reconhecermos a glória Daquele que nosso líder, em nosso meio, apresentara com tanta reverência e tão grande amor. O que Mullá Husayn havia percebido, nossa ofuscada visão não podia ainda reconhecer. Com quanta solicitude ele O recebia nos braços! Que sentimentos de extático deleite lhe inundavam o coração ao contemplá-Lo. Tão absorto estava em admiração que de todos nós se esquecia completamente. A tal ponto se extasiava sua alma com a contemplação daquele semblante que nós, esperando sua permissão para nos sentarmos, tivemos de ficar em pé a seu lado por muito tempo. Foi o próprio Bahá'u'lláh que, enfim, nos mandou sentarmos. Breve fomos nós também forçados a sentir, ainda que inadequadamente, o encanto de Seu discurso, embora nenhum de nós percebesse, nem sequer tenuemente, a infinita potência latente em Suas palavras.

Bahá'u'lláh durante essa visita inspecionou o forte e expressou Sua satisfação com o trabalho que havia sido executado. Em Sua conversação com Mullá Husayn, explicou Ele em detalhe tais assuntos como eram vitais ao bem-estar e segurança de seus companheiros. 'A coisa única de que necessitam esse forte e essa companhia,' disse Ele, 'é a presença de Quddús. Sua associação com essa companhia a tornaria completa e perfeita.' Deu instruções a Mullá Husayn para expedir Mullá Mihdíy-i-Khu'í com seis pessoas a Sárí e exigir de Mirza Muhammad-Taqí que de imediato entregasse Quddús em suas mãos. 'O temor a Deus e o medo de Seu castigo,' Ele assegurou a Mullá Husayn, 'o impelirá a render seu cativo sem hesitação.'

"Antes de Sua partida, Bahá'u'lláh os exortou a serem pacientes e resignados à vontade do Todo-Poderoso. 'Se for Sua vontade,' acrescentou, 'ainda outra vez vos visitaremos nesse mesmo lugar, e vos prestaremos Nossa assistência. Fostes escolhido por Deus para serdes a vanguarda de Sua hoste e os fundadores de Sua Fé. Sua hoste, verdadeiramente, haverá de conquistar. Aconteça o que acontecer, a vitória é vossa, uma vitória que é completa e certa.' Com estas palavras, confiou aos cuidados de Deus aqueles corajosos companheiros e regressou à vila com Nazar Khán e Shaykh Abú-Turáb. Daí partiu via Núr a Teerã."

Logo Mullá Husayn se pôs a levar a cabo as instruções que recebera. Chamando Mullá Mihdí, ordenou que procedesse, juntamente com seis outros companheiros, a Sárí e pedisse que o mujtahid libertasse seu prisioneiro. Logo que lhe foi transmitida a mensagem, Mirza Muhammad-Taqí acedeu incondicionalmente a seu pedido. A potência da qual fora dotada aquela mensagem parecia o haver desarmado completamente. "Eu o tenho considerado," apressou-se a assegurar aos mensageiros, "somente como hóspede honrado em minha casa. Indigno seria de mim fingir que eu o houvesse despedido ou libertado. Liberdade tem ele para fazer o que deseja. Se ele quisesse, eu de bom grado o acompanharia."

Mullá Husayn, entrementes, avisara os companheiros da aproximação de Quddús e os exortara a observarem para com ele tal reverência como a que eram impelidos a mostrar ao próprio Báb. "Quanto a mim," acrescentou, "deveis me considerar como seu humilde servo. Deveis lhe prestar tal lealdade que, se ele vos mandasse me tirar a vida, sem hesitação o obedeceríeis. Se vacilardes ou hesitardes, tereis demonstrado vossa deslealdade à Fé. Antes dele vos chamar a sua presença, não devereis vós, de modo algum, vos aventurar a introduzir-vos. Deveríeis abandonar vossos desejos e aderir a sua vontade e seu beneplácito. Deveríeis vos abster de lhe beijar as mãos ou os pés, pois a seu abençoado coração não agradam tais evidências de reverente afeto. Tal deve ser vossa conduta que eu me possa orgulhar de vós diante dele. A glória e a autoridade das quais foi ele investido devem por força ser devidamente reconhecidas até pelos mais insignificantes de seus companheiros. Quem se desviar do espírito e da letra de minhas admoestações, será por uma punição penosa ser seguramente atingido."

O encarceramento de Quddús na casa de Mirza Muhammad-Taqí, o mais eminente mujtahid de Sárí e seu parente, durou noventa e cinco dias. Embora confinado, Quddús era tratado com notável deferência, sendo-lhe permitido receber a maioria dos companheiros que havia estado presente na reunião de Badasht. A ninguém, entretanto, dava ele permissão para permanecer em Sárí. Qualquer um que o visitasse era por ele solicitado, em termos os mais prementes, a alistar-se sob o Estandarte Negro içado por Mullá Husayn. Era o mesmo estandarte do qual assim falara Maomé, o Profeta de Deus: "Fossem vossos olhos contemplar os Estandartes Negros a procederem de Khurásán, apressai-vos em sua direção, ainda que tenhais de vos arrastar sobre a neve, pois proclamam o advento do prometido Mihdí(31), Vice-regente de Deus." Foi içado esse estandarte a mando do Báb, em nome de Quddús e pelas mãos de Mullá Husayn. No alto foi levado, por todo o caminho desde a cidade de Mashhad até o santuário de Shaykh Tabarsí. Durante onze meses, desde o princípio de Sha'bán, no ano de 1264 A. H.(32), até o fim de Jamádíyu'th-Thání, no ano de 1265 A.H.(33), aquele emblema terreno de uma soberania que não era da Terra flutuava continuamente sobre as cabeças daquela pequena e intrépida companhia, convocando a multidão que o contemplava a renunciar ao mundo e esposar a Causa de Deus.

Enquanto em Sárí, Quddús freqüentemente tentava convencer Mirza Muhammad-Taqí da Verdade da Mensagem Divina. Conversava livremente com ele sobre as mais ponderosas e salientes questões relacionadas à Revelação do Báb. Seus comentários audazes e desafiadores eram expressos em linguagem tão branda, tão persuasiva, tão cortez e apresentados com tanta genialidade e humor, que aqueles que o ouviam nem no mínimo grau se sentiam ofendidos. Até interpretavam erroneamente suas alusões ao Livro Sagrado, considerando-as comentários humorísticos que visavam entreter os ouvintes. Mirza Muhammad-Taqí, a despeito de sua crueldade e malvadez nele latentes e que ele subseqüentemente manifestou pela atitude que assumiu ao insistir sobre o extermínio dos defensores restantes do forte de Shaykh Tabarsí, era detido por um poder interior de mostrar a Quddús, enquanto confinado em sua casa, o mínimo desrespeito. Até se sentia incitado a impedir que os habitantes de Sárí ofendessem Quddús e muitas vezes se podia ouví-lo repreendê-los pelo dano que desejavam lhe infligir.

A notícia da iminente chegada de Quddús despertou os ocupantes do forte de Tabarsí. Ao aproximar-se de seu destino, mandou ele um mensageiro em sua frente para anunciar sua vinda. As novas jubilosas deram-lhes coragem e poder reforçados. Excitado a uma explosão de entusiasmo que ele não podia reprimir, Mullá Husayn se levantou e escoltado por cerca de cem de seus companheiros, apressou-se em ir ao encontro do visitante esperado. Colocou duas velas nas mãos de cada um, acendendo-as ele mesmo e ordenou que procedessem ao encontro de Quddús. As trevas da noite foram dissipadas pelo brilho que aqueles corações jubilosos irradiavam enquanto marchavam para diante, ao encontro de seu bem-amado. No meio da floresta de Mázindarán, seus olhos instantaneamente reconheceram a face que haviam ardentemente desejado fitar. Com entusiasmo se conglomeravam em volta de seu corcel e com toda prova de devoção, lhe prestaram sua homenagem de amor e imorredoura lealdade. Segurando ainda nas mãos as velas acesas, seguiram-no a pé em direção a seu destino. Quddús, enquanto ia montado em seu meio, aparecia como o sol que brilhava entre seus satélites. À medida que a companhia trilhava lentamente o caminho ao forte, irrompeu o hino de glorificação e louvor entoado pela companhia de seus entusiásticos admiradores. "Santo, santo, o Senhor nosso Deus, o Senhor dos anjos e do espírito!" Ressoavam suas vozes jubilantes ao seu redor. Mullá Husayn erguia o alegre estribilho, ao qual respondia a companhia inteira. A floresta de Mázindarán ecoava ao som de suas aclamações.

Desta maneira alcançaram o santuário de Shaykh Tabarsí. As primeiras palavras a caírem dos lábios de Quddús, após haver ele apeado e se encostado ao santuário, foram as seguintes: "O melhor para vós será o Baqíyyatu'lláh(34), se sois dos que crêem(35)." Com esta pronunciação se cumpriu a profecia de Maomé, segundo registrada na seguinte tradição: "E quando o Mihdí(36) se tornar manifesto, Ele haverá de se encostar ao Ka'bih e, aos trezentos e treze seguidores ajuntados ao Seu redor, dirigir estas palavras. 'O melhor para vós será o Baqíyyatu'lláh, se sois dos que crêem.'" Por "Baqíyyatu'lláh," Quddús não queria se referir senão a Bahá'u'lláh. Disto deu testemunho Mullá Mirza Muhammad-i-Furughí, quem me relatou o seguinte: "Presente estava eu mesmo quando Quddús apeou de seu cavalo. Eu o vi encostar-se ao santuário e aquelas mesmas palavras o ouvi pronunciar. Mal as dissera quando fez menção de Bahá'u'lláh e, virando-se a Mullá Husayn, indagou sobre Ele. Foi informado de que Ele dera a entender Sua intenção de regressar a esse lugar antes do primeiro dia de Muharram, a menos que Deus decretasse o contrário(37).

"Pouco depois, Quddús entregou a Mullá Husayn várias homilias, pedindo-lhe que as lesse em voz alta aos companheiros reunidos. A primeira homilia que leu foi dedicada inteiramente ao Báb, a segunda a Bahá'u'lláh e a terceira se referia a Táhirih. Aventuramo-nos a expressar a Mullá Husayn nossas dúvidas sobre as referências na segunda homilia, se eram aplicáveis a Bahá'u'lláh, que aparecia ataviado nas vestes da nobreza. Levou-se a questão a Quddús, que nos assegurou que, Deus desejando, seu segredo nos seria revelado no devido tempo. Sendo-nos completamente despercebido, naqueles dias, o caráter da Missão de Bahá'u'lláh, não pudemos compreender o que significavam aquelas alusões, e conjeturávamos futilmente sobre seu provável significado. Em minha ansiedade de desvendar as sutilezas das tradições relativas ao prometido Qá'im, eu várias vezes me aproximei de Quddús e lhe pedi que me esclarecesse sobre esse assunto. Embora ele de início não quisesse, acedeu afinal a meu desejo. A maneira de responder, suas explicações convincentes e iluminadoras, serviram para intensificar o senso de reverência e veneração que sua presença inspirava. Dissipou ele quaisquer dúvidas que ainda restassem em nossas mentes e tais foram as evidências de sua perspicácia que viemos a acreditar que lhe fora concedido o poder de ler nossos pensamentos mais profundos e acalmar o mais violento tumulto em nossos corações.

"Muitas foram as noites em que eu via Mullá Husayn andar à roda do santuário dentro de cujo recinto jazia Quddús adormecido. Quantas vezes eu o via emergir de seu aposento no meio da noite, e quieto, dirigir os passos àquele lugar e sussurrar o mesmo verso com que nós todos havíamos aclamado a vinda do bem-amado visitante! Com que emoção me posso ainda dele lembrar, enquanto a mim se dirigia - na quietude daquelas horas escuras e solitárias que eu dedicava à meditação e prece - e me sussurrava nos ouvidos estas palavras: - 'Bani de vossa mente, ó Mullá Mirza Muhammad, essas sutilezas perplexas e, livrando-vos de seus ardis, levantai-vos e comigo procurai sorver da taça do martírio. Podereis então compreender, ao raiar sobre o mundo o ano de 80(38), o segredo das coisas que ora jazem ocultas de vós.'"

Quddús, ao chegar no santuário de Shaykh Tabarsí, incumbiu Mullá Husayn de se certificar do número dos companheiros reunidos. Um por um, ele os contou, mandando que entrassem, passando pelo portão do forte: trezentos e doze ao todo. Prestes estava, ele próprio, a entrar no forte, a fim de informar Quddús do resultado, quando de súbito um jovem que por todo o caminho de Bárfurúsh a pé se apressara, entrou precipitadamente e, pegando a bainha de suas roupas, implorou que o alistassem entre os companheiros e lhe permitissem que no caminho do Bem-Amado sacrificasse sua vida quando quer que fosse exigida. Logo, a seu desejo se acedeu. Quddús, ao ser informado do número total dos companheiros, comentou: "O que a língua do Profeta de Deus tiver pronunciado sobre o Prometido, haverá por força de ser cumprido(39), para que assim Seu testemunho seja completo aos olhos daqueles sacerdotes que a si próprios estimam como os intérpretes únicos da lei e das tradições do Islã. Por seu intermédio virá o povo a reconhecer a verdade e admitir haverem sido cumpridas as tradições(40)."

Todas as manhãs e todas as tardes, naqueles dias, Quddús chamava Mullá Husayn e os mais distintos dentre seus companheiros e lhes pedia que entoassem os escritos do Báb. Assentado no Maydán, a praça aberta adjacente ao forte e rodeado por seus amigos devotados, escutava ele atentamente as palavras de seu Mestre e, em algumas ocasiões, se podia ouvi-lo sobre elas comentar. Nem as ameaças do inimigo, nem a ferocidade de seus sucessivos ataques, podiam induzi-lo a diminuir o fervor ou interromper a regularidade de suas devoções. Não levando em conta qualquer perigo e esquecido de suas próprias necessidades e desejos, ele continuava, até sob as circunstâncias mais angustiantes, sua comunhão diária com seu Bem-Amado, escrevendo sobre Ele seus louvores, e pedindo novos esforços aos defensores do forte. Embora expostos às balas que continuavam a chover incessantemente sobre os companheiros assediados, ele em nada detido pela ferocidade do ataque, prosseguia seus labores em estado de calma imperturbável. "Com Tua menção minha alma se esposou!" Usava ele exclamar. "Lembrança de Ti é o apoio e o consolo de minha vida! Eu me vanglorio por haver sido o primeiro a sofrer ignominiosamente por amor a Ti, em Shíráz. Anelo a ser o primeiro a sofrer em Teu caminho uma morte digna de Tua Causa."

Em algumas ocasiões pedia ele aos companheiros do Iraque que entoassem várias passagens do Corão, as quais escutava com concentrada atenção e muitas vezes se sentia impelido a desdobrar seu significado. Durante uma de suas entoações encontraram o seguinte versículo: "Com algo de medo e fome, perda de riqueza e vidas e frutos, Nós seguramente vos provaremos; mas levai boas novas aos pacientes." "Estas palavras," dizia Quddús, "foram originariamente reveladas com referência a Jô e as aflições que lhe sobrevieram. Neste dia, porém, são aplicáveis a nós, que somos destinados a sofrer essas mesmas aflições. Tal será a medida de nossa calamidade que ninguém, a não ser aquele dotado de constância e paciência, as poderá sobreviver."

O conhecimento e a sagacidade que Quddús manifestava nessas ocasiões, a confiança com que falava, e a habilidade e iniciativa que demonstrava nas instruções aos companheiros, reforçava sua autoridade e lhe realçava o prestígio. Supunham de início que a profunda reverência que Mullá Husayn lhe mostrava era ditada pelas exigências da situação em vez de ser incentivada por um sentimento espontâneo de devoção a sua pessoa. Seus próprios escritos e comportamento em geral vinham dissipando aos poucos as tais dúvidas e serviram para estabelecê-lo ainda mais firmemente na estima dos companheiros. Nos dias de seu encarceramento na cidade de Sárí, Quddús, a quem Mirza Muhammad-Taqí havia pedido que escrevesse um comentário sobre o Sura de Ikhlás, conhecido como Sura de Qul Huva'lláhu'l-Ahad compôs - só em sua interpretação do Sád de Samad - um tratado três vezes mais volumoso do que o próprio Corão. Essa exposição exaustiva e magistral fizera uma impressão profunda em Mirza Muhammad-Taqí e fora responsável pela consideração notável que ele mostrava para com Quddús, embora no fim tivesse ele conspirado com o Sa'ídu'l-'Ulamá para efetivar a morte dos heróicos mártires de Shaykh Tabarsí. Sobre essa Sura continuou Quddús, enquanto assediado naquele forte, a escrever seu comentário, e a despeito da veemência da investida do inimigo, ele conseguiu compor tantos versículos quanto escrevera previamente em Sárí em sua interpretação dessa mesma carta. A rapidez e a copiosidade de sua composição, os inestimáveis tesouros que seus escritos revelavam, enchiam de admiração os seus companheiros e aos olhos deles lhe justificavam a primazia. Avidamente liam as páginas desse comentário que Mullá Husayn cada dia lhes entregava e ao qual prestava ele seu quinhão de homenagem.

A complementação do forte, com o fornecimento de tudo o que se julgava essencial a sua defesa despertou o entusiasmo dos companheiros de Mullá Husayn e excitou a curiosidade do povo da vizinhança(41). Alguns por simples curiosidade, outros à procura de interesses materiais, e ainda outros motivados pela sua devoção à Causa que essa construção simbolizava, queriam ser admitidos dentro de seus muros e se maravilhavam da rapidez com que fora erguida. Mal havia Quddús se certificado do número de seus ocupantes, quando deu ordem de não se permitir que visitante algum lá entrasse. Os profusos elogios daqueles que já haviam inspecionado o forte foram transmitidos de boca em boca até que chegaram aos ouvidos do Sa'ídu'l-'Ulamá e em seu peito acenderam a chama de implacável ciúme. Em seu ódio por aqueles responsáveis pela sua ereção, proibiu estritamente que qualquer um se aproximasse de seu recinto e exortou todos a boicotarem os companheiros de Mullá Husayn. Apesar da severidade de suas ordens, foram encontrados alguns poucos que não cumpriram seus desejos e prestaram qualquer assistência em seu poder aos que haviam sido tão imerecidamente por ele perseguidos. Tais eram as aflições às quais foram sujeitadas essas pessoas que em certas ocasiões sentiam uma falta penosa das meras necessidades da vida. Em sua hora tenebrosa de adversidade, entretanto, irrompia sobre eles, de súbito, a luz da libertação Divina, lhes abrindo diante da face a porta de alívio inesperado.

A maneira providencial como eram os ocupantes do forte aliviados da aflição que sobre eles pesava agravou para enfurecer a ira do arbitrário e imperioso Sa'ídu'l-'Ulamá. Impelido por um ódio implacável, dirigiu ele um apelo inflamado a Násiri'd-Dín Sháh, que recentemente ascendera ao trono, e se estendeu sobre o perigo que ameaçava sua dinastia, ainda mais, a própria monarquia. "O estandarte de revolta," argüia ele, "foi erguido pela seita abominável dos Bábís. Esse miserável bando de irresponsáveis agitadores teve a ousadia de atacar os próprios fundamentos da autoridade da qual foi investida Vossa Majestade Imperial. Os habitantes de várias vilas já se apressaram a seu estandarte e juraram lealdade a sua Causa. Construíram para si um forte e, nessa maciça cidadela se entrincheiraram, prontos para dirigir uma campanha contra vós. Com inalterável obstinação resolveram proclamar sua soberania independente, soberania essa que baixará ao pó o diadema imperial de vossos ilustres ancestrais. Estais no limiar de vosso reinado. Que triunfo maior poderia assinalar a inauguração de vosso domínio do que a extirpação dessa odiosa seita que se atreveu a conspirar contra vós? Servirá para estabelecer Vossa Majestade na confiança de vosso povo. Realçar-vos-á o prestígio e investirá vossa coroa de imperecível glória. Se vacilardes em vossa política, se mostrardes para com eles a mínima indulgência, sentirei ser meu dever vos advertir que rapidamente se aproxima o dia quando não somente a província de Mázindarán mas a Pérsia inteira, de uma extremidade à outra, terá repudiado vossa autoridade e se rendido a sua Causa."

Násiri'd-Dín Sháh, inexperiente ainda nos assuntos de Estado, referiu a questão aos oficiais que comandavam o exército de Mázindarán e que lhe atendiam(42). Deu-lhes instruções para tomar quaisquer medidas que julgassem apropriada para a exterminação dos perturbadores de seu reino. Hájí Mustafá Khán-i-Turkamán submeteu ao soberano sua opinião: "Venho eu mesmo de Mázindarán. Tenho podido estimar as forças a Sua disposição. O punhado de estudantes sem treinamento e de físico frágil, que eu vi, são absolutamente impotentes para resistir as forças que Vossa Majestade pode comandar. O exército que pensais em expedir é, a meu ver, desnecessário. Um pequeno destacamento desse exército será suficiente para eliminá-los. São completamente indignos do cuidado e da consideração de meu soberano. Quisesse Vossa Majestade, numa mensagem imperial dirigida a meu irmão 'Abdu'lláh Khán-i-Turkamán, indicar vosso desejo de que lhe seja conferida a autoridade necessária para subjugar aquele bando, estou convencido de que ele, num prazo de dois dias, reprimirá sua rebelião e destruirá suas esperanças."

O Xá deu seu consentimento e emitiu seu farmán(43) àquele mesmo 'Abdu'lláh Khán, lhe ordenando que sem demora recrutasse de qualquer parte de seu domínio as forças de que pudesse necessitar para executar seu propósito. Enviou com sua mensagem uma insígnia real, que lhe conferiu como sinal de confiança em sua capacidade para empreender essa tarefa. Ao receber o farmán imperial e o símbolo de honra que seu soberano lhe conferira, ele se sentiu estimulado a nova resolução para executar de um modo digno a sua missão. Dentro de pouco tempo havia ele levantado um exército de cerca de doze mil homens, composto em grande parte das comunidades de Usanlú, Afghán e Kúdár(44). Muniu-os de todas as armas necessárias e os estacionou na vila de Afrá, propriedade de Nazar Khán, donde se avistava o forte de Tabarsí. Assim que fixara seu acampamento nessa elevação, saiu ele para interceptar o suprimento diário de pão para os companheiros de Mullá Husayn. Até água breve lhes seria negada, como se tornava impossível que os assediados deixassem o forte exposto ao fogo do inimigo.

O exército recebeu ordens de levantar várias barricadas na frente do forte e abrir fogo contra qualquer um que por acaso saísse de seu portão. Quddús proibiu os companheiros de saírem para buscar água da vizinhança. "Nosso pão foi interceptado por nosso inimigo," queixou Rasúl-i-Bahnimírí. "Que nos acontecerá se água também nos for negada?" Quddús, que, nesta ocasião, na hora do pôr-do-sol, avistava do terraço do forte, na companhia de Mullá Husayn, o exército do inimigo, a ele se virando, disse: "A escassez de água afligiu nossos companheiros. Deus desejando, nesta mesma noite, um aguaceiro sobrevirá aos nossos oponentes, seguido de uma tempestade de neve, o que nos ajudará a repulsar sua projetada investida."

Naquela mesma noite, o exército de 'Abdu'lláh Khán foi surpreendido por uma chuva torrencial que engolfou aquela seção próxima do forte. Grande parte da munição foi irreparavelmente arruinada. Juntou-se dentro dos muros do forte uma quantidade de água que por um longo período foi suficiente para o consumo dos assediados. Durante a noite seguinte, uma tempestade de neve tal como o povo da vizinhança nunca, nem no auge do inverno, havia visto, agravou consideravelmente o aborrecimento causado pela chuva. Na próxima noite, que era a véspera do dia cinco de Muharram, no ano de 1265 A. H.(45), decidiu Quddús a sair pelo portão do forte. "Louvado seja Deus" disse ele a Rasúl-i-Bahnimírí, enquanto com calma e serenidade passeava pelas proximidades do portão, "que por Sua graça respondeu a nossa prece e fez cair tanta chuva como neve sobre nossos inimigos, tempestade essa que assolou seu acampamento e refrescou nosso forte."

Ao aproximar-se a hora do ataque para o qual o numeroso exército, a despeito das perdas sofridas, assiduamente se preparava, determinou-se Quddús a sair subitamente e lhe dissipar as forças. Duas horas após o nascer do sol, montou ele o corcel e, acompanhado de Mullá Husayn e mais três de seus companheiros, todos os quais iam montados ao seu lado, saíram pelo portão, seguidos pela companhia inteira, a pé. Logo que emergiram, retumbou o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!"(46) brado esse que causou consternação por todo o acampamento do inimigo. O rugido que esses destemidos seguidores do Báb levantaram no meio da floresta de Mázindarán dispersou o inimigo apavorado que jazia em emboscada dentro de seus retiros. O reluzir de suas armas desembainhadas lhes ofuscava a vista, e sua ameaça era suficiente para os estontear e dominar. Diante de seu ímpeto, fugiram em derrota ignominiosa, deixando atrás todas as suas possessões. Dentro do espaço de quarenta e cinco minutos se havia erguido o brado da vitória. Quddús e Mullá Husayn conseguiram dominar o resto do exército derrotado. 'Abdu'lláh Khán-i-Turkamán, com dois de seus oficiais, Habibu'lláh Khán-i-Afghán e Núru'lláh Khán-i-Afghán, juntamente com nada menos de quatrocentos e trinta de seus homens haviam perecido.

Quddús regressou ao forte, enquanto Mullá Husayn ainda se ocupava em prosseguir o trabalho que tão valorosamente havia sido executado. A voz de Siyyid 'Abdu'l-Azím-i-Khu'í logo se ergueu, chamando-o, em nome de Quddús, a voltar de imediato ao forte. "Já repelimos os assaltantes," disse Quddús, "não necessitamos levar avante a punição. É nosso propósito proteger a nós mesmos, a fim de que possamos continuar nossos labores pela regeneração dos homens. Nenhuma intenção temos nós de causar dano desnecessário a quem quer que seja. O que já realizamos é testemunho suficiente do invencível poder de Deus. Nós, uma pequena companhia de Seus seguidores, pudemos, através de Sua graça sustentadora, vencer o exército organizado e treinado de nossos inimigos."

A despeito da luta, nenhum dos seguidores do Báb perdeu a vida durante esse combate. Nem foi gravemente ferido ninguém, a não ser um homem de nome Qulí, que ia montado na frente de Quddús. A todos se ordenou que nada pegassem da propriedade de seus adversários exceto suas espadas e seus cavalos.

Como estavam se tornando evidentes os sinais da reorganização das forças comandadas por 'Abdu'lláh Khán, Quddús ordenou aos companheiros que cavassem um fosso em volta do forte para salvaguardá-los contra uma nova investida. Passaram-se dezenove dias durante os quais se esforçaram ao máximo para completarem a tarefa da qual foram incumbidos. Jubilosamente laboravam, dia e noite, a fim de acelerarem o trabalho que lhes fora confiado.

Pouco depois de terminado o trabalho, foi anunciado que o Príncipe Mihdí-Qulí Mirza(47) estava avançando em direção ao forte, chefiando um exército numeroso, e havia de fato acampado em Shír-Gáh. Poucos dias mais tarde, transferiram o quartel para Vás-Kas. Ao lá chegar, mandou um de seus homens para informar a Mullá Husayn que o Xá lhe ordenara que se certificasse do propósito de suas atividades e pedisse que Mullá Husayn o esclarecesse quanto ao objetivo que mirava. "Diga ao seu mestre," replicou Mullá Husayn, "que negamos em absoluto qualquer intenção ou de subverter os fundamentos da monarquia ou de usurpar a autoridade de Násiri'd-Dín Sháh. Nossa Causa trata da revelação do prometido Qá'im e se associa primariamente aos interesses da ordem eclesiástica deste país. Podemos expor argumentos incontrovertíveis e deduzir infalíveis provas em apoio da verdade da Mensagem da qual somos portadores." Apaixonada sinceridade com a qual Mullá Husayn pleiteou em defesa de sua Causa e os detalhes que citou para demonstrar a validade de suas pretensões, comoveram o coração do mensageiro e trouxeram lágrimas aos seus olhos. "Que devemos fazer?", exclamou ele. "Que o príncipe," respondeu Mullá Husayn, "dê instruções aos ulemás tanto de Sarí como de Bárfurúsh par virem a este lugar e nos pedirem que demonstremos a validade da Revelação proclamada pelo Báb. Que o Corão decida quem diz a verdade. Que o príncipe julgue nosso caso, ele próprio, e pronuncie o veredito. Que ele decida também como nos deveria tratar se não conseguirmos estabelecer, mediante os versículos e as tradições, a verdade desta Causa." O mensageiro expressou sua completa satisfação com a resposta recebida e prometeu que, antes de se passarem três dias, os dignitários eclesiásticos seriam convocados de maneira por ele sugerida.

A promessa feita pelo mensageiro não era destinada a ser cumprida. Três dias depois, o Príncipe Mihdí-Gulí Mirza preparou-se para lançar seu ataque contra os ocupantes do forte em escala até então sem precedentes. Chefiando três regimentos de infantaria e vários regimentos de cavalaria, estacionou sua hoste numa elevação da qual se avistava o lugar e deu o sinal para abrir fogo nessa direção.

O dia não havia ainda amanhecido quando ao sinal de "Montai vossos corcéis, ó heróis de Deus!" Quddús ordenou que os portões do forte fossem novamente abertos. Mullá Husayn e duzentos e dois de seus companheiros correram aos cavalos e seguiram Quddús, enquanto ele ia montado em direção de Vás-Kas. Destemidos diante das forças sobrepujantes contra eles dispostas e não impedidos pela neve e lama acumuladas nas estradas, avançaram, sem pausa, em meio à escuridão que os cercava, em direção à cidadela que servia de base para as operações do inimigo.

O príncipe, que observava os movimentos de Mullá Husayn, viu-o aproximar-se de seu forte e ordenou aos homens que contra ele abrissem fogo. As balas que dispararam não lhe puderam deter o avanço. Ele forçou a entrada pelo portão e se precipitou nos aposentos particulares do príncipe, quem ao perceber de súbito estar em perigo a sua vida, se jogou de uma janela de fundos para o fosso e escapou descalço(48). Sua hoste, privada de seu chefe, e tomada de pânico, fugiu em vergonhosa derrota diante daquele pequeno bando que eles, apesar de seu próprio número vastamente superior e dos recursos que a tesouraria imperial colocara a sua disposição, não conseguiram dominar(49).

Enquanto os vencedores forçavam entrada pela seção do forte reservada para o príncipe, dois outros príncipes de sangue real(50) caíram numa tentativa de derrubar seus oponentes. Assim que penetraram em seus aposentos, descobriram em um de seus quartos, cofres cheios de ouro e prata, tudo o que, por desdém, deixaram de tocar. Com exceção de um pote de pólvora e da espada predileta do príncipe, a qual, como evidência de seu triunfo, levaram a Mullá Husayn, seus companheiros não levaram em conta a suntuosa equipagem que seu dono abandonara em seu desespero. Quando a levaram a Mullá Husayn, descobriram que, por haver uma bala atingido sua própria espada, ele a havia trocado por aquela que Quddús, com a qual estava ocupado em repelir o assaltante.

No ato de abrirem os portões da prisão que tinha estado nas mãos do inimigo, ouviram a voz de Mullá Yúsufí-Ardibíli, que fora apreendido no caminho ao forte e languescia entre os presos. Intercedeu ele pelos companheiros neste sofrimento e conseguiu obter sua libertação imediata.

Na manhã daquele combate memorável, Mullá Husayn reuniu os companheiros ao redor de Quddús nas circunvizinhanças de Vás-Kas, enquanto ele mesmo permanecia montado em antecipação de um novo ataque pelo inimigo. Estava observando seus movimentos, quando de repente notou que uma hoste inumerável de ambos os lados se precipitava em sua direção. Todos se levantaram e, erguendo outra vez o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán", logo avançaram para enfrentar o desafio. Mullá Husayn esporeou o corcel em uma direção, e Quddús e seus companheiros em outra. O destacamento que estava avançando contra Mullá Husayn desviou-se de súbito e, fugindo de sua frente, se uniu com as outras forças inimigas e cercou Quddús e seus companheiros. Num dado momento, dispararam mil balas, uma das quais atingiu a boca de Quddús, tirando alguns de seus dentes e lhe ferindo tanto a língua como a garganta. O forte ruído que a descarga simultânea de mil balas produziu, e que podia ser ouvido a uma distância de dez farsangs(51), encheu de apreensão Mullá Husayn e o fez apressar-se a socorrer os amigos. Ao alcançá-los, apeou e, entregando o cavalo ao seu acompanhante, Qambar-'Alí, correu em direção a Quddús. A cena de seu bem-amado chefe, de cuja boca o sangue caia profusamente, lhe causou receio e consternação. Levantou as mãos horrorizado, prestes a bater em sua própria cabeça, quando Quddús o mandou desistir. Obedecendo instantaneamente ao seu chefe, pediu-lhe permissão para receber de sua mão a espada, a qual logo depois de lhe ser entregue e desembainhada, foi usada para dissipar as forças ao seu redor aglomeradas. Seguido por cento e dez de seus condiscípulos, enfrentou as forças contra ele dispostas. Em uma mão levando a espada de seu bem-amado chefe e, na outra, de seu humilhado oponente, travou contra eles uma batalha desesperada e, dentro de trinta minutos, durante os quais mostrou heroísmo maravilhoso, conseguir pôr em fuga o exército inteiro.

A vergonhosa retirada do exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza facilitou a Mullá Husayn e aos companheiros seu regresso ao forte. Com dor e lástima, conduziram seu chefe ferido ao abrigo de sua cidadela. Ao chegar, dirigiu Quddús por escrito um apelo aos amigos que lhe lamentavam o ferimento e com suas palavras de ânimo lhes suavizou a tristeza. "Deveríamos nos submeter," exortava-os, "à vontade de Deus, qualquer que seja. Deveríamos nos manter firmes e constantes na hora da provação. A pedra do infiel quebrou os dentes do Profeta de Deus, os meus caíram em conseqüência da bala do inimigo. Embora esteja aflito meu corpo, em alegria está imersa minha alma. Minha gratidão a Deus não conhece limites. Se me amam, não permitam que este júbilo seja obscurecido diante dessas lamentações."

Esse memorável confronto ocorreu no dia 25 de Muharram, 1265 A. H.(52). No começo deste mesmo mês, Bahá'u'lláh, fiel à promessa que fizera a Mullá Husayn, partiu de Núr, acompanhado por vários de Seus amigos, para o forte de Tabarsí. Entre aqueles que O acompanharam estavam Hájí Mirza Jáníy-i-Káshání, Mullá Báqir-i-Tabrízi, uma das Letras dos Viventes e Mirza Yahyá, Seu irmão. Bahá'u'lláh indicara Seu desejo de que procedessem diretamente a seu destino, sem permitirem nenhuma pausa nessa jornada. Foi Sua intenção alcançar aquele lugar à noite, pois desde que 'Abdu'lláh Khán assumira o comando, ordens estritas haviam sido emitidas para que nenhum auxílio fosse prestado, sob quaisquer circunstâncias, aos ocupantes do forte.

Guardas estacionados em vários pontos asseguravam o isolamento dos assediados. Seus companheiros, entretanto, Lhe instavam que interrompesse a viagem e procurasse descansar por algumas horas. Embora sabendo que essa demora envolveria grave perigo de serem surpreendidos pelo inimigo, Ele acedeu a essa fervorosa solicitação. Pararam numa casa solitária adjacente à estrada. Depois de ceiarem, Seus companheiros se retiraram para dormir. Só Ele, a despeito das durezas que sofrera, permanecia acordado. Bem conhecia os perigos aos quais estavam expostos, tanto Ele como os amigos e completamente ciente estava das possibilidades envolvidas em Sua chegada antecipada ao forte.

Enquanto Ele vigiava a seu lado, os emissários secretos do inimigo deram aos guardas nas proximidades informações sobre a chegada do grupo e mandaram apanhar imediatamente qualquer coisa que pudessem encontrar em seu poder. "Recebemos ordens estritas," disseram a Bahá'u'lláh, a Quem reconheceram no mesmo instante como líder do grupo, "para prendermos toda pessoa que por acaso encontrássemos nessa vizinhança e para conduzirmos, sem prévia investigação alguma, a Ámul, devendo lá entregá-la nas mãos do governador." "De um modo errado foi o assunto apresentado aos vossos olhos," observou Bahá'u'lláh. "Interpretastes mal o nosso propósito. Eu queria vos aconselhar que procedais de uma maneira que não venha mais tarde a causar-vos arrependimento." Essa admoestação, pronunciada com dignidade e calma, induziu o chefe dos guardas a tratar com consideração e cortesia aqueles a quem prendera. Disse-lhes que montassem em seus cavalos e com eles seguissem para Ámul. Ao aproximarem-se das margens de um rio, Bahá'u'lláh fez um sinal aos Seus companheiros, que estavam a alguma distância dos guardas, para que jogassem na água quaisquer manuscritos que tivessem em seu poder.

Ao amanhecer, enquanto se aproximavam da cidade, foi mandada na frente uma mensagem ao governador interino informando-lhe da chegada de um grupo que fora preso enquanto ia a caminho da fortaleza de Tabarsí. O próprio governador, juntamente com os membros de sua guarda pessoal sendo designado para fazer parte do exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza havia incumbido seu parente de substituí-lo em sua ausência. Assim que lhe chegou a mensagem, foi ele ao masjid de Ámul e convocou os ulemás e principais siyyids da cidade para que se reunissem e ficassem à espera do grupo. Grande foi sua surpresa ao avistar e reconhecer Bahá'u'lláh e profundo seu arrependimento pelas ordens que dera. Fingiu repreendê-Lo pela Sua ação, na esperança de apaziguar o tumulto e mitigar a agitação daqueles reunidos no masjid. "Somos inocentes," declarou Bahá'u'lláh, "da culpa que nos imputam. Nossa inculpabilidade será mais tarde estabelecida diante de vossos olhos. Eu queria vos aconselhar que procedais de uma maneira que não venha mais tarde a causar-vos arrependimento." O governador interino pediu aos ulemás presentes que Lhe fizessem qualquer pergunta que quisessem. Às suas interrogações deu Bahá'u'lláh respostas explícitas e convincentes. Enquanto O interrogavam, descobriram um manuscrito no poder de um de Seus companheiros que eles reconheceram como sendo de autoria do Báb. Entregaram-no ao chefe dos ulemás presentes nessa reunião. Após haver examinado algumas linhas do manuscrito, o pôs de lado e, virando-se para aqueles a seu redor, exclamou: "Essas pessoas que fazem pretensões tão extravagantes, demonstraram nesta mesma frase que acabo de ler, sua ignorância das regras mais rudimentares da ortografia." "Estimado e sábio sacerdote," replicou Bahá'u'lláh, "essas palavras que criticais não são as palavras do Báb. Foram pronunciadas por ninguém menos que o Imame 'Alí, Comandante dos Fiéis, em sua resposta a Kumayl-ibn-i-Zídyád, a quem ele escolhera como seu companheiro."

As circunstâncias que Bahá'u'lláh então relatou com referência à resposta, bem como Seu pronunciamento, convenceram o arrogante mujtahid de seu erro e sua falta de inteligência. Não podendo contradizer tão ponderável afirmação, preferiu guardar silêncio. Um siyyid interjeicionou irosamente: "Essa própria afirmação demonstra de modo concludente ser o autor, ele mesmo, um Bábí e nada menos que um dos principais expositores dos dogmas dessa seita."

Em linguagem veemente instava ele que fossem mortos os seus seguidores. "Esses obscuros sectaristas são os intransigentes inimigos," exclamou, "tanto do Estado como da Fé do Islã! Devemos - custe o que custar - extirpar essa heresia." Foi apoiado em sua denúncia pelos outros siyyids que estavam presentes e que, tornados mais audazes pelas imprecações pronunciadas nessa reunião, insistiram em que o governador acedesse, sem hesitação, a seus desejos.

Viu-se o governador interino em situação embaraçosa, pois sabia que qualquer sinal de indulgência de sua parte lhe acarretaria graves conseqüências quanto à segurança de sua posição. Em seu desejo de refrear as paixões que haviam sido excitadas, ordenou aos subordinados que preparassem os bastões e infligissem aos cativos o castigo merecido. "Deveremos então," acrescentou ele, "aprisioná-los até o regresso do governador, que os mandará a Teerã, onde receberão, nas mãos do soberano, a punição que merecem."

O primeiro a ser amarrado para receber a bastonada foi Mullá Báqir. "Sou apenas um lacaio de Bahá'u'lláh," foi seu apelo - "ia a caminho de Mashhad quando de súbito me prenderam e trouxeram para este lugar." Bahá'u'lláh interveio e conseguiu induzir os opressores a libertá-lo. Intercedeu, outrossim, por Hájí Mirza Jání que, disse Ele, era um simples mercador, e a quem considerava Seu "hóspede," de modo que Ele era responsável por qualquer culpa contra ele imputada. Mirza Yahyá, que iria então ser amarrado, foi também libertado, ao declarar Bahá'u'lláh ser ele Seu assistente. "Nenhum destes homens," disse Ele ao governador interino, "cometeu qualquer crime. Se insistirdes em infligir vossa punição, Eu me ofereço como vítima voluntária de vosso castigo." O governador interino viu-se, contra sua vontade, constrangido a dar ordens que Bahá'u'lláh tão somente fosse escolhido para sofrer a indignidade que ele destinara de início a Seus companheiros(53).

O mesmo tratamento que o Báb recebera cinco meses antes em Tabríz, Bahá'u'lláh agora o sofreu na presença da assembléia dos ulemás de Ámul. O primeiro encarceramento sofrido pelo Báb das mãos de Seus inimigos foi na casa de 'Abdu'l-Hamíd-Khán, chefe de polícia de Shíráz; o primeiro encarceramento de Bahá'u'lláh foi na casa de um dos kad-khudás de Teerã. A segunda prisão do Báb foi no castelo de Máh-Kú; a de Bahá'u'lláh foi na residência particular do governador de Ámul. O Báb sofreu a bastonada no namáz-khánih(54) do Shaykhu'l-Islám de Tabríz; a mesma indignidade foi infligida a Bahá'u'lláh no namáz-khánih no mujtahid de Ámul. O terceiro encarceramento do Báb foi no castelo de Chihríq; o de Bahá'u'lláh foi no Síyáh-Chál(55) de Teerã. O Báb, cujas provações e tribulações haviam precedido, em quase cada instância as de Bahá'u'lláh, havia se oferecido para resgatar Seu Bem-Amado dos perigos que cercavam aquela Vida preciosa; enquanto Bahá'u'lláh, de Sua parte, não consentindo em que Aquele que tanto O amava fosse o único a sofrer, participava toda vez da taça que Lhe tocara os lábios. Tal amor jamais foi visto por olhos de ninguém, nem por coração mortal foi concebida tamanha devoção mútua. Se os ramos de cada árvore se transformassem em penas, e todos os mares em tinta, e se a terra e o céu fossem enrolados em um só pergaminho não se haveria explorado ainda a imensidade desse amor, nem sondado as profundezas dessa devoção.

Bahá'u'lláh e Seus companheiros permaneceram por algum tempo aprisionados em um dos aposentos que formaram parte do masjid. O governador interino, ainda determinado a proteger seu Prisioneiro contra os ataques de um inveterado inimigo, deu instruções secretas aos seus subordinados para abrirem, numa hora em que menos se suspeitasse, uma passagem pela parede do aposento em que os cativos estavam confinados, e transferirem seu Líder de imediato para sua casa. Estava ele mesmo conduzindo Bahá'u'lláh a sua residência quando um siyyid saltou em sua frente e dirigindo contra Ele as mais violentas investidas, levantou a clava que segurava na mão para Nele bater. O governador interino logo se interpôs e, fazendo um apelo ao agressor, "o adjurou pelo Profeta de Deus" a deter sua mão. "O Quê!" bradou o siyyid. "Como vos atreveis a soltar um homem que é o intransigente inimigo da Fé de nossos pais!" Uma multidão de homens brutais havia nesse meio tempo se juntado a seu redor e, com seus gritos de escárneo e abuso, aumentava o clamor por ele levantado. Apesar do crescente tumulto, os assistentes do governador interino conseguiram conduzir Bahá'u'lláh em segurança à residência de seu amo, mostrando nessa ocasião coragem e presença de espírito verdadeiramente admiráveis.

A despeito dos protestos da turba, os demais prisioneiros foram levados à sede do governo e assim escaparam dos perigos com os quais haviam sido ameaçados. O governador interino apresentou a Bahá'u'lláh profusas desculpas pelo tratamento que Lhe fora dado pelo povo de Ámul. "Se não fosse a intervenção da Providência," disse ele, "nenhuma força vos teria podido livrar das mãos desse povo malévolo. Se não fosse o voto que eu fizera de arriscar minha própria vida por vossa causa, eu, também, haveria caído vítima de sua violência e sido espezinhado sob seus pés." Queixou-se amargamente da ultrajante conduta do siyyids de Ámul e denunciou a baixeza de seu caráter. Referiu-se ao tormento ao qual ele próprio era continuamente sujeitado por causa de seus maliciosos desígnios. Pôs-se a servir a Bahá'u'lláh com devoção e bondade e muitas vezes durante sua conversação com Ele se podia ouvi-lo observar: "Longe estou de Vos considerar um prisioneiro em meu lar. Esta casa creio, foi construída expressamente para vos prover um abrigo dos desígnios de vossos inimigos."

Já ouvi o próprio Bahá'u'lláh contar o seguinte: "Jamais se concedeu a um prisioneiro tal tratamento como recebi das mãos do governador interino de Ámul. Ele Me tratou com a máxima consideração e estima. Hospedou-me com toda generosidade, prestando a mais completa atenção a tudo o que se relacionava a Minha segurança e ao Meu conforto. Não pude, entretanto, sair do portão da casa. Meu anfitrião receava que o governador, que era parente de 'Abbás-Qulí Khán-i-Larijání, voltasse da fortaleza de Tabarsí e Me infligisse algum mal. Tentei dissipar-lhe as apreensões. 'A mesma Onipotência,' Eu lhe assegurava, 'que nos livrou das mãos dos malfeitores de Ámul e nos facilitou a recepção por vós com tanta hospitalidade nessa casa, pode mudar o coração do governador e fazê-lo tratar-nos com igual consideração e amor.'

"Uma noite fomos subitamente acordados pelo clamor do povo que se havia juntado fora do portão da casa. A porta foi aberta e se anunciou que o governador havia voltado a Ámul. Nossos companheiros, antecipando um novo ataque, foram completamente surpreendidos ao ouvir a voz do governador repreendendo aqueles que tão veementemente nos denunciaram no dia de nossa chegada. 'Por que razão,' nós o ouvimos protestar em tom alto, 'essas miseráveis criaturas se dignaram de tratar com tanto desrespeito um hóspede cujas mãos estão amarradas e a quem não foi dada a oportunidade de se defender? Qual é sua justificação por haver exigido que ele de imediato fosse morto? Que evidência têm eles com a qual sustentar seu argumento? Se são sinceros em suas pretensões de ser devotadamente ligados ao Islã e lhe ser os guardiães dos interesses, que vão à fortaleza de Shaykh Tabarsí e lá demonstrarem sua capacidade de defender a Fé da qual se professam ser os campeões!"

O que ele havia visto do heroísmo dos defensores da fortaleza, mudara completamente a idéia e o coração do governador de Ámul. Voltou cheio de admiração por uma Causa que antes desprezara e a cujo progresso se opusera fortemente. As cenas que testemunhou haviam lhe desarmado a ira e castigado o orgulho. Humilde e respeitosamente foi ele a Bahá'u'lláh e pediu perdão pela insolência dos habitantes de uma cidade da qual fora escolhido para ser o governador. Serviu-Lhe com devoção extrema, sem levar em conta, de modo algum, sua própria posição e grau. Prestou um ardente tributo a Mullá Husayn, estendendo-se sobre sua habilidade, sua intrepidez, sua destreza e sua nobreza de alma. Poucos dias depois, conseguiu ele arranjar para Bahá'u'lláh e Seus companheiros, uma partida sem perigo, para Teerã.

A intenção de Bahá'u'lláh de participar da sorte dos defensores da fortaleza de Shaykh Tabarsí não foi destinada a se cumprir. Embora Ele Próprio estivesse desejoso de prestar àqueles assediados todo auxílio possível ao Seu alcance, foi-Lhe poupado, através da misteriosa dispensação da Providência, o trágico destino que breve haveria de sobrevir aos principais participantes daquela memorável luta. Tivesse Ele podido alcançar a fortaleza, tivesse Lhe sido permitido unir-se aos membros daquele grupo heróico, como haveria Ele podido desempenhar Seu papel no grande drama que era destino Seu desdobrar? Como teria Ele podido consumar a obra tão gloriosamente concebida e tão maravilhosamente inaugurada? Ele estava na flor da idade quando Lhe veio o chamado de Shiráz. Aos vinte e sete anos levantou-se Ele para consagrar a vida a seu serviço, destemidamente se identificando com seus ensinamentos e se distinguindo pelo papel exemplar que desempenhou em sua difusão. Nenhum esforço era demasiado grande para a energia da qual Ele era dotado, nem sacrifício demasiado doloroso para a devoção com a qual sua fé Lhe inspirara. Ele jogou de lado toda consideração de fama, de riqueza e posição, para prosseguir na tarefa cuja realização escolhera como o anelo de Seu coração. Nem as zombarias de Seus amigos, nem as ameaças de Seus inimigos podiam induzi-Lo a deixar de patrocinar uma Causa que ambos igualmente consideravam como sendo uma seita obscura e proscrita.

O primeiro encarceramento ao qual Ele foi sujeitado em conseqüência do auxílio por Ele prestado aos cativos de Qazvín; a habilidade com que conseguiu a libertação de Táhirih; a maneira exemplar como dirigiu o curso dos turbulentos acontecimentos em Badasht; o modo de salvar a vida de Quddús em Níyálá; a sabedoria que mostrou em Seu controle na situação delicada criada pela impetuosidade de Táhirih e a vigilância por Ele exercida para sua proteção; os conselhos que deu aos defensores da fortaleza de Tabarsí; o plano que Ele concebeu para juntar as forças de Quddús às de Mullá Husayn e seus companheiros; a espontaneidade com que se levantou para apoiar os esforços daqueles corajosos defensores; a magnanimidade que O incentivou a oferecer-se como substituto de Seus companheiros que estavam sob a ameaça de severas indignidades; a serenidade com que Ele enfrentou o penoso tratamento que Lhe foi infligido em conseqüência da tentativa contra a vida de Násiri'd-Dín Sháh, as indignidades que sobre Ele foram amontoadas por todo o caminho de Lavásán até a sede do exército imperial e daí até a capital; as pesadas correntes esfoladoras que Ele suportou enquanto jazia na escuridão do Síyáh-Chál de Teerã todas estas apenas poucos exemplos que dão eloqüente testemunho da posição incomparável ocupada por Ele como Impulsor primaz das forças destinadas a remodelar a face de Sua terra natal. Foi Ele quem liberou essas forças, lhes dirigiu o curso e harmonizou a ação, levando-as finalmente a sua mais alta consumação na Causa que Ele Próprio era destinado a posteriormente revelar.

CAPÍTULO XX
A REVOLTA DE MÁZINDARÁN
(Continuação)

As forças sob o mando do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza haviam, entrementes, se recuperado do estado de desmoralização completa em que haviam caído e estavam agora se preparando para renovar seu ataque contra os ocupantes da fortaleza de Tabarsí. Encontravam-se estes novamente cercados por uma hoste numerosa em cuja vanguarda marchavam 'Abbás-Qulí Khán-i-Lárínjání e Sulaymán Khán-i-Afshár i-Shahríyárí que, juntamente com vários regimentos de infantaria e cavalaria, se haviam apressado a reforçar a companhia dos soldados do príncipe(1). Suas forças combinadas acamparam na vizinhança do forte(2) e procederam a erigir uma série de sete barricadas a seu redor. Com arrogância extrema, procuravam de início exibir a amplidão das forças a seu dispor e com crescente zelo se exercitavam diariamente no uso de suas armas.

A escassez de água havia, entrementes, obrigado os sitiados a cavar um poço dentro do cercado do forte. No dia em que o trabalho seria completado, no oitavo dia do mês de Rabí'u'l-Avval(3), Mullá Husayn, que presenciava a execução dessa tarefa pelos companheiros, observou. "Hoje teremos toda a água de que necessitarmos para nosso banho. Purificados de todas as corrupções terrenas, iremos em busca da corte do Todo-Poderoso e nos apressaremos a atingir nossa morada eterna. Quem quer que deseje participar da taça do martírio, que se prepare e aguarde a hora em que possa com seu sangue vital selar sua fé em sua Causa. Que esta noite, antes da hora do alvorecer, os que desejam se unir comigo estejam prontos para sair de trás destes muros e, mais uma vez pondo em debandada as forças negras que se assediaram o caminho, ascendam sem obstáculo às alturas da glória."

Naquela mesma tarde, Mullá Husayn fez suas abluções, pôs vestes novas, ataviou a cabeça com o turbante do Báb e se preparou para o encontro iminente. Uma indefinível alegria lhe iluminava a face. Serenamente se referiu à hora de sua partida e até seus derradeiros momentos continuou a animar o zelo de seus companheiros. Sozinho com Quddús, que tão poderosamente lhe fazia lembrar seu Bem-Amado, ele, enquanto sentado aos seus pés nos momentos finais de sua vida terrena, se desafogou de tudo o que uma alma extasiada não mais podia reprimir. Pouco depois de meia noite, assim que nascera a estrela da manhã, estrela essa que lhe prenunciava a luz matinal de sua reunião eterna com seu Bem-Amado, pôs-se em pé e montando seu corcel, deu o sinal para se abrir o portão do forte. Enquanto saía montado na frente de trezentos e treze de seus companheiros para encontrar o inimigo, o grito de "Yá Sáhibu'z-Zamán!"(4) novamente irrompia - um brado tão intenso e poderoso que floresta, forte e acampamento vibraram com seu eco retumbante.

Mullá Husayn primeiro investiu contra a barricada cujo defensor era Zakaríyyáy-i-Qádí Kalá'í, um dos mais valentes oficiais do inimigo. Dentro de pouco tempo havia ele rompido essa barricada, disposto de seu comandante e debandando seus homens. Precipitando-se adiante com a mesma celeridade e intrepidez, superou a resistência tanto da segunda como da terceira barricada, difundindo, à medida que avançava, desespero e consternação entre os inimigos. Não detidos pelas balas que sobre ele e seus companheiros continuamente choviam, caminharam para a frente até haver capturado e derrubado todas as restantes barricadas. Em meio ao tumulto que se seguia, 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, trepara numa árvore e, escondendo-se nos ramos, ficou de emboscada à espera dos oponentes. Protegido pela escuridão que o cercava, pode de seu esconderijo acompanhar os movimentos de Mullá Husayn e seus companheiros, que estavam expostos ao forte clarão da conflagração que haviam levantado. O corcel de Mullá Husayn emaranhou-se, de súbito, no cabo de uma tenda adjacente e Mullá Husayn, antes de poder desembaraçar-se, foi atingido no peito por uma bala de seu ardiloso agressor. Embora o tiro fosse bem sucedido, 'Abbás-Qulí Khán não percebia a identidade do cavaleiro que ele ferira. Mullá Husayn, que sangrava profusamente apeou, cambaleando, deu alguns passos e, não podendo proceder adiante, caiu exausto no chão. Dois de seus jovens companheiros, de Khurásán, Qulí e Hasan, vieram socorrê-lo e o levaram ao forte(5).

Tenho ouvido Mullá Sadíq e Mullá Mirza Muhammad-i-Furúghí relatarem o seguinte: "Estávamos entre aqueles que haviam permanecido no forte com Quddús. Logo que Mullá Husayn foi trazido, parecendo estar inconsciente, pediram que nos retirássemos. "Deixem-me a sós com ele," foram as palavras de Quddús, enquanto mandava Mirza Muhammad-Báqir fechar a porta e recusar a entrada a qualquer um que o desejasse ver. "Há certos assuntos confidenciais que eu desejo que somente ele saiba. Ficamos atônitos, poucos momentos depois, quando ouvimos a voz de Mullá Husayn respondendo às perguntas de Quddús. Durante duas horas continuaram a conversar, um com outro. Admirávamos ver Mirza Muhammad-Báqir tão profundamente agitado. "Eu estava vendo Quddús," informou-nos subseqüentemente, "por uma fenda na porta. Assim que chamou seu nome, vi Mullá Husayn levantar e se sentar, de sua maneira usual, de cócoras, ao seu lado. Com a cabeça inclinada e olhando para baixo, escutava toda palavra que caia dos lábios de Quddús e lhe respondia as perguntas. "Apressaste a hora de tua partida," pude ouvir Quddús observar, "e me abandonaste à mercê de meus inimigos. Queira Deus, breve nos reuniremos e eu saborearei a doçura dos inefáveis deleites celestiais." Consegui apanhar as seguintes palavras pronunciadas por Mullá Husayn: "Seja minha vida um resgate por ti. Estás contente comigo?"

Passou um largo tempo antes de Quddús mandar Mirza Muhammad-Báqir abrir a porta e admitir seus companheiros. "Eu lhe disse meu último adeus," declarou, enquanto entrávamos no aposento. Coisas que eu anteriormente julgava que não me era permitido pronunciar, agora com ele partilhei. Vimos, ao aproximar-nos, que Mullá Husayn havia expirado. Um leve sorriso ainda pairava em seu rosto. Tal foi a paz em seu semblante que ele parecia haver adormecido. Quddús tratou do enterro, vestiu-o de sua própria camisa e deu instruções para colocá-lo em seu lugar de repouso próximo do santuário do Shaykh Tabarsí, do lado sul(6). "Bem-aventurado estás por haver até tua derradeira hora permanecido fiel ao Convênio de Deus," disse, enquanto nos olhos e na testa lhe dava um beijo de despedida. "Não permita Deus, rogo-Lhe, que qualquer divisão entre tu e eu jamais seja causada." De um modo tão penetrante falou, que os sete companheiros que estavam em pé ao seu lado choraram profusamente e sentiam o desejo de que em seu lugar estivessem sido sacrificados. Quddús com as próprias mãos colocou o corpo no túmulo e acautelou aos que lhe estavam perto que guardassem segredo o seu lugar de descanso e nem mesmo aos companheiros o revelassem. Mais tarde deu instruções para que os corpos dos trinta e seis mártires caídos durante aquele encontro fossem enterrados em uma mesma sepultura, ao lado norte do santuário de Shaykh Tabarsí. "Que os amados de Deus," ouviam-no observar enquanto os entregava a seu túmulo, "atentem para o exemplo destes mártires de nossa Fé. Que eles sejam e permaneçam tão unidos em vida como estes agora estão em sua morte."

Nada menos de noventa dos companheiros foram feridos naquela noite, dos quais a maioria sucumbiu. Desde o dia de sua chegada em Bárfurúsh até o dia em que foram primeiro atacados, que caiu no dia doze de Dhi'l-Qa'dih no ano de 1264 A. H.(7), até o dia do falecimento de Mullá Husayn, ocorrido na hora do amanhecer, no dia nove de Rabí'u'l-Avval, no ano de 1265 A. H.(8), o número de mártires, segundo o cálculo de Mirza Muhammad-Báqir, atingira um total de setenta e dois.

Desde o tempo em que Mullá Husayn foi atacado pelos seus inimigos até o tempo de seu martírio, houve um período de cento e dezesseis dias, período esse tornado memorável pelas façanhas tão heróicas que até mesmo os mais veementes inimigos se sentiam constrangidos a confessar sua admiração. Em quatro ocasiões distintas atingiu ele tais alturas de coragem e poder como poucos, em verdade, podiam alcançar. O primeiro encontrou realizou-se no dia doze de Dhi'l-Qa'dih(9), nas imediações de Bárfurúsh; o segundo, nos arredores do forte de Shaykh Tabarsí, no quinto dia do mês de Muharram(10), contra as forças de 'Abdu'lláh Khán-i-Turkamán; o terceiro, em Vás-Kas, no vigésimo quinto dia de Muharram(11), e foi dirigido contra o exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza. A última e mais memorável batalha de todas foi dirigida contra as forças combinadas de 'Abbás-Qulí Khán, do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza e de Sulaymán Khán-i-i-Afshár, auxiliadas por uma companhia de quarenta e cinco oficiais de habilidade provada e experiência madura. De cada um desses encontros violentos e ferozes, Mullá Husayn, a despeito das forças sobrepujantes contra ele dispostas, saía ileso e triunfante. Em cada encontro se distinguia por tais atos de valor, de cavalheirismo, de habilidade e de força, que qualquer um destes, sozinho, bastaria para estabelecer para todo o sempre o caráter transcendente de uma Fé por cuja proteção ele tão destemidamente lutara e na senda da qual tão nobremente morrera. As qualidades de mente e de caráter que, desde a própria juventude ele demonstrava, a profundidade de seus conhecimentos, a tenacidade de sua fé, sua coragem intrépida, a unicidade de propósitos, seu alto senso de justiça e sua inabalável devoção assinalavam-no como figura que sobressaía entre aqueles que, pelas suas vidas, deram testemunho da glória e do poder da nova Revelação. Ele tinha trinta e seis anos quando sorveu da taça do martírio. Com idade de dezoito havia conhecido, em Karbilá, Siyyid Kázim-i-Rashtí e durante nove anos ficado sentado a seus pés, embebendo-se da instrução destinada a prepará-lo para a aceitação da Mensagem do Báb. Os nove anos restantes de sua vida foram passados em meio a uma atividade incessante, febril, que o levou afinal ao campo do martírio, em circunstâncias que derramaram imperecível lustre sobre a história de seu país(12).

Uma derrota tão completa e tão humilhante paralisou por algum tempo os esforços do inimigo. Quarenta e cinco dias passaram antes de poderem mais uma vez reunir suas forças e renovar sua investida. Durante esse intervalo, que terminou com o dia de Naw-Rúz, o frio intenso que prevalecia induziu-os a adiar sua aventura contra um oponente que os havia coberto de tanto opróbrio e vergonha. Embora seus ataques tivessem sido suspensos, os oficiais que comandavam os remanescentes do exército imperial haviam dado ordens estritas proibindo a chegada no forte de qualquer espécie de reforço. Quando o suprimento de suas provisões estava quase esgotado, Quddús deu instruções a Mirza Muhammad-Báqir para distribuir entre seus companheiros o arroz que Mullá Husayn armazenara para a ocasião em que fosse necessário. Quando cada um havia recebido a sua porção Quddús, convocando-os, disse: "Qualquer um que se sinta bastante forte para resistir às calamidades que breve nos hão de suceder, que permaneça conosco neste forte. E qualquer um que em si perceba o menor traço de hesitação e medo, que se vá deste recinto. Que saia de imediato, antes de haver o inimigo novamente reunido suas forças e nos atacado. Dentro em breve nos será vedada passagem diante de nossa face; muito breve haveremos de encontrar a mais severa dificuldade e cair vítimas de devastadoras aflições."

Na mesma noite em que Quddús fizera essa advertência, um siyyid de Qum, Mirza Husayn-i-Mutavallí, foi levado a trair seus companheiros. "Por que é," escrevia ele a 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, "que deixastes inacabado o trabalho que iniciastes? Já tendes disposto de um formidável oponente. Com a eliminação de Mullá Husayn, que era a força impulsora atrás destes muros, demolistes o pilar do qual dependiam a força e a segurança do forte. Tivésseis tido paciência por mais um dia, haveríeis seguramente obtido para vós os louros da vitória. Com nada mais de cem homens, dou minha palavra, dentro de dois dias podereis capturar o forte e conseguir a rendição incondicional de seus ocupantes. Estão exaustos de fome e passando por graves provações." A carta selada foi entregue a um certo Siyyid 'Alíy-i-Zargar que, enquanto levava consigo a porção do arroz que recebera de Quddús, saiu às escondidas da fortaleza na hora de meia-noite e levou a 'Abbás-Qulí Khán, a quem já conhecia. Veio-lhe essa mensagem num tempo em que ele havia buscado refúgio numa aldeia situada a uma distância de quatro farsangs(13) do forte e quando não sabia se deveria ou não regressar à capital e se apresentar a seu soberano após uma derrota tão humilhante, ou se retirar para sua casa em Láríján, onde seguramente haveria de enfrentar as repreensões de seus parentes e amigos.

Acabava ele de levantar da cama quando, na hora do nascer do sol, o siyyid lhe trouxe a carta. A notícia da morte de Mullá Husayn fortaleceu-o a tomar nova resolução. Com receio de que o mensageiro espalhasse a notícia concernente à morte de tão temível oponente, matou-o instantaneamente e então maquinou por alguma astúcia extraordinária desviar de si a suspeita do assassinato. Resolvido a tirar a máxima vantagem da desgraça dos sitiados e do esgotamento de suas forças, empreendeu de imediato os necessários preparativos para o reinício de seus ataques. Dez dias antes do Naw-Rúz havia ele acampado à distância de meio farsang do forte e se certificado da exatidão da mensagem que o pérfido siyyid lhe trouxera. Na esperança de obter para si toda a honra possível de haver conseguido afinal, a rendição de seus oponentes, não consentiu em revelar, nem mesmo aos seus oficiais mais íntimos, a informação recebida.

Mal rompera o dia quando ele içou seu estandarte(14) e, marchando na vanguarda de dois regimentos de infantaria e cavalaria, cercou a fortaleza e deu ordem de fogo contra as sentinelas que guardavam as torres. "O traidor," informou Quddús a Mirza Muhammad-Báqir, que se apressara a avisá-lo da gravidade da situação, "anunciou a 'Abbás-Qulí Khán a morte de Mullá Husayn. Ele agora, tornado audaz por causa de sua eliminação, está determinado a tomar de assalto nossa cidadela e obter para si a honra de ser seu único conquistador. Faze uma investida e com o auxílio de dezoito homens marchando ao teu lado, administra o devido castigo ao agressor e sua hoste. Deixa-o verificar que embora Mullá Husayn não mais existia, o invencível poder de Deus continua ainda a sustentar seus companheiros e fazê-los triunfarem sobre as forças de seus inimigos."

Mal escolhera Mirza Muhammad-Báqir seus companheiros quando mandou abrir-se de par em par o portão do forte. De salto montaram os corcéis e, levantando o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" arremessaram-se ao acampamento do inimigo. O exército inteiro fugiu em confusão diante de tão violento ímpeto. Com poucas exceções, conseguiram escapar. Chegaram a Bárfurúsh completamente desmoralizados e acabrunhados de vergonha. Tão abalado de medo estava 'Abbás-Qulí Khán que caiu de seu cavalo. Em sua aflição deixando uma das botas penduradas no estribo correu, meio calçado e confuso, na direção que fora tomada pelo exército. Cheio de desespero, apressou-se ao príncipe e confessou o ignominioso infortúnio que ele sofrera (15). Mirza Muhammad-Báqir, por sua parte, saindo daquele encontro, juntamente com seus dezoito companheiros, todos ilesos, e segurando na mão o estandarte que um inimigo apavorado abandonara, retirou-se com exultação ao forte onde submeteu essa evidência de sua vitória a seu chefe que nele havia inspirado tamanha coragem.

Uma derrota tão completa trouxe alívio imediato aos companheiros aflitos. Cimentou-lhes a unidade e os lembrou novamente da eficácia daquele poder do qual sua Fé os dotara. Seu alimento, infelizmente, estava agora reduzido a carne dos cavalos que haviam trazido com eles do acampamento abandonado pelo inimigo. Com inabalável energia suportavam as aflições que de todos os lados os assediavam. Seus corações concentravam-se nos desejos de Quddús; qualquer outra coisa pouco lhes importava. Nem a severidade de seu sofrimento, nem as ameaças contínuas do inimigo puderam fazê-los desviarem-se, nem sequer pela largura de um fio de cabelo, do caminho que os falecidos companheiros haviam tão heroicamente trilhado. Houve alguns poucos que subseqüentemente, na hora mais tenebrosa da adversidade, falharam. A pusilanimidade que esse elemento desprezível foi constrangido a mostrar, entretanto, empalideceu, tornando-se insignificante em face do espírito radiante manifestado pela grande maioria de seus companheiros, de ânimo firme, na hora da consumação do destino.

O Príncipe Mihdí-Qulí Mirza, que estacionara em Sárí, recebeu com grande deleite a notícia da derrota que sobreviera às forças sob o comando imediato de seu colega 'Abbás-Qulí Khán. Embora desejoso, ele mesmo, de extirpar o bando que havia procurado abrigo atrás dos muros do forte, regozijou-se ao saber do insucesso de seu rival em ganhar a vitória por ele cobiçada (16). Escreveu de imediato a Teerã, ordenando que sem demora fosse despachado às proximidades do forte um reforço de bombas e artilharia de camelos, com todo o equipamento necessário, estando ele determinado a efetuar desta vez, a subjugação completa de seus obstinados ocupantes.

Enquanto seus inimigos se preparavam para ainda outro e mais feroz ataque contra sua cidadela, os companheiros de Quddús, totalmente indiferentes para o sofrimento atormentador que os afligia, aclamaram com gratidão e júbilo a aproximação do Naw-Rúz. Durante esse festival expressaram livremente seus sentimentos de agradecimento e louvor pelas múltiplas bênçãos que o Todo-Poderoso lhes concedera. Embora oprimidos de fome, entregavam-se ao júbilo e canção, desdenhando inteiramente o perigo que os cercava. O forte ressoava com a atribuição de glória e louvor que, tanto de dia como à noite, ascendia dos corações daquele grupo jubiloso. O versículo, "Santo, santo, o Senhor nosso Deus, Senhor dos anjos e do espírito," procedia incessantemente de seus lábios, intensificando-lhes o entusiasmo e lhes reanimando a coragem.

Tudo o que restava do gado que trouxeram com eles para o forte, era uma vaca que Hájí Nasíru'd-Dín-i-Qazvíní guardara e de cujo leite ele todo dia fazia um pudim para a mesa de Quddús. Não consentindo em negar aos companheiros famintos seu quinhão do manjar para ele preparado pelo seu devotado companheiro, Quddús invariavelmente, após haver tomado algumas colheres de chá desse alimento, distribuía entre eles o restante. "Deixei de apreciar," nós o ouvíamos muitas vezes observar, "desde a partida de Mullá Husayn, o alimento e a bebida que para mim preparam. Meu coração sangra ao ver a meu redor meus companheiros famintos, exaustos e definhados." A despeito dessas circunstâncias adversas, ele continuou infalivelmente a elucidar em seu comentário o que significava o Sád de Samad e a exortar os amigos a perseverarem até mesmo o fim em seus heróicos esforços. De manhã e ao anoitecer, Mirza Muhammad-Báqir entoava, na presença dos crentes reunidos, versículos desse comentário, cuja leitura despertava seu entusiasmo e lhes aviva as esperanças.

Tenho ouvido Mullá Mirza Muhammad-i-Furúghí atestar o seguinte: "Deus sabe que havíamos deixado de sentir fome de alimentos. Nossos pensamentos não mais se dirigiam a assuntos relativos ao nosso pão de cada dia. Tão extasiados estávamos pela melodia encantadora daqueles versículos que, fossemos continuar nesse estado durante anos, possibilidade alguma teria havido de um traço de tédio ou fadiga nos ofuscar o entusiasmo ou estragar nossa alegria. E sempre que a falta de nutrimento tendia a nos minar a vitalidade e nos diminuir as forças, Mirza Muhammad-Báqir apressava-se a Quddús e lhe avisava de nossa aflitiva situação. Um vislumbre de sua face, a mágica de suas palavras, enquanto ele entre nós andava, transmutava em júbilo áureo nosso desalento. Éramos reforçados com um poder de tal intensidade que, tivessem as hostes de nossos inimigos de súbito em nossa frente aparecido, haveríamos nos sentido capazes de lhes subjugar as forças."

No dia de Naw-Rúz, que caiu no dia vinte e quatro de Rabí'u'th-Thání no ano de 1265 A. H. (17), Quddús referiu-se, em uma mensagem escrita a seus companheiros, à aproximação de tais provações que lhes viria no encalço o martírio de um número considerável de seus amigos. Poucos dias depois, uma hoste inumerável (18), comandada pelo Príncipe Míhdí-Qulí Mirza (19) e auxiliada pelas forças combinadas de Sulaymán Khán-i-Afshár, de 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání e de Ja'far-Qulí Khán, ajudados por cerca de quarenta outros oficiais, acamparam na vizinhança do forte e iniciaram a construção de uma série de trincheiras e barricadas nas imediações (20). No nono dia do mês de Bahá (21), o oficial em comando deu ordens àqueles incumbidos da artilharia, que atirassem em direção aos sitiados. Enquanto o bombardeio progredia, Quddús emergiu de seu aposento e andou ao centro do forte. Sua face engrinaldava-se em sorrisos e seu porte revelava a maior tranqüilidade. Enquanto andava, uma bala de canhão caiu de súbito em sua frente. "Como esses jactanciosos agressores," observou ele calmamente, rolando-a ao mesmo tempo com o pé, "estão de todo inconscientes do poder da ira vingativa de Deus! Terão eles se esquecido de que uma criatura tão insignificante como o mosquito foi capaz de extinguir a vida do onipotente Nimród? Não terão ouvido dizer que o rugido da tempestade foi suficiente para destruir o povo de 'Ád e Thamúd e lhes aniquilar as forças? Será que, com tão desprezíveis evidências de sua crueldade, aspiram a intimidar os heróis de Deus, aos olhos de quem a pompa da realeza nada mais é que uma sombra vazia?" "Sois," acrescentou ele, enquanto se volvia a seus amigos, "aqueles mesmos companheiros de quem Maomé, o Apóstolo de Deus, assim falou: 'Óh, quanto almejo contemplar o semblante de meus irmãos: meus irmãos que aparecerão no fim do mundo! Bem-aventurados somos nós, bem-aventurados são eles; maior é sua bem-aventurança do que a nossa.' Acautelai-vos para que não deixeis a usurpação do ego e do desejo deteriorar tão gloriosa posição. Não temais as ameaças os malfeitores, nem vos consterneis diante do clamor dos ímpios. Cada um de vós tem sua hora designada e, quando chegar aquela hora, nem os assaltos de vosso inimigo, nem os esforços de vossos amigos poderão retardar ou adiantar essa hora. Se os poderes da terra contra vós se coligassem, serão impotentes, antes de soar aquela hora, de diminuir por um jota ou um til a duração de vossa vida. Se por apenas um momento deixásseis vossos corações agitarem-se à face do troar dessas armas que, com crescente violência continuarão a chover suas balas sobre este forte, vós vos havereis arremessado para fora da cidadela da proteção Divina."

Tão poderoso apelo não pode deixar de inspirar confiança nos corações dos que o ouviram. Viu-se, porém, que um pequeno grupo cujos semblantes demonstravam vacilação e medo se havia agachado num canto protegido do forte e com inveja e admiração contemplavam o zelo que animava seus companheiros (22).

O exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza por alguns dias continuou a atirar em direção do forte. Seus homens admiravam-se ao verificar que o estrondo de suas armas não conseguira silenciar a voz de oração e as aclamações de júbilo que os sitiados erguiam em respostas as suas ameaças. Em lugar da rendição incondicional que esperavam, o chamado do muezim (23), a entoação dos versículos do Alcorão e o coro de vozes jubilantes que cantavam hinos de graças e louvor atingiam seus ouvidos incessantemente.

Exasperado diante dessas evidências de inapagável fervor e impelido por um desejo ardente de extinguir o entusiasmo que surgia dentro dos peitos de seus oponentes, Já'far-Qulí Khán erigiu uma torre, sobre a qual colocou seu canhão (24) e dessa elevação dirigia seu fogo ao coração do forte. Quddús de imediato chamou Mirza Muhammad-Báqir e lhe deu instruções para fazer novamente uma investida e infligir ao "jactancioso recém-chegado" uma humilhação não menos esmagadora do que aquela sofrida por 'Abbás-Qulí Khán. "Que saiba," acrescentou ele, "que os valentes guerreiros de Deus quando constrangidos e forçados pela fome, são capazes de manifestar tais façanhas, de tal heroísmo como nenhum ser mortal comum pode mostrar. Que saiba que, quanto maior sua fome, mais devastadoras serão os feitos de sua exasperação."

Mais uma vez mandou Mirza Muhammad-Báqir que dezoito de seus companheiros se apressassem a montar seus corcéis e o seguissem. Abriram-se os portões do forte e o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" - mais feroz e mais emocionante do que nunca - espalhou pânico e consternação nas fileiras do inimigo. Já'far-Qulí Khán, com trinta de seus homens, caiu diante da espada dos adversários, quando, então, estes correram à torre, capturaram as armas e as arremessaram ao chão. Investiram em seguida sobre o entrincheiramento, demoliram grande parte e, se não fosse a escuridão que se aproximava, teriam capturado e destruído o resto.

Triunfantes e ilesos, retiraram-se ao forte, levando consigo alguns dos garanhões mais fortes e bem nutridos que o inimigo havia deixado atrás. Passaram-se alguns dias sem nenhum sinal de um contra-ataque (25). Uma súbita explosão em um dos depósitos de munições do inimigo, causando a morte de vários oficiais da artilharia e alguns de seus companheiros de combate, forçou-os a suspender, durante um mês inteiro, seus ataques contra a fortaleza (26). Graças a essa cessação de hostilidades, puderam os companheiros de vez em quando sair de sua cidadela e colher qualquer erva que encontrassem no campo para lhes apaziguar a fome. A carne dos cavalos, até mesmo o couro das selas, haviam sido consumidos por esses oprimidos companheiros. Ferviam a grama e devoravam-na com avidez que causava pena (27). À medida que se declinavam suas forças e eles languesciam, exaustos, dentro dos muros de seu forte, Quddús aumentava suas visitas a eles, com suas palavras de alegria e de esperança se esforçando para lhes aliviar o peso da angústia.

Mal começara o mês de Jamádíyu'th-Thaní (28) quando de novo se ouviu a artilharia do inimigo descarregar suas chuvas de balas sobre o forte. Simultaneamente com o estrondo dos canhões, investiu contra ele um destacamento do exército chefiado por vários oficiais e composto por alguns regimentos de infantaria e cavalaria. O ruído de sua aproximação impeliu Quddús a chamar logo seu destemido tenente, Mirza Muhammad-Báqir e mandá-lo sair com trinta e seis de seus companheiros para lhes repelir o ataque. "Desde nossa ocupação desta fortaleza," acrescentou ele, "jamais tentamos, sob quaisquer circunstâncias, dirigir uma ofensiva contra nossos oponentes. Antes deles desencadearem sobre nós seus ataque, não nos levantamos para defender nossas vidas. Tivéssemos nós acariciado a ambição de travar contra eles uma guerra santa, tivéssemos nós acalentado a menor intenção de conseguir ascedência sobre os infiéis, através do poder de nossas armas, não haveríamos permanecido até hoje sitiados dentro destes muros. A força de nossas armas haveria até agora, assim como aconteceu com os companheiros de Maomé em dias passados, convulsionado as nações da terra e as preparado para a aceitação de nossa Mensagem. Não foi esse o caminho, entretanto, que escolhemos para trilhar. Sempre, desde que nos retiramos para este forte, tem sido nosso propósito único e inalterável vindicar o exaltado caráter de nossa missão através de nossos feitos e nossa prontidão para derramar nosso sangue no caminho de nossa Fé. Aproxima-se rapidamente a hora em que poderemos consumar essa tarefa."

Mirza Muhammad-Báqir ainda outra vez, com um salto, montou seu cavalo e, com os trinta e seis companheiros que selecionara, confrontou e dispersou as forças que o haviam assediado. Quando entrou novamente pelo portão, levava consigo a bandeira que um inimigo alarmado abandonara logo que fora erguido e retumbante brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" Cinco de seus companheiros sofreram martírio durante aquele encontro, os quais levou do forte e enterrou em uma só sepultura, próxima do lugar de descanso de seus companheiros caídos.

O Príncipe Mihdí-Qulí Mirza, atônito diante de mais essa evidência de inesgotável vitalidade de seus oponentes, consultou com seus chefes de estado-maior, exortando-os a inventar algum meio pelo qual ele pudesse terminar rapidamente esse empreendimento dispendioso. Durante três dias deliberou com eles e finalmente chegou à conclusão de que o mais aconselhável era suspender toda espécie de hostilidade por alguns dias na esperança de que os sitiados, exaustos de fome e aguilhoados pelo desespero, decidissem sair de seu refúgio e submeter-se à rendição incondicional.

Enquanto o príncipe esperava a consumação do plano que ele concebera, chegou de Teerã um mensageiro trazendo-lhe o farmán (29) de seu soberano. Esse homem era residente da aldeia de Kand, um lugar não distante da capital. Conseguiu ele obter permissão do príncipe para entrar no forte e tentar induzir dois de seus ocupantes, Mullá Mihdí e seu irmão Mullá Báqir-i-Kandí, a escaparem do iminente perigo ao qual estavam expostas suas vidas. Assim que se aproximava de seus muros, chamou as sentinelas e lhes pediu que informassem a Mullá Mihdíy-i-Kandí que um conhecido seu desejava vê-lo. Mullá Míhdí relatou isso a Quddús, que lhe deu permissão para encontrar com seu amigo.

Tenho ouvido Aqáy-i-Kalím narrar o seguinte, assim como lhe foi contado por aquele mesmo mensageiro, e a quem conheceu em Teerã. "Vi," informou-me o mensageiro, "Mullá Mihdí aparecer em cima do muro, seu semblante revelando uma expressão de resolução austera que desafiava descrição. Parecia tão feroz como um leão, cingido de espada, em cima de uma comprida camisa branca, segundo o modo dos árabes, e com um lenço branco em volta da cabeça. "O que é que procurais?" perguntou impacientemente. "Diga depressa, pois receio que meu mestre me chame e note minha ausência." A determinação que ardia em seus olhos me confundia. Seu aspecto e sua maneira deixaram-me mudo de espanto. Relampagueou pela minha mente, de súbito, o pensamento de que eu pudesse despertar em seu coração um sentimento, adormecido. Lembrei-o de seu filho pequeno, Rahmán, que ele deixara atrás na aldeia em sua ansiedade de se alistar sob o estandarte de Mullá Hussayn. Em seu grande afeto pela criança compusera ele especialmente um poema que entoava enquanto balançava seu berço e o embalava para adormecê-lo. "Seu bem-amado Rahmán," eu disse, "almeja pelo afeto que outrora lhe prodigalizava. Está sozinho, abandonado, e anela vê-lo." "Diga-lhe por mim," foi a resposta instantânea do pai, "que o amor do verdadeiro Rahmán (30), um amor que transcende todo amor terreno, a tal ponto me encheu o coração que nenhum lugar deixou para outro amor além do Seu." Essas palavras lacinantes comoveram-me a lágrimas. "Amaldiçoados," exclamei com indignação, "sejam aqueles que a vós e vossos co-discípulos consideram como pessoas que se tenham desviado do caminho de Deus!" "E se eu me aventurasse a entrar no forte e juntar-me a vós?" perguntei-lhe. "Se vosso motivo é buscar e encontrar a Verdade," replicou ele calmamente, "com satisfação vos mostrarei o caminho. E se é vosso desejo me visitar como um velho amigo de toda a vida, dar-vos-ei as boas vindas de que falou o Profeta: 'Daí boas vindas a vossos hóspedes ainda que sejam dos infiéis.' Fiel a esta injunção, eu vos oferecerei a grama fervida e os ossos moídos que me servem de alimento - o melhor que para vós eu posso obter. Mas se for vossa intenção me fazer mal, eu me defenderei - advirto-vos - e vos arremessarei das alturas destes muros ao chão." Sua inabalável obstinação convenceu-me a futilidade de meus esforços. Pude perceber que de tal entusiasmo estava ele inflamado que, fossem os sacerdotes do reino reunir-se e se esforçar por dissuadi-lo do caminho que escolhera seguir ele, sozinho e sem auxílio, lhes frustraria os esforços. Nem conseguiriam todos os potentados da terra - estava eu convencido - seduzi-lo do Bem-Amado do desejo de seu coração. "Que o cálice" - senti-me impelido a dizer - "saboreado pelos vossos lábios vos traga todas as bênçãos que almejais." "O príncipe," acrescentei, "promete que quem quer que saia desse forte estará salvo de perigo e dele receberá até uma passagem segura, bem como quaisquer despesas que possa necessitar para a viagem a sua casa." Ele prometeu transmitir aos seus companheiros a mensagem do príncipe. "Há alguma coisa mais que desejais dizer-me," acrescentou. "Estou impaciente para voltar ao meu mestre." "Que Deus," respondi, "vos ajude em realizar vosso propósito." "Em verdade, Ele já me ajudou!" exclamou ele em exultação. "De que outro modo poderia eu me ter livrado da escuridão de minha casa-prisão em Kand? Como teria eu podido alcançar esta exaltada cidadela?" Mal pronunciara estas palavras quando, virando de mim a face, desapareceu de minha vista!"

Lodo depois de se reunir com seus companheiros, Mullá Mihdí transmitiu-lhes a mensagem do príncipe. Nesse mesmo dia à tarde, Siyyid Mirza Husayn-i-Mutavalli, acompanhado de seu servo, deixando o forte, foi diretamente encontrar-se com o príncipe em seu acampamento. No dia seguinte, Rasúl-i-Bahnimírí e mais alguns de seus companheiros, não mais podendo resistir a devastação da fome e encorajados pelas explícitas promessas do príncipe, tristemente e contra sua vontade, se separaram dos amigos. Mal haviam saído do forte quando todos instantaneamente foram trucidados, segundo a ordem de 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání.

Durante poucos dias após esse incidente, o inimigo, anda acampado nas proximidades do forte, restringiu-se de qualquer ato de hostilidade para com Quddús e seus companheiros. Na manhã de quarta-feira, no décimo sexto dia de Jamádíyu'th-Thání (31), um emissário do príncipe chegou no forte e pediu que dois representantes fossem delegados pelos sitiados para fazerem negociações confidenciais com eles na esperança de chegarem a um acordo pacífico sobre as questões entre eles pendentes (32).

Assim deu Quddús instruções a Mullá Yúsuf-i-Ardibílí e Siyyid Ridáy-i-Khurásání para agirem como seus representantes, dizendo-lhes que informassem ao príncipe que estava disposto a aceder a seu desejo. Mihdí-Qulí Mirza recebeu-os com cortesia e os convidou a tomar o chá que ele preparara. "Consideraríamos," disseram, declinando de seu convite, "que seria um ato de deslealdade de nossa parte, fossemos compartilhar alimento ou bebida enquanto nosso bem-amado líder enlanguesce esgotado e faminto na fortaleza." "As hostilidades entre nós," observou o príncipe, "têm sido indevidamente prolongadas. Nós, de ambos os lados, temos combatido longamente e sofrido penosamente. É meu fervoroso desejo conseguir um ajuste amigável de nossas diferenças." Segurou um exemplar do Alcorão que jazia de seu lado e, de próprio punho, escreveu, em confirmação de sua declaração, as seguintes palavras na margem da Sura introdutória. "Juro por este mais sagrado Livro, pela justiça de Deus, Quem o revelou e pela Missão Daquele que foi inspirado com seus versículos, que nenhum outro propósito acaricio, senão o de promover paz e amizade entre nós. Saí de vossa cidadela e tende certeza de que nenhuma mão contra vós será estendida. Vós próprios e vossos companheiros, solenemente declaro, estão à sombra protetora do Todo-Poderoso de Maomé, Seu Profeta, e de Násiri'd-Dín-Sháh, nosso soberano. Hipoteco minha honra que homem algum quer seja neste exército ou nesta vizinhança, jamais tentará vos atacar. A maldição de Deus, o onipotente Vingador, sobre mim esteja, se em meu coração acaricio outro desejo, senão o que declarei."

Afixou seu selo à sua declaração e, entregando o Alcorão nas mãos de Mullá Yúsuf, lhe pediu que transmitisse suas saudações a seu líder e lhe apresentasse esta afirmação formal escrita. "De acordo com minha declaração," acrescentou ele, "nesta mesma tarde, despacharei ao portão do forte alguns cavalos, os quais espero que ele e seus principais companheiros aceitem e montem, de virem às proximidades deste acampamento, onde terá sido erguida para sua recepção uma tenda especial. Eu lhes pediria que sejam nossos hóspedes até a hora em que eu possa arranjar seu regresso, a minha custa, para seus lares."

Quddús recebeu o Alcorão da mão de seu mensageiro, beijou-o reverentemente e disse: "Ó nosso Senhor, decide entre nós e entre nosso povo com verdade; pois o melhor para decidir és Tu (33)." Imediatamente depois, ordenou que os companheiros restantes se preparassem para deixar o forte. "Com nossa resposta a seu convite," disse-lhes, "dar-lhes-emos oportunidade para demonstrar a sinceridade de suas intenções."

Ao aproximar-se a hora de sua partida, Quddús ataviou a cabeça com o turbante verde que o Báb lhe enviara na ocasião em que mandou aquele que Mullá Husayn usou no dia de seu martírio. No portão do forte montaram os cavalos postos a seus dispor, Quddús montando o corcel predileto do príncipe enviado por ele para seu uso. Seus companheiros principais, estando entre eles vários siyyids e eruditos sacerdotes, montaram atrás dele e foram seguidos pelos restantes, que marchavam a pé, levando com eles tudo o que restava de suas armas e seus pertences. Assim que a companhia, em número de duzentos e dois, alcançou a tenda que, à ordem do príncipe, fora erguida para Quddús na vizinhança do banho público da aldeia de Dízvá, donde se avistava o acampamento do inimigo, todos apearam e procederam a ocupar seus alojamentos nas proximidades dessa tenda.

Pouco depois de sua chegada, Quddús saiu de sua tenda e, reunindo os companheiros, lhes dirigiu estas palavras: "Deveis mostrar renúncia exemplar, pois tal comportamento de sua parte exaltará nossa Causa e lhe redundará em glória. Qualquer coisa menos que desprendimento completo servirá apenas para lhe macular a pureza do nome e obscurecer o esplendor. Rogai ao Todo-Poderoso que, até mesmo em vossa última hora, Ele, através de Sua graça, vos ajude a contribuir vossa parte a exaltação de sua Fé."

Poucas horas depois do pôr-do-sol, foi-lhes servido jantar trazido do acampamento do príncipe. O alimento, oferecido em bandejas separadas cada uma designada a um grupo de trinta companheiros, era pobre e insuficiente. "Nove de nós," relataram subseqüentemente aqueles que estavam com Quddús, "foram chamados por nosso líder para compartilhar o jantar que fora servido em sua tenda. Como ele recusou prová-lo, nós também, seguindo seu exemplo, abstivemo-nos de comer. Os servos que nos atenderam deleitaram-se em tomar os pratos que nós havíamos recusado tocar e, com apreciação e avidez, lhes devoraram o conteúdo." Alguns dos companheiros foram ouvidos falando aos servos, pedindo permissão para comprar deles, por exorbitante que fosse o preço, o pão de que necessitavam. Quddús desaprovou veementemente sua conduta e lhes repreendeu por haverem pedido isso. Se não fosse a intercessão de Mirza Muhammad-Báqir, ele os teria punido severamente por haverem tão completamente desatendido suas fervorosas exortações.

Ao amanhecer, chegou um mensageiro chamando Mirza Muhammad Báqir à presença do príncipe. Com o consentimento de Quddús, respondeu a esse convite e regressou, uma hora depois trazendo a seu chefe a informação de que o príncipe, na presença de Sulaymán Khán-i-Afshár, reiterara as promessas já feitas e o tratara com grande consideração e bondade. "Meu juramento," assegurou-me Mirza Muhammad Báqir "explanou irrevogável e sagrado". Citou o caso de Ja'far-Qulí Khán que, não obstante seu ignominioso massacre de milhares de soldados do exército imperial, durante a insurreição fomentada pelo Sálár, foi perdido por seu soberano e prontamente investido de novas honras por Muhmmad-Sháh. O príncipe pretende acompanhar-vos amanhã pela manhã ao banho público, donde procederá a vossa tenda, depois do qual fornecerá os cavalos necessários para transportar a companhia inteira a Sang-Sar, devendo eles daí se dispersar, regressando alguns a seus lares no Iraque, enquanto outros seguirão a Khurásán. A pedido de Sulaymán Khán, que argüia que a presença de tão grande ajuntamento num centro assim fortificado como Sang-Sar incorreria risco, o príncipe decidiu que a companhia se dispersasse, antes, em Firúz-Kúh. "Sou da opinião de que aquilo que sua língua professa seu coração não acredita em absoluto." Quddús, que compartilhava essa opinião, mandou seus companheiros dispersarem-se naquela mesma noite, dizendo que ele mesmo breve procederia a Bárfurúsh. Apressaram-se em lhe implorar que não se separasse deles e solicitaram permissão para continuar a fruir as bênçãos de sua companhia. Aconselhou-os que fossem calmos e pacientes e lhes assegurou que - fossem quais fossem as aflições que o futuro ainda revelasse - seriam reunidos novamente. "Não choreis," foram suas palavras de despedida, "a reunião que haverá de seguir esta separação será tal que durará eternamente. Entregamos nossa Causa ao cuidado de Deus; qualquer que seja Sua vontade e Seu beneplácito, isto aceitaremos jubilosamente."

O príncipe deixou de cumprir sua promessa. Em vez de ir ao encontro de Quddús em sua tenda, chamou-o, com alguns de seus companheiros, para seu quartel e lhe informou, logo que alcançaram a tenda do Farrásh-Báshí (34), que ele mesmo o chamaria a sua presença ao meio-dia. Pouco depois, alguns dos servos do príncipe foram aos companheiros restantes e lhes disseram que Quddús dera permissão para que se reunissem com ele no quartel do exército. Vários deles foram enganados por essa informação, ficando presos e sendo, afinal, vendidos como escravos. Essas infelizes vítimas constituem o remanescente dos companheiros do forte de Shaykh Tabarsí, que sobreviveram àquela luta heróica e a quem foi poupada a vida a fim de que transmitissem aos conterrâneos a lastimável história de seus sofrimentos e provações.

Logo após, os servos do príncipe instaram com Mullá Yúsuf que informasse os companheiros restantes do desejo de Quddús de que se desarmassem imediatamente. "Que é que lhes direis exatamente?" perguntaram-lhe, enquanto o conduziam a um lugar a alguma distância do quartel do exército. "Eu lhes advertirei," foi a resposta audaz, "que doravante qualquer que seja a natureza da mensagem que vos digneis de lhes entregar em nome de seu líder, tal mensagem nada é senão simples mentira." Mal escaparam de seus lábios estas palavras quando ele foi impiedosamente trucidado.

Depois desse ato selvagem dirigiram a atenção ao forte, saquearam o que continha e procederam a bombardeá-lo e demoli-lo completamente (35). De imediato, então, cercaram os companheiros restantes e atiraram contra eles. Qualquer um que escapasse às balas era morto pelas espadas dos oficiais e pelas lanças de seus homens (36). Até na própria agonia da morte, desses invencíveis heróis podiam ser ouvidos estas palavras, "Santo, Santo, Ó Senhor nosso Deus, Senhor dos anjos e do espírito" - palavras essas que haviam em momentos de exaltação caído de seus lábios e agora foram por eles repetidas, não com menos fervor, na hora culminante de suas vidas.

Assim que essas atrocidades haviam sido perpetradas, o príncipe ordenou que aqueles detidos como cativos fossem trazidos, um após outro, a sua presença. No caso daqueles que eram homens de reconhecida posição, tais como o pai de Badí (37), Mullá Mirza Muhammad-i-Furughí e Hájí Nasír-i-Qazvíní (38), ordenou aos subordinados que os conduzissem a Teerã e obtivessem de cada um deles um resgate por sua liberdade em proporção direta a sua capacidade e riqueza. Quanto ao resto, deu ordens aos seus algozes que fossem mortos de imediato. Alguns foram despedaçados com espadas (39), outros rachados; alguns foram amarrados a árvores e crivados de balas, enquanto outros ainda foram atirados das bocas de canhões e entregues às chamas (40).

Mal terminara essa horripilante chacina quando três dos companheiros de Quddús, que eram residentes de Sang-Sar, foram levados à presença do príncipe. Um deles foi Siyyid Ahmad, cujo pai, Mirza Muhammad-'Alí, um devotado admirador de Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í, fora um homem de grande erudição e notável mérito. Ele, acompanhado por este mesmo Siyyid Ahmad e seu irmão, Mír Abu-l-Qásim, morto na mesma noite em que Mullá Husayn foi assassinado, havia partido para Karbilá no ano anterior à declaração do Báb, com o propósito de apresentar seus dois filhos a Siyyid Kázim. Antes de sua chegada, o siyyid partira desta vida. Determinou ele imediatamente seguir a Najaf. Enquanto nessa cidade, o Profeta Maomé lhe apareceu uma noite em sonho, mandando o Imame 'Alí, Comandante dos Fiéis, lhe anunciar que depois de sua morte ambos os filhos, Siyyid Ahmad e Mír Abu'l-Qásim, atingiriam a presença do prometido Qá'im e sofreriam, cada um, o martírio em Seu caminho. Assim que acordou, chamou o filho Siyyid Ahmad e lhe informou de sua vontade e seus últimos desejos. No último dia após esse sonho ele faleceu.

Em Song-Sar duas outras pessoas, Karbilá'í 'Alí e Karbilá'í Abú-Muhammad, ambos conhecidos por sua piedade e sua percepção espiritual, esforçaram-se por preparar o povo para aceitar a prometida Revelação, cujo advento, pressentiam, rapidamente se aproximava. No ano de 1264 A. H. (41), anunciaram publicamente que naquele mesmo ano um homem de nome Siyyid 'Alí, precedido por um Estandarte Negro e acompanhado por alguns de seus companheiros escolhidos, sairia de Khurásán e procederia a Mázindarán. Exortaram cada aderente leal do Islã a levantar-se e prestar-lhe todo o auxílio possível. "O estandarte que ele içará," declararam, "não será outro senão o estandarte do prometido Qá'ím; aquele que haverá de desfraldá-lo, nenhum outro, será senão Seu tenente e o promotor principal de Sua Causa. Quem o seguir, será salvo, e quem dele se desviar, será um dos caídos." Karbilá'í Abú-Muhammad exortou seus dois filhos, Abu'l-Qásim e Muhammad-'Alí, a se levantarem para o triunfo da nova Revelação e sacrificarem toda consideração material a fim de atingirem esse objetivo. Tanto Karbilá'í Abú-Muhammad como Karbilá'í 'Alí morreram na primavera daquele mesmo ano.

Esses dois filhos de Karbilá'í Abú-Muhammad foram os dois companheiros que haviam sido levados juntamente com Siyyid Ahmad, à presença do príncipe. Mullá Zaynu'l-Abidín-i-ShahMirzadí, um dos fidedignos e eruditos conselheiros do governo, informou o príncipe de sua história, relatando as experiências e atividades de seus respectivos pais. "Por que razão," perguntou-se a Siyyid Ahmad, "desejastes trilhar uma senda que tem envolvido a vós e aos vossos parentes em tais circunstâncias de miséria e desonra? Não poderíeis ter ficado satisfeito com o vasto número de sacerdotes eruditos e ilustres que se encontram nesta terra e no Iraque?" "Minha fé nesta Causa," retrucou ele destemidamente, "não nasceu de vã imitação. Indaguei desapaixonadamente de seus preceitos e estou convencido de sua verdade.

Quando em Najaf, aventurei-me a pedir ao preeminente mujtahid daquela cidade Shaykh Muhammad-Hasan-i-Najafí que me expusesse certas verdades relacionadas aos princípios secundários que baseiam os ensinamentos do Islã. Ele se recusou a aceder a meu pedido. Reiterei meu apelo, quando ele irosamente me repreendeu, persistindo em sua recusa. Como se pode esperar, em vista dessa experiência, que eu busque esclarecimento sobre os artigos abstrusos da Fé do Islã, de um sacerdote, por mais ilustre que seja, que se recusa a responder a minha pergunta a respeito de assuntos tão simples e comuns e expressa sua indignação por eu haver assim o interrogado?" "Qual é vossa crença concernente a Hájí Muhammad-'Alí?" perguntou o príncipe. "Acreditamos," respondeu ele, "que Mullá Husayn foi o portador do estandarte do qual disse Maomé: "Se vossos olhos avistarem os Estandartes Negros procedendo de Khurásán, apressai-vos em sua direção, ainda que tenhais de vos arrastar sobre a neve. - Por esta razão renunciamos ao mundo e nos tempos congregado em volta de seu estandarte - estandarte esse que é apenas um símbolo de nossa Fé. Se desejais me conceder um favor, mandai vosso algoz pôr fim a mim e me permitir a reunir-me com o grupo de meus companheiros imortais. Pois o mundo e todos os seus encantos deixaram de me seduzir. Anseio por partir desta vida e regressar a meu Deus." O príncipe, não disposto a sacrificar a vida de um siyyid, recusou dar ordens para sua execução. Seus dois companheiros porém, foram mortos imediatamente. Ele, com seu irmão Siyyid Abú-Tálib, foi entregue nas mãos de Mullá Zaynu'l-Ábidín, com instruções para conduzi-los a Sang-Sar.

Entrementes, Mirza Muhammad-Taqí, acompanhado de sete dos ulemás de Sárí, partiu dessa cidade a fim de participar no ato meritório de infligir a pena de morte aos companheiros de Quddús. Ao saberem que já haviam sido trucidados, Mirza Muhammad-Taqí instou o príncipe a reconsiderar sua decisão e ordenar a execução imediata de Siyyid Ahmad, argüindo que sua chegada em Sárí seria sinal para novos distúrbios tão graves como aqueles que já os haviam afligido. Aquiesceu afinal, o príncipe, sob uma condição expressa de que ele fosse considerado seu hóspede até sua própria chegada em Sárí, quando então ele tomaria quaisquer providências necessárias para impedi-lo de perturbar a paz da vizinhança.

Mal partira Mirza Muhammad-Taqí em direção a Sárí quando começou a envilecer Siyyid Ahmad e seu pai. "Por que maltratar um hóspede," instava seu cativo, "que o príncipe entregou a vosso cuidado? Por que desatender a injunção do Profeta - Honra teu hóspede, ainda que seja um infiel?" Incitado a um estouro de fúria, Mirza Muhammad-Taqí, junto com seus sete companheiros, desembainharam as espadas e lhe despedaçaram o corpo. Com a última respiração era ouvido Siyyid Ahmad a invocar o socorro do Sáhibu'z-Zamán. Quanto a seu irmão, Siyyid Abú-Tálib, ele foi conduzido são e salvo a Sang-Sar por Mullá Zaynu'l-Ábidín, e até hoje reside com seu irmão, Siyyid Muhammad Ridá, em Mázindarán. Ambos ocupam-se no serviço da Causa e são contados entre seus ativos sustentáculos.

Após haver completado seu trabalho o príncipe, acompanhado de Quddús, regressou a Bárfurúsh. Chegaram na tarde de sexta-feira, dia dezoito de Jamádíyu'th-Thání (42). O Sa'ídu'l-'Ulamá, com todos os ulemás da cidade saíram para dar boas vindas ao príncipe e felicitá-lo por seu regresso triunfante. A cidade inteira estava decorada de bandeiras para celebrar a vitória e as fogueiras que flamejavam à noite deram testemunho da alegria com que uma população grata saudava a volta do príncipe. Três dias de festividades passaram, durante os quais ele nenhum indício deu quanto a sua intenção relativa ao destino de Quddús. Vacilava em seu desígnio, estando extremamente indisposto a maltratar seu cativo. A princípio, recusou ele a permitir que o povo desse expansão a seu implacável ódio e conseguiu lhes restringir a fúria. Fora seu plano original conduzi-lo a Teerã e, entregando-o nas mãos de seu soberano, aliviar-se da responsabilidade que sobre ele pesava.

A inextinguível hostilidade do Sa'ídu'l-'Ulamá, entretanto, impediu a execução desse plano. O ódio que Quddús e sua Causa nele inspiravam flamejava até atingir fúria frenética, à medida que ele testemunhava as crescentes evidências da inclinação do príncipe a permitir que tão formidável inimigo lhes escapasse das mãos. Protestava dia e noite e, com toda a astúcia que seu fértil cérebro podia maquinar, tentava dissuadi-lo de prosseguir um plano que ele achava a um tempo desastroso e covarde. Na fúria de seu desespero, apelou o povo e tentou, inflamando-lhe as paixões, despertar em seus corações os mais vis sentimentos de vingança. Bárfurúsh inteira fora incitada pela persistência de seu chamado. Sua habilidade diabólica breve lhe conquistou a simpatia e o apoio das massas. "Fiz votos," imperiosamente protestava ele, "de me negar alimento e repouso enquanto não puder com as próprias mãos dar fim à vida de Hají Muhammad-'Alí!" As ameaças de uma multidão agitada reforçaram-lhe o apelo e conseguiram despertar as apreensões do príncipe. Receando perigo a sua própria vida, o príncipe convocou a sua presença os principais ulemás de Bárfurúsh com o fim de lhes consultar quanto às medidas a ser tomadas para mitigar a tumultuosa excitação do povo. Todos aqueles convidados responderam com exceção de Mullá Muhammad-i-Hamzih, que pediu que lhe fosse escusada a assistência a essa reunião. Anteriormente, em várias ocasiões, durante o assédio do forte, havia ele se esforçado por persuadir o povo a se abster da violência. A ele Quddús entregara, poucos dias antes de abandonar o forte, por intermédio de um de seus companheiros fiéis de Mázindarán, um alforje trancado que continha o texto de sua própria interpretação do Sád e Samad, bem como seus outros escritos e papéis que possuía, cujo destino permanece desconhecido até hoje.

Assim que os ulemás se reuniram, o príncipe mandou trazer Quddús à presença dele. Desde o dia em que abandonou o forte Quddús, que havia sido entregue à custódia do Farrsáh-Báshí, não fora chamado à presença do príncipe. Quando entrou, o príncipe levantou-se e o convidou a se sentar a seu lado. Virando-se ao Sa'ídu'l-'Ulamá, solicitou-lhe que suas conversações com ele procedessem concienciosa e desapaixonadamente. "Vossas discussões," asseverou, "devem girar em volta dos versículos do Alcorão e das tradições de Maomé e nestes se basear, pois somente por meio destes podeis demonstrar a verdade ou a falsidade de vossos argumentos." "Por que razão," inquiriu impertinentemente o Sa'ídu'l-'Ulamá, "tendes vós, se dignado de colocar na cabeça um turbante verde, arrogando a vós um direito que somente aquele que é verdadeiro descendente do Profeta pode para si reclamar? Não sabeis que quem desafia essa sagrada tradição é amaldiçoado de Deus?" "Foi Siyyid Murtadá," respondeu Quddús calmamente, "a quem todos os ulemás reconhecidos elogiam e estimam, descendente do Profeta por lado do pai ou da mãe?" Um daqueles presentes nessa reunião declarou instantaneamente haver sido só a mãe um siyyid. "Por que, então, fazer objeção a mim," replicou Quddús, "desde que minha mãe foi sempre reconhecida pelos habitantes desta cidade como descendente direta do Imame Hasan? Não foi ela, por causa de sua linhagem, honrada, ainda mais, venerada, por cada um de vós?"

Ninguém se atreveu a contradizer. O Sa'ídu'l-'Ulamá estourou em excesso de indignação e desespero. Irosamente jogou seu turbante ao chão e se levantou para sair da reunião. "Este homem," vociferou ele, antes de partir, "conseguiu provar a vós que é descendente do Imame Hasan. Dentro em breve justificará ele a pretensão de ser portador de Deus e revelador de Sua vontade!" O príncipe sentiu-se movido a fazer essa declaração: "Lavo as mãos de toda responsabilidade por qualquer dano que possa sobrevir a este homem. Tendes liberdade para fazer com ele o que quiserdes. Vós mesmos tereis de responder a Deus no Dia do Juízo." Imediatamente depois de haver dito essas palavras, mandou trazer o cavalo e, acompanhado de seus cortesões, partiu para Sárí. Intimidado pelas imprecações dos ulemás e esquecido de seu juramento, abjetamente entregou Quddús às mãos de um inimigo inexorável, àqueles lobos vorazes que latejavam pelo momento em que pudessem, com desenfreada violência, agarrar sua presa e sobre ela desatar as mais ferozes paixões de vingança e ódio.

Mal o príncipe os libertara das restrições que ele lhes havia imposto, quando os ulemás e o povo de Bárfurúsh, agindo sob as ordens do Sa'ídu'l-'Ulamá (43), se levantaram para perpetrar no corpo de sua vítima atos de crueldade tão atroz que nenhuma pena os pode descrever. Pelo testemunho de Bahá'u'lláh, aquele jovem heróico, ainda no limiar de sua vida, foi sujeitado a tais torturas e sofreu tal morte como nem mesmo Jesus teve de enfrentar na hora de Sua maior angústia. A ausência de qualquer restrição por parte das autoridades governamentais, a engenhosa barbaridade que os negociantes de tortura e Bárfurúsh tão habilmente exibiram, o fanatismo feroz que ardia nos peitos de seus habitantes xiitas, o apoio moral que lhes foi prestado pelos dignitários de Ireja e Estado na capital - acima de tudo, os atos de heroísmo que sua vítima e seus companheiros haviam realizado, aumentando-lhes a irritação - tudo combinava para reforçar a mão dos agressores e incrementar a diabólica ferocidade que caracterizava seu martírio.

Tais foram as circunstâncias que o Báb, então confinado no castelo de Chihriq não pode, durante um período de seis meses, nem escrever nem ditar. A profunda tristeza que Ele sentia emudecera a voz da revelação e silenciara Sua pena. Quão profundamente lastimava Ele Sua perda! Que gemidos de angústia deve Ele ter erguido quando Lhe alcançou os ouvidos e se desdobrou diante dos olhos a história do assédio, dos indizíveis sofrimentos, da vergonhosa traição e do massacre geral dos companheiros de Shaykh Tabarsí! Que dores agonizantes deve Ele ter sentido ao saber do tratamento ignominioso ao qual foi submetido Seu bem-amado Quddús, em sua hora de martírio, pelas mãos do povo de Bárfurúsh; como foi despido das vestimentas; como o turbante que Ele lhe dera tinha sido conspurcado; como descalço, com a cabeça descoberta e carregado de correntes, o fizeram marchar pelas ruas, seguido e zombado pela inteira população da cidade; como a turba gritante o execrava e nele cuspia; como foi atacado com facas e machados pela escória de seus habitantes fêmeas; como seu corpo foi furado e mutilado e afinal, entregue as chamas!

Ouviu-se Quddús, em meio a seus tormentos, sussurrar perdão para seus inimigos. "Perdoa, ó meu Deus," exclamou, "as trangressões desse povo. Trata-os com Tua misericórdia, pois não sabem o que nós já descobrimos e estimamos. Esforcei-me para mostrar-lhes o caminho que conduz a sua salvação; vê como se levantaram para me afligir e matar! Mostra-lhes, ó Deus, o caminho da verdade e em fé transforma Tu sua ignorância." Em sua hora de agonia, o Siyyid-i-Qumí, que tão traiçoeiramente abandonara o forte, foi visto a passar por seu lado. Observando seu estado de desamparo, bateu-lhe no rosto. "Pretendeste," gritou com arrogante escárneo, "ser tua voz a voz de Deus. Se falas a verdade, rompe os laços e liberta-te das mãos de teus inimigos." Quddús fitou os olhos em sua face, suspirou profundamente e disse: "Que Deus vos recompense vosso ato, desde que contribuístes a aumentar o número de minhas aflições." Aproximando-se do Sabzih-Maydán, levantou a voz, dizendo: "Oxalá estivesse comigo minha mãe para ver com os próprios olhos o esplendor de minhas núpcias!" Mal pronunciara estas palavras, quando a multidão enfurecida sobre ele caiu e despedaçando-lhe o corpo, lançou os membros esmiuçados no fogo já aceso para esse fim. No meio da noite, o que ainda restava dos fragmentos daquele corpo queimado e mutilado foi colhido pela mão de um amigo devotado (44) e enterrado em um lugar não muito distante da cena de seu martírio (45).

Seria apropriado a esta altura registrarmos os nomes daqueles mártires que participaram da defesa do forte de Shaykh Tabarsí, na esperança de que gerações ainda por vir se posam lembrar com orgulho e gratidão dos nomes, não menos que dos atos, daqueles pioneiros que, pela sua vida e pela sua morte, tanto enriqueceram os anais da Fé imortal de Deus. Os nomes desses pioneiros que tenho podido colher de várias fontes - o que devo especialmente a Ismu'lláhu'l-Mím, Ismu'lláhu'l-Javád e Ismu'lláhu'l-Asad procedo agora a enumerar, confiante de que seus nomes possam permanecer para sempre nas línguas dos homens, assim como suas almas no mundo do além têm sido investidas da luz de glória imperecível seus nomes possam permanecer do mesmo modo, para sempre nas línguas dos homens; que sua menção possa continuar a evocar um espírito semelhante de entusiasmo e devoção nos corações daqueles a quem essa herança de inestimável valor foi transmitida. De meus informantes, não só tenho podido colher os nomes da maioria dos que caíram durante aquele memorável assédio, mas também consegui obter uma lista representativa, embora incompleta, de todos aqueles mártires que, desde o ano de 60 (46) até o dia presente - a última parte do mês de Rabí'u'l-Avval no ano de 1306 A. H. (47) - sacrificaram a vida no caminho da Causa de Deus. É minha intenção mencionar cada um desses nomes em relação ao acontecimento especial com que principalmente se liga. Quanto àqueles que sorveram o cálice do martírio enquanto defendiam o forte de Tabarsí, seus nomes são os seguintes:

1. Primeiro e proeminente entre eles está Quddús, a quem o Báb conferiu o nome de Ismu'lláh'u'l-Ákhar (48). Ele, a Última Letra dos Viventes e o companheiro escolhido pelo Báb em Sua peregrinação a Meca e Medina, juntamente com Mullá Sádiq e Mullá 'Alí-Akbar-i-Ardistání, foi o primeiro a sofrer perseguição em solo persa por amor à Causa de Deus. Ele tinha apenas dezoito anos de idade quando deixou sua cidade natal de Bárfurúsh para Karbilá. Por cerca de quatro anos ficou sentado aos pés de Siyyid Kázim e, com a iade de vinte e dois anos, se encontrou com seu Bem-Amado em Shíráz e O reconheceu. Cinco anos mais tarde no vigésimo terceiro dia de Jamádiyu'th-Thání, no ano de 1265 A. H. (49), foi seu destino, no Sabzih-Maydán e Bárfurúsh, cair vítima da mais requintada e desenfreada barbaridade nas mãos do inimigo. O Báb e, posteriormente, Bahá'u'lláh lamentaram em inúmeras Epístolas e orações sua perda, prodigalizando-lhe seus elogios. Tal a honra que lhe foi conferida por Bahá'u'lláh que, em Seu comentário sobre o versículo de Kullu't-Ta'ám (50), que Ele revelou enquanto em Bagdá, lhe concedeu o proeminente grau de Nuqtiy-i-Ukhrá (51), grau esse a nenhum outro inferior, senão ao do próprio Báb (52).

2. Mullá Husayn, cognominado de Bábu'l- Báb, o primeiro a reconhecer e abraçar a nova Revelação. Também ele com a idade de dezoito, partiu de sua cidade natal de Bushrúyih em Khurásán, para Karbilá, e por um período de nove anos, permaneceu intimamente associado a Siyyid Kázim. Quatro anos antes da declaração do Báb, agindo de acordo com as instruções de Siyyid Kázim, encontrou-se em Isfahán com o erudito mujtahid Siyyid Báqir-i-Rashtí e, em Mashhad, Mirza 'Askarí, a ambos os quais entregou, com dignidade e eloqüência, as mensagens que lhe haviam sido confiadas pelo seu mestre. As circunstâncias que acompanharam seu martírio evocaram no Báb indizível tristeza, tristeza essa que achou expressão em tão grande número de elogios e orações que seu volume seria equivalente a três vezes o do Alcorão. Em uma de Suas Epístolas de Visitação, o Báb assevera que o próprio pó da terra onde jazem sepultados os restos mortais de Mullá Husayn é dotado de tal potência que proporciona felicidade aos desconsolados e cura os enfermos. No Kitáb'u'lláh elogia com ênfase ainda maior as virtudes de Mullá Husayn. "Se não fosse ele," escreveu, "Deus não teria se estabelecido no assento de Sua misericórdia, nem ascendido ao trono da glória eterna!" (53)

3. Mirza Muhammad-Hasan, irmão de Mullá Husayn.

4. Mirza Mamad-Báqir, sobrinho de Mullá Husayn. Ele bem como Mirza Muhammad-Hasan, acompanhou Mullá Husayn de Bushrúyih a Karbilá e daí a Shiráz, onde abraçaram a Mensagem do Báb e foram inscritos entre as Letras dos Viventes. Com exceção da viagem de Mullá Husayn ao castelo de Máh-Kú, continuaram a acompanhá-lo até o tempo em que sofreram martírio no forte de Tabarsí.

5. O cunhado de Mullá Husayn, pai de Mirza Abu'l-Hasan e Mirza Muhammad-Husayn, ambos agora em Bushríyih, em cujas mãos foi entregue a Varaqatu'l-Firdaws, irmã de Mullá Husayn. Ambos são firmes e devotados aderentes da Fé.

6. O filho de Mullá Ahmad, irmão mais velho de Mullá Mirza Muhammad-i-Furúghí. Ele, diferente do tio, Mullá Mirza Muhammad, sofreu martírio e era, segundo testeunha este último, um jovem de grande piedade e se distinguiu por sua erudição e sua integridade de caráter.

7. Mirza Muhammad-Báqir, conhecido por Harátí, embora originariamente residisse em Qáyin. Era parente íntimo do pai de Nabil-i-Akbar e foi o primeiro em Mashhad a abraçar a Causa. Foi ele quem construiu o Bábíyyih e serviu a Quddús devotadamente durante sua estada nessa cidade. Quando Mullá Husayn içou o Estandarte Negro ele, juntamente com seu filho, Mirza Muhammad-Kázim, estava ansioso de se alistar sob sua bandeira e com ele partiu para Mázindarán. Esse filho foi salvo afinal e cresceu, sendo hoje um fervoroso e ativo promotor da Fé em Mashhad. Foi Mirza Muhammad-Báqir que serviu como porta-estandarte da companhia, que desenhou a planta do forte, seus muros e torres e o fosso que o cercava, que foi o sucessor de Mullá Husayn em organizar as forças de seus companheiros e em dirigir a investida contra o inimigo e que ocupava o lugar de íntimo companheiro, tenente e fiel conselheiro de Quddús até a hora em que caiu, um mártir no caminho da Causa.

8. Mirza Muhammad-Taqíy-i-Juvayní, nativo de Sabzihvár, que se distinguiu pela sua habilidade literária, a quem Mullá Husayn muitas vezes confiava a tarefa de dirigir a investida contra os atacantes. Sua cabeça e a de um companheiro, Mirza Muhammad-Báqír, foram enfiadas em lanças e levadas pelas ruas de Bárfurúsh em meio aos gritos e brados de um povo excitado.

9. Qambar-'Alí, o destemido e fiel servo de Mullá Husayn, que o acompanhou em sua viagem a Máh-Kú e sofreu martírio na mesma noite em que seu mestre caiu vítima das balas do inimigo.

10. Hasan e

11. Qulí, que, juntamente com um homem de nome Iskandar, nativo de Zanján, levaram o corpo de Mullá Husayn ao forte na noite de seu martírio e o pôs aos pés de Quddús. Ele, este mesmo Hasan, foi quem por ordens do chefe de polícia de Mashhad, foi conduzido e cabresto pelas ruas da cidade.

12. Muhammad-Hasan, irmão de Mullá Sádiq, que os camaradas de Khusraw mataram no caminho entre Bárfurúsh e o forte de Tabarsí. Ele se distinguiu por sua inabalável constância e havia sido um dos servos no santuário do Imame Ridá.

13. Siyyid Ridá que, com Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, foi incumbido por Quddús de um encontro com o príncipe e ao regressar, trouxe consigo o exemplar selado do Alcorão com o juramento que o príncipe escrevera. Era um dos bem conhecidos siyyids de Khurásán, de renome por sua erudição bem como pela integridade de seu caráter.

14. Mullá Mardán-'Alí, um dos companheiros notáveis de Khurásán, residente da aldeia de Míyámay, onde está situada, entre Sabzihvár e Sháh-Rúd, uma cidadela bem fortificada. Ele, com trinta e três companheiros, alistou-se sob a bandeira de Mullá Husayn no dia em que este passou por aquela aldeia. Foi no masjid de Míyámay, para o qual Mullá Husayn se havia retirado a fim de oferecer a oração congregacional de sexta-feira, que ele fez seu apelo profundamente comovedor, destacando o cumprimento da tradição sobre o Estandarte Negro a ser içado em Khurásán e se declarando seu portador. Seu eloqüente discurso impressionou profundamente seus ouvintes, tanto que, nesse mesmo dia, a maioria dos que o ouviu, a maior parte dos quais eram homens de mérito sobressalente, se levantaram e o seguiram. Somente um daqueles trinta e três companheiros, um de nome Mullá 'Isá, sobreviveu, e seus filhos estão atualmente na aldeia de Míyámay, ativos no serviço da Causa. Os nomes dos companheiros dessa aldeia que foram martirizados são os seguintes:

15. Mullá Muhammad-Mihdí,
16. Mullá Muhammad-Ja'far,
17. Mullá Muhammad-ibn-i-Mullá Muhammad,
18. Mullá Rahím,
19. Mullá Muhammad-Ridá,
20. Mullá Muhammad-Husayn,
21. Mullá Muhammad,
22. Mullá Yúsuf,
23. Mullá Ya'qúb,
24. Mullá 'Alí,
25. Mullá Zaynu'l-'Abidín,

26. Mullá Muhammad, filho de Mullá Zaynu'l-'Abidín,

27. Mullá Báqir,
28. Mullá 'Abdu'l-Muhammad,
29. Mullá Abu'l-Hasan,
30. Mullá Ismá'íl,
31. Mullá 'Abdu'l-'Alí,
32. Mullá Áqá- Bábá,
33. Mullá 'Abdu'l-Javád,
34. Mullá Muhammad Husayn,
35. Mullá Muhammad-Báqir,
36. Mullá Muhammad,
37. Hájí Hasan,
38. Karbilá'í 'Alí,
39. Mullá Karbilá'í 'Alí,
40. Karbilá'í Núr-Muhammad,
41. Mamad-Ibráhím,
42. Muhammad-Sá'im,
43. Muhammad-Hádí,
44. Siyyid Mihdí,
45. Abú-Muhammad,

Dos companheiros da aldeia de Sang-Sar, que forma parte do distrito de Simnán, dezoito foram martirizados. Seus nomes são os seguintes:

46. Siyyid Ahmad, cujo corpo foi despedaçado por Mirza Muhammad-Taqí e pelos sete ulemás de Sarí. Era um sacerdote de renome e muito estimado por sua eloqüência e sua piedade.

47. Mirza Abu'l-Qásim, irmão de Siyyid Ahmad, ganhou a coroa do martírio na mesma noite em que Mullá Husayn foi morto.

48. Mirza Mihdí, tio paterno de Siyyid Ahmad.
49. Mirza Ibráhím, o cunhado de Siyyid Ahmad,

50. Safar-'Alí, filho de Karbilá'í 'Alí, que, com Karbilá'í Muhammad, se esforçara tão fervorosamente para despertar o povo de Sang-Sar de seu sono de negligência. Ambos foram impedidos pelas suas enfermidades de seguir ao forte de Tabarsí.

51. Muhammad-'Alí filho de Karbilá'í Abú-Muhammad,

52. Abu'l-Qásim, irmão de Muhammad-'Alí,
53. Karbilá'í Ibrahim,
54. 'Alí-Ahmad,
55. Mullá 'Alí-Akbar,
56. Mullá Husayn-'Alí,
57. 'Abbás-'Alí,
58. Husayn-'Alí,
59. Mullá 'Alí-Asghar,
60. Karbilá'í Ismá'íl,
61. 'Alí Khán,
62. Mamad-Ibráhím,
63. 'Abdu'l-'Azím,

Da aldeia de Shah-Mirzad, dois cairam enquanto defendiam o forte:

64. Mullá Abú-Rahím e
65. Karbilá'í Kázim.

Quanto aos aderentes da Fé em Mázindarán, vinte e sete mártires foram até agora registrados:

66. Mullá Riday-i-Sháh,
67. 'Azím,
68. Karbilá'í Muhammad-Ja'far,
69. Siyyid Husayn,
70. Muhammad-Báqir,
71. Siyyid Raízáq,
72. Ustád Ibráhím,
73. Mullá Sa'id-i-Zirih-Kinárí,
74. Ridáy-i-'Arab,
75. Rasúl-i-Bahnimírí,
76. Muhammad-Husayn, irmão de Rasúl-i-Bahnimírí,
77. Táhir,
78. Shafí',
79. Qásim,
80. Mullá Muhammad-Ján,
81. Masíh, irmão de Mullá Muhammad-Ján,
82. Itá- Bábá,
83. Yúsuf,
84. Fadlu'lláh,
85. Bábá,
86. Safí-Qulí,
87. Nizám,
88. Rúhu'lláh,
89. 'Alí-Qulí,
90. Sultán,
91. Ja'far,
92. Khalíl,

Dos crentes de Savád-Kúh, os cinco nomes seguintes foram até agora verificados:

93. Karbilá-í Qambar-Kálish,
94. Mullá Nád-'Alíy-i-Mutavallí,
95. 'Abdu'l-Haqq,
96. Itábakí-Chupán,
97. Filho de Itábaki-Chúpán,

Da cidade de Ardistán, os seguintes sofreram martírio:

98. Mirza 'Abdu'-Vási', filho de Hájí 'Abdul-Vaháb,

100. Muhammad-Husayn, filho de Hájí Muhammad-Sádiq,

101. Muhammad-Mihdí, filho de Hájí Muhammad-Ibráhím,

102. Mirza Ahmad, filho de Muhsin,
103. Mirza Muhammad, filho de Mír Muhammad-Taqí,

Da cidade de Isfáhán, trinta foram até agora registrados:

104. Mullá Ja'far, o peneirador de trigo, cujo nome foi mencionado pelo Báb no Bayán Persa.

105. Ustád Áqá, cognominado Buzurg-Banná,
106. Ustád Hasan, filho de Ustád Áqá,
107. Ustád Muhammad, filho de Ustád Áqá,

108. Muhammad-Husayn, filho de Ustád Áqá, cujo irmão mais moço, Ustád Ja'far, foi vendido várias vezes pelos inimigos, até que alcançou sua cidade natal, onde atualmente reside.

109. Ustád Qurbán-'Alíy-i-Banná,

110. 'Alí-Akbar, filho de Ustád Qurbán-'Alíy-i-Banná,

111. 'Abdu'lláh, filho de Ustád Qurbán-'Alíy-i-Banná,

112. Muhammad-i-Báqir-Naqsh, tio materno de Siyyid Yahyá filho de Mirza Muhammad-'Alíy-i-Nahrí. Ele tinha quatorze anos de idade e foi martirizado naquela mesma noite em que Mullá Husayn foi morto.

113. Mullá Muhammad-Taqí,

114. Mullá Muhammad-Ridá, ambos sendo irmãos do falecido 'Abdu's-Sálih, o jardineiro do Ridvan em Akká.

115. Mullá Ahmad-i-Saffár,
116. Mullá Husayn-i-Miskar,
117. Ahmad-i-Payvandí,
118. Hasan-i-Sha'r-Báf-i-Yazdí
119. Muhammad-Taqí,
120. Muhammad-'Attár, irmão de Hasan-i-Sha'r-Báf,

121. Mullá 'Abdu'l-Kháliq, que cortou sua garganta em Badasht e a quem Táhirih deu o nome de Dhabíh.

122. Husayn,
123. Abu'l-Qásim, irmão de Husayn,
124. Mirza Muhammad-Ridá,
125. Mullá Haydar, irmão de Mirza Muhammad-Ridá,
126. Mirza Mihdí,
127. Muhammad-Ibráhím,

128. Muhammad Husayn, cognominado Dastmál-Girih-Zan,

129. Muhammad-Hasan-i-Chít-Sáz, conhecido fabricante de tecidos, que atingiu a presença do Báb,

130. Muhammad-Husayn-i-'Attár,
131. Ustád Hájí Muhammad-i-Banná,

132. Mahmúd-i-Muqári'í, conhecido negociante em tecidos. Era recém-casado e havia atingido a presença do Báb no castelo de Chihríq. O Báb solicitou-lhe que seguisse a Jazíriy-i-Khadrá e prestasse auxílio a Quddús. Enquanto em Teerã, recebeu uma carta do irmão anunciando-lhe o nascimento de um filho e lhe instando que se apressasse a Isfáhán para vê-lo e depois procedesse a qualquer lugar para que se sentisse inclinado. "Estou demasiado aceso com o amor a esta Causa para poder devotar alguma atenção a meu filho. Estou impaciente para estar com Quddús e alistar-me sob sua bandeira."

133. Siyyid Muhammad-Ridáy-i-Pá-Qal'iyí, eminente siyyid e sacerdote altamente estimado, cuja declaração de seu propósito de se alistar sob o estandarte de Mullá Husayn causou grande tumulto entre os ulemás de Isfáhán.

Entre os crentes de Shíráz, os seguintes atingiram o grau de martírio:

134. Mullá 'Abdu'lláh, conhecido também pelo nome de Mirza Sálih,

135. Mullá Zaynu'l-'Abidín,
136. Mirza Muhammad,

Dos aderentes da Fé em Yazd, somente quatro foram até agora registrados:

137. O siyyid que foi a pé todo o caminho de Khurásán a Bárfurúsh, onde caiu vítima da bala do inimigo.

138. Siyyid Ahmad, pai de Siyyid Husayn-i-'Azíz, amanuense do Báb,

139. Mirza Muhammad-'Alí, filho de Siyyid Ahmad, que foi decapitado pela bala de um canhão, enquanto permanecia na entrada do forte e a quem, por causa de sua tenra idade, Quddús tinha grande amor e admiração.

140. Shaykh 'Alí, filho de Shaykh 'Abdu'l-Kháliq-i-Yazdí, residente de Mashhad, um jovem cujo entusiasmo e incansável energia eram muito elogiados por Mullá Husayn e Quddús.

Dos crentes de Qazvín, os seguintes foram martirizados:

141. Mirza Muhammad-'Alí, sacerdote de renome, cujo pai, Hájí Mullá 'Abdu'l-Vahháb, foi um dos mais eminentes mujtahids de Qazvín. Ele atingiu a prsença do Báb em Shíráz e foi inscrito como uma das Letras dos Viventes.

142. Muhammad-Hádí, conhecido negociante, filho de Hájí 'Abdu'l-Karím, cognominado Bághbán-Báshí,

143. Siyyid Ahmad,
144. Mirza 'Abdu'l-Jalíl, sacerdote de renome,
145. Mirza Mihdí,

146. Da aldeia de Lahárd, um homem chamado Hájí Muhammad-'Alí, que havia sofrido muito em conseqüência do assassínio de Mullá Taqí em Qazvín.

Dos crentes de Khuy, os seguintes sofreram martírio.

147. Mullá Mihdí, eminente sacerdote, que fora um dos estimados discípulos de Siyyid Kázim. Era célebre por sua erudição, sua eloqüência e sua firmeza de fé.

148. Mullá Mahmúd-i-Khu'í, irmão de Mullá Mihdí, uma das Letras dos Viventes e um sacerdote de renome.

149. Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, uma das Letras dos Viventes, notável por sua erudição, seu entusiasmo e sua eloqüência. Foi ele quem causou as apreensões de Hájí Karím Khán ao chegar em Kirmán e aterrorizou os corações de seus adversários. "Este homem," se ouviu Hájí Karím Khán dizer a sua congregação, "deve forçosamente ser expulso desta cidade, pois se lhe for permitido permanecer, ele seguramente causará o mesmo tumulto em Kirmán que já causou em Shíráz. O dano que ele infligirá será irreparável. A mágica de sua eloqüência e a força de sua personalidade, se não já excedem as de Mullá Husayn, certamente não lhes são inferiores." Assim pode ele forçá-lo a abreviar sua estada em Kirmán e impedi-lo de, do púlpito, se dirigir ao povo. O Báb deu-lhe as seguintes instruções: "Deves visitar as cidades e várias localidades da Pérsia e convocar seus habitantes à Causa de Deus. No primeiro dia do mês de Muharram no ano de 1265 A. H. (54) deves estar em Mázindarán e te levantar para prestar a Quddús todo o auxílio que puderes." Mullá Yúsuf, fiel às instruções de seu Mestre, recusou prolongar sua estada além de uma semana em qualquer das cidades ou localidades visitadas. Ao chegar em Mázindarán, foi preso pelas forças do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza, quem imediatamente o reconheceu e mandou encarcerar. Foi ele solto, afinal, como já observamos, pelos companheiros de Mullá Husayn no dia da batalha de Vás-Kas.

150. Mullá Jalíl-i-Urúmí, uma das Letras dos Viventes, célebre por sua erudição, sua eloqüência, e pela tenacidade de sua fé.

151. Mullá Ahmad, residente de Marághih, uma das Letras dos Viventes e eminente discípulo de Siyyid Kázim.

152. Mullá Mihdíy-i-Kandí, companheiro de Bahá'u'lláh e instrutor das crianças de Sua casa.

153. Mullá Báqir, irmão de Mullá Mihdí, sendo amobs homens de considerável erudição, de cujas habilidades Bahá'u'lláh dá testemunho no "Kitáb-i-Iqán."

154. Siyyid Kázim, residente de Zanján e um de seus conhecidos mercadores. Ele atingiu a presença do Báb em Shíráz e O acompanhou a Isfáhán. Seu irmão, Siyyid Murtadá, foi um dos Sete Mártires de Teerã.

155. Iskandar, também residente de Zanján, que, com Hasan e Qulí, levou o corpo de Mullá Husayn ao forte.

156. Ismá'íl,
157. Karbilá'í-'Abdu'l-'Alí,
158. 'Abdu'l-Muhammad,
159. Hájí 'Abbás,
160. Siyyid Ahmad - todos residentes de Zanján.

161. Siyyid Husayn-i-Kuláh-Dúz, residente de Bárfurúsh, cuja cabeça foi posta numa lança e exibida nas ruas.

162. Mullá Hasan-i-Rashtí,
163. Mullá Hasan-i-Bayájmandí,
164. Mullá Ni'matu'lláh-i-Bárfurúshí,
165. Mullá Muhammad-Taqíy-i-Qarákhílí,
166. Ustád Zaynu'l-'Abidín,
167. Ustád Qásim, filho de Ustád Zaynu'l-Abidín,

168. Ustád 'Alí-Akbar, irmão de Ustád Zaynu'l-Abidín.

Os três últimos foram pedreiros de profissão, nativos de Kirmán, e residiram em Qáyin na província de Khurásán.

169 e 170. Mullá Ridáy-i-Sháh e um jovem de Bahnimir foram trucidados dois dias depois que Quddús abandonou a fortaleza, no Panj-Shanbih-Bázár de Bárfurúsh. Hájí Mullá Muhammad-i-Hamzih, cognominado Sharí'at-Madár, conseguiu enterrar seus corpos na vizinhança de Masjid-i-Kázim-Big e induzir seu assassino a se arrepender e pedir perdão.

171. Mullá Muhammad-i-Mu'allim-i-Núrí, íntimo companheiro de Bahá'u'lláh e com Ele estreitamente associado em Núr, em Teerã e em Mázindarán. Era famoso por sua inteligência e erudição e foi sujeitado às mais severas atrocidades que sobrevieram a qualquer defensor do forte de Tabarsí, excetuando-se somente Quddús. O príncipe havia prometido libertá-lo se ele exevrasse o nome de Quddús, e lhe tinha dado sua palavra que, se ele consentisse em se retratar, o levaria a Teerã e o faria o instrutor de seus filhos. "Nunca consentirei," respondeu, "em vilificar o bem-amado de Deus a mando de um homem como vós. Fosseis vós me conferir o reino inteiro da Pérsia, nem por um momento voltaria a face de meu bem-amado mestre. Meu corpo está à mercê de vós, minh'alma não tendes o poder de dominar. Torturai-me como quiserdes, a fim de que eu vos possa demonstrar a verdade do versículo: 'Desejai, pois, a morte, se sois homens da verdade (55).'" O príncipe, enfurecido com sua resposta, deu ordens para que seu corpo fosse despedaçado e não fossem poupados esforços para lhe infligir o mais humilhante castigo.

172. Hájí Muhammad-i-Karrádí, cuja casa era situada em uma das alamedas de palmeiras adjacentes à velha cidade de Bagdá, homem de grande coragem, que lutara e chefiara cem homens na guerra contra Ibráhím Páshá do Egito. Fora fervoroso discípulo de Siyyid Kázim, sendo autor de um longo poema no qual se estendia sobre as virtudes e os méritos do siyyid. Tinha a idade de setenta e cinco anos quando abraçou a Fé do Báb, a quem, semelhantemente, elogiou em um poema minucioso e eloqüente. Distinguiu-se pelos atos heróicos durante o assédio do forte e foi, afinal, vítima das balas do inimigo.

173. Sa'íd-i-Jabbáví, nativo de Bagdá, que exibiu coragem extraordinária durante o assédio. Embora gravemente ferido, com um tiro no abdômen, conseguiu ir à pé até alcançar a presença de Quddús. Jubilosamente se lançou a seus pés e expirou.

As circunstâncias do martírio destes dois últimos companheiros foram relatadas por Siyyid Abú-Tálib-i-Sang-Sarí, um dos que sobreviveram àquele memorável assédio, em uma comunicação dirigida a Bahá'u'lláh. Nela relata ele também sua própria história, bem como a de seus dois irmãos, Siyyid Ahmad e Mír Abu'l-Qásim, ambos martirizados enquanto defendiam o forte. "No dia em que Khusraw foi morto," escreveu ele, "aconteceu que eu era hóspede de um certo Karbilá'í 'Alí-Ján, o kad-khudá (56) de uma das aldeias nas proximidades do forte. Ele havia ido dar sua assistência para a proteção de Khusraw e, ao regressar, me relatou as circunstâncias que acompanharam sua morte. Nesse mesmo dia informou-me um mensageiro de que dois árabes haviam chegado naquela aldeia e estavam ansisos de se unir com os ocupantes do forte. Expressaram seu medo do povo da aldeia de Qádí-Kalá e prometeram recompensar amplamente qualquer um que consentisse em conduzi-los a seu destino. Recordei os conselhos de meu pai, Mír Muhammad-'Alí, que me exortava a levantar-me e ajudar a promover a Causa do Báb. De imediato decidi aproveitar a oportunidade a mim apresentada e, na companhia desses dois árabes, e com o auxílio do kad-khudá, alcancei o forte, encontrei com Mullá Husayn e determinei consagrar os dias restantes de minha vida ao serviço da Causa que ele se dignara seguir."

Os nomes de alguns dos oficiais que se distinguiram entre os opositores dos companheiros de Quddús, são os seguintes:

1. O Príncipe Mihdí-Qulí Mirza, irmão do falecido Muhammad Sháh,

2. Sulaymán Khán-i-Afshár,
3. Hájí Mustafá Khán-i-Súr-Tíj,
4. 'Abdu'lláh Khán, irmão de Hájí Mustafá Khán,

5. 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, que fuzilou Mullá Husayn,

6. Núru'lláh Khán-i-Afghán,
7. Habídu'lláh Khán-i-Afghán,
8. Dhu'Faqár Khán-i-Karávulí,
9. 'Alí-Asghar Khán-i-Dungi'í,
10. Khudá-Murád Khán-i-Kurd,
11. Khálíl Khán-i-Savád-Kúhí,
12. Ja'far-Qulí Khán-i-Surkh-Karri'í,
13. O Sartíp do Fawj-i-Kalbát,

14. Zakaríyyáy-i-Qádí-Kalá'í, primo de Khusraw e seu sucessor.

Quanto àqueles crentes que participaram naquele assédio memorável e sobreviveram a seu trágico fim, não pude até agora certificar-me de seu número ou de seus nomes completamente. Contentei-me com uma lista representativa, embora incompleta, dos nomes de seus mártires, confiante de que, nos dias vindouros, os valorosos promotores da Fé se levantarão para preencher essa lacuna e através de suas pesquisas e sua diligência, conseguirão remediar as imperfeições desta descrição, absolutamente inadequada, daquilo que para sempre permanecerá um dos mais comovedores episódios dos tempos modernos.

CAPÍTULO XXI
OS SETE MÁRTIRES DE TEERÃ

A notícia do trágico destino que sobreviera aos heróis de Tabarsí trouxe imensurável tristeza ao coração do Báb. Confinado em Seu castelo-prisão de Chihríq, afastado do pequeno grupo de Seus discípulos em luta, Ele notava com ansiedade intensa o progresso de seus labores e, com inalterável zelo, orava por sua vitória. Como foi grande Sua tristeza quando, nos primeiros dias de Sha'bán no ano de 1265 A. H. (1), veio a saber das provações que lhes cercavam o caminho, da agonia por eles sofrida, da traição à qual um inimigo exasperado se sentira compelido a recorrer e da abominável carnificina com a qual sua carreira terminara.

"O Báb estava de coração dilacerado," relatou subseqüentemente Seu amanuense, Siyyid Husayn-i-'Azíz, "ao receber essa inesperada notícia. Estava esmagado de pesar, um pesar que Lhe emudeceu a voz e silenciou a pena. Durante nove dias recusou Ele a receber qualquer de Seus amigos. A mim mesmo, embora Seu íntimo e constante assistente, foi recusado acesso. Qualquer que fosse o alimento ou a bebida que Lhe oferecêssemos, Ele não estava disposto a tocá-lo. Lágrimas choviam continuamente de Seus lábios e expressões de angústia caiam de Seus lábios sem cessar. Eu podia ouvir, por detrás da cortina, como Ele desabafava Seus pesares enquanto, no isolamento de Sua cela, comungava com Seu Bem-Amado. Tentei anotar as efusões de Sua tristeza à medida que emanavam de Seu coração ferido. Suspeitando que eu estava tentando preservar as lamentações que Ele expressava, mandou que eu destruísse qualquer coisa que tivesse anotado. Nada resta dos gemidos e prantos com os quais aquele coração sobrecarregado procurava aliviar-se das dores que o haviam acabrunhado. Por um período de cinco meses Ele languescia, imerso em um oceano de abatimento e tristeza."

Com o advento de Muharram no ano de 1266 A. H. (2), o Báb reassumiu o cargo que Ele se sentira compelido a interromper. A primeira página que escreveu foi dedicada à memória de Mullá Husayn. Na Epístola de Visitação revelada em sua honra elogiou, em termos comoventes, a inalterável fidelidade com que serviu a Quddús durante todo o assédio do forte de Tabarsí. Prodigalizou Seus elogios pela conduta magnânima, contou suas façanhas e asseverou sua indubitável reunião no mundo do além com o mestre a quem tão nobremente servira. Escreveu que breve, também, estaria Ele com aqueles seres gêmeos imortais, dos quais cada um com sua vida e com sua morte havia prestado imperecível brilho à Fé de Deus. Por uma semana inteira continuou o Báb a escrever Seus elogios a Quddús, a Mullá Husayn e a Seus outros companheiros que ganharam a coroa do martírio em Tabarsí.

Assim que completara esses elogios daqueles que haviam imortalizado seus nomes na defesa do forte, Ele chamou no dia de Áshúrá (3), Mullá Ádí-Guzal (4), um dos crentes de Marághih que, havia dois meses, Lhe servia de assistente no lugar de Siyyid Hasan, irmão de Siyyid Husayn-i-'Azíz. Recebeu-o carinhosamente, conferiu-lhe o nome Sayyáh, entregou a seu cuidado as Epístolas de Visitação que revelara em memória dos mártires de Tabarsí e o mandou fazer, em Seu nome, uma peregrinação àquele recinto. "Levante-te," solicitou-lhe Ele, "e, com desprendimento completo segue, nos trajes de viajante, a Mázindarán, onde deves visitar em Meu nome, o lugar que encerra os corpos daqueles imortais que, com seu sangue selaram sua fé em Minha Causa. Quando te aproximares das cercanias daquele terreno sagrado, tira os sapatos e, curvando a cabeça em reverência a sua memória, invoca seus nomes e em atitude de oração anda em volta de seu santuário. Traz-me de volta como lembrança de tua visita um punhado daquela terra sagrada que cobre os restos mortais de Meus bem-amados, Quddús e Mullá Husayn. Esforça-te para regressar antes do dia do Naw-Rúz, a fim de que possa celebrar comigo esse festival, o único, provavelmente, que hei de ver."

Fiel às instruções recebidas, Sayyáh partiu em sua peregrinação a Mázindarán. Chegou ao destino no primeiro dia de Rabí'u'l-Avval no ano de 1266 A. H. (5) e, antes do nono dia do mesmo mês (6), o primeiro aniversário do martírio de Mullá Husayn, havia ele consumado a visita e cumprido a missão que lhe fora confiada. Daí procedeu a Teerã.

Tenho ouvido Áqáy-i-Kalím, que recebeu Sayyáh na entrada da casa de Bahá'u'lláh em Teerã, relatar o seguinte: "Foi em pleno inverno quando Sayyáh, voltando de sua peregrinação, veio visitar Bahá'u'lláh. A despeito do frio e da neve de um inverno rigoroso, ele apareceu nas vestes de um dervixe, com roupas pobres, descalço e desgrenhado. Seu coração estava inflamado com a chama que aquela peregrinação ateara. Logo que Siyyid Yayáy-i-Dárábí, cognominado Vahíd, então hospedado na casa de Bahá'u'lláh, foi informado do regresso de Sayyáh do forte de Tabarsí, ele, esquecido da pompa e cerimônia à qual um homem de sua posição estava acostumado, precipitadamente lançou-se aos pés do peregrino. Em seus braços segurando-lhe as pernas, que haviam sido cobertas de lama até os joelhos, beijou-as devotadamente. Admirei-me muito naquele dia, das numerosas evidências de amorosa solicitude mostrada por Bahá'u'lláh a Vahíd. Conferiu-lhe tais favores como jamais eu O havia visto prestar a qualquer pessoa. A Sua maneira de conversar não deixou em mim dúvida alguma de que esse mesmo Vahíd se distinguira, dentro em breve, por façanhas não menos notáveis do que aqueles que haviam imortalizado os defensores do forte de Tabarsí."

Sayyáh permaneceu alguns dias naquela casa. Ele não pode perceber no entanto como Vahíd, a natureza daquele poder que jazia latente em seu Anfitrião. Embora a ele mesmo Bahá'u'lláh mostrasse extremo favor, ele não apreendeu o significado das bênçãos que lhe estavam sendo prodigalizadas. Eu o tenho ouvido assim relatar as experiências durante sua estada em Famagusta: "Diante da excessiva bondade de Bahá'u'lláh, fiquei atônito. Quanto a Vahíd, não obstante a sua eminente posição, ele, a mim dava preferência em vez de si próprio, invariavelmente, quando na presença de seu anfitrião. No dia de minha chegada de Mázindarán, ele até beijou os pés. Assombrei-me da recepção que me foi concedida nessa casa. Embora imerso num mar de graças, deixei de apreciar, naqueles dias, a posição então ocupada por Bahá'u'lláh, nem pude eu suspeitar, nem sequer levemente, a natureza da Missão que Ele era destinado a cumprir."

Antes da partida de Sayyáh de Teerã, Bahá'u'lláh lhe entregou uma epístola, o texto da qual Ele ditara a Mirza Yahyá (7) e a mandou em nome dele. Pouco depois, foi recebida uma resposta escrita pelo Báb de próprio punho, na qual Ele entrega Mirza Yahyá aos cuidados de Bahá'u'lláh e recomenda que seja prestada atenção a sua educação e a seu treino. Essa comunicação o povo do Bayán (8) tem interpretado erroneamente como evidência das exageradas pretensões (9) avançadas em favor de seu líder. Embora o texto dessa resposta esteja absolutamente destituído de tais pretensões e não contenha referência alguma a sua alegada posição, além do elogio que confere a Bahá'u'lláh e o pedido sobre a educação de Mirza Yahyá, seus adeptos, entretanto, têm imaginado futilmente que essa carta constituía uma asserção da autoridade da qual eles o têm investido (10).

A esta altura de minha narrativa, quando já tenho relatado os acontecimentos mais salientes durante o ano de 1265 A. H. (11), lembro-me que esse mesmo ano testemunhou o acontecimento mais significativo de minha própria vida, acontecimento esse que assinalou meu renascimento espiritual, minha libertação dos grilhões do passado e minha aceitação da mensagem desta Revelação. Solicito a indulgência do leitor se me estender em demasia sobre as circunstâncias dos anos iniciais de minha vida e relatar com minúcias excessivas os acontecimentos que levaram a minha conversão. Meu pai pertencia à tribo de Táhirí, cujos membros viviam como nômades na província de Khurásán. Seu nome era Ghulám 'Alí, filho de Husayn-i-'Arab. Casou com a filha de Kalb-'Alí, tendo com ela três filhos e três filhas. Eu fui o segundo filho e me foi dado o nome de Yár-Muhammad. Nasci no décimo oitavo dia de Safar no ano de 1247 A. H. (12), na aldeia de Zarand. Era pastor de profissão e recebi em meus primeiros anos uma educação muito rudimentar. Eu ansiava por devotar mais tempo a meus estudos, mas não me foi possível, devido às exigências de minha situação. Lia com avidez o Alcorão e decorei algumas de suas passagens, as quais entoava enquanto seguia meu rebanho nos campos. Eu amava a solidão e à noite, fitava as estrelas com deleite e assombro. No silêncio da selva, recitava certas orações atribuídas ao Imame 'Alí, Comandante dos Fiéis e enquanto eu volvia a face para o Qiblih (13), suplicava ao Todo-Poderoso que guiasse meus passos e me ajudasse a encontrar a Verdade.

Meu pai muitas vezes me levava com ele a Qum, onde conheci os ensinamentos do Islã e os modos e as maneiras de seus dirigentes. Ele era um devotado seguidor dessa Fé e intimamente associado com os líderes eclesiásticos que se congregavam nessa cidade. Eu observava-o enquanto ele orava no Masjid-i-Imám-Hasan e executava, com escrupuloso cuidado e extrema piedade todos os rituais e cerimônias prescritas por sua Fé. Eu ouvia a pregação de vários eminentes mujtahids que haviam chegado de Najaf, assistia suas conferências e escutava seus debates. Gradualmente vim a perceber sua insinceridade e a detestar a vileza de seu caráter. Por ansioso que eu estivesse de me certificar da fidedignidade dos credos e dogmas que eles queriam me impor, nem pude achar tempo nem obter as facilidades com que satisfazer meu desejo. Freqüentemente era eu repreendido por meu pai por causa de minha temeridade e inquietação. "Receio," observava ele muitas vezes, "que tua aversão a esses mujtahids te possa algum dia envolver em grandes dificuldades e te trazer censura e opróbrio."

Estava na aldeia de Rubát-Karím, visitando um tio materno quando, no décimo dia após o Naw-Rúz, no ano de 1263 A. H. (14), ouvi por acaso no masjid dessa aldeia uma conversação entre dois homens por meio da qual primeiro conheci a Revelação do Báb. "Já soubeste," perguntou um deles, "que o Siyyid-i- Báb foi conduzido à aldeia de Kinár-Gird e está procedendo a Teerã?" Verificando que o amigo ignorava esse episódio, procedeu a relatar toda a história do Báb, descrevendo em detalhe a circunstâncias em que foi feita Sua Declaração, Seu aprisionamento em Shiráz, Sua partida para Isfáhán, a recepção que Lhe foi dada pelo Imám-Jum'ih como por Manúchihr Khán, os prodígios e maravilhas por Ele manifestados e o veredito que os ulemás de Isfáhán haviam contra Ele pronunciado. Cada detalhe daquela narração despertou minha curiosidade e excitou em mim intensa admiração por um Homem que podia exercer tão mágica influência sobre seus conterrâneos. Sua luz parecia me haver inundado a alma; sentia-me como se já estivesse convertido para Sua Causa.

De Rubát-Karím regressei a Zarand. Meu pai comentou minha inquietação e se admirou de meu comportamento. Eu não tinha mais apetite nem desejo de dormir, mas estava determinado a esconder de meu pai o segredo de minha agitação interior, para que a descoberta não viesse a impedir eventualmente a realização de minhas esperanças. Permaneci nesse estado até que um certo Siyyid Husayn-i-Zavárí'í veio a Zarand e me pode esclarecer sobre um assunto que se tornara a dominante paixão de minha vida. Esse conhecimento desenvolveu-se rapidamente em uma amizade que me animou e com ele compartilhar o anelo de meu coração. Para grande surpresa minha, descobri estar ele já cativado pelo segredo do tema que eu começara a lhe revelar. "Um de meus primos," relatou ele, "Siyyid Ismá'íl-i-Zavárí'í de nome, convenceu-me da verdade da Mensagem proclamada pelo Siyyid-i- Báb. Informou-me de que várias vezes se encontrara com o Siyyid-i- Báb na casa do Imám-Jum'ih de Isfáhán e de fato O havia visto revelar, na presença de Seu anfitrião, um comentário sobre a Sura de Va'l-'Asr (15). A rapidez com que o Báb compunha e Seu estilo dinâmico e original lhe haviam excitado a surpresa e a admiração. Espantou-lhe verificar que, enquanto revelava Seu comentário e sem diminuir a celeridade com que escrevia, Ele pode responder a quaisquer perguntas que aqueles presentes se sentissem movidos a Lhe fazer. A intrepidez com a qual meu primo se levantou para pregar a Mensagem, incitou a hostilidade dos kand-khudás (16) e siyyids de Zavárih, e estes o obrigaram a regressar a Isfáhán, onde recentemente residira. Eu, também, não podendo permanecer em Zavárih, parti para Káshán, cidade em que passei o inverno e onde conheci Hájí Mirza Jání, de quem meu primo havia falado e quem me deu um tratado escrito pelo Báb, intitulado 'Risáliy-i-'Adlíyyih,' o qual ele me solicitava a ler cuidadosamente e lhe devolver depois de alguns dias. Fiquei tão encantado pelo tema e pela linguagem desse tratado que de imediato procedi a transcrever o texto inteiro. Quando fui devolvê-lo a seu dono, soube com profunda tristeza que eu havia perdido a oportunidade de conhecer seu Autor. 'O próprio Siyyid-i- Báb,' disse-me ele 'chegou na véspera do dia de Naw-Rúz e passou três noites como hóspede em minha casa. Ele está agora viajando a Teerã e se partires imediatamente, de certo O alcançarás.' Logo me levantei e parti, indo a pé todo o caminho de Káshán até uma fortaleza na vizinhança de Kinár-Gird. Eu estava descansando na sombra de seus muros, quando um homem de aspecto amável saiu da fortaleza e me perguntou quem eu era e aonde ia. 'Sou um pobre siyyid,' respondi, 'em viagem e estranho nesse lugar.' Ele me levou a sua casa e me convidou a passar a noite como seu hóspede. Durante nossa conversação, ele disse: 'Suspeito que sois um seguidor do Siyyid que passou alguns dias nesta fortaleza, donde foi transferido para a aldeia de Kulayn, e que, há três dias passados, partiu para Adhirbáyján. Eu me julgo um de Seus aderentes. Meu nome é Hájí Zaynu'l-Abidín. Era minha intenção não me separar Dele, mas Ele me mandou permanecer neste lugar e transmitir a quaisquer de Seus amigos com quem me encontrasse neste lugar Suas amorosas saudações e dissuadi-los de O seguir. "Dize-lhes," instruiu-me Ele, "que consagrem suas vidas ao serviço de Minha Causa, para que porventura as barreiras que impedem o progresso desta Fé sejam removidas e assim possam Meus seguidores, com segurança e liberdade, adorar seu Deus e observar os preceitos de sua Fé." Abandonei meu projeto de imediato e, em vez de voltar a Qum, decidi vir a este lugar.'"

A história que este Siyyid Husayn-i-Zavári'í me relatou serviu para me aliviar a agitação. Ele partilhou comigo a cópia do "Risáliy-i-'Adlíyyih" que havia trazido consigo, a leitura do qual me fortaleceu e reanimou a alma. Naqueles dias era eu discípulo de um siyyid que me ensinava o Alcorão e cuja incapacidade de me esclarecer sobre os preceitos de sua Fé se tornava cada vez mais evidente aos meus olhos. Siyyid Husayn, a quem pedi mais informação a respeito da Causa, me aconselhou que procurasse me encontrar com Siyyid Ismá'íl-i-Zavárí'i, cujo costume era, invariavelmente, visitar toda primavera, os santuários dos imám-zádihs (17) de Qum. Induzi meu pai, que não queria se separar de mim, a me mandar àquela cidade com o fim de aperfeiçoar meu conhecimento da língua árabe. Tomei o cuidado de lhe ocultar meu verdadeiro propósito, receoso de que sua revelação o envolvesse em alguns embaraços com o Qádí (18) e os ulemás de Zarand e me impedisse de atingir meu objetivo.

Enquanto estive em Qum, vieram minha mãe, minha irmã e meu irmão visitar-me na ocasião do festival de Naw-Rúz e passaram comigo cerca de um mês. Durante sua visita, pude esclarecer minha mãe e minha irmã sobre a nova Revelação, e consegui acender em seus corações o amor de seu Autor. Poucos dias após seu regresso a Zarand, veio Siyyid Ismá'il, a quem eu com impaciência esperava e, no decorrer de suas dissertações comigo, pode ele expor em detalhe tudo o que era necessário para me conquistar completamente para a Causa. Deu ele ênfase à continuidade da Revelação Divina, asseverando a unidade fundamental dos Profetas do passado e explicando sua estreita relação à Missão do Báb. Revelou-me ele também a natureza do trabalho realizado por Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í a Siyyid Kázim-i-Rashtí, de nenhum dos quais ouvira eu, antes disso, falar. Perguntei a respeito do dever, no tempo atual, de cada aderente fiel da Fé. "A injunção do Báb", respondeu ele, "é que todos aqueles que aceitaram Sua Mensagem devem ir a Mázindarán e prestar auxílio a Quddús, que está agora cercado pelas forças de um inimigo implacável." Expressei minha ansiedade de acompanhá-lo, pois ele mesmo tencionava viajar ao forte de Tabarsí. Aconselhou-me ele, entretanto, a permanecer em Qum na companhia de um certo Mirza Fath'lláh-i-Hakkák, jovem de minha idade recentemente por ele guiado à Causa, até receber sua mensagem de Teerã.

Em vão esperei essa mensagem e, vendo que não vinha dele notícia alguma, decidi partir para a capital. Meu amigo Mirza Fath'lláh seguiu-se subseqüentemente. Foi afinal preso e participou da sorte daqueles que foram mortos no ano de 1268 A. H. (19) em conseqüência da tentativa contra a vida do Xá. Ao chegar em Teerã, fui diretamente ao Masjid-i-Sháh, em frente de um madrisih (20), na entrada do qual eu mais tarde, inesperadamente, encontrei Siyyid Ismá'íl-i-Zavárí'i. Apressou-se ele a me informar que acabava de me escrever uma carta e estava prestes a despachá-la a Qum.

Estávamos nos preparando para sair para Mázindarán, quando nos veio a notícia de que os defensores do forte de Tabarsí haviam sido traiçoeiramente trucidados e que o próprio forte fora arrasado. Acabrunhou-nos de angústia essa notícia horrenda e lamentamos o trágico destino daqueles que tão heroicamente defenderam sua bem-amada Causa. Um dia, inesperadamente, encontrei com meu tio materno. Naw-Rúz 'Alí, que havia vindo expressamente para me buscar. Informei Siyyid Ismá'il, quem me aconselhou que fosse a Zarand e não incitasse mais hostilidades por parte dos que estavam insistindo em minha volta.

Ao chegar na minha aldeia natal, tive êxito em convencer meu irmão da verdade da Causa já abraçada por minha mãe e minha irmã. Consegui também induzir meu pai a permitir que eu saísse outra vez para Teerã. Fui residir no mesmo madrisih onde fora acomodado na visita anterior e lá encontrei com um certo Mullá 'Abdu'l-Karím, a quem, eu soube subseqüentemente, Bahá'u'lláh dera o nome de Mirza Ahmad. Ele me recebeu afetuosamente e me disse que Siyyid Ismá'il me entregara a seu cuidado e desejava que permanecesse em sua companhia até o regresso dele a Teerã. Os dias passados na companhia de Mirza Ahmad jamais serão esquecidos. Verifiquei ser ele a própria encarnação do amor e da bondade. As palavras com as quais ele me inspirava e me animava a fé estão indelevelmente gravadas em meu coração.

Por seu intermédio fui apresentado aos discípulos do Báb, com quem me associei e de quem obtive mais completas informações sobre os ensinamentos da Fé. Mirza Ahmad naqueles dias ganhava o sustento como escrivão e dedicava as noites ao trabalho de copiar o Bayán Persa e outros escritos do Báb. As cópias que ele tão devotadamente preparava eram dadas de presente a seus co-discípulos. Fui eu mesmo várias vezes portador desses presentes dele à esposa de Mullá Mihdíy-i-Kandí, que abandonara o filho recém-nascido e se apressara a se unir com os ocupantes do forte de Tabarsí.

Durante aqueles dias fui informado de que Táhirih, que sempre desde o término da reunião em Badasht, residira em Núr, havia chegado em Teerã e estava confinado na casa de Mahmúd Khán-i-Kalantar onde, embora presa, era tratada com consideração e cortesia.

Um dia Mirza Ahmad conduziu-me à casa de Bahá'u'lláh cuja esposa, a Varagatu'l-'Ulyá (21), mãe do Maior Ramo (22), já havia curado meus olhos com um ungüento que ela mesma preparara e me enviara por este mesmo Mirza Ahmad. A primeira pessoa que encontrei nessa casa foi aquele mesmo bem-amado Filho seu, então uma criança de seis anos. Ele deu-me um sorriso de boas-vindas enquanto ficava em pé na porta do aposento ocupado por Bahá'u'lláh. Passei essa porta e fui conduzido à presença de Mirza Yahyá, inteiramente inconsciente da posição Daquele que ocupava o aposento que eu deixara atrás. Ao encontrar face a face com Mirza Yahyá, fiquei chocado, logo que observei suas feições e notei sua conversação, ao perceber como era ele completamente indigno da posição à qual pretendera.

Em outra ocasião, quando visitei a mesma casa, eu estava prestes a entrar no aposento ocupado por Mirza Yahyá quando Aqáy-i-Kalím, a quem conhecera anteriormente, de mim se aproximou e me pediu, porque Isfandíyár, seu servo, havia ido ao mercado e não voltando ainda, que eu levasse "Aqá" (23) ao Madrisiy-i-Mirza-Sálih em seu lugar e então regressasse aí. De bom grado consenti e, enquanto me preparava para sair, vi o Maior Ramo, uma criança de extraordinária beleza, que usava o kuláh (24) e o jubbiy-i-hizári'í (25), sair do aposento ocupado pelo Seu Pai e descer a escada que conduzia ao portão da casa. Avancei e estendi os braços para levá-lo. "Andaremos juntos," disse-me, enquanto tomou minha mão e me conduziu para fora da casa. Conversamos enquanto caminhávamos de mãos dadas em direção ao madrisih, conhecido naqueles dias pelo nome de Pá-Mínár. Ao chegarmos em Sua sala de aula, Ele se virou a mim e disse: "Venha outra vez esta tarde e leva-me de volta a minha casa, pois Isfandíyár não poderá vir buscar-me. Meu Pai precisará dele hoje." Com prazer aquiesci e regressei de imediato à casa de Bahá'u'lláh. Lá novamente encontrei com Mirza Yahyá, quem entregou em minhas mãos uma carta, a qual ele me pediu levasse ao Madrisiy-i-Badr e desse a Bahá'u'lláh, o qual seria encontrado no aposento ocupado por Mullá Báqir-i-Bastámí. Pediu-me que trouxesse a resposta imediatamente. Cumpri a tarefa e regressei ao madrisih em tempo para conduzir o Maior Ramo a Sua casa.

Um dia fui convidado por Mirza Ahmad para conhecer Hají Mirza 'Alí, tio materno do Báb, que recentemente regressara de Chihríq e estava hospedado na casa de Muhammad Bib-i-Chapárchí nas proximidades do portão de Shimírán. Impressionaram-me, ao fitar-lhe a face, a nobreza de suas feições e a serenidade de seu semblante. Visitas subseqüentes serviram para aumentar minha admiração pela doçura de seu temperamento, por sua piedade mística e força de caráter. Recordo muito bem como, em uma ocasião, Aqáy-i-Kalím lhe solicitava, numa certa reunião, que saísse de Teerã, então em estado de grande fermento, e escapasse de sua perigosa atmosfera. "Por que preocupar-se com minha segurança," respondeu ele, confiante. "Oxalá pudesse eu também participar do banquete que a mão da Providência está oferecendo a Seus escolhidos!"

Pouco depois, os instigadores do mal conseguiram fomentar um grave distúrbio na cidade. A causa imediata disso foi a ação de um certo siyyid de Kashán que residia no Madrisiy-i-Dáru'sh-Shafá, em quem o conhecido Siyyid Muhammad confiara e a quem ele declarara haver convertido aos ensinamentos do Báb. Mirza Muhammad-Husayn-i-Kirmání, que tinha acomodações naquele mesmo madrisih e que era conferencista de renome sobre as doutrinas metafísicas do Islã, tentou várias vezes induzir Siyyid Muhammad, que era um de seus discípulos, a cortar relações com esse siyyid, por não achá-lo digno de confiança e lhe recusar acesso à reunião dos crentes. Siyyid Muhammad, entretanto, não se dispôs a ser admoestado por essa advertência e continuou a se associar com ele até o princípio do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1266 A. H. (26), quando o siyyid traiçoeiro foi a um certo Siyyid Husayn, um dos ulemás de Káshán, em cujas mãos entregou os nomes e endereços de cerca de cinqüenta dos crentes que então residiam em Teerã. Essa mesma lista foi submetida imediatamente por Siyyid Husayn a Mahmúd Khán-i-Kalantar, que ordenou que todos eles fossem presos. Quatorze foram apreendidos e levados à presença das autoridades.

No dia em que foram presos, por acaso, eu estava com meu irmão e meu tio materno recém-chegados de Zarand e hospedados em um caraansarai fora do portão de Naw. Na manhã seguinte, partiram em direção a Zarand e eu, ao voltar ao Madrisiy-i-Dáru'sh-Shafá, descobri em meu quarto um pacote, em cima do qual estava colocada uma carta endereçada a mim por Mirza Ahmad. A carta informou-me de que o siyyid traiçoeiro nos havia denunciado, incitando uma violenta comoção na capital. "O pacote que deixei neste quarto," escreveu ele, "contém todos os sagrados escritos que possuo. Se conseguires alcançar são e salvo este lugar, leva-os ao caravansarai de Hájí Nad'Alí, onde encontrarás em um de seus aposentos um homem desse nome, nativo de Qazvín, a quem entregarás o pacote junto com a carta que o acompanha. Daí procederás de imediato, ao Masjid-i-Sháh, onde espero poder contigo encontrar." Seguindo suas instruções, entreguei o pacote ao Hájí e consegui alcançar o masjid, onde encontrei Mirza Ahmad. Relatou-me ele como havia sido atacado e como buscara refúgio no masjid, pois neste recinto estaria imune a mais agressão.

Entrementes, Bahá'u'lláh enviara do Madrisiy-i-Sadr uma mensagem a Mirza Ahmad, informando-lhe dos desígnios de Amír-Nizám que, já em três ocasiões diferentes havia exigido do Imam-Jum'ih que o prendesse. Foi também advertido de que o Amír, não levando em conta o direito de asilo do qual o masjid fora investido, tencionava prender aqueles que haviam buscado refúgio nesse santuário. Instou a Mirza Ahmad que partisse disfarçado para Qum e lhe incumbiu de me mandar de volta para minha casa em Zarand.

Nesse tempo, meus parentes, que me haviam reconhecido no Masjid-i-Sháh, me instaram a partir para Zarand, com o argumento de que meu pai, havendo recebido a notícia errada de que eu estava preso, com execução pendente, estava gravemente aflito e que era meu dever apressar-me a aliviá-lo de suas ansiedades. Seguindo o conselho de Mirza Ahmad, quem me exortou a tomar essa oportunidade mandada por Deus, parti para Zarand e celebrei com minha família a Festa de Naw-Rúz - Festa essa que era duplamente abençoada por coincidir com o quinto dia de Jamádíyu'l-Avval no ano de 1266 A. H. (27), o aniversário do dia em que o Báb declarara Sua Missão. O Naw-Rúz daquele ano foi mencionado no "Kitáb-i-Panj-Sha'n" uma das últimas obras do Báb. "O sexto Naw-Rúz", escreveu Ele nesse Livro, "após a Declaração do Ponto do Bayán (28), caiu no quinto dia de Jamadíyu'l-Avval, no sétimo ano lunar depois daquela mesma Declaração." Nessa mesma passagem, o Báb menciona o fato de que o Naw-Rúz seria o último que Ele era destinado a celebrar nesta terra.

Em meio às festividades que meus parentes celebraram em Zarand, meu coração estava fixado em Teerã e meus pensamentos se concentravam na sorte que poderia ter sobrevindo a meus co-discípulos naquela cidade agitada. Ansiava por saber de sua segurança. Embora na casa de meu pai, cercado pela solicitude paterna, sentia-me oprimido pelo pensamento de estar afastado daquele pequeno grupo, cujos perigos eu bem podia imaginar e de cujas aflições anelava participar. A terrível ansiedade em que eu vivia enquanto confinado em minha casa foi aliviada inesperadamente pela chegada de Sádiq-i-Tabrízí, que veio de Teerã e foi recebido na casa de meu pai. Embora me livrasse das incertezas que tão severamente sobre mim pesavam, ele, para meu profundo horror, desdobrou aos meus ouvidos uma narração de tão horripilante crueldade que as ansiedades da incerteza empalideceram diante da luz macabra que aquela história lúgubre projetou sobre meu coração.

As circunstâncias do martírio de meus irmãos que foram presos em Teerã - pois foi esse seu destino - procedo agora a relatar. Os quatorze discípulos do Báb que haviam sido apreendidos, permaneceram encarcerados na casa de Mahmúd Khán-i-Kalantar desde o primeiro até o vigésimo segundo dia do mês de Rabí'u'th-Thání (29), Táhirih também estava confinada no andar superior dessa mesma casa. Toda espécie de mau tratamento sofreram eles. Seus perseguidores mediante todos os ardis, tentaram, induzi-los a fornecer a informação da qual necessitavam, mas não conseguiram obter uma resposta satisfatória. Entre os cativos se achava um certo Muhammad-Husayn-i-Marághi'í, que obstinadamente se recusava a pronunciar uma só palavra a despeito da severa pressão que lhe aplicaram. Torturavam-no, recorriam a todas as medidas possíveis a fim de extorquir dele qualquer sugestão que lhes pudesse servir aos fins, mas não conseguiram atingir seu objetivo. Tal foi a inabalável teimosia dele, que seus opressores pensavam que fosse um mudo. Perguntaram a Hájí Mullá Ismá'il, quem o havia convertido para sua Fé, se ele podia ou não falar. "Ele está emudecido, mas não é um mudo," respondeu, "possui fluência e está livre de qualquer impedimento." Logo que o chamou por seu nome, a vítima respondeu, assegurando-lhe que estava pronto para aquiescer a sua vontade.

Convencidos de que não tinham o poder de lhes alterar a vontade, levaram a questão a Mahmúd Khán quem, por sua vez, submeteu seu caso ao Amír-Nizám, Mirza Khán (30), o Grão-Vizir de Násirid-Dín-Sháh. O soberano nesse tempo, desistia de interferência direta no que se referia a essa comunidade perseguida, e muitas vezes ignorava as decisões sendo tomadas a respeito de seus membros. Seu Grão-Vizir foi investido de plenos poderes para tratá-los da maneira que ele achasse conveniente. Ninguém questionava suas decisões, nem se atrevia a desaprovar o modo como exercia sua autoridade. De imediato, emitiu ele uma ordem peremptória ameaçando de execução qualquer um dos quatorze presos que se recusasse a retratar sua fé. Sete foram compelidos a ceder diante da pressão que lhes foi aplicada e foram imediatamente postos em liberdade. Os sete restantes constituem os Sete Mártires de Teerã:

1. Hájí Mirza Siyyid 'Alí, cognominado Khál-i-'A'zam (31), tio materno do Báb e um dos principais mercadores de Shiráz. Foi esse mesmo tio a cuja custódia o Báb, após a morte de Seu pai, foi entregue e que, quando seu Sobrinho regressou de Sua peregrinação a Hijáz e foi preso por Husayn Khán, assumiu inteira responsabilidade por Ele, hipotecando por escrito sua palavra. Foi ele quem O cercava, enquanto entregue a seus cuidados de infalível solicitude, quem Lhe servia com tanta devoção e era o intermediário entre Ele e a multidão de Seus seguidores que se aglomeravam em Shiráz a fim de vê-Lo. Seu filho único, Siyyid Javád, morreu na infância. Em meados do ano de 1265 A. H. (32), esse mesmo Hájí Mirza Siyyid 'Alí saiu de Shiráz e visitou o Báb no castelo de Chihríq. Daí foi a Teerã e, embora ele nenhuma ocupação especial tivesse, permaneceu nessa cidade até que irrompeu a sedição que levou afinal a seu martírio.

Ainda que seus amigos lhe solicitassem que escapasse do tumulto que rapidamente se aproximava, ele se recusou a atender tal conselho e até sua última hora enfrentou, completamente resignado, a perseguição à qual o sujeitaram. Um número considerável entre os mais afluentes mercadores, conhecido dele, ofereceram pagar seu resgate, oferta essa que ele rejeitou. Finalmente foi ele levado à presença do Amír-Nizám. "O Magistrado-Chefe deste império," informou-lhe o Grão-Vizir, "repugna infligir o menor dano aos descendentes do Profeta. Eminentes mercadores de Shiráz e Teerã estão prontos ainda mais, estão ansiosos de pagar vosso resgate. Até intercedeu por vós o Maliku't-Tujjár. Basta uma palavra vossa de retratação para vos libertar e garantir o regresso, com honras, a vossa cidade natal. Hipoteco minha palavra que, se quereis aquiescer, os dias restantes de vossa vida serão passados com honra e dignidade à sombra protetora de vosso soberano." "Vossa Excelência," replicou audazmente Hájí Mirza Siyyid 'Alí, "se outros antes de mim, que jubilosamente sorveram o cálice do martírio, se dignaram de rejeitar um apelo como esse que me fazeis agora, sabei com certeza que eu não estou menos desejoso de declinar tal pedido. Meu repúdio às verdades encerradas nesta Revelação seria equivalente a uma rejeição de todas as Revelações que a precederam. Recusar reconhecer a Missão do Siyyid-i- Báb seria apostatar a Fé de meus antepassados e negar o caráter Divino da Mensagem que Maomé, Jesus, Moisés e todos os Profetas do passado revelaram. Deus sabe que qualquer coisa que tenha ouvido e lido dos dizeres e dos atos daqueles Mensageiros, eu mesmo tive o privilégio de testemunhar neste Jovem, neste bem-amado Parente meu, desde seus primeiros anos até este, o trigésimo ano de Sua vida. Tudo Nele me faz lembrar de Seu ilustre Ancestral e dos imames de Sua Fé, cujas vidas nossas tradições registradas descreveram. Peço de vós somente que me permitais ser o primeiro a sacrificar a vida no caminho de meu bem-amado Parente."

O Amír ficou estupefato diante dessa resposta. Num frenesi de desespero, e sem pronunciar nem sequer uma palavra, fez um sinal para levá-lo e ser decapitado. Enquanto a vítima estava sendo conduzida a sua morta, ouviam-se estas palavras de Háfiz por ele repetidas várias vezes: "Grande é minha gratidão a Ti, ó meu Deus, por me haveres concedido tão generosamente tudo o que tenho Te pedido." "Ouvi-me, ó povo," exclamou ele à multidão que se amontoava a seu redor. "De bom grado tenho me oferecido em holocausto no caminho da Causa de Deus. A inteira província de Fárs, bem como a do Iraque, além dos confins da Pérsia, dará prontamente testemunho de minha integridade de conduta, minha sincera piedade e minha linhagem nobre. Por mais de mil anos orais e tornais a orar, pedindo que o prometido Qá'im se manifeste. Ao ouvirdes mencionar Seu Nome, quantas vezes tendes exclamado, do íntimo do coração: - 'Apressa, ó Deus, Sua vinda; remove toda barreira que impede Seu aparecimento!' - E agora que Ele veio, vós O tendes expulsado em exílio desesperador, num canto remoto e seqüestrado de Adhirbáyján, e vos tendes levantado para exterminar Seus companheiros. Fosse eu invocar sobre vos a maldição de Deus, certo estou de que a divina ira vingadora vos afligiria penosamente. Tal não é, entretanto, minha súplica. Com o último suspiro oro que o Todo Poderoso remova a mácula de vosso pecado e vos faça acordar do sono da negligência (33)."

Estas palavras comoveram muito profundamente seu algoz. Fingindo que a espada que ele segurava em prontidão em suas mãos precisasse ser novamente amolada, saiu apressadamente, determinado a nunca mais voltar. "Quando me foi designado este serviço," ouviu-se ele queixar, enquanto chorava amargamente, "incumbiram-se de entregar em minhas mãos somente assassinos convictos e salteadores de estradas. Agora me mandam derramar o sangue de uma pessoa não menos santa que o próprio Imame Músáy-i-Kázim!" (34) Pouco depois, ele partiu para Khurasán e lá tentou ganhar a vida como porteiro e pregoeiro. Aos crentes daquela província, relatou ele a história daquela tragédia e expressou arrependimento pelo ato que fora compelido a perpetrar. Cada vez que recordava aquele incidente, cada vez que lhe era mencionado o nome de Hájí Mirza Siyyid 'Alí, as lágrimas que ele não podia reprimir corriam de seus olhos, lágrimas que testemunharam o afeto que aquele homem santo lhe instilara no coração.

2. Mirza Qurbán-'Alí (35), nativo de Bárfurúsh na província de Mázindarán e proeminente figura na comunidade, conhecido pelo nome de Ni'matu'lláhí. Era homem de sincera piedade e dotado de uma natureza muito nobre. Tal era a pureza de sua vida que um número considerável entre as notabilidades de Mázindarán, de Khurásán e Teerã lhe haviam hipotecado sua lealdade e o estimavam como a verdadeira personificação da virtude. Tanto apreço lhe deram seus conterrâneos, que, na ocasião de sua peregrinação a Karbilá, uma vasta Congregação de devotados admiradores se amontoaram em seu caminho a fim de lhe prestar homenagem. Em Hamadán, bem como em Kirmansháh, um grande número de pessoas sentia a influência de sua personalidade e se uniu à companhia de seus seguidores. Onde quer que ele fosse, era saudado pelas aclamações do povo. Essas demonstrações de entusiasmo popular lhe eram, entretanto, extremamente desagradáveis. Ele evitava a multidão e desdenhava a pompa e a cerimônia de liderança. No caminho a Karbilá, enquanto passava por Mandalíj, um shaykh de grande influência a tal ponto ficou encantado com ele que renunciou a tudo o que havia anteriormente estimado e, deixando amigos e discípulos, o seguiu até Ya'qúbíyyih. Mirza Qurbán-'Alí porém, conseguiu induzi-lo a regresar a Mandalíj e reassumir o trabalho que ele abandonara.

Ao regressar de sua peregrinação, Mirza Qurbán-'Alí conheceu Mullá Husayn e por seu intermédio abraçou a verdade da Causa. Devido à doença, não pode juntar-se aos defensores do forte de Tabarsí, e, se não fosse sua inabilidade de viajar a Mázindarán, teria sido ele o primeiro a se unir com seus ocupantes. Depois de Mullá Husayn, entre os discípulos do Báb, Vahid era a pessoa a quem ele estava mais ligado. Durante minha visita a Teerã, fui informado de que ele consagrara a vida ao serviço da Causa e se levantara com devoção exemplar para lhe promover os interesses em toda parte. Muitas vezes eu ouvia Mirza Qurbán-'Alí, que estava então na capital, deplorar aquela doença. "Quão profundamente lastimo," eu várias vezes o ouvia dizer, "haver sido privado de meu quinhão da taça da qual Mullá Husayn e seus companheiros sorveram! Anseio por me unir com Vahíd e me alistar sob sua bandeira e me esforçar para compensar por minha falha anterior." Estava se preparando para sair de Teerã quando de repente foi preso. Seus trajes modestos deram testemunho do grau de seu desprendimento. Vestido em uma túnica branca, segundo o costume dos árabes, 'abá (36) de tecido grosso e usando o toucado do povo do Iraque parecia, quando andava nas ruas, a própria personificação da renúncia. Aderia escrupulosamente a todas as práticas de sua Fé e com piedade exemplar fazia suas devoções. "O próprio Báb se conforma às práticas de Sua Fé em seus mais minuciosos detalhes", freqüentemente ele dizia. "Deverei eu, de minha parte, descuidar das coisas que são observadas por meu Líder?"

Quando Mirza Qurbán-'Alí foi apreendido e levado à presença do Amír-Nizám, houve uma comoção tal como Teerã raramente experimentara. Grandes multidões de pessoas se aglomeravam nas entradas da sede do governo, ansiosas para saber o que lhe aconteceria. "Desde ontem à noite," disse o Amír, logo que o viu, "tenho sido assediado por oficiais estaduais de todas as classes, que vieram interceder vigorosamente por vós (37). Do que tenho sabido sobre vossa posição e a influência que vossas palavras exercem, não sois muito inferior ao próprio Siyyid-i- Báb. Tivésseis reclamado para vós a posição de líder, melhor teria sido do que declarar vossa lealdade a alguém que vos é por certo inferior em conhecimento." "O conhecimento por mim adquirido," replicou ele audazmente, "levou-me a me curvar em lealdade diante Daquele que reconheço como meu Senhor e meu Líder. Desde que atingir a idade de adulto, tenho considerado como os motivos dominantes de minha vida, a justiça e a eqüidade. Eu O tenho julgado eqüitativamente e chegado à conclusão de que, se é falso esse Jovem, cujo transcendente poder é atestado por amigo e inimigo igualmente, então todo Profeta de Deus, desde tempos imemoriais até o dia presente deve ser denunciado como a própria personificação da falsidade! Eu posso me assegurar da inquestionável devoção de mais de mil admiradores e, no entanto, sou impotente para mudar o coração do menor deles. Esse Jovem, porém, provou-se capaz de transformar, com o elixir de Seu amor, as almas dos mais rebaixados entre Seus semelhantes. Sobre mil pessoas como eu, tem Ele, só e sem apoio, exercido uma influência tal que, embora elas nem mesmo atingissem Sua presença, rejeitaram seus próprios desejos e se aderiram apaixonadamente a Sua vontade. Com plena consciência de que o sacrifício por eles feito é inadequado, anseiam, no entanto, por oferecer a vida em holocausto por amor a Ele, na esperança de que seja digna de ser mencionada em Sua Corte mais essa evidência de sua devoção."

"Sejam de Deus, ou não, as vossas palavras," observou o Amír-Nizám, "tenho aversão de pronunciar a sentença de morte contra o possuidor de tão exaltada posição." "Por que hesitar?", exclamou a vítima, impaciente. "Não estais ciente de que todos os nomes descendem do Céu? Aquele cujo nome é 'Alí (38), em cuja senda estou oferecendo minha vida, inscreveu desde tempos imemoriais meu nome, Qurbán-'Alí (39), no pergaminho de Seus escolhidos mártires. É este, em verdade, o dia em que celebro o festival de Qurbán, o dia em que haverei de selar com o sangue vital minha fé em Sua Causa. Não hesiteis pois, e tende certeza de que eu jamais vos culparei por vosso ato. Quanto mais depressa me tirardes a cabeça, maior será minha gratidão a vós." "Tirem-no deste lugar!", exclamou o Amír. "Um momento a mais, e esse dervixe terá lançado sobre mim seu encanto!" "Vós sois prova contra essa magia," replicou Mirza Qurbán-'Alí, "a qual pode cativar somente os puros de coração. A vós e àqueles que vos são iguais, jamais se poderá fazer compreender o poder encantador do elixir Divino que, veloz como um piscar de olhos, transforma as almas dos homens."

Exasperado com a resposta, o Amír-Nizám levantou-se de seu assento e, com todo o seu corpo trêmulo de ira, exclamou. "Nada, senão a lâmina da espada, pode silenciar esse povo iludido!" "Desnecessário é," disse ele aos algozes que lhe atendiam, "trazer a minha presença mais membros dessa odiosa seita. Palavras são impotentes para lhes vencer a obstinação inabalável. A qualquer um que possais induzir a retratar sua fé, soltai; quanto aos outros, tirai-lhes suas cabeças."

À medida que se aproximava da cena de sua morte, Mirza Qurbán-'Alí, intoxicado diante da perspectiva de iminente reunião com seu Bem-Amado, soltou jubilosas exclamações de exultação. "Apressai-vos a matar-me," exclamou com extático deleite, "pois com esta morte me tereis oferecido o cálice da vida eterna. Se bem que possais agora me extinguir o alento esmorecido, com uma miríade de vidas haverá meu Bem-Amado de me recompensar - vidas tais como nenhum coração mortal pode conceber!" "Escutai minhas palavras, vós que professais ser seguidores do Apóstolo de Deus," implorou, enquanto dirigia o olhar para a multidão de espectadores. "Maomé, o Sol da guia Divina, que em época anterior surgiu por cima do horizonte de Hijáz, novamente hoje, na pessoa de 'Ali-Muhammad, se levantou da Aurora de Shiráz, emitindo o mesmo brilho e conferindo o mesmo ardor. Uma rosa é uma rosa, seja qual for o jardim e o tempo em que floresça." Vendo por todos os lados como o povo estava surdo para seu chamado, exclamou: "Oh, a perversidade dessa geração! Como lhe passa despercebida a fragrância que aquela Rosa imperecível difundiu! Embora minha alma transborde de êxtase, não posso achar um coração, infelizmente, para comigo participar de seu encanto, nem mente para lhe apreender a glória."

Ao ver o corpo de Hájí Mirza Siyyid 'Alí, decapitado e sangrento a seus pés, sua excitação febril atingiu o auge. "Saudai," exclamou, enquanto sobre ele se prostrava, "saudai o dia de nosso regozijo mútuo, o dia de nossa reunião com nosso Bem-Amado!" "Aproximai-vos," chamou ao algoz, enquanto segurava nos braços o corpo, "aplicai vosso golpe, pois meu companheiro fiel não consente em se livrar de meu abraço e me chama para me apressar com ele em ir à corte do Bem-Amado." Um golpe pelo algoz caiu, de imediato sobre sua nuca. Poucos momentos mais tarde e a alma daquele grande homem se havia expirado. Esse golpe cruel despertou naqueles que o presenciaram, sentimentos de indignação e compaixão ao mesmo tempo. Gemidos de tristeza e lamentos ascenderam dos corações da multidão, provocando uma agonia que fazia lembrar as exclamações de pesar com que o povo, todo ano, saudava o dia de 'Áshúrá (40).

3. Veio então a vez de Hájí Mullá Ismá'íl-i-Qumí, nativo de Faráhán. Na juventude havia ele partido para Karbilá em busca da Verdade que ele diligentemente se esforçava por descobrir. Ele se associara a todos os principais ulemás de Najaf e Karbilá, havia se sentado aos pés de Siyyid Kázim e dele adquirido o conhecimento e a compreensão que lhe facilitaram, poucos anos depois, quando estava em Shiráz, reconhecer a Revelação do Báb. Distinguiu-se ele pela tenacidade de sua fé e pelo fervor de sua devoção. Assim que lhe veio a injunção do Báb, ordenando que Seus seguidores se apressassem a Khurásán, ele entusiasticamente respondeu, juntou-se aos companheiros que estavam procedendo a Badasht, onde recebeu o nome de Sirru'l-Vujúd. Enquanto na companhia deles, sua compreensão da Causa tornou-se mais profunda e seu zelo em promovê-la aumentou em proporção correspondente. Veio a ser a própria personificação do desprendimento e se sentia cada vez mais e mais impaciente para demonstrar de um modo digno o espírito que sua Fé havia nele inspirado. Na exposição do significado dos versículos do Alcorão e das tradições do Islã, mostrava percepção que poucos podiam rivalizar e a eloqüência com que expunha essas verdades lhe ganhou a admiração de seus co-discípulos. Nos dias em que o forte de Tabarsí se havia tornado o ponto onde se concentravam os discípulos do Báb, ele, acamado com doença padecia em desconsolação não podendo prestar seu auxílio e desempenhar seu papel em defendê-lo. Logo que recuperara a saúde, ao saber que aquele memorável assédio havia terminado com o massacre de seus co-discípulos, levantou-se com reforçada determinação para compensar, com seus labores abnegados, a perda sofrida pela Causa. Essa determinação levou-o, afinal, ao campo do martírio conferindo-lhe a coroa de mártir.

Conduzido ao cadafalso e esperando o momento de sua execução, lançou seu olhar para aqueles mártires gêmeos que o haviam precedido e ainda jaziam abraçados. "Bem fizestes, amados companheiros!", exclamou ele, enquanto fitava suas cabeças sangrentas. "Transformastes Teerã em um paraíso! Oxalá tivesse eu vos precedido!" Tirando do bolso uma moeda, a qual deu a seu algoz, pediu-lhe que comprasse para ele algo com que adoçar a boca. Tomou uma parte e lhe deu o resto, dizendo: "Já perdoei vosso ato; aproximai-vos e infligi vosso golpe. Há trinta anos anseio por presenciar este dia abençoado e receava levar esse desejo ao túmulo sem que fosse cumprido." "Aceita-me, ó meu Deus!" exclamou, enquanto volvia os olhos para o céu, "embora eu não o mereça, e conceda inscrever meu nome no pergaminho daqueles imortais que colocaram suas vidas no altar do sacrifício." Ainda oferecia suas devoções, quando o algoz, a seu pedido, lhe interrompeu de súbito sua oração (41).

4. Mal expirara ele, quando Siyyid Husayn-i-Turshízí, o mujtahid, foi conduzido por sua vez ao cadafalso. Era nativo de Turshíz, uma aldeia de Khurásán, e altamente estimado por sua piedade e sua retidão de conduta. Ele havia estudado por alguns anos em Najaf e foi por seus colegas mujtahids incumbido de proceder a Khurásán e lá propagar os princípios que lhe haviam sido ensinados. Ao chegar em Kázimayn, encontrou com Hájí Muhammad-Taqíy-i-Kirmání, um velho conhecido seu, que era um dos principais mercadores de Kirmán e que abrira um ramo de seu negócio em Khurásán. Como estava em viagem à Pérsia, decidiu acompanhá-lo. Esse Hájí Muhammad-Taqí fora amigo íntimo de Hájí Mirza Siyyid 'Alí, tio materno do Báb, e por seu intermédio havia ele sido convertido à Causa, no ano de 1264 A.H. (42), enquanto se preparava para sair de Shiráz em peregrinação a Karbilá. Ao ser informado da viagem planejada a Chihríq por Hájí Mirza Siyyid 'Alí com o fim de visitar o Báb, ele expressou seu ardente desejo de acompanhá-lo. Hájí Mirza Siyyid 'Alí lhe aconselhou que executasse seu primeiro propósito, procedesse a Karbilá e lá aguardasse sua carta, a qual lhe informaria se seria, ou não, aconselhável juntar-se a ele. De Chihríq foi Hájí Mirza Siyyid 'Alí ordenado a partir para Teerã, na esperança de que, após uma breve demora na capital, ele pudesse renovar sua visita ao Sobrinho. Enquanto em Chihríq, expressou sua aversão para regressar a Shiráz, pois não mais podia suportar a crescente arrogância de seus habitantes. Quando chegou em Teerã, pediu a Hájí Muhammad-Taqí que o acompanhasse. Siyyid Husayn foi com ele de Bagdá até a capital e, por seu intermédio, se converteu à Fé.

Ao enfrentar a multidão que a seu redor se aglomerara a fim de presenciar seu martírio, Siyyid Husayn levantou a voz e disse: "Ouvi-me, ó seguidores do Islã! Meu nome é Husayn e sou descendente do Siyyidu'sh-Shuhadá, que também tinha esse nome (43). Os mujtahids das cidades santas de Najaf e Karbilá têm dado unanimente testemunho de minha posição como autorizado expositor da lei e dos ensinamentos de sua Fé. Foi só recentemente que ouvi pela primeira vez o nome do Siyyid-i- Báb. O domínio que eu atingira sobre as sutilezas dos ensinamentos islâmicos me capacitou a apreciação do valor da Mensagem trazido pelo Siyyid-i- Báb. Estou convencido de que, fosse eu negar a Verdade por Ele revelada, teria eu, por este mesmo ato, renunciado minha lealdade a todas as Revelações precedentes. Solicito a cada um de vós que convoque os ulemás e mujtahids desta cidade para uma reunião, na qual eu em sua presença me incumbirei de estabelecer a verdade desta Causa. Que eles então julguem se posso, ou não, demonstrar a validade das pretensões avançadas pelo Báb. Se lhes satisfazerem as provas que aduzirei para sustentar meu argumento, que desistam de derramar o sangue dos inocentes; e seu eu falhar, que me inflijam o castigo merecido." Mal haviam estas palavras saído de seus lábios, quando um oficial no serviço do Amír-Nizám se interpôs arrogantemente, dizendo: "Trago comigo vossa sentença de morte assinada e selada por sete dos reconhecidos mujtahids de Teerã, que de próprio punho vos pronunciaram um infiel. Eu mesmo serei responsável perante Deus por vosso sangue no Dia do Juízo e atribuirei a responsabilidade àqueles líderes em cuja opinião nos pedem por nossa confiança e a cujas decisões fomos compelidos a nos submeter." Com estas palavras desembainhou o punhal e lhe infligiu tão violento golpe que instantaneamente ele caiu morto a seus pés.

5. Pouco depois, Hájí Muhammad-Taqíy-i-Kirmání foi conduzido à cena da execução. O espetáculo macabro com o qual se defrontou provocou-lhe veemente indignação. "Aproximai-vos, tirano miserável e sem coração," exclamou ele, enquanto se volvia para seu perseguidor, "e apressai-vos a me matar, pois estou impaciente para me juntar a meu bem-amado Husayn. Sobreviver a ele é um tormento que não posso suportar."

6. Assim que Hájí Muhammad-Taqí pronunciara estas palavras, Siyyid Murtadá, um dos proeminentes mercadores de Zanján, apressou-se a preceder aos companheiros. Lançou-se sobre o corpo de Hájí Muhammad-Taqí e alegou que, sendo um siyyid, seu martírio seria mais meritório aos olhos de Deus do que o de Hájí-Muhammad-Taqí. Enquanto o algoz desembainhou a espada, Siyyid Murtadá invocava a memória de seu irmão martirizado, que lutara lado a lado com Mullá Husayn; e tais foram suas referências que os espectadores se maravilharam da inalterável tenacidade da fé que lhe inspirava.

7. Em meio a esse tumulto que as palavras comovedoras de Siyyid Murtadá provocara, Muhammad-Husayn-i-Marághi'í avançou precipitadamente e implorou que lhe fosse permitido ser martirizado de imediato, antes de serem trucidados seus companheiros. Assim que lançou o olhar sobre o corpo de Hájí Mullá Ismá'íl-i-Qumí, para quem ele tinha afeto profundo, precipitou-se sobre ele e segurando-o em seu abraço, exclamou: "Jamais consentirei em me separar de meu muito amado amigo, em quem tenho depositado a máxima confiança e de quem tantas evidências tenho recebido de um afeto sincero e profundo!"

Sua ansiedade de preceder um ao outro em sacrificar a vida pela sua Fé assombrou a multidão, e não sabiam com certeza qual dos três companheiros seria preferido. Instaram com tal fervor que, finalmente, foram degolados todos os três, ao mesmo tempo.

Tão grande fé e tamanha evidência de crueldade desenfreada, olhos humanos raramente contemplaram. Embora fossem poucos em número, no entanto, ao recordarmos as circunstâncias de seu martírio, somos compelidos a reconhecer o caráter estupendo daquela força capaz de evocar tão insólito espírito de sacrifício. Quando nos lembramos da exaltada posição que essas vítimas haviam ocupado, quando observamos o grau de sua renúncia e a vitalidade de sua fé e recordamos a pressão exercida de fontes influentes a fim de afastar o perigo que lhes ameaçava a vida - acima de tudo, quando concebemos em nossas mentes o espírito que desafiou as atrocidades que um impiedoso inimigo se degradou a ponto de lhes infligir, somos impelidos a considerar esse episódio uma das mais trágicas ocorrências nos anais desta Causa (44).

A esta altura em minha narrativa tive o privilégio de submeter a Bahá'u'lláh as partes da obra já revistas e completadas. Quão profusamente foram recompensados meus labores por Aquele cujo favor, tão somente, busco, e para a satisfação de quem empreendi esta tarefa! Benevolamente chamou-me Ele a Sua presença e me concedeu Suas bênçãos. Eu estava em minha casa na cidade-prisão de Akká, onde residia, nas proximidades da casa de Áqáy-i-Kalím, quando me veio a notícia de que meu Bem-Amado me chamara. Daquele dia, o sétimo do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1306 A. H. (45), jamais esquecerei. Aqui reproduzo, em suma, Suas palavras dirigidas a mim naquela memorável ocasião:

"Em uma Epístola que ontem revelamos, explicamos o significado das palavras 'Afastai vossos olhos' (46) no decorrer de Nossa referência às circunstâncias que acompanharam a reunião em Badasht. Celebrávamos, na companhia de várias eminentes notabilidades, as núpcias de um dos príncipes de sangue real em Teerã, quando Siyyid Ahmad-i-Yazdí, pai de Siyyid Husayn, amanuense do Báb, apareceu de súbito na porta. Ele nos fez sinal, e parecendo-nos haver trazido uma mensagem importante que ele desejava entregar imediatamente. Nós, entretanto, não podíamos no momento deixar a reunião e lhe indicamos que esperasse. Ao dispersar-se a reunião, ele nos informou que Táhirih fora confinada estritamente em Qazvín, estando em grave perigo sua vida. De imediato, chamamos Muhammad-Hádiy-i-Farhádv e lhe demos as instruções necessárias para libertá-la de seu cativeiro e conduzi-la à capital. Desde que o inimigo se havia apoderado de Nossa casa, já não poderíamos acomodá-la por um tempo indefinido. Assim providenciamos sua transferência de Nossa casa para a do Ministro de Guerra (47), que naqueles dias fora desonrado por seu soberano e deportado a Káshán. A sua irmã, que ainda se contava no número de Nossos amigos, pedimos fosse a anfitriã de Táhirih.

Táhirih permaneceu em sua companhia até que o chamado do Báb, mandando que seguíssemos a Khurásán, chegou a Nossos ouvidos. Decidimos que Táhirih procedesse de imediato a essa província e incumbimos Mirza (48) de conduzi-la a um lugar fora do portão da cidade e daí a qualquer localidade que ele julgasse aconselhável nessa vizinhança. Ela foi conduzida a um pomar perto do qual havia uma casa abandonada, onde encontraram um homem velho que era seu zelador. Mirza Músá, ao regressar, nos informou da recepção que lhes fora dada e elogiou muito a beleza da paisagem circunvizinha. Providenciamos, subseqüentemente, sua partida para Khurásán, prometendo para lá seguir dentro de poucos dias.

"Breve Nos reunimos com ela em Badasht, onde alugamos um jardim para seu uso, e escolhemos o mesmo Muhammad-Hádí que conseguira sua libertação, como vigia. Cerca de setenta de Nossos companheiros estavam conosco, acomodados em um lugar nas proximidades desse jardim.

"Adoecemos um dia, ficando acamado. Táhirih mandou um pedido de permissão para Nos visitar. Admiramo-Nos de sua mensagem e não sabíamos como deveríamos responder. Subitamente, Nós a vimos na porta, com o rosto desvelado diante de Nós. Quão bem Mirza Aqá Jan (49) comentou esse incidente. 'A face de Fatimih', disse ele, 'haverá de se revelar no Dia do Juízo e aparecer desvelada diante dos olhos dos homens. Nesse momento se fará ouvir a voz do Invisível dizendo: "Tirai vossos olhos daquilo que tendes visto."

Que grande consternação apoderou-se dos companheiros naquele dia! Receio e perplexidade inundaram seus corações. Alguns, não podendo tolerar o que para eles assinalava desprezo revoltante dos costumes estabelecidos do Islã, fugiram horrorizados de sua face. Estarrecidos, buscaram refúgio em um castelo abandonado na vizinhança. Entre aqueles que, escandalizando-se pela sua conduta, se afastaram completamente, havia Siyyid-i-Nahrí (50) e seu irmão Mirza Hádí, a ambos dos quais mandamos dizer que era desnecessário abandonar seus companheiros e buscar refúgio em um castelo.

"Dispersaram-se afinal Nossos amigos, deixando-Nos à mercê de Nossos inimigos. Quando, mais tarde, fomos a Ámul, tamanho foi o tumulto provocado pelo povo, que mais de quatro mil pessoas se haviam congregado no masjid e se amontoado nos telhados de suas casas. O mullá principal da cidade Nos denunciou veementemente. 'Tendes pervertido a Fé do Islã', gritou ele em seu dialeto mázindarání, 'e lhe maculado a fama! Na noite passada eu vos vi em sonho entrar no masjid, onde se amontoava uma multidão ávida de presenciar vossa chegada. Enquanto a turba se apinhava ao vosso redor, olhei e eis, o Qá'ím estava num canto donde fitava vosso semblante, sendo demonstrada em Suas feições grande surpresa. Considero esse sonho uma evidência de vosso desvio do caminho da Verdade.' Nós lhe asseguramos que a expressão de surpresa naquele semblante era sinal da forte desaprovação, por parte do Qá'ím, do tratamento que ele e seus concidadãos Nos deram. Interrogou-nos a respeito da Missão do Báb. Nós lhe informamos que, embora nunca houvéssemos com Ele encontrado face a face, nutríamos, no entanto, grande afeição por Ele. Expressamos Nossa convicção profunda de que nenhuma ação Dele, sob quaisquer circunstâncias, fora contrária à Fé do Islã.

"O mullá e seus seguidores, entretanto, recusaram acreditar em Nós e rejeitaram Nosso testemunho como uma perversão da verdade. Confinaram-Nos, afinal, e proibiram que Nossos amigos Conosco encontrassem. O governador interino de Ámul conseguiu libertar-Nos de Nosso encarceramento. Por uma abertura no muro que ele mandou que seus homens fizessem, possibilitou-Nos a saída daquele aposento e Nos conduziu a sua casa. Mal os habitantes foram informados desse ato, quando contra Nós se levantaram, assediaram a residência do governador, Nos apedrejaram e Nos lançaram na face as mais vis invectivas.

"Na ocasião em que tencionávamos enviar Muhammad-Hádiy-i-Farhádi a Qazvín, a fim de consumar a libertação de Táhirih e conduzi-la a Teerã, Shaykh Abú-Turáb Nos escreveu, insistindo que tal tentativa acarretava graves riscos e poderia causar um tumulto sem precedentes. Recusamos-Nos a ser dissuadidos de Nosso propósito. Esse Shaykh era um homem de bom coração, simples e humilde em temperamento e se comportava com grande dignidade. Falta-lhe, porém, coragem e determinação e em certas ocasiões, ele demonstrava fraqueza."

Deveria se acrescentar agora uma palavra sobre as etapas finais da tragédia que deu testemunho do heroísmo dos Sete Mártires de Teerã. Durante três dias e três noites permaneceram abandonados no Sabzih-Maydán, adjacente ao palácio imperial, expostos a indignidades indizíveis que um inimigo inexorável sobre eles amontoava. Milhares de xiitas devotos aglomeravam-se ao redor de seus cadáveres, neles batiam com os pés e lhes cuspiam nas faces. Eram apedrejados, amaldiçoados e zombados pela irosa multidão. Pilhas de refugo eram jogadas sobre seus restos mortais pelos espectadores, e as mais vis atrocidades perpetradas em seus corpos. Nenhuma voz se levantou em protesto, nenhuma mão se estendeu para deter o braço do bárbaro opressor.

Depois de haverem mitigado o tumulto de sua paixão, enterram-nos fora do portão da capital, em um lugar entre os limites do cemitério público, adjacente ao fosso, entre os portões de Naw e de Sháh'Abdu'l-'zím. Foram todos colocados na mesma sepultura, assim permanecendo unidos em corpo, como haviam sido em espírito durante os dias de sua vida terrena (51).

A notícia de seu martírio veio como mais um golpe para o Báb, já imerso em tristeza por causa do destino que sobreviera aos heróis de Tabarsí. Na Epístola detalhada que Ele revelou em sua honra - cada palavra da qual deu testemunho da exaltada posição que aos Seus olhos eles ocupavam - referiu-se a esses heróis como aqueles mesmos "Sete Bodes" mencionados nas tradições do Islã, que no Dia do Juízo "andarão na frente do prometido Qá'im." Simbolizarão com sua vida o mais nobre espírito de heroísmo e, pela sua morte, haverão de manifestar verdadeira aquiescência em Sua vontade. Andar na frente do Qá'ím, explicou o Báb, significava que seu martírio precederá ao do próprio Qá'im, quem é seu Pastor. O que o Báb predissera, veio a ser cumprido, já que Seu próprio martírio ocorreu quatro meses depois, em Tabríz.

Aquele ano memorável testemunhou, além do martírio do Báb e de Seus sete companheiros em Teerã, os momentosos acontecimentos de Nayríz, os quais culminaram na morte de Vahíd. Perto do fim daquele mesmo ano, Zanján também se tornou o centro de uma tempestade que se enfurecia com excepcional violência em todo o distrito circunvizinho, trazendo em seu rastro o massacre de um vasto número dos mais firmes dos discípulos do Báb. Esse ano, tornado memorável pelo heroísmo magnífico que aqueles intrépidos defensores de Sua Fé demonstraram - sem mencionarmos as maravilhosas circunstâncias que acompanharam Seu próprio martírio - deve permanecer para sempre um dos mais gloriosos capítulos já registrados na sangrenta história dessa Fé. Toda a face da terra foi enegrecida pelas atrocidades que um inimigo cruel e ávido perpetrou irrestrita e persistentemente. De Khurásán, nos confins ocidentais da Pérsia até Tabríz, cena do martírio do Báb, e desde as cidades do norte, como Zanján e Teerã, estendendo-se para o sul até Nayríz, na província de Fárs, o país inteiro estava envolto de trevas - trevas que prenunciavam o alvorecer da Revelação que o esperado Husayn breve haveria de manifestar, uma Revelação mais potente e mais gloriosa do que aquela que o próprio Báb proclamara (52).

CAPÍTULO XXII
A REVOLTA DE NAYRÍZ

Nos primeiros dias do assédio do forte de Tabarsí, Vahíd estava ocupado em difundir os ensinamentos da Causa em Burújird, bem como na província de Kurdistán. Ele havia resolvido ganhar a maioria dos habitantes daquelas regiões para a Fé do Báb e planejado seguir de lá a Fárs, onde continuaria seus labores. Logo que soube da partida de Mullá Husayn para Mázindarán, apressou-se em ir à capital e empreendeu os preparativos necessários para sua viagem ao forte de Tabarsí. Prestes estava para sair, quando Bahá'u'lláh veio de Mázindarán e lhe informou da impossibilidade de se unir com seus irmãos. Essa notícia muito o entristeceu, e seu único consolo naqueles dias consistia em visitar Bahá'u'lláh freqüentemente e obter o benefício de Seus sábios e inestimáveis conselhos (1).

Vahíd determinou-se, afinal, a proceder a Qazvín e lá continuar o trabalho em que antes se havia ocupado. Daí partiu para Qum e Káshán, onde encontrou com os co-discípulos e pode lhes estimular o entusiasmo e reanimar os esforços. Continuou a viagem a Isfáhán, Ardistán e Ardikán, proclamando em cada uma destas cidades, com deleite e intrepidez, os ensinamentos fundamentais de seu Mestre, e conseguindo ganhar um número considerável de hábeis defensores da Causa. Chegou em Yazd em tempo de celebrar com os irmãos as festividades de Naw-Rúz, e estes expressaram seu grande prazer em recebê-lo, muito se animando com sua presença. Como era homem de influência e renome, possuía ele, além de sua casa em Yazd, onde se estabelecera a esposa com os quatro filhos, uma casa em Dáráb, a morada de seus ancestrais, e outra em Nayráz, ricamente aparelhada.

Vahíd chegou em Yazd no primeiro dia do mês de Jamádíyu'l-Avval, no ano de 1266 A. H. (2), o quinto dia do qual, aniversário da Declaração do Báb, coincidiu com a festa de Naw-Rúz. Os principais ulemás e notabilidades da cidade vieram todos nesse dia para saudá-lo e lhe apresentar seus votos de felicidade. Navvab-i-Radaví, o mais mesquinho e mais proeminente entre seus adversários, estava presente nessa ocasião e fez algumas insinuações maliciosas sobre a extravagância e o esplendor dessa recepção. "O banquete imperial do Xá," ouviu-se ele observar, "dificilmente pode esperar rivalizar a suntuosa refeição que nos oferecestes. Desconfio que, além deste festival nacional que hoje celebramos, estais comemorando outro." A resposta audaz e sarcástica de Vahíd provocou o riso dos que estavam presentes. Todos aplaudiram por ser apropriada sua observação, em vista da avareza e da malícia do Navvab. Nunca havendo sido metido a ridículo em uma companhia tão grande e distinta, o Navvab se sentiu ferido por aquela resposta. O fogo que se abafava em sua mente contra o opositor, agora flamejou com crescente intensidade e o impeliu a satisfazer sua sede de vingança.

Vahíd aproveitou a ocasião para proclamar nessa reunião, destemidamente e sem reserva, os princípios básicos de sua Fé e demonstrar sua validade. A maioria dos que o ouviram conhecia apenas parcialmente as feições distintas da Causa ignorando seu pleno significado. Alguns entre eles se sentiram irresistivelmente atraídos e, logo, a abraçaram; os demais, não podendo lhe desafiar publicamente as pretensões, denunciaram-na em seus corações e juraram se valer de todos os meios em seu poder para extirpá-la. Diante da eloqüência e da intrepidez com que ele expunha a Verdade, inflamava-lhes a hostilidade e mais forte se tornava a determinação de tentar, sem demora, lhe derrubar a influência. Aquele mesmo dia testemunhou a combinação de suas forças contra ele, e assinalou o início de um episódio destinado a trazer em seu rastro tanto sofrimento e aflição (3).

Destruir a vida de Vahíd veio a lhes ser o objetivo supremo de suas atividades. Espalharam a notícia de que, no dia de Naw-Rúz, em meios aos reunidos dignitários da cidade, tanto civis como eclesiásticos, Siyyid Yahyáy-i-Dárábí tivera a audácia de desvelar as desafiadoras feições da Fé do Báb, e aduzira, para os fins de seu argumento, provas e evidências colhidas do Alcorão, bem como das tradições do Islã. "Embora seus ouvintes," insistiam eles, "fossem alguns dos mais ilustres dos mujtahids da cidade, não se encontrou entre aquela congregação quem se aventurasse a protestar contra suas veementes asserções das pretensões de sua crença. Os que o ouviam guardavam silêncio, fato esse responsável pela onda de entusiasmo a seu favor que varreu a cidade, trazendo a seus pés nada menos que a metade de seus habitantes, enquanto os restantes estão sendo rapidamente atraídos."

Tal notícia espalhou-se como uma conflagração por toda a cidade de Yazd e pelo distrito circunvizinho, ateando por um lado, a chama de violento ódio e por outro, sendo a causa de um considerável aumento dos que já se haviam identificado com essa Fé. De Ardikán e Mashhád, bem como das cidades e aldeias mais longínquas, multidões, ávidas de saber da nova Mensagem, se aglomeravam na casa de Vahíd. "Que deveremos fazer?" perguntavam-lhe. "Qual o modo que nos aconselhas para demonstrarmos a sinceridade de nossa fé e a intensidade de nossa devoção?" Desde a manhã até a noite, Vahíd absorvia-se em lhes resolver as perplexidades e dirigir os passos no caminho do serviço.

Durante quarenta dias persistiu essa atividade febril por parte dos zelosos aderentes, tanto mulheres como homens. Sua casa se tornara o centro para reunir uma hoste inumerável de devotos que anelavam por demonstrar dignamente o espírito da Fé que lhes havia inflamado a alma. A comoção que se seguiu forneceu ao Navvab-i-Radaví um novo pretexto para alistar em seus esforços contra o adversário o apoio do governador da cidade (4), que era jovem e inexperiente nos assuntos de Estado. Logo caiu ele vítima das intrigas e maquinações daquele perverso conspirador, que conseguiu induzi-lo a despachar uma força de homens armados para assediar a casa de Vahíd. Enquanto um regimento do exército procedia a esse lugar, uma turba composta dos elementos degradados da cidade, à instigação do Navvab, dirigia seus passos ao mesmo lugar, determinada a intimidar os ocupantes com suas ameaças e imprecações.

Embora cercado por forças hostis de todos os lados, Vahíd continuou, da janela do andar superior de sua casa, a animar o zelo de seus aderentes e esclarecer qualquer coisa que ainda estivesse obscura em suas mentes. Diante do espetáculo de um regimento inteiro reforçado por um povo enfurecido, preparando-se para atacá-los, dirigiram-se a Vahíd em sua aflição e lhe imploraram que lhes guiasse os passos. "Esta própria espada que jaz em minha frente," foi sua resposta, enquanto permanecia sentado do lado da janela, "foi dada a mim pelo próprio Qá'im. Deus sabe, tivesse eu sido por Ele autorizado a travar uma guerra santa contra esse povo, eu só, se nenhum auxílio, teria aniquilado suas forças. É ordenado, porém, que eu me abstenha de tal ato." "Esse mesmo corcel," acrescentou ele, ao avistar o cavalo que seu servidor Hasan havia selado e trazido para a frente de sua casa, "o falecido Xá Muhammad me deu para usar ao empreender a missão da qual me incumbira, a de conduzir uma investigação imparcial da natureza da Fé proclamada pelo Siyyid-i- Báb. Pediu-me que lhe trouxesse pessoalmente os resultados da indagação, por ser eu o único entre os principais eclesiásticos de Teerã em quem ele podia depositar implícita confiança. Empreendi essa missão, firmemente resolvido a refutar os argumentos desse siyyid, a induzi-Lo a abandonar Suas idéias e reconhecer meu grau de líder, e determinado a conduzi-Lo comigo a Teerã como testemunho do triunfo realizado. Quando, entretanto, entrei em Sua presença e Lhe ouvi as palavras, ocorreu o contrário daquilo que eu imaginara. Durante minha primeira audiência com Ele, fiquei completamente embaraçado e confuso; até o fim da segunda, me sentia tão impotente e ignorante como uma criança; a terceira me encontrou tão humilde como o pó sob Seus pés. Em verdade havia Ele cessado de ser o siyyid desprezível que eu anteriormente imaginara. Para mim era Ele a manifestação do próprio Deus, a viva personificação do Espírito Divino. Sempre desde aquele dia, tenho ansiado por sacrificar minha vida por amor a Ele. Regozijo-me por estar se aproximando rapidamente o dia que eu almejava testemunhar."

Vendo a agitação que se apoderara dos amigos, exortou-lhes que permanecessem calmos e pacientes e tivessem certeza de que o onipotente Vingador infligiria, dentro em breve, com Sua própria mão invisível, uma derrota esmagadora sobre as forças dispostas contra Seus bem-amados. Mal pronunciara estas palavras quando veio a notícia de que um certo Muhammad-Abdu'lláh, que ninguém suspeitava estar ainda vivo, havia de repente aparecido com alguns de seus companheiros, que também não tinham sido vistos mais e, levando o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" (5), se haviam precipitado contra os assaltantes, dispersando-lhes as forças. Demonstrou tal coragem que o destacamento inteiro, abandonando as armas, buscaram refúgio, junto com o governador, no forte de Nárín.

Naquela noite, Muhammad-'Abdu'lláh pediu que o conduzissem à presença de Vahíd. Assegurou-lhe sua fé na Causa e lhe informou dos planos que concebera para subjugar o inimigo. "Embora vossa intervenção," replicou Vahíd, "tenha afastado desta casa hoje o perigo de uma calamidade imprevista, deveis reconhecer no entanto, que até agora nossa contenda com essas pessoas se limitou a um argumento que se centraliza na Revelação do Sáhibu'z-Zamán. O Navvab, porém, doravante será induzido a instigar o povo contra nós, alegando haver eu me levantado para estabelecer minha soberania indisputável sobre a província inteira e com a intenção de estendê-la sobre toda a Pérsia." Aconselhou-lhe Vahíd que de imediato partisse da cidade e o entregasse ao cuidado e proteção do Onipotente. "Antes de chegar a hora marcada," ele assegurou, "nem sequer o mínimo dano poderá o inimigo nos infligir."

Muhammad-'Abdu'lláh entretanto, preferiu não levar em conta o conselho de Vahíd. "Seria covarde," ouviu-se ele comentar enquanto se retirava, "se abandonasse meus amigos à mercê de um adversário irado e sanguinário. Qual então, seria a diferença entre mim e aqueles que, desertaram o Siyyidu'sh-Shuhadá (6), no dia Ashúrá (7), deixando-o desamparado no campo de Karbilá? Um Deus de misericórdia, tenho confiança, será indulgente para comigo e perdoará minha ação."

Com essas palavras, dirigiu os passos ao forte de Nárín e compeliu as forças aglomeradas nas cercanias a buscar um refúgio inglorioso dentro dos muros do forte; conseguiu que o governador permanecesse confinado junto com aqueles assediados. Ele mesmo vigiava, pronto para interceptar quaisquer reforços que tentassem alcançá-los.

O Navvab, entrementes, conseguira incitar um tumulto geral com a participação da massa dos habitantes. Quando se preparavam para atacar sua casa, Vahíd chamou Siyyid 'Abdu'l-'Azím-i-Khu'í cognominado Siyyid-i-Khál-Dár que havia participado por alguns dias na defesa do forte de Tabarsí, a dignidade de cujo porte atraia atenção geral e mandou que montasse seu próprio corcel e dirigisse publicamente, pelas ruas e bazares, um apelo em seu nome à população inteira, exortando-lhes que abraçassem a Causa do Sáhibu'd-Zamán. "Que saibam," acrescentou ele, "que eu nenhuma intenção tenho de contra eles travar guerra santa. Sejam advertidos, porém, de que, se persistirem em assediar minha casa e continuarem seus ataques contra mim, desafiando completamente minha posição e linhagem, serei constrangido, como medida de defesa própria, a lhes fazer resistência e dispersar suas forças. Se preferirem rejeitar meu conselho e ceder aos sussurros do astucioso Navvab, mandarei que sete de meus companheiros lhes repulsem ignominiosamente suas forças e esmaguem suas esperanças."

O Siyyid-i-Khál-Dár montou de um salto o corcel e, acompanhado por quatro de seus irmãos escolhidos, seguiu pelo mercado e fez ressoar, em acentos de sobrepujante majestade, a advertência que fora incumbido de proclamar. Não contente com a mensagem que lhe fora confiada, aventurou-se a acrescentar, de seu próprio modo inimitável algumas palavras com as quais tentou realçar o efeito que a proclamação produzira. "Acautelai-vos," bradou ele, "se desprezardes nosso apelo. Minha voz erguida advirto-vos, se há de provar suficiente para fazer tremerem os próprios muros de vosso forte, e a força de meu braço será capaz de quebrar a resistência de seus portões!"

Sua voz estentórea ressoava como uma trombeta, difundindo consternações nos corações daqueles que a ouviam. Unânime a população apavorada declarou sua intenção de depor as espadas e deixar de molestar Vahíd, cuja linhagem prometeram daí em diante reconhecer e respeitar.

Constrangido por haver o povo recusado terminantemente a lutar contra o Vahíd, o Navvab induziu-o a dirigir o ataque contra Muhammad-'Abdu'lláh e seus companheiros, estacionados nas proximidades do forte. O choque dessas forças levou o governador a sair de seu refúgio e dar ordens ao destacamento assediado para juntar-se com aqueles recrutados pelo Navvab. Muhammad-'Abdu'lláh havia começado a dispersar a turba que se precipitara da cidade para investir contra ele quando, de súbito, foi atacado pelo fogo que as tropas abriram sobre ele por ordem do governador. Uma bala atingiu-lhe o pé, jogando-o no chão. Alguns de seus companheiros também foram feridos. Depressa seu irmão retirou-o para um lugar de segurança, donde o levou a seu pedido, à casa de Vahíd.

O inimigo seguiu-o até essa casa, com a determinação absoluta de o prender e trucidar. O clamor do povo que se aglomerara em volta de sua casa compeliu Vahíd a mandar que Mullá Muhammad-Ridáy-i-Manshádí um dos ulemás mais esclarecidos de Manshhád, que havia rejeitado o turbante e se oferecido como seu vigia, saísse, com o auxílio de seis companheiros, que ele deveria escolher, dispersasse suas forças. "Que levante a voz, cada um de vós," ordenou-lhes, "e repita sete vezes a palavra 'Alláh-u-Akbar (8) e, na sétima invocação, salte a frente, todos ao mesmo tempo, em meio a vossos assaltantes."

Mullá Muhammad-Ridá, a quem Bahá'u'lláh dera o nome de Rada'r-Rúh, pôs-se em pé e, com seus companheiros, procedeu diretamente a cumprir as instruções recebidas. Aqueles que o acompanharam, embora de físico frágil e inexperiente na arte da esgrima, estavam inflamados com uma fé que os tornou o terror de seus adversários. Sete dos mais temíveis entre o inimigo pereceram naquele dia, que era o dia vinte e sete do mês de Jamádíyu'th-Thání (9). "Mal havíamos derrotado o inimigo," relatou Mullá Muhammad-Ridá, "e voltado à casa de Vahíd, quando encontramos Muhammad-'Abdu'lláh, que jazia ferido em nossa frente. Ele foi levado a nosso líder e participou do alimento do qual este fora servido, depois do qual o retiraram para um esconderijo, onde permaneceu em segredo até se recuperar da ferida. Foi apreendido afinal e trucidado pelo inimigo."

Naquela mesma noite, Vahíd mandou os companheiros dispersarem-se e exercerem a máxima vigilância para lhes garantir a segurança. Aconselhou a esposa que se retirasse, com os filhos e todos os pertences, para a casa do pai, deixando atrás qualquer coisa que a ele pessoalmente pertencesse. "Esta residência palaciana," informou-lhe ele, "construí com a intenção única de que fosse afinal demolida na senda da Causa, e o imponente mobiliário com que a adornei foi comprado na esperança de que algum dia eu pudesse sacrificá-lo por amor a meu Bem-Amado. Então amigo e inimigo igualmente virão a compreender que quem possuía esta casa foi dotado de tão grande e inestimável herança que nenhuma mansão terrestre, não importando quão suntuosamente e com quanta magnificência estivesse adornada, tinha valor aos seus olhos; que se rebaixara, segundo sua estimativa, ao estado de uma pilha de ossos, ao qual somente os cães da terra se sentiriam atraídos. Oxalá pudesse tão irrefutável evidência do espírito de renúncia abrir os olhos desse povo perverso e nele despertar o desejo de seguir nas pegadas daquele que demonstrou esse espírito!"

No segundo quarto daquela mesma noite, Vahíd levantou-se e, juntando os escritos do Báb que estavam em seu poder, bem como cópias de todos os tratados que ele mesmo compusera, confiou-os a seu servidor Hasan e mandou que os levasse a um lugar fora do portão da cidade, onde a estrada se desviava em direção a Mihráz. Ordenou-lhe aguardar sua chegada e o advertiu de que, fosse ele desobedecer suas instruções, com ele nunca mais poderia se encontrar.

Logo que Hasan montou o cavalo e se preparou para sair, os gritos dos sentinelas, que vigiavam a entrada do forte, chegaram a seus ouvidos. Receando que o prendessem e apanhassem os preciosos manuscritos em seu poder, decidiu seguir por um caminho diferente daquele que seu mestre lhe ordenara tomar. Enquanto passava atrás do forte, os sentinelas, reconhecendo-o, fuzilaram seu cavalo e o tomaram preso.

Vahíd, entrementes, preparava-se para sair de Yazd. Deixando os dois filhos, Siyyid Ismá'il e Siyyid 'Alí-Muhammad, entregues ao cuidado da mãe partiu acompanhado por seus outros dois filhos, Siyyid Ahmad e Siyyid Mihdí, juntamente com dois de seus companheiros, ambos residentes de Yazd, que lhe haviam pedido permissão para acompanhá-lo em sua viagem. O primeiro, Ghulám-Ridá de nome, era homem de coragem excepcional, enquanto o último Ghulám-Ridáy-i-Kúchik, se distinguira na arte de pontaria. Escolheu o mesmo caminho que ele havia aconselhado a seu servo a tomar e, lá chegando são e salvo nesse lugar, admirou-se de não encontrar Hasan. Vahíd sabia imediatamente que ele desobedecera suas instruções e fora apreendido pelo inimigo. Deplorou-lhe a sorte e se lembrou da ação de Muhammad-'Abdu'lláh, que de modo semelhante não se conformara com sua vontade e em conseqüência havia sofrido dano. Foram subseqüentemente informados de que na manhã daquele mesmo dia Hasan foi atirado da boca de um canhão (10) e que um certo Mirza Hasan, que havia sido imame de um dos distritos de Yazd, um homem conhecido por sua piedade, fora preso uma hora depois e sujeitado à mesma sorte de seu companheiro.

A notícia de que Vahíd partira de Yazd incitou o inimigo a novos esforços. Logo foram a sua casa, saquearam-lhe as possessões e a demoliram completamente (11). Ele próprio, entrementes, dirigia os passos a Nayríz. Embora não acostumado a caminhar, andou a pé naquela noite sete farsangs (12), enquanto os filhos foram carregados pelos companheiros por uma parte da viagem. Durante o dia seguinte, ele se escondeu nos recessos de uma montanha nas cercanias. Seu irmão, que residia nessa vizinhança e que lhe tinha afeição profunda, ao saber de sua chegada, lhe mandou secretamente quaisquer provisões que ele necessitasse. Naquele mesmo dia um corpo dos subordinados do governador, que haviam partido montados à procura de Vahíd, chegaram naquela aldeia, procuraram-no na casa de seu irmão, onde suspeitavam que ele estivesse escondido, e se apoderaram de muitos de seus bens. Não podendo encontrá-lo, regressaram a Yazd.

Enquanto isso, Vahíd caminhava através das montanhas até alcançar o distrito de Bavánát-i-Fárs. A maioria de seus habitantes, que se contavam entre seus fervorosos admiradores, abraçou prontamente a Causa. Um deles foi o muito conhecido Hájí Siyyid Ismá'il, o Shaykhu'l-Islam de Bavánát. Um número considerável deles acompanhou-o até a aldeia de Fasá, onde os habitantes se recusaram a responder à Mensagem que ele os convidou a seguir.

Por todo o seu caminho, em qualquer lugar que parasse, o primeiro pensamento de Vahíd, logo depois de apear, era procurar o masjid da vizinhança, onde ele convocava o povo para ouvi-lo anunciar as boas novas do Novo Dia. De todo inconsciente das fadigas de sua jornada, ele prontamente subia ao púlpito e destemidamente proclamava à congregação o caráter da Fé que ele se levantara para defender. Apenas uma noite passava ele nesse lugar quando havia conseguido ganhar para a Causa almas das quais pudesse confiar para propagá-la após sua partida. De outro modo, continuava ele imediatamente sua marcha, recusando associar-se mais com eles. "Por qualquer aldeia que eu passe," observava ele muitas vezes, "e não consiga inalar a fragrância da fé, nem seu alimento nem sua bebida têm para mim sabor."

Ao chegar na aldeia de Rúníz, no distrito de Fasá, Vahíd decidiu demorar-se por alguns dias. Aqueles corações que lhe pareciam receptivos a seu chamado, ele se esforçava por atrair e inflamar com o fogo do amor de Deus. Logo que chegou a Nayríz a notícia de sua chegada, a população inteira do bairro de Shinár-Súkhtih apressou-se a sair a seu encontro. Pessoas de outros distritos também, impelidas pelo seu amor e admiração por ele, decidiram juntar-se a eles. Receando que Zaynu'l-'Abidín Khán, gobernador de Nayríz, fizesse objeção a sua visita, a maior parte deles partiu à noite. Só do distrito de Shinár-Sukhtih mais de cem estudantes, precedidos pelo seu líder, Hájí Shaykh 'Abdu'l-'Alí, sogro de Vahíd, e um juiz de reconhecido prestígio em todo aquele distrito, sentiram-se impelidos a se unir com algumas das mais eminentes notabilidades para saudar o esperado visitante antes de sua chegada nessa cidade. Entre esses figuravam Mullá 'Abdu'l-Husayn, homem venerável de oitenta anos, altamente estimado por sua piedade e sua erudição; Mullá Báqir, que era o imame do distrito de Shinár-Súkhtih; Mirza Husayn-i-Quth, o kad-khudá (13) do distrito de Bázár, com todos seus parentes, Mirza Abu'l-Qásim, parente do governador; Hájí Muhammad-Taqí, que Bahá'u'lláh mencionou no "Súriy-i-Ayyúb", junto com seu genro; Mirza Nawrá e Mirza 'Alí-Ridá, ambos do distrito de Sádát (14).

Todos estes, alguns durante o dia e outros à noite, foram até a aldeia de Rúníz a fim de dar boas vindas ao visitante e lhe assegurar sua inalterável devoção. Embora o Báb tivesse revelado uma Epístola geral dirigida especialmente àqueles que haviam recentemente abraçado Sua Causa em Nayríz, os que a receberam continuavam todavia inconscientes de seu significado e seus princípios fundamentais. Coube a Vahíd esclarecê-los quanto a seu verdadeiro propósito e lhes expor as feições que a distinguiam.

Logo que Zaynu'l-'Abidín Khán soube do considerável êxodo ocorrido com o fim de dar boas vindas a Vahíd, despachou um mensageiro especial para alcançar aqueles que já haviam partido e lhes informar de sua determinação de tirar a vida, tornar cativas as esposas e confiscar os bens de qualquer um que persistisse em lhe hipotecar lealdade. Nenhum daqueles que haviam partido atendeu essa advertência mas, antes, se aderiram ainda mais apaixonadamente a seu líder. Consternou-se o governador diante de sua inabalável determinação e seu desdenhoso desprezo de seu mensageiro, e receoso de que contra ele se levantassem, decidiu transferir sua residência para a aldeia de Qutrih, onde morara originalmente e situada a uma distância de oito farsangs (15) de Nayríz. Ele escolheu essa aldeia porque nas proximidades havia uma fortaleza maciça que ele poderia utilizar como lugar de refúgio em caso de perigo e, além disso, tinha certeza de que seus habitantes estavam treinados na arte da pontaria e de que poderia contar com eles para defendê-lo quando quer que os chamasse.

Vahíd nesse entrementes partira de Rúníz para o santuário de Pír-Murád, situado fora da aldeia de Istahbánát. A despeito da interdição pronunciada pelos ulemás dessa aldeia contra sua entrada, nada menos que vinte de seus habitantes saíram para lhe dar boas vindas e acompanharam-no até Nayríz. Ao chegarem, na manhã do dia quinze de Rajab (16), a primeira coisa que Vahíd fez, logo que entrou em seu distrito nativo de Shinár-Súkhtih, mesmo antes de ir a sua própria casa, foi entrar no masjid e chamar a congregação lá reunida, para reconhecer e abraçar a Mensagem do Báb. Impaciente para se dirigir à multidão que o esperava, ainda vestindo as roupas cobertas de poeira, ascendeu ao púlpito e com eloqüência tão convincente falou que a assistência inteira foi eletrizida por seu apelo (17). Nada menos de mil pessoas, todas nativas do distrito de Shinár-Súkhtih, e quinhentas outras dos vários distritos de Nayríz, todas as quais se haviam amontoado no prédio, responderam espontaneamente. "Ouvimos e obedecemos!" exclamou a jubilosa multidão, com irrestrito entusiasmo, enquanto avançava para lhe assegurar sua homenagem e sua gratidão. O efeito mágico que esse apaixonado discurso teve nos corações dos que o ouviram foi tal como Nayríz nunca antes presenciara.

"Meu objetivo único," continuou Vahíd, enquanto esclarecia sua assistência, assim que a primeira onda de excitamento se acalmara, "em vir a Nayríz, é o de proclamar a Causa de Deus. Agradeço a Ele e O glorifico por me haver possibilitado tocar vossos corações com Sua Mensagem. Desnecessário é que eu demore mais em vosso meio, pois receio que, se prolongar minha estada, o governador vos possa tratar mal por minha causa. Ele pode buscar reforços de Shiráz e destruir vossos lares e vos sujeitar a incalculáveis indignidades." "Estamos prontos e resignados à vontade de Deus," respondeu uníssona a congregação. "Conceda-nos Deus Sua graça para que possamos resistir às calamidades que ainda nos podem sobrevir. Não podemos, entretanto, reconciliar-nos com tão abrupta e apressada separação de vós."

Assim que estas palavras caíram de seus lábios, homens e mulheres, de mãos dadas, conduziram Vahíd em triunfo para sua casa. Com entusiasmo extremo, exultação e júbilo cercaram-no e, com salvas e exclamações, acompanharam-no até a própria entrada de sua casa.

Os poucos dias durante os quais Vahíd consentiu em demorar-se em Nayríz, foram passados pela maior parte no masjid, onde ele continuou, com a costumeira eloqüência e sem a menor reserva, a elucidar os ensinamentos fundamentais que ele recebera de seu Mestre. Cada dia testemunhava um aumento no número de sua assistência, e de todos os lados se tornavam mais e mais manifestas as evidências de sua influência maravilhosa.

A fascinação que ele exercia no povo não pode deixar de aumentar a fúria e a hostilidade latente de Zaynu'l-'Abidín Khán. Incitado a novos esforços, mandou levantar um exército com o declarado objetivo de erradicar uma Causa que, achava, rapidamente lhe solapava a própria posição. Breve conseguiu ele recrutar cerca de mil homens, consistindo tanto de cavalaria como de infantaria, todos os quais bem treinados na arte da guerra e munidos de amplos armamentos. Seu plano era, por uma súbita investida, tomá-lo preso.

Ao ser informado dos desígnios do governador, Vahíd ordenou que aqueles vinte companheiros, os quais haviam partido de Istahbánát a fim de lhe dar boas vindas e o acompanhado até Nayríz, ocupassem o forte de Khájih, situado na vizinhança do distrito de Shinár-Súkhtih. Escolheu Shaykh Hádí, filho de Shaykh Muhsin, para chefiar a companhia, e solicitou os seguidores que residiam naquele distrito a fortificarem os portões, as torres e os muros dessa cidadela.

O governador havia entrementes transferido a sede para sua própria casa no distrito de Bázár. A força por ele levantada acompanhou-o e ocupou o forte situado nas cercanias. Suas torres e seus muros, os quais ele começou a reforçar, tinham vista para a cidade inteira. Havendo forçado Siyyid Abú-Tálib, o kad-khudá (18) desse distrito e um dos companheiros de Vahíd, a evacuar sua casa, fortificou o telhado e sobre ele estacionando alguns de seus homens, comandados por Muhammad-'Alí Khán, deu ordens para abrir fogo contra o adversário. O primeiro a sofrer foi aquele mesmo Mullá 'Abdu'l-Husayn que, a despeito de sua idade avançada, fora a fé para dar boas vindas a Vahíd. Estava oferecendo sua oração no telhado de sua casa quando uma bala lhe feriu o pé direito, fazendo-o sangrar profusamente. Esse golpe cruel evocou a compaixão de Vahíd, quem se apressou, em uma mensagem por escrito àquele sofredor, a lhe expressar seu pesar pela ferida infligida e a alegrá-lo com pensamento de que ele, nessa etapa avançada de sua vida, foi o primeiro a ser escolhido para cair vítima na senda da Causa.

Tão repentino ataque consternou alguns dos companheiros que haviam apressadamente abraçado a Mensagem, sem lhe apreciar o pleno significado. Tão severamente se abalou sua fé, que um pequeno número foi induzido, na calada da noite a se separar de seus companheiros e se aliar às forças do inimigo. Mal fora Vahíd informado de sua ação quando, na hora do alvorecer, se levantou e, montando seu corcel e acompanhado por alguns de seus amigos, saiu para o forte de Khájih, onde fixou residência.

Sua chegada foi sinal para um novo ataque contra ele. Zaynu'l-'Abidín Khán despachou imediatamente seu irmão mais velho, 'Alí-Asghar Khán, juntamente com mil homens, todos munidos de armas e bem treinados, para assediarem aquele forte, no qual setenta e dois companheiros já se haviam refugiado. Na hora do amanhecer, certo número deles, agindo de acordo com as instruções de Vahíd, saiu e com extraordinária rapidez forçou os assediantes a se dispersarem.

Não mais que três dos companheiros morreram durante esse encontro. O primeiro foi Táju'd-Dín, um homem notável pela sua intrepidez, cuja profissão era a fabricação do kuláh (19) de lá; o segundo foi Zagníl, filho de Iskandar, um agricultor; o terceiro foi Mirza Abu'l-Qásim, homem de mérito proeminente.

Essa derrota completa e repentina despertou as apreensões do Príncipe Fírúz Mirza, o Nusratu'd-Dawlih, governador de Shiráz, que deu ordens para o extermínio imediato dos ocupantes do forte. Zaynu'l-Abidín Khán despachou um dos subordinados do príncipe a Vahíd para com ele instar que, em vista das relações críticas entre eles, partisse de Nayríz, na esperança de que breve se extinguisse o dano que fora provocado. "Diga-lhe," replicou Vahíd, "que meus dois filhos, juntamente com seus assistentes, são toda a companhia que tenho comigo. Se minha presença nesta cidade há de causar dano, estou pronto para partir. Por que é que, em vez de nos conceder a acolhida merecida por um descendente do Profeta, ele nos privou de água e incitou seus homens a nos assediarem e atacarem? Se ele persistir em nos negar as necessidades da vida, advirto-o de que sete de meus companheiros, os quais ele considera os mais desprezíveis entre os homens, haverão de infligir as suas forças combinadas uma derrota humilhante."

Vendo que Zaynu'l-'Abidín Khán não levava em conta sua advertência, Vahíd mandou seus companheiros saírem do forte e punirem os assaltantes. Com admirável coragem e confiança, embora extremamente jovens quanto à idade e de todo inexperientes no uso de armas, conseguiram desmoralizar um exército treinado e organizado. O próprio 'Alí-Asghar Khán pereceu, e dois de seus filhos foram presos. Zaynu'l-'Abidín Khán, com o que ainda restava de suas forças dispersas, retirou-se ignominiosamente para a aldeia de Qutrih, informou o príncipe da gravidade da situação e o solicitou a enviar reforços imediatos, frisando a especial necessidade de artilharia pesada e um destacamento grande, tanto de infantaria como de cavalaria.

Vahíd, por sua parte, certificando-se de que o inimigo estava determinado a exterminá-los, mandou fortalecer as defesas do forte, construir uma cisterna para água dentro do recinto e erguer fora dos portões as tendas que haviam levado. Designou a certos de seus companheiros, naquele dia, funções e deveres especiais. Karbilá'í Mirza Muhammad foi indicado para guarda dos portões do forte; Shaykh Yúsuf, como guardião dos fundos; Karbilá'í Muhammad, filho de Shamsu'd-Dín, como superintendente dos jardins adjacentes ao forte e das barricadas; Mirza Ahmad, tio de 'Alíy-i-Sardár, foi designado oficial para vigiar a torre do moinho conhecido pelo nome de Chinár, situado na vizinhança do forte; Shaykháy-i-Shívih-Kash para ser o executor; Mirza Muhammad-Jafar, primo de Zaynu'l-'Abidín Khán, para ser o cronista; Mirza Fadlu'lláh como leitor destes registros; Mashhadí Taqí-Baqqál, para ser o carcereiro; Hájí Muhammad-Taqí, o escrivão; e Ghulám-Ridáy-i-Yazdí para ser o capitão das forças. Além dos setenta e dois companheiros que estavam com ele no forte, os que o haviam acompanhado de Istahbánát a Nayríz, Vahíd foi induzido, à instância de Siyyid Ja'far-i-Yazdí, um sacerdote muito conhecido e Shaykh-'Abdu'l-'Alí, o sogro de Vahíd, a admitir ao forte alguns residentes do distrito de Bázár juntamente com vários de seus próprios parentes.

Zaynu'l-'Abidín Khán renovou seu apelo ao príncipe e, desta vez, mandou junto com seu pedido, que era para reforços urgentes e adequados, a soma de cinco mil túmans (20) como seu presente pessoal a ele. Confiou sua carta a um de seus amigos íntimos, Mullá Báqír e, permitindo que montasse seu próprio corcel, deu-lhe instruções para entregá-la pessoalmente ao príncipe. Ele o escolhera em virtude de sua intrepidez, da fluência de seu discurso e de seu tato. Mullá Báqír tomou um caminho pouco freqüentado e, após uma viagem de um dia, chegou a um lugar chamado Hudashtak, na vizinhança do qual havia um forte a cujo redor tribos que vagavam pelo campo as vezes levantavam suas tendas.

Mullá Báqír apeou perto de uma dessas tendas e, enquanto conversava com seus ocupantes, veio Hájí Siyyid Ismá'íl, o Shaykhu'l-Islám de Bavánát. Obtivera ele licença de Vahíd para proceder a sua aldeia nativa a fim de tratar de algum assunto urgente, devendo regressar imediatamente a Nayríz. Após o almoço, viu que um cavalo ricamente ajaezado estava amarrado aos cabos de uma das tendas vizinhas. Ao ser informado de que pertencia a um dos amigos do Zaynu'l-'Abidín Khán, que chegara de Nayríz em viagem para Shíráz, Hájí Siyyid Ismá'il, que era homem de coração excepcional, foi de imediato àquela tenda, montou no cavalo e, desembainhando a espada, disse austeramente ao dono da tenda, com quem Mullá Báqír ainda conversava, estas palavras: "Apreende esse vilão que fugiu da face do Sáhibu'z-Zamán (21). Amarra-lhe as mãos e o entrega a mim." Aterrados pelas palavras e pela maneira de Hájí Mullá Ismá'il, os ocupantes da tenda obedeceram imediatamente. Amarraram suas mãos e entregaram a corda que haviam usado a Hájí Siyyid Ismá'il, que esporeou o corcel em direção a Nayríz, obrigando seu cativo a segui-lo. A uma distância de dois farsangs dessa cidade, alcançou a aldeia de Rastáq, onde entregou seu cativo às mãos de seu kad-khudá, cujo nome era Hájí Akbar, solicitando-o a conduzi-lo à presença de Vahíd. Este, ao entrevistá-lo, indagou quanto ao objetivo de sua jornada a Shiráz e dele recebeu uma resposta franca e minuciosa. Embora Vahíd estivesse disposto a perdoá-lo, Mullá Báqír, no entanto, por causa de sua atitude para com ele, foi morto afinal pelas mãos dos companheiros.

Zaynu'l-'Abidín Khán, longe de relaxar sua determinação de solicitar o auxílio de que precisava de Shíráz, fez um apelo mais veemente ao príncipe desta vez, instando-o a redobrar seus esforços para exterminar o que ele considerava a mais grave ameaça à segurança de sua província. Não se contentando com essa fervorosa súplica, despachou a Shíráz vários de seus homens fidedignos, carregados de presentes para o príncipe, esperando por esse meio induzi-lo a agir logo. Em mais um esforço ainda para assegurar o êxito de suas tentativas, dirigiu ele vários apelos aos principais ulemás e siyyids de Shíráz, nos quais imputava a Vahíd objetivos obviamente falsos, se estendia sobre suas atividades subversivas e os exortava a interceder com o príncipe e implorar-lhe a apressar o despacho de reforços.

Prontamente acedeu o príncipe a seu pedido. Deu instruções a 'Abdu'lláh Khán, o Shujá'u'l-Mulk, para sair de imediato para Nayríz, acompanhado pelos regimentos dos Itamadání e Sílákhurí, chefiados por vários oficiais e assistidos por uma força adequada de artilharia. Além disso, mandou seu representante em Nayríz recrutar todos os homens aptos do distrito circunvizinho, inclusive das aldeias de Istahbánát, Íraj, Panj-Ma'ádin, Qutrih, Bashnih, Dih-Cháh, Mushkán e Rastáq. A estes acrescentou os membros da tribo conhecida pelo nome Vísbaklaríyyih, a quem mandou unirem-se ao exército de Zaynu'l-'Abidín Khán.

Uma hoste inumerável cercou de súbito forte em que Vahíd e seus companheiros estavam assediados e começou a cavar trincheiras a seu redor e levantar barricadas ao longo dessas trincheiras (22). Mal se terminara esse trabalho quando se abriu fogo contra eles. Uma bala atingiu o cavalo em que montava um dos assistentes de Vahíd enquanto vigiava o portão. Outra bala seguiu de imediato a primeira e penetrou a torre por cima desse portão. No decorrer desse bombardeio, um dos companheiros, apontando com a espingarda o oficial que comandava a artilharia, matou-o instantaneamente e, em conseqüência, o ruído dos canhões foi silenciado logo. Os assaltantes com isso se retiraram, escondendo-se dentro das trincheiras. Naquela noite, nem os assediados nem os atacantes se aventuraram a sair de seus abrigos.

Na segunda noite porém, Vahíd chamou Shulám-Ridáy-i-Yazdí e ordenou que ele com quatorze de seus companheiros saíssem do forte e repelissem o inimigo. Os que foram chamados para cumprir tal tarefa eram pela maior parte homens de idade avançada, os quais ninguém teria pensado serem capazes de enfrentar o choque de tão tremenda luta. Entre eles havia um sapateiro que, embora com a idade de mais de noventa anos, mostrou tanto entusiasmo e vigor como nenhum jovem poderia esperar exceder. Outros dos quatorze era meros rapazinhos que não tiveram ainda o mínimo preparo para encarar os perigos e suportar a tensão que tal investida acarretava. Idade pouco importava, no entanto, para aqueles heróis a quem uma intrépida vontade e uma inalterável confiança no alto destino de sua Causa haviam transformado completamente. Deu-lhe instruções seu líder para se dividirem logo depois de deixarem o abrigo do forte e, levantando simultaneamente o brado de "Alláh-u-Akbar!" (23) saltarem no meio do inimigo.

Tão logo o sinal havia sido dado, quando eles levantaram e apressando-se a seus corcéis e rifles, saíram pelo portão do forte. Não intimidados, em absoluto, pelo fogo que jorrava das bocas dos canhões, nem pelas balas que choviam sobre suas cabeças, precipitaram-se no meio de seus adversários. Esse repentino encontro durou nada menos de oito horas, e em curso aquela destemida companhia demonstrou tamanha habilidade de bravura que os veteranos nas fileiras do inimigo se assombravam. Da cidade de Nayríz, bem como de suas fortificações nas cercanias, reforços apressaram-se ao auxílio daquela pequena companhia que tão valorosamente resistira as forças combinadas de um exército inteiro. À medida que se estendia o âmbito da luta levantaram-se de todos os lados as vozes das mulheres de Nayríz que haviam ocorrido aos telhados de suas casas para aclamar o heroísmo que de um modo tão impressionante se exibia. Suas salvas exultantes adicionavam-se ao ruído dos canhões, acrescentando-se ainda maior intensidade com a exclamação de "Alláh-u-Akbar!" a qual os companheiros, em um frenesi de excitamento, ergueram em meio a esse tumulto. A comoção causada pelos elementos femininos, sua espantosa audácia e confiança em si próprias, desmoralizaram completamente os oponentes e lhes paralizaram os esforços. O acampamento do inimigo estava desolado e deserto, oferecendo um triste espetáculo enquanto regressaram ao forte. Levaram consigo, além dos gravemente feridos, nada menos que sessenta mortos, entre os quais os seguintes:

1. Ghulám-Ridáy-i-Yazdí (não deve ser confundido com o capitão das forças que tinha o mesmo nome),

2. Um irmão de Ghulám-Ridáy-i-Yazdí.
3. 'Alí, filho de Khayru'lláh,
4. Khájih Husayn-i-Qannád, filho de Khájih Ghaní,
5. Asghar, filho de Mullá Mihdí,
6. Karbilá'í 'Abdu'l-Karím.
7. Husayn, filho de Mashhadí Muhammad,

8. Zaynu'l-Ábidín, filho de Mashhadí Báqir-i-Sabbágh,

9. Mullá Ja'far-i-Mudhahhíb,
10. 'Abdu'lláh, filho de Mullá Músá,
11. Muhammad, filho de Mashhadí Rajab-i-Haddád,

12. Karbilá'í Hasan, filho de Karbilá'í Shamsu'd-Dín-i-Malikí-Dúz,

13. Karbilá'í Mirza Muhammad-i-Zárí,
14. Karbilá'í Báqir-i-Kafsh-Dúz,

15. Mirza Ahmad, filho de Mirza Husayn-i-Káshí-Sáz,

16. Mullá Hasan, filho de Mullá 'Abdu'lláh,
17. Mashhadí Hájí Muhammad,
18. Abú-Tálib, filho de Mír Ahmad-i-Nukhud-Biríz,
19. Akbar, filho de Muhammad-i-'Áshúr,
20. Taqíy-i-Yazdí,
21. Mullá 'Alí, filho de Mullá Ja'far,
22. Karbilá'í Mirza Husayn,
23. Husayn Khán, filho de Sharíf,
24. Karbilá'í Qurbán,
25. Khájih Kázim, filho de Khájih 'Alí,
26. Aqá, filho de Hájí 'Alí,
27. Mirza Nawrá, filho de Mirza Mu'íná.

Tão completo insucesso convenceu a Zaynu'l-'Ábidín Khán e seu estado-maior da futilidade de seus esforços para compelir, através de uma luta aberta, a submissão de seus adversários (24). Assim como aconteceu no caso do exército do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza, que falhara miseravelmente em sua tentativa de dominar os adversários abertamente no campo, traição e fraude provaram-se, afinal, ser as únicas armas com que um povo covarde pode subjugar um inimigo invencível. Pelos ardis aos quais Zaynu'l-'Ábidín Khán e seu estado-maior se recorreram enfim, deixaram patente que, a despeito dos vastos recursos a seu dispor e do apoio moral que lhes fora prestado pelo governador de Fárs e pelos habitantes da província inteira, não tinham o poder de dominar o que era aparentemente apenas um punhado de pessoas desprezíveis e sem o menor treino. Em seus corações estavam convencidos de que, atrás dos muros daquele forte estava reunida um bando de voluntários que nenhuma força sob seu comando podia enfrentar e vencer.

Erguendo o brado de paz, procuraram, através de astúcia tão vil, seduzir aqueles corações puros e nobres. Suspenderam por alguns dias toda espécie de hostilidade, depois do qual dirigira aos assediados um solene apelo por escrito, cujo teor foi o seguinte: "Até agora, por sermos ignorantes do verdadeiro caráter de vossa Fé, permitimos que os instigadores do mal nos induzissem a crer que cada um de vós tivesse violado os sagrados preceitos do Islã. Por isso foi que contra vós nos levantamos, esforçando-nos por extirpar vossa Fé. Durante estes últimos poucos dias, tornamo-nos cientes do fato de que em vossas atividades nenhum motivo político se encobre que nenhum de vós alimenta qualquer inclinação de subverter os alicerces do Estado. Nós também nos convencemos do fato de que em vossos ensinamentos não se envolve nenhuma divergência grave dos ensinamentos fundamentais do Islã. Parece que apenas sustentais a pretensão de haver aparecido um homem cujas palavras sejam inspiradas, cujo testemunho é certo, e a quem todos os aderentes do Islã devem reconhecer e apoiar. De modo algum poderemos nos convencer da validade dessa pretensão a menos que consintais em depositar absoluta confiança em nossa sinceridade e aceitar nosso pedido para que deixeis certos de vossos representantes saírem do forte e encontrar conosco neste acampamento, onde poderemos, dentro de poucos dias, certificar-nos do caráter de vossa crença. Se vos provardes capazes de demonstrar as verdadeiras pretensões de vossa Fé, nós também prontamente a abraçaremos, pois não somos inimigos da Verdade e nenhum de nós deseja negá-la. A vosso líder temos sempre reconhecido como um dos mais fortes defensores do Islã e o consideramos nosso exemplo e guia. Este Alcorão, ao qual afixamos nossos selos, é testemunho da integridade de nosso propósito. Que esse sagrado Livro decida se é verdadeira ou falsa a pretensão que avançais. A maldição de Deus e de Seu Profeta esteja sobre nós se tentarmos vos enganar. Se aceitardes nosso convite, salvareis da destruição um exército inteiro, enquanto vossa recusa o deixará suspenso, em dúvida. Hipotecamos nossa palavra de que, uma vez convencidos da verdade de vossa Mensagem, nos esforçaremos para demonstrar o mesmo zelo e devoção que vós, de um modo tão impressionante, já manifestastes. Vossos amigos serão nossos amigos, e vossos inimigos, nossos inimigos. O que vosso líder se dignar de ordenar, o mesmo nos comprometeremos a obedecer. Por outro lado, se não pudermos nos convencer da verdade de vossa pretensão, prometemos solenemente que de modo algum interferiremos em vosso regresso com segurança ao forte, e estaremos prontos para continuar nossa luta contra vós. Nós vos imploramos que recuseis derramar mais sangue antes de tentardes estabelecer a verdade de vossa Causa."

Vahíd recebeu o Alcorão com profunda reverência e o beijou devotadamente. "Nossa hora marcada soou," observou ele. "Nossa aceitação de seu convite os fará sentirem a baixeza de sua traição." "Embora consciente de seus desígnios," acrescentou, enquanto se virava para seus companheiros, "sinto ser meu dever aceitar seu chamado e tomar a oportunidade para tentar mais uma vez desdobrar as verdades e minha bem-amada Fé." Mandou que continuassem a desempenhar seus deveres e não confiassem, em absoluto naquilo que seus adversários talvez professassem crer. Ordenou, além disso, que suspendessem toda espécie de hostilidade, aguardando futuro aviso dele.

Com estas palavras ele se despediu dos companheiros e, acompanhado de cinco auxiliares, entre os quais Mullá 'Alíy-i-Mudhahhib e o traiçoeiro Hájí Siyyid 'Ábid partiu para o acampamento do inimigo. Zaynu'l-'Ábidín Khán, estado-maior, saíram para lhe dar boas vindas. Receberam-no cerimoniosamente e o conduziram a uma tenda especialmente preparada para sua recepção, onde o apresentaram aos demais oficiais. Sentou-se em uma cadeira, enquanto o resto da companhia ficava em sua frente, em pé, com exceção de Zaynu'l-'Ábidín Khán, Shujá'u'l-Mulk e um outro oficial, aos quais indicou que se sentassem. Tais foram as palavras que a eles dirigiu, que nem sequer um homem cujo coração fosse de pedra pudesse deixar de lhes sentir o poder. Bahá'u'lláh, no "Súriy-i-Sabr" imortalizou esse nobre apelo, revelando a plena medida de seu significado. "Venho a vós", declarou Vahíd, "munido do testemunho que meu Senhor me confiou. Não sou eu descendente do Profeta de Deus? Por que vos levantastes para me matar? Por que razão pronunciastes a sentença de minha morte, recusando reconhecer os inquestionáveis direitos dos quais minha linhagem me investiu?"

A majestade de seu porte, acrescentada a sua eloqüência penetrante, confundia seus ouvintes. Durante três dias e três noites, ofereceram-lhe profusa hospitalidade e o tratamento com respeito notável. Na oração congregacional seguiam-lhe invariavelmente a direção e, atentos, escutavam o discurso. Se bem que exteriormente parecessem estar se curvando diante de sua vontade, secretamente, entretanto, maquinavam contra sua vida e conspiravam a exterminar os restantes de seus companheiros. Bem sabiam que, fossem lhe infligir o menor dano enquanto seus companheiros permanecessem entrincheirados atrás dos muros do forte, estariam se expondo a um perigo ainda maior do que aquele que já foram obrigados a enfrentar. Tremiam diante da fúria e da vingança das mulheres, não menos do que perante a bravura e a habilidade dos homens. Haviam verificado serem todos os recursos do exército impotentes para dominar um punhado de jovens imaturos e de decrépitos homens idosos. Nada menos de uma estratégia audaz e bem planejada lhes poderia assegurar a vitória final. O medo que lhes enchia os corações era em grande parte inspirado pelas palavras de Zaynu'l-'Ábidín Khán quem, com inalterável determinação, procurava manter sem diminuição o ódio com que lhes inflamara a alma. As repetidas exortações de Vahíd lhe haviam incitado suas apreensões de que pela mágica das palavras, ele conseguisse induzi-los a transferir a lealdade a um adversário tão eloqüente.

Decidiram Zaynu'l-'Ábidín Khán e seus amigos finalmente, pedir a Vahíd que de próprio punho dirigisse uma mensagem aos companheiros que ainda estavam dentro do forte, informando-lhes que fora efetivada uma amigável solução de suas diferenças e os solicitando a unir-se com ele no quartel do exército ou a regressar a suas casas. Embora não disposto a aceder a tal pedido, Vahíd foi forçado, afinal, a se submeter. Além dessa mensagem, em uma segunda carta, ele informou os companheiros confidencialmente dos maus desígnios do inimigo e lhes advertiu que não se deixassem enganar. Entregou ambas as cartas a Hájí Siyyid 'Abíd, mandando-lhe que destruísse a primeira carta e entregasse a segunda aos seus companheiros. Incumbiu-o, além disso, de encorajá-los a escolher os mais capazes dentre eles para saírem na calada da noite e dispersarem as forças do inimigo.

Mal recebera Hájí Siyyid 'Abíd essas instruções, quando as comunicou traiçoeiramente a Zaynu'l-'Ábidín Khán. Este tentou imediatamente induzi-lo a instar os ocupantes do forte, em nome de seu líder a se dispersarem, e lhe prometeu retribuir esse serviço com um generoso galardão. O mensageiro desleal entregou a primeira carta aos companheiros de Vahíd e lhes informou que seu líder conseguira conquistar para sua Fé o exército inteiro e que, em vista dessa conversão, lhes aconselhava que voltassem para suas casas.

Embora extremamente perplexos diante de tal mensagem, os companheiros não se sentiam capazes de desatender os desejos que Vahíd tão claramente expressara. Contra sua vontade se dispersaram, deixando desprotegidas todas as fortificações. Obedientes às ordens escritas pelo seu líder, alguns deles abandonaram as armas e dirigiram os passos a Nayríz.

Zaynu'l-'Ábidín Khán, antecipando a evacuação imediata do forte, enviou um destacamento de suas forças para lhes interceptar a entrada na cidade. Logo foram rodeados por uma multidão de homens armados que recebiam do quartel do exército reforços contínuos. Vendo-se assim inesperadamente cercados, determinaram-se a repulsar o ataque por todos os meios em seu poder e alcançar o Masjid-i-Jámí' o mais rapidamente possível. Com as espadas e espingardas que alguns levavam, outros por meio de paus e pedras somente, tentaram forçar passagem para a cidade. O brado de "Alláh-u-Akbar!" (25) surgia novamente, mais feroz e mais impelente do que nunca. Alguns poucos sofreram martírio enquanto forçavam passagem através das fileiras de seus traiçoeiros agressores. Os outros ainda que feridos e assaltados por novos reforços que os cercavam por todos os lados, conseguiram, afinal, alcançar o abrigo do masjid.

Entrementes, o notório Mullá Hasan, filho de Mullá Muhammad-'Alí, oficial do exército de Zaynu'l-'Ábidín Khán conseguiu, juntamente com seus homens, passar na frente dos adversários e, escondendo-se em um dos minaretes desse masjid, esperava em emboscada os fugitivos. Assim que o grupo dos companheiros dispersos se aproximava do masjid, abriu fogo contra eles. Um certo Mullá Husayn, reconhecendo-o e erguendo o brado de "Alláh-u-Akbar!", escalou o minarete, apontou a espingarda àquele oficial covarde e o lançou ao chão. Seus amigos levaram-no a um lugar de segurança onde ele pode se recuperar da ferida.

Os companheiros, não mais podendo obter abrigo no masjid, foram obrigados a se esconder em qualquer lugar seguro que pudessem encontrar, até a hora em que se pudessem certificar da sorte de seu líder. Seu primeiro pensamento após essa traição foi procurar sua presença e seguir quaisquer instruções que ele lhes desejasse dar. Não puderam, entretanto, descobrir o que lhe acontecera e tremiam ao pensarem que ele talvez tivesse sido morto.

Nesse entretanto, Zaynu'l-'Ábidín Khán e seu estado-maior, tornados mais audazes com a debandada dos companheiros, se esforçavam deligentemente em descobrir meios de fugir das obrigações que lhes foram impostas pelo seu juramento solene e proceder sem obstáculos ao extermínio de seu oponente principal. Envidaram esforços para pôr de lado, mediante algum ardil enganoso, suas sagradas promessas e acelerar o cumprimento de um desejo desde muito nutrido. Em meio as suas deliberações, 'Abbás-Qulí Khán, um homem notório por sua falta de compaixão, sua desumanidade lhes assegurou que, se a lembrança de seu juramento lhes estava causando perplexidade, ele próprio, não havendo de forma alguma, participado nessa declaração, estava pronto para executar aquilo que eles se sentiam incapazes de efetivar. Num acesso de indignação ele disse: "Eu posso, a qualquer momento, apreender e executar a quem quer que eu julgue culpado por haver violado as leis do país." Logo, todos aqueles cujos parentes haviam perecido foram chamados para executar a sentença de morte pronunciada contra Vahíd. O primeiro a se apresentar foi Mullá Rida, cujo irmão, Mullá Báqir, fora preso pelo Shaykhu'l-Islám de Bavánát; o próximo foi um homem de nome Safar, cujo irmão Sha'bán perecera; o terceiro foi Áqá Khán, cujo pai, 'Alí-Asghar Khán, irmão mais velho de Zaynu'l-'Ábidín Khán, sofrera a mesma sorte.

Ávidos de levar a cabo a sugestão de 'Abbás-Qulí Khán, esses homens arrancaram o turbante da cabeça de Vahíd, enrolaram-no em volta de seu pescoço e, amarrando-o a um cavalo, ignominiosamente o arrastaram pelas ruas (26). As indignidades que sobre ele foram amontoadas faziam àqueles que presenciaram esse horrendo espetáculo, lembrarem-se do destino trágico do Imame Husayn, cujo corpo foi abandonado à mercê de um inimigo enfurecido e impiedosamente espezinhado por uma numerosa multidão de cavalaria. As mulheres de Nayríz, levadas ao máximo grau de excitação pelos gritos de triunfo que um inimigo sanguinário erguia, e com o acompanhamento de tambores e címbalos, desenfreavam seus sentimentos de irrestrito fanatismo. Alegremente dançavam a seu redor, desdenhosas das palavras que Vahíd, em meio a sua agonia, dissera - palavras que o Imame Husayn em época anterior e em circunstâncias similares, havia pronunciado. "Tu sabes, ó meu Bem-Amado, que abandonei o mundo por Teu amor e em Ti somente pus minha confiança. Impaciente estou para a Ti me apressar, pois a beleza de Teu semblante se desvelou aos meus olhos. Tu testemunhas os maus desígnios que meu maléfico perseguidor contra mim nutriu. Não, jamais me submeterei a seus desejos nem lhe hipotecarei minha lealdade."

Assim veio a findar uma nobre e heróica vida. Tão memorável e brilhante carreira, distinguida por conhecimentos tão vastos (27), coragem tão intrépida e tão raro espírito de sacrifício, deveria certamente ser coroada por uma morte tão gloriosa como aquela que consumou seu martírio (28). A extinção dessa vida foi sinal para uma investida selvagem contras as vidas e os bens daqueles que com sua Fé se haviam identificado. Nada menos de cinco mil homens foram incumbidos dessa abominável tarefa. Os homens foram presos, acorrentados, sujeitos à tortura e finalmente trucidados. Capturando as mulheres e crianças, sujeitaram-nas a brutalidades que nenhuma pena ousa descrever. Confiscavam-lhes as propriedades e destruíram as casas. Incendiaram e arrasaram o forte de Khájih. A maioria dos homens foi conduzida primeiro a Shiráz, acorrentada, onde a maior parte deles sofreu uma morte cruel (29). Aqueles a quem Zaynu'l-'Ábidín Khán, para fins de proveito pessoal, mergulhara em tenebrosas masmorras subterrâneas, foram entregues - logo que foi atingido seu objetivo - nas mãos de seus servis subordinados, os quais neles perpetraram atos de indizível brutalidade (30). Fizeram-nos primeiro marchar pelas ruas de Nayríz, depois do qual os sujeitaram a tratamento atroz na esperança de lhes extrair qualquer vantagem material que até então seus perseguidores anteriores não tivessem podido obter. Uma vez aplacada sua cobiça, infligiram a cada vítima uma morte agonizante. Todo e qualquer instrumento de tortura que seus algozes pudessem tramar foi utilizado para lhes satisfazer a sede de vingança. Foram ferreados, as unhas foram arrancadas, chicotearam-nos e lhes fizeram incisões no nariz através das quais passaram uma corda, com martelo lhes bateram pregos nas mãos e nos pés e nesse lastimável estado arrastaram-nos pelas ruas, objeto de desprezo e zombaria por parte de todo o povo.

Entre eles havia um certo Siyyid Ja'far-i-Yazdí, que em dias anteriores exercera imensa influência e era altamente honrado pelo povo. Tão grande era o respeito a ele mostrado que Zaynu'l-'Ábidín Khán lhe concedia superioridade, tratando-o com extrema deferência e cortesia. O turbante desse mesmo homem ele agora mandou enodar e lançar no fogo. Despido do emblema de sua linhagem, foi exposto aos olhos do público, que marchavam na sua frente, acabrunhando-o de abuso e ridículo (31).

Outra vítima de sua tirania foi Hájí Muhammad-Taqí, quem gozara em tempos idos, de tal reputação pela honestidade e justiça que sua opinião era invariavelmente considerada pelos juízes do tribunal como a última palavra em seu julgamento. Um homem tão grande, tão estimado foi em pleno inverno, despido de suas roupas e jogado em um lago, sendo então severamente chicoteado. Siyyid Ja'far e Shaykh 'Abdu'l-'Alí, que era o sogro de Vahíd e o principal sacerdote de Nayríz, bem como um juiz de renome, juntamente com Siyyid Husayn, uma das notabilidades da cidade, foram destinados a sofrer a mesma sorte. Enquanto eles estavam expostos ao frio, a escória da plebe foi paga para amontoar sobre seus corpos trêmulos as mais abomináveis crueldades. Mais de um homem pobre, que se apressava a obter a recompensa prometida para esse ato vil, sentiu revolta ao ser informado da natureza da tarefa que ele fora chamado para desempenhar e, rejeitando o dinheiro, afastou-se com repugnância e desdém (32).

O dia do martírio de Vahíd foi o dia dezoito do mês de Sha'ban, no ano de 1266 A. H. (33). Dez dias depois, o Báb foi fuzilado em Tabríz.

CAPÍTULO XXIII
MARTÍRIO DO Báb

A história da tragédia que assinalou as etapas finais do tumulto de Nayríz espalhou-se por toda a Pérsia e ateou um espantoso entusiasmo nos corações dos que a ouviram. Lançou em consternação as autoridades na capital e se animou a tomar uma resolução oriunda do desespero. Especialmente se atemorizou o Amir-Nizám, Grão-Vizir de Násiri'd-Dín Sháh, diante das repetidas manifestações de uma vontade indomável, de uma feroz e inflexível tenacidade de fé. Se bem que as forças do exército imperial tivessem triunfado em toda parte, e ainda que os companheiros de Mullá Husayn e Vahíd fossem sucessivamente ceifados em uma impiedosa carnificina pelas mãos de seus oficiais, estava claro e evidente, no entanto, às mentes astuciosas dos governantes de Teerã que o espírito responsável por um heroísmo tão raro, não fora de modo algum vencido, que seu poder estava longe de ser quebrado. A lealdade que os remanescentes daquela companhia debandada tinham a seu Líder cativo permanecia ainda intacta. A despeito dos pavorosos prejuízos por eles sofridos, nada conseguira ainda minar essa lealdade ou solapar essa fé. Longe de estar extinto, esse espírito ardera, mais intenso e devastador do que nunca. Exasperada ao se lembrar das indignidades sofridas, essa companhia perseguida aderia cada vez mais apaixonadamente a sua Fé e, como sempre crescente fervor e esperança, se dirigia a seu Líder (1). Acima de tudo, Aquele que ateara essa chama e nutrira esse espírito estava ainda vivo e, apesar de Seu isolamento, podia ainda exercer a plena medida de Sua influência. Nem sequer uma ininterrupta vigilância pudera deter a maré que havia varrido toda a face do país, tendo como sua força motriz a continuada existência do Báb. Extinguir essa luz, sufocar a corrente em sua própria origem, e a torrente que trouxera tamanha devastação no encalço, secaria. Tal foi o pensamento que dominou o Grão-Vizir de Naziri'd-Dín Sháh. A esse ministro insensato levá-Lo até à morte parecia ser o modo mais eficaz de fazer seu país se recuperar do ignomínio em que - pensava ele - se havia mergulhado (2).

Incitado à ação, convocou seus conselheiros, participou-lhes seus receios e suas esperanças, e lhes informou da natureza de seus planos. "Vejam," exclamou ele, "a tempestade provocada pela Fé do Siyyid-i- Báb nos corações de meus conterrâneos! Nada menos que sua execução pública poderá, em minha opinião, restaurar a tranqüilidade e paz deste país desvairado. Quem se atreverá a calcular as forças que pereceram durante os encontros em Shaykh Tabarsí? Quem poderá avaliar os esforços envidados a fim de obter aquela vitória? Mal se suprimira o distúrbio que havia convulsionado Mázindarán, quando as chamas de outra sedição se atearam na província de Fárs, seguindo-lhe na pista tanto sofrimento para meu povo. Mal conseguimos extinguir a revolta que devastara o sul, quando irrompeu outra insurreição no norte, varrendo em seu vórtice Zanján e suas cercanias. Se há um remédio que me possam aconselhar, que me informem, pois meu propósito único é assegurar a paz e honra de meus compatriotas."

Nem uma só voz ousou aventurar uma resposta, salvo a de Mirza Aqá Khán-i-Núrí, o Ministro de Guerra, quem argüiu que, se por causa dos atos perpetrados por um bando de irresponsáveis agitadores, executassem um siyyid exilado, seria este um ato de crueldade patente. Lembrou o exemplo do falecido Muhammad Sháh, cuja invariável prática fora não levar em conta as calúnias infames continuamente levadas a sua atenção pelos inimigos desse siyyid. O Amir Nízám desagradou-se extremamente. "Tais considerações," protestou, "são inteiramente irrelevantes à questão com a qual defrontamos. Os interesses do Estado estão em perigo, e de modo algum poderemos tolerar esses periódicos tumultos. Não foi o Imame Husayn, vista de suma necessidade de se salvaguardar a unidade do Estado, executado por aquelas mesmas pessoas que o haviam visto receber em mais de uma ocasião provas de excepcional afeto de Maomé, seu avô? Não recusaram em tais circunstâncias considerar os direitos que sua linhagem lhe havia conferido? Nada menos que o remédio que eu recomendo pode desarraigar esse mal e nos trazer a paz pela qual ansiamos."

Desatendendo a advertência de seu conselheiro, procedeu o Amír-Nízám ao despacho de suas ordens a Navvab Hamzih Mirza, governador de Adhirbáyján - que se destacava entre os príncipes de sangue real por seu coração bondoso e sua conduta reta - para chamar o Báb a Tabríz (3). Tomou cuidado para não deixar o príncipe perceber seu verdadeiro propósito. O Navvab, supondo ser a intenção do ministro possibilitar ao seu Cativo o regresso a Sua casa, imediatamente dirigiu a um de seus oficiais de confiança instruções para proceder acompanhado de uma escolta montada, a Chihríq, onde o Báb ainda se encontrava confinado e conduzi-Lo de volta a Tabríz. Confiou-O a seu cuidado, instando-lhe que O tratassem com a máxima consideração.

Quarenta dias antes da chegada desse oficial em Chihríq, o Báb juntou todos os documentos e Epístolas em Seu poder e, pondo-os juntamente com Seu estojo de penas, Seus sinetes e anéis de ágata em um cofre, entregou-os aos cuidados de Mullá Báqir, uma das Letras dos Viventes. A ele confiou também uma carta endereçada a Mirza Ahmad, Seu amanuense, na qual mandava inclusa a chave desse cofre. Instou-lhe que tomasse o máximo cuidado com essa incumbência, acentuando seu caráter sagrado e mandando ocultar seu conteúdo de todos, salvo de Mirza Ahmad.

Logo partiu Mullá Báqir para Qazvín. Dentro de dezoito dias alcançou essa cidade e lá foi informado que Mirza Ahmad havia partido em direção a Qum. Saiu logo para esse destino, ai chegando em meados do mês de Shá'bán (4). Eu estava, nesse tempo em Qum, acompanhado por um certo Sádiq-i-Tabrízí, a quem Mirza Ahmad havia mandado me buscar em Zarand. Eu estava residindo na mesma casa com Mirza Ahmad, casa que ele alugara no bairro de Bagh-Panbih. Naqueles dias Shaykh 'Azím, Siyyid Ismá'íl e alguns outros companheiros também residiam conosco. Mullá Báqir entregou a encomenda nas mãos de Mirza Ahmad e este, instado por Shaykh 'Azím, abriu-o em nossa presença. Maravilhamo-nos ao ver, entre os objetos que o cofre continha, um rolo de papel azul, da mais delicada textura, no qual o Báb, em Sua própria bela letra, de fino escrito shikastih, escrevera, em forma de uma estrela de cinco pontas, cerca de quinhentos versos, consistindo todos, de derivados da palavra "Bahá" (5). O estado do rolo era de perfeita preservação, sem mácula, e à primeira vista, dava a impressão de ser página impressa em vez de manuscrita. Tão fina e intrincada era a caligrafia que, quando se olhava de uma distância, o escrito parecia um simples fluxo de tinta sobre o papel. Admiração apoderou-se de nós enquanto contemplávamos uma obra magistral que nenhum calígrafo, acreditávamos, poderia rivalizar. O rolo foi posto novamente no cofre e entregue outra vez a Mirza Ahmad que, nesse mesmo dia em que o recebera, procedeu a Teerã. Antes de partir, ele nos informou que nada podia ser divulgado acerca dessa carta, senão a instrução para entregar a encomenda nas mãos de Jináb-i-Bahá (6) em Teerã (7). Quanto a mim, Mirza Ahmad me mandou seguir a Zarand, onde meu pai ansiosamente esperava minha volta.

Fiel às instruções recebidas de Navvab Hamzih Mirza, aquele oficial conduziu o Báb a Tabríz, mostrando-Lhe o maior respeito e considerações. O príncipe dera instruções a um de seus amigos para acomodá-Lo em sua casa e tratá-Lo com deferência extrema. Três dias após a chegada do Báb, foi recebida uma nova ordem do Grão-Vizir mandando que levasse a efeito a execução de seu Prisioneiro no mesmo dia em que chegasse o farmán (8). Quem quer que se professasse Seu seguidor seria também condenado à morte. O regimento armênio de Urúmíyyih, cujo coronel era Sám Khán, recebeu ordens para fuzilá-Lo, no pátio do quartel de Tabríz situado no centro da cidade.

O príncipe expressou sua consternação ao portador do farmán, Mirza Hasan Khán, o Vizir-Nizám e irmão do Grão-Vizir. "O Amír," disse-lhe ele, "faria melhor se a mim confiasse serviços de mais mérito do que este, do qual ele agora me incumbe. A tarefa de mim exigida é tal que só um homem ignóbil aceitaria. Eu não sou nem Ibn-i-Zíyád nem Ibn-i-Sa'd (9), para ser compelido a trucidar um homem inocente, da linhagem do Profeta de Deus." Mirza Hasan Khán relatou essas palavras do príncipe a seu irmão, quem logo ordenou que ele mesmo, sem demora e integralmente, cumprisse as instruções já dadas. "Alivia-nos," instava o Vazír a seu irmão, "desta ansiedade que pesa sobre nossos corações, e levemos essa questão a um término antes de se irromper sobre nós o mês de Ramadán, a fim de podermos entrar no período do jejum com ininterrupta tranqüilidade." Mirza Hasan Khán tentou informar o príncipe dessas novas instruções, mas falhou em seus esforços, pois o príncipe fingindo doença, recusou recebê-lo. Não impedido, em absoluto, por essa recusa, mandou que o Báb e aqueles em Sua companhia fossem imediatamente transferidos da casa na qual estavam hospedados para um dos compartimentos do quartel e, além disso, deu instruções a Sam Khán para despachar dez de seus homens a fim de guardar a entrada do compartimento no qual seria confinado.

Privado de Seu turbante e Seu cinto, os emblemas gêmeos de Sua linhagem nobre, o Báb, acompanhado de Siyyid Husayn, Seu amanuense, foi sujeitado a ainda outro encarceramento, o qual - bem sabia Ele - era apenas um passo adiante no caminho que O conduziria àquela meta que Ele para Si Próprio determinara. Aquele dia testemunhou uma comoção tremenda na cidade de Tabríz. A grande convulsão que nas idéias de seus habitantes estava associada com o Dia do Juízo, parecia, afinal, lhes haver sobrevindo. Jamais experimentara essa cidade um tumulto tão violento e tão misterioso como aquele que agitou seus habitantes no dia em que o Báb foi conduzido ao lugar destinado a ser a cena de Seu martírio. Enquanto Ele se aproximava do pátio do quartel, saltou de súbito em Sua frente um jovem que, em sua ansiedade para alcançá-Lo, havia forçado seu caminho através da multidão, sem levar em conta, de modo algum, os riscos e perigos que tal tentativa poderia acarretar. Sua face estava pálida, seus pés estavam descalços, seu cabelo desgrenhado. Ofegando de agitação e exausto de fadiga, lançou-se aos pés do Báb e, segurando a bainha de Suas vestes, implorou-Lhe apaixonadamente: "Não me afastes de Ti, ó Mestre. Onde quer que Tu vás, permite que eu Te siga." "Muhammad-'Alí," respondeu o Báb, "levanta-te e tem confiança de que estarás Comigo (10). Amanhã haverás tu de testemunhar o que Deus decretou." Dois outros companheiros, não podendo se conter, precipitaram-se em Lhe assegurar sua inalterável lealdade. Estes, juntamente com Mirza Muhammad-'Alí-i-Zunúzí, foram apreendidos e postos na mesma cela em que foram confinados o Báb e Siyyid Husayn.

Tenho ouvido Siyyid Husayn dar testemunho do seguinte: "Naquela noite a face do Báb estava ardente de júbilo, um júbilo como jamais brilhara de Seu semblante. Indiferente para a tempestade que a Seu redor se enfurecia, conversava conosco com alegria e jovialidade. As tristezas que sobre Ele tão gravemente pesavam, pareciam haver se desvanecido por completo. Seu peso dissolvera-se, aparentemente, na consciência da vitória próxima. 'Amanhã,' disse-nos Ele, 'será o dia de Meu martírio. Oxalá pudesse um de vós agora se levantar e, com as próprias mãos, pôr fim a Minha vida. Prefiro ser morto pela mão de um amigo, antes de pela mão do inimigo.' Lágrimas choviam de nossos olhos enquanto O ouvíamos expressar seu desejo. Apavorávamo-nos, porém, ante o pensamento de tirarmos com as próprias mãos uma vida tão preciosa. Recusamos e guardamos silêncio. Mirza Muhammad-'Alí de súbito se levantou, anunciando que estava pronto para obedecer qualquer coisa que o Báb desejasse. 'Esse mesmo jovem que se levantou para aceder à Minha vontade,' declarou o Báb, depois de havermos nós intervido e o forçado a abandonar tal pensamento, 'juntamente comigo sofrerá o martírio. Será ele quem Eu escolherei para compartilhar dessa coroa.'"

Cedo na manhã seguinte, Mirza Hasan Khán mandou seu farrásh-báshí (11) conduzir o Báb à presença dos principais mujtahids da cidade e deles obter a autorização exigida para Sua execução (12). Quando o Báb estava saindo do quartel, Siyyid Husayn Lhe perguntou o que ele deveria fazer. "Não confesses sua fé," Ele lhe aconselhou. "Assim poderás, ao chegar a hora, transmitir àqueles destinados a te ouvir, as coisas das quais somente tu estás ciente." Ele estava ocupado em conversar com Siyyid Husayn confidencialmente quando, de súbito, o farrásh-báshí interrompeu e segurando Siyyid Husayn pela mão, o apartou e repreendeu com severidade. "Antes de Eu lhe haver dito todas aquelas coisas que desejo dizer," o Báb advertiu ao farrásh-báshí, "nenhum poder terreno haverá de me silenciar. Embora o mundo inteiro contra Mim se arme serão impotentes, entretanto, para Me deter de cumprir até a última palavra Minha intenção." Espantou-se o farrásh-báshí diante de tão audaz asserção. Não respondeu porém, e mandou Siyyid Husayn levantar-se e segui-lo.

Quando Mirza Muhammad-'Alí foi conducido à presença dos mujtahids, instaram-lhes repetidas vezes que, em vista da posição ocupada pelo seu padrasto, Siyyid 'Alí-i-Zunúzí, retratasse sua fé. "Jamais," exclamou ele, "hei de renunciar, meu Mestre. Ele é a essência de minha fé e o objeto de minha mais verdadeira adoração. N'Ele encontrei meu paraíso e em observância a Sua lei reconheço a arca de minha salvação." "Cala-te!" vociferou Mullá Muhammad-i-Mámáqání, diante de quem esse jovem fora levado. "Tais palavras demonstram tua loucura; bem posso desculpar as palavras pelas quais não és responsável." "Não estou louco," retorquiu ele. "Tal acusação deveria antes, ser feita contra vós que sentenciastes à morte um homem não menos santo que o prometido Qá'im. Não é louco aquele que tem abraçado Sua Fé e anseia por derramar seu sangue em Seu caminho."

O Báb, por Sua vez, foi conduzido à presença de Mullá Muhammad-i-Mámáqání. Tão logo O reconhecera, apanhou a sentença de morte que ele mesmo escrevera anteriormente e, dando-a a seu subordinado, lhe mandou entregá-la ao farrásh-báshí. "Desnecessário é," gritou ele, "trazer a minha presença o Siyyid-i- Báb. Essa sentença escrevi naquele mesmo dia em que o conheci na reunião presidida pelo Vali-'Ahd. É, seguramente, o mesmo homem que vi naquela ocasião e ele não tem cedido, neste entrementes, nenhuma de suas pretensões."

Daí foi o Báb conduzido à casa de Mirza Báqir, filho de Mirza Ahmad, a quem ele recentemente sucedera. Ao chegarem, encontraram seu subordinado em pé no portão, segurando na mão a sentença de morte do Báb. "Não há necessidade de entrar," disse-lhes. "Meu mestre já se certificou de haver seu pai tido razão ao pronunciar a sentença de morte. Melhor não pode ele fazer do que lhe seguir o exemplo."

Mullá Murtadá-Qulí, seguindo nas pegadas dos dois outros mujtahids, havia emitido antes seu próprio testemunho por escrito e recusou encontrar-se face a face com seu temido oponente. Assim que o farrásh-báshí obtivera os documentos necessários, entregou seu Cativo logo às mãos de Sám Khán, assegurando-lhe que poderia agora proceder a desempenhar sua tarefa, já que havia obtido a sanção das autoridades civis e eclesiásticas do reino.

Siyyid Husayn havia permanecido confinado no mesmo compartimento onde passara a noite anterior com o Báb. Estavam prestes a colocar Mirza Muhammad-'Alí nesse mesmo compartimento quando ele, em prantos, lhe implorou permissão para permanecer com seu Mestre. Foi ele então entregue às mãos de Sám Khán com ordens de executá-lo também, caso ele persistisse em sua recusa de negar sua Fé.

Sám Khán, neste ínterim, estava se sentindo cada vez mais afetado pelo comportamento de Seu Cativo e pelo tratamento que Ele estava recebendo. Apoderou-se dele grande medo de que com sua ação atraísse sobre si a ira de Deus. "Eu professo a Fé Cristã," explicou ele ao Báb, "e nenhum desejo mau alimento contra vós. Se vossa Causa for a Causa da Verdade, habilitai-me a me aliviar da obrigação de derramar vosso sangue." "Segui vossas instruções," respondeu o Báb, "e se for sincera vossa intenção, o Onipotente poderá certamente vos aliviar de vossa perplexidade."

Sám Khán mandou seus homens bater um prego no pilar entre a porta do compartimento que Siyyid Husayn ocupava e a entrada para o adjacente, e segurar dois cabos àquele prego, dos quais o Báb e Seu companheiro seriam suspensos separadamente (13). Mirza Muhammad 'Alí implorou a Sám Khán que o colocasse de tal modo que seu próprio corpo protegesse o do Báb (14). Foi suspenso afinal em tal posição que sua cabeça repousava no peito de seu Mestre. Logo que foram seguramente suspensos, um regimento de soldados se dispôs em três fileiras, cada uma de duzentos e cinqüenta homens, os quais tiveram ordens de abrir fogo, cada um por sua vez, até haver o destacamento inteiro lançado a descarga de suas balas (15). Tão espessa foi a fumaça proveniente dos tiros dos setecentos e cinqüenta fuzis que a luz do sol de meio-dia se converteu em trevas. Havia se amontoado no telhado do quartel, bem como em cima das casas adjacentes, cerca de dez mil pessoas, todas as quais testemunharam aquela triste e comovedora cena.

Assim que se dissipara a nuvem de fumaça, uma assombrada multidão contemplava uma cena que seus olhos mal podiam acreditar. Lá, em pé diante deles, vivo e ileso, estava o companheiro do Báb, enquanto Ele próprio, são e salvo, desaparecera de sua vista. Embora os cabos pelos quais foram suspensos fossem despedaçados pelas balas, seus corpos no entanto, haviam milagrosamente escapado aos tiros (16). Até mesmo a túnica usada por Mirza Muhammad-'Alí nenhuma mancha mostrava, a despeito da espessura da fumaça. "O Siyyid-i- Báb desvaneceu de nossa vista!" exclamava a multidão perplexa. Saíram em frenética busca Dele e afinal, O encontraram sentado no mesmo compartimento no qual ficara na noite anterior, ocupado em completar a conversação com Siyyid Husayn, que fora interrompida. Uma expressão de imperturbável calma se manifestava em Sua face. Seu corpo emergira ileso da chuva de balas contra Ele dirigida pelo regimento. "Terminei Minha conversação com Siyyid Husayn," disse o Báb ao farrásh-báshí. "Agora podeis proceder ao cumprimento de vossa intenção." O homem estava demasiadamente abalado para continuar o que já tentara. Recusando levar a cabo seu dever, ele naquele mesmo momento partiu da cena e se despediu de seu posto. Relatou ele tudo o que havia presenciado a seu vizinho, Mirza Siyyid Muhsin, uma das notabilidades de Tabríz que, ao ouvir sua narração, se converteu à Fé.

Tive o privilégio de conhecer, subseqüentemente, esse mesmo Mirza Siyyid Muhsin, que me conduziu à cena do martírio do Báb e me mostrou a parece onde fora suspenso. Fui levado ao compartimento no qual O haviam encontrado conversando com Siyyid Husayn e foi me mostrado o lugar exato onde Ele havia estado sentado. Vi o mesmo prego que Seus inimigos haviam batido com martelo na parede e ao qual fora ligado o cabo que sustentava Seu corpo.

Atônito também ficara Sám Khán diante da força desta tremenda revelação. Ordenou que seus homens saíssem imediatamente do quartel e recusou jamais se associar, ele próprio ou seu regimento, a qualquer ato que implicasse no menor dano ao Báb. Jurou, enquanto se retirava do pátio, nunca mais assumir tal tarefa, ainda que sua recusa lhe acarretasse a perda da própria vida.

Mal partira Sám Khán quando Aqá Ján Khán-i-Khamsih, coronel da guarda pessoal, conhecido também pelos nomes de Khamsih e Násírí, ofereceu cumprir a ordem de execução. Na mesma parede e do mesmo modo foram o Báb e Seu companheiro suspensos, enquanto o regimento se dispôs em fileiras para sobre eles abrir fogo. De modo contrário ao da ocasião anterior, quando os tiros despedaçaram apenas as cordas pelas quais haviam sido suspensos, desta vez seus corpos foram despedaçados e misturados em uma só massa de carne e ossos (17). "Tivésseis vós acreditado em Mim, ó perversa geração" - foram as últimas palavras do Báb à multidão que O fitava enquanto o regimento se preparava para a descarga final - "cada um de vós teria seguido o exemplo deste jovem que, em grau, era superior à maioria de vós e de bom grado se teria sacrificado em Meu caminho. Dia virá em que vós Me tereis reconhecido; naquele dia, Eu terei deixado de estar convosco (18)."

No momento exato em que atiraram, surgiu um vendaval de severidade excepcional e varreu a cidade inteira. Um redemoinho de pó de incrível densidade obscureceu a luz do sol e cegava os olhos do povo. Toda a cidade permaneceu envolta nessa escuridão desde meio-dia até à noite. Nem tão estranho fenômeno, seguindo de imediato aquele ainda mais espantoso acontecimento - o insucesso do regimento de Sám Khán em lesar o Báb - pôde comover os corações do povo de Tabríz e induzi-lo a fazer pausa e refletir sobre o significado de eventos tão momentosos. Testemunharam o efeito que tão maravilhosa ocorrência produzira em Sám Khán; presenciaram a consternação do farrásh-báshí e o viram tomar sua irrevogável decisão; puderam até examinar aquela túnica que, apesar da descarga de tantas balas, havia permanecido inteira e sem mancha; puderam ler na face do Báb, depois de haver Ele emergido ileso daquela tempestade, a expressão de inalterável serenidade enquanto continuava Sua conversação com Siyyid Husayn; e, no entanto nenhum deles quis se encarregar de indagar sobre o significado desses insólitos sinais e maravilhas.

O martírio do Báb ocorreu ao meio-dia no domingo, dia 28 de Sha'bán, no ano de 1266 A. H. (19), trinta e um anos lunares, sete meses e vinte e sete dias desde o dia de Seu nascimento em Shíráz.

Ao anoitecer daquele mesmo dia, os corpos esmigalhados do Báb e de Seu companheiro foram removidos do pátio do quartel e deixados na margem do fosso fora do portão da cidade. Quatro companhias, consistindo cada uma de dez sentinelas, receberam ordens de vigiá-los por turnos. Na manhã após o dia do martírio, o cônsul russo em Tabríz, acompanhado por um artista, foi ao lugar e mandou traçar um desenho dos restos mortais, assim como lá jaziam, do lado do fosso (20).

Tenho ouvido Hájí 'Alí-'Askar relatar o seguinte: "Um oficial do consulado russo, a quem eu tinha parentesco, mostrou-me esse desenho no mesmo dia em que foi traçado. O retrato do Báb que contemplei era tão fiel! Nenhuma bala havia atingido Sua fronte, Suas faces ou Seus lábios. Fitei um sorriso que parecia estar ainda pairando sobre Seu semblante. Seu corpo, porém, fora severamente mutilado. Eu podia reconhecer os braços e a cabeça de Seu companheiro, que parecia estar sustentando-O em seu abraço. Enquanto horrorizado, eu contemplava aquele quadro, que me persistia na consciência, e via como aqueles nobres traços haviam sido desfigurados meu coração desfalecia dentro de mim. Em angústia virei a face e, conseguindo chegar a minha casa, me tranquei em meu quarto. Durante três dias e três noites não podia dormir nem me alimentar, tão completamente acabrunhado estava de emoção. Aquela vida curta e tumultuosa, com todas as suas tristezas, seus transtornos e seus desterros, coroada afinal, com o martírio que tão reverente admiração inspirava, parecia representar-se de novo diante de meus olhos. Torcia-me na cama, contraindo-me de dor e agonia."

Na tarde do segundo dia após o martírio do Báb, Hájí Sulaymán Khán, filho de Yahyá Khán, veio a Bágh-Mishih, um subúrbio de Tabríz, e foi recebido na casa do Kalantar (21), um de seus amigos e confidentes, que era dervixe e membro da comunidade sufi. Hájí Sulaymán Khán partira de Teerã ao ser informado do iminente perigo que ameaçava a vida do Báb, com o objetivo de conseguir Sua libertação. Consternou-se ao chegar tarde demais para levar a cabo sua intenção. Logo que seu anfitrião lhe informou das circunstâncias que haviam resultado na apreensão e sentença do Báb e lhe relatou os eventos que acompanharam Seu martírio, ele resolveu instantaneamente levar os corpos das vítimas, ainda que corresse o risco de pôr em perigo a própria vida. O Kalantar aconselhou que esperasse e seguisse sua sugestão em vez de se expor àquilo que lhe traria, segundo seu parecer, morte inevitável. Instou-lhe que transferisse sua residência a outra casa e aguardasse a chegada, naquela noite, de um certo Hájí Alláh-Yár quem, disse ele, estaria pronto para executar o que ele quisesse. Na hora marcada, Hájí Sulaymán Khán encontrou com Hájí Alláh-Yár que conseguiu, no meio daquela mesma noite, transportar os corpos da margem do fosso para a fábrica de seda que era propriedade de um dos crentes de Milán. No dia seguinte foram colocados em um caixão especialmente construído em madeira e, segundo as instruções de Hájí Sulaymán Khán, transferidos a um lugar de segurança. As sentinelas, entrementes, tentaram justificar-se pela desculpa de que, enquanto dormiam, animais selvagens haviam levado os corpos (22). Seus superiores, por sua parte, não querendo comprometer sua própria honra, esconderam a verdade, não divulgando-a às autoridades (23).

Hájí Sulaymán Khán de imediato levou o assunto ao conhecimento de Bahá'u'lláh, que estava então em Teerã e que deu instruções a Aqáy-i-Kalím para mandar um mensageiro especial a Tabríz com o fim de transferir os corpos para a capital. Essa decisão foi motivada pelos desejos que o próprio Báb expressara no "Zíyárat-i-Sháh-'Abdu'l-'Azím" uma Epístola que Ele revelara enquanto na vizinhança daquele santuário e entregou a um certo Mirza Sulaymán-i-Khatíb, com instruções para ele proceder a esse lugar, juntamente com alguns crentes, e dentro desse recinto entoá-la (24). "Bem-aventurado sois vós," em tais palavras o Báb se dirigia, nas passagens concludentes dessa Epístola, ao santo lá sepultado, "por haverdes encontrado vosso lugar de descanso emRayy, à sombra de Meu Bem-Amado. Oxalá pudesse Eu ser sepultado dentro do recinto desse solo sagrado!"

Estava eu mesmo em Teerã, na companhia de Mirza Ahmad, quando chegaram os corpos do Báb e de Seu companheiro. Bahá'u'lláh havia, neste ínterim, partido para Karbilá, de acordo com as instruções do Amír-Nízám. Áqáy-i-Kalím, com Mirza Ahmad, transferiram aqueles restos mortais do Imám-Zadih-Hasan (25), onde foram primeiro levados, para um lugar que permaneceu desconhecido de todos, menos deles mesmos. Esse lugar continuou em segredo até a partida de Bahá'u'lláh para Adrianópolis, quando Aqáy-i-Kalím foi incumbido de informar a Munir, um de seus co-discípulos, o sítio atual em que os corpos haviam sido colocados. Apesar de sua procura, não conseguiu encontrá-lo. Foi descoberto subseqüentemente por Jamál, velho aderente da Fé, a quem o segredo foi confiado enquanto Bahá'u'lláh estava ainda em Adrianópolis. Esse lugar está até agora desconhecido dos crentes, nem pode qualquer pessoa conjeturar para onde os restos mortais serão finalmente transferidos.

A primeira pessoa em Teerã a saber das circunstâncias que acompanharam aquele martírio cruel foi, depois do Grão-Vizir, Mirza Aqá Khán-i-Núrí, que havia sido exilado a Kashan por Muhammad-Sháh quando o Báb estava passando por aquela cidade. Ele assegurara a Hájí Mirza Jání, por cujo intermédio ele havia conhecido os preceitos da Fé que, se mediante o amor que ele tinha pela nova Revelação, pudesse recuperar a posição perdida, ele envidaria os máximos esforços em prol do bem-estar e da segurança dessa comunidade que era alvo de tanta perseguição. Hájí Mirza Jání relatou isso a seu Mestre, que lhe incumbiu de assegurar ao ministro desonrado que dentro em breve seria chamado a Teerã e investido, por seu soberano, de uma posição secundária a nenhuma outra, senão a do próprio Xá. Foi advertido de não se esquecer de sua promessa e de se esforçar para levar a cabo sua intenção. Deleitou-se com essa mensagem e renovou a promessa que ele havia dado.

Ao chegar-lhe a notícia do martírio do Báb, já havia ele conseguido a promoção, recebendo o título de I'timádu'd-Dawlih, e ele esperava ser elevado à posição de Grão-Vizir. Apressou-se a informar Bahá'u'lláh, a Quem conhecia intimamente, da notícia recebida, expressando a esperança de que a conflagração que ele receava, pudesse algum dia trazer indizível calamidade a Ele, tivesse sido finalmente extinta. "De modo algum," replicou Bahá'u'lláh. "Se isso é verdade, podeis ter certeza de que a chama que se ateou arderá mais intensamente do que nunca, em virtude desse próprio ato e causará uma conflagração tal que as forças combinadas dos estadistas deste reino serão impotentes para extinguir." O que estas palavras significavam, Mirza Áqá Khán era destinado a apreciar subseqüentemente. Mal poderia ele imaginar, quando foi pronunciada esta predição, que a Fé, após haver sofrido um golpe tão esmagador, pudesse sobreviver ao seu Autor. Ele mesmo, em uma ocasião, fora curado por Bahá'u'lláh de uma doença, quando toda esperança de recuperação havia sido abandonada.

Seu filho, o Nizámu'l-Mulk, perguntou-lhe um dia se não achava que Bahá'u'lláh, apesar de se haver mostrado o mais capaz entre todos os filhos do falecido Vizir, falhara, não correspondendo à tradição de Seu pai e assim desapontando as esperanças Nele depositadas. "Meu filho," respondeu ele, "acreditas realmente ser ele um filho indigno de seu pai? Tudo o que qualquer um de nós pode esperar alcançar é apenas uma lealdade efêmera e precária que se desvanecerá logo que terminarem nossos dias. Nossa vida mortal jamais poderá estar livre das vicissitudes que cercam o caminho de nossa ambição terrena. Pudéssemos por acaso mesmo segurar, durante o tempo de nossa vida, a honra de nosso nome, quem pode dizer se, após nossa morte, a calúnia não venha a macular nossa memória e desfazer o trabalho por nós realizado? Até mesmo aqueles que, enquanto nós estamos ainda vivos nos honram com seus lábios, haveriam de, em seus corações, nos condenar e vilificar, fossemos nós, por apenas um momento, deixar de lhes promover os interesses. Não é assim, porém, com Bahá'u'lláh. Diferente dos grandes da terra, qualquer que seja sua raça ou grau, ele é objeto de um amor e devoção tais que o tempo não pode diminuir nem o inimigo eliminar. Sua soberania, as sombras da morte jamais poderão obscurecer, nem a língua do caluniador solapar. Tal é o domínio de sua influência que nenhum entre aqueles que o amam se atreve, na calada da noite, evocar a memória do mais minúsculo desejo que pudesse, ainda que remotamente, ser visto como contrário a sua vontade. O número dos que assim o amam haverá de aumentar em grande escala. O amor que eles lhe têm jamais decrescerá - antes, será transmitido de geração a geração até que o mundo seja inundado de sua glória."

A maliciosa persistência com a qual um inimigo feroz tentou lesar e finalmente destruir a vida do Báb, em seu rastro trouxe para a Pérsia e seus habitantes indizíveis calamidades. Os homens que perpetraram tais atrocidades caíram vítimas de remorso mordaz, e dentro de um período incrivelmente curto tiveram que sofrer morte ignominiosa. Quanto às massas que presenciaram com sombria indiferença a tragédia que se representava diante de seus olhos e deixaram de levantar um dedo em protesto contra aquelas hediondas crueldades, elas por sua vez caíram vítimas de uma miséria que todos os recursos da terra e a energia dos estadistas eram impotentes para aliviar. O vento da adversidade soprou ferozmente sobre elas, abalando até seus fundamentos a prosperidade material. Desde aquele dia mesmo em que a mão do assaltante se estendeu contra o Báb e tentou dar o golpe fatal à Sua Fé, aflição após aflição esmagou o espírito daquele povo ingrato, levando-o até a própria beira da bancarrota nacional. Pragas cujos próprios nomes lhes deram quase desconhecidos, salvo por uma breve referência nos livros empoeirados que poucos tinham disposição para ler, caírem sobre elas com uma fúria da qual ninguém pode escapar. O flagelo, onde quer que grassasse, espalhava devastação. Príncipe e camponês sentiram-lhe de igual o aguilhão e se curvaram sob seu jugo. Agarrava o povo, recusando-se a relaxar o aperto de suas mãos. Tão malignas como a febre que dizimou a província de Gílan, essas repentinas provações continuaram a assolar a terra. Embora tão aflitivas essas calamidades, a ira vingadora de Deus não se limitou a esses infortúnios que sobrevieram a um povo perverso e infiel. Fez-se sentir em cada ser vivente que respirava na face daquela terra atribulada. Afetou a vida das plantas e dos animais igualmente, e fez o povo sentir a magnitude de sua angústia. Fome acrescentou seus horrores ao estupendo peso das aflições sob as quais o povo gemia. O sombrio espectro da morte pela fome andava em sua caçada, e a perspectiva de expirar lenta e dolorosamente persistia em sua visão. Tanto o povo como o governo suspirava pelo alívio que em parte nenhuma podiam obter. Receberam do cálice da angústia até a escória, completamente inconscientes da mão que o trouxera aos seus lábios e da Pessoa por cuja causa tiveram que sofrer.

Primeiro a levantar-se para perseguir o Báb, outro não foi, senão Husayn Khán, o governador de Shiráz. Seu vergonhoso tratamento de seu Cativo custou-lhe as vidas de milhares que haviam sido entregues a sua proteção e que anuíram aos seus atos. Sua província foi devastada por uma praga que a levou até a beira da destruição. Empobrecida e exausta, Fárs elanguescia, impotente sob seu peso, pedindo a caridade de seus vizinhos e a ajuda de seus amigos. O próprio Husayn Khán presenciou com amargura a anulação de todos os seus labores, foi condenado a viver na obscuridade durante os dias que lhe restavam e foi cambaleando ao seu túmulo, abandonado e esquecido, tanto pelos amigos como pelos inimigos.

O segundo a tentar desafiar a Fé do Báb e lhe deter o progresso, foi Hájí Mirza Aqásí. Ele foi quem, por motivos egoístas e a fim de cortejar o favor dos abjetos ulemás de seu tempo, se interpôs entre o Báb e Muhammad Sháh e se esforçou por impedir que se encontrassem. Ele foi quem pronunciou o desterro de seu temido Cativo para um isolado recanto de Aghirbáyján e, com vigilância tenaz, mantinha guarda sobre Seu isolamento. A ele foi dirigida aquela Epístola denunciadora na qual seu Prisioneiro prognosticou seu triste destino e expôs sua infâmia. Mal passaram um ano e seis meses depois que o Báb chegara às proximidades de Teerã, quando a vingança Divina tirou-o do poder e o impeliu a buscar abrigo dentro do inglorioso recinto do santuário de Sháh-'Abdu'l-'Azím, um refugiado da ira de seu próprio povo. Daí a mão do Vingador o forçou a um exílio além dos confins de sua terra natal, mergulhando-o em um oceano de aflições até que encontrou sua morte em circunstâncias de abjeta pobreza e indizível angústia.

Quanto ao regimento que, a despeito do inexplicável insucesso de Sám Khán e seus homens em destruir a vida do Báb, se havia oferecido para renovar aquela tentativa, conseguindo, afinal, Lhe cravar o corpo com suas balas, duzentos e cinqüenta de seus membros encontraram sua morte naquele mesmo ano, juntamente com seus oficiais, num terrível terremoto. Enquanto descansavam, em um quente dia de verão, à sombra de um muro em seu caminho entre Ardibíl e Tabríz, absortos em seus jogos e prazeres, a inteira estrutura de repente desmoronou e caiu sobre eles, não deixando nenhum sobrevivente. Os restantes quinhentos sofreram a mesma sorte que suas próprias mãos infligiram ao Báb. Três anos após Seu martírio, esse regimento amotinou-se e seus membros foram com isso impiedosamente fuzilados por ordem de Mirza Sádiq Khán-i-Núrí. Não contente com uma primeira descarga, ordenou que uma segunda fosse descarregada a fim de assegurar que nenhum dos amotinados tivesse sobrevivido. Seus corpos foram depois cravados de dardos e lanças e deixados expostos à vista do povo de Tabríz. Naquele dia muitos dos habitantes da cidade, recordando as circunstâncias do martírio do Báb, admiraram-se do mesmo destino que sobreviera àqueles que O haviam trucidado. "Poderia ser, por acaso, a vingança de Deus," ouvia-se alguns poucos sussurrarem um ao outro, "que tem levado o regimento inteiro a um fim tão desonroso e trágico? Se aquele jovem foi um impostor mentiroso, por que têm seus perseguidores sofrido tão severo castigo?" Estas dúvidas assim expressas chegaram aos ouvidos dos principais mujtahids da cidade, dos quais grande medo se apoderou, levando-os a mandar punir severamente todos aqueles que alimentavam tais dúvidas. Alguns foram chicoteados, outros foram multados, e todos foram advertidos que desistissem desses sussurros, os quais só poderiam revivificar a memória de um terrível adversário e novamente atear entusiasmo pela Sua Causa.

O principal incitador das forças que precipitaram o martírio do Báb, o Amír-Nízám, e também seu irmão, o Vazír-Nízám, seu maior cúmplice, foram, dentro de dois anos depois daquele ato selvagem, sujeitados a um horrível castigo, que terminou miseravelmente em suas mortes. O sangue do Amír-Nízám mancha, até mesmo o dia de hoje, a parede do banho de Fín (26), como testemunho das atrocidades que sua própria mão perpetrara (27).

CAPÍTULO XXIV
A REVOLTA DE ZANJÁN

A fagulha que incendiara as grandes conflagrações de Mázindarán e Nayríz já havia inflamado Zanján (1) e suas cercanias quando o Báb encontrou Sua morte em Tabríz. Por profunda que fosse Sua tristeza sobre o lastimável e calamitoso destino que sobreviera os heróis de Shaykh Tabarsí, a notícia dos sofrimentos não menos trágicos que foram a sorte de Vahíd e seus companheiros, veio como mais um golpe para Seu coração, já oprimido pelo peso de múltiplas aflições. A consciência dos perigos que se espessavam a Seu redor; a memória da indignidade que Ele suportou a última vez que foi conduzido a Tabríz; a pressão de um prolongado e rigoroso cativeiro em meio aos fortificados recintos das montanhas de Adhirbáyján; a horrenda carnificina que assinalou as etapas concludentes das revoltas de Mázindarán e Nayríz; os ultrajes a Sua Fé perpetrados pelos perseguidores dos Sete Mártires de Teerã - nem eram estas todas as tribulações que nublaram os dias restantes de uma vida que rapidamente minguava. Já estava Ele prostrado diante da severidade desses golpes quando Lhe alcançaram as notícias dos acontecimentos em Zanján, os quais então começavam a prognosticar suas tristes conseqüências finais, servindo isso para consumar a angústia de Seus últimos dias. Quanta agonia não deve Ele ter suportado à medida que as sombras da morte rapidamente O cercavam! Em toda área, quer no norte ou no sul, os campões de Sua Fé foram sujeitados a sofrimentos imerecidos, havendo sido infamemente enganados, roubados de seus bens e desumanamente massacrados. E agora, como se para encher até transbordar Seu cálice de dores, irrompeu a tempestade de Zanján, a mais violenta e devastadora delas todas (2).

Procedo agora a relatar as circunstâncias que fizeram daquele evento um dos mais emocionantes episódios na história desta Revelação. Sua figura principal foi Hujját-i-Zanjání, cujo nome era Mullá Muhammad 'Alí (3), um dos mais capazes dignitários eclesiásticos de sua época e certamente um dos mais temidos campeões da Causa. Seu pai, Mullá Rahím-i-Zanjání, foi um dos mais eminentes mujtahids de Zanján, muito estimado por sua piedade, sua erudição e força de caráter. Mullá Muhammad'Alí, cognominado Hujját, nasceu no ano de 1227 A. H. (4). Desde menino, mostrou ele tamanha capacidade que seu pai prodigalizava cuidados em sua educação. Mandou-o a Najaf, onde ele se distinguiu por sua perspicácia, sua habilidade e seu fogoso ardor (5). Seus conhecimentos e sua aguçada inteligência excitaram a admiração de seus amigos, enquanto sua franqueza e força de caráter fizeram-no o terror de seus adversários. Seu pai lhe aconselhou que não regressasse a Zanján, onde seus inimigos estavam contra ele conspirando. De acordo com isso decidiu estabelecer residência em Hamadán (6), onde se casou com uma parenta e morou por cerca de dois anos e meio. Veio-lhe então a notícia do falecimento de seu pai, quando resolveu partir para sua cidade natal. A ovação que ele recebeu ao chegar, inflamou a hostilidade dos ulemás, os quais a despeito de sua oposição manifesta, de suas mãos receberam todas as provas de consideração e bondade (7).

Do púlpito do masjid erigido pelos seus amigos em sua honra, exortou a vasta multidão, lá reunida a fim de ouvi-lo, a se abster de excessiva indulgência para consigo próprio e a exercer moderação em todos os seus atos (8). Ele suprimiu inexoravelmente toda forma de abuso e pelo seu exemplo animou o povo a aderir rigidamente aos princípios inculcados pelo Alcorão. Com tão grande cuidado e tanta habilidade ensinava ele os discípulos, que estes excederam em conhecimentos e compreensão os reconhecidos ulemás de Zanján. Durante dezessete anos prosseguiu seus labores meritórios e conseguiu purificar as mentes e os corações de seus concidadãos de qualquer coisa que parecesse ser contrária ao espírito e aos ensinamentos de sua Fé (9).

Quando lhe veio a Chamado de Shíráz, ele despachou seu mensageiro fidedigno, Mullá Iskandar para indagar sobre as pretensões da nova Revelação, tal foi sua resposta a essa Mensagem que seus inimigos foram incitados a redobrar contra ele seus ataques. Não havendo podido, antes, desonrá-lo aos olhos do governo e do povo, tentaram agora denunciá-lo como defensor de uma heresia e repudiador de tudo o que havia de sagrado e acariciado no Islã. "Sua reputação pela justiça, piedade, sabedoria e erudição," sussurravam um ao outro, "tem sido tal que nos era impossível lhe enfraquecer sua posição. Quando chamado a Teerã, na presença de Muhammad Sháh, não conseguiu ele, com sua eloqüência magnética, ganhar sua simpatia e dele fazer um de seus devotados admiradores? Agora, entretanto, havendo ele tão abertamente se tornado campeão da Causa do Siyyid-i- Báb, podemos seguramente ter sucesso em obter do governo a ordem para sua apreensão e seu banimento de nossa cidade."

Assim redigiram uma petição a Muhammad-Sháh, na qual tentaram, por meio de todo ardil que suas mentes malévolas e astuciosas puderam inventar, desacreditar seu nome. "Enquanto ainda se professando seguidor de nossa Fé," queixaram-se eles, "com a ajuda de seus discípulos ele tem podido repudiar nossa autoridade. Agora que se identificou com a causa do Siyyid-i- Báb e converteu àquele odioso credo dois terços da população de Zanján, que humilhação não infligirá ele a nós! A multidão que se aglomera nos seus portões não mais cabe no masjid inteiro. Tal é sua influência que o masjid que pertencia a seu pai e aquele que foi erigido em sua honra foram ligados, tornando-se um só edifício a fim de acomodar a sempre crescente congregação que se apressa avidamente para segui-lo na oração. Aproxima-se o tempo rapidamente quando não só Zanján, como também as aldeias vizinhas haverão se declarado seus aderentes."

O Xá muito se admirou do tom e da linguagem em que os peticionários tentaram acusar Hujját. Participou seu espanto a Mirza Nazar-'Alí, o Hakím-Báshí, e se lembrou do fervoroso tributo que muitos visitantes a Zanján prestaram às habilidades e integridade do acusado. Decidiu chamá-lo, juntamente com seus opositores, a Teerã. Em uma reunião especial que ele próprio, juntamente com Hájí Mirza Áqásí e os principais oficiais do governo, bem como alguns dos ulemás reconhecidos convocaram, pediu que os dirigentes eclesiásticos de Zanján vindicassem as queixas que haviam avançado. Quaisquer perguntas que eles a respeito dos ensinamentos de sua Fé, fizessem a Hujját, ele respondia de um modo que não pudesse deixar de ganhar a admiração incondicional de seus ouvintes e estabelecer a confiança do soberano em sua inocência. O Xá expressou sua plena satisfação e recompensou Hujját amplamente pela excelente maneira com que conseguira refutar as alegações de seus inimigos. Ordenou-lhe que regressasse a Zanján e continuasse seus valiosos serviços à causa de seu povo, assegurando-lhe que sob todas as circunstâncias lhe daria seu apoio e pedindo que lhe informasse de qualquer dificuldade com que ele talvez tivesse que se defrontar no futuro (10).

Sua chegada em Zanján foi sinal para uma explosão feroz da parte de seus humilhados opositores. À medida que sua hostilidade se multiplicava, as provas de devoção por parte dos amigos e defensores aumentava em grau correspondente (11). Inteiramente desdenhoso de suas maquinações, prosseguia com inalterável zelo as atividades (12). Os princípios liberais que ele destemida e incessantemente promovia atacaram pela própria raiz a estrutura que um inimigo intolerante havia laboriosamente erigido. Presenciaram com fúria impotente o rompimento de sua própria autoridade e o colapso de suas instituições.

Foi nesses dias que seu emissário especial, Mashhadí Ahmad, que fora despachado confidencialmente a Shíráz com uma petição e presentes para o Báb, chegou em Zanján e lhe entregou nas mãos enquanto ele discursava aos discípulos, uma carta lacrada de seu Bem-Amado. Na Epístola recebida, o Báb lhe conferiu um de Seus próprios títulos, o de Hujját, e lhe solicitou que proclamasse do púlpito, sem a mínima reserva, os ensinamentos fundamentais de Sua Fé. Assim que foi informado dos desejos de seu Mestre, ele imediatamente declarou sua resolução de se dedicar à pronta execução de qualquer injunção contida na Epístola. Dissolveu logo a classe, ordenando que os discípulos fechassem os livros, e declarou sua intenção de encerrar seus cursos de estudo. "De que proveito," disse ele, "são estudo e pesquisas para aqueles que já encontraram a Verdade e por que se esforçar para adquirir erudição quando Aquele que é o Objeto de todo o conhecimento se manifesta?"

Assim que tentou dirigir a congregação em oferecer a oração de sexta-feira, segundo o Báb (13) lhe solicitara, o Imám-Jum'ih, que havia até então cumprido esse dever, protestou veementemente, asseverando ser esse direito o exclusivo privilégio de seus próprios antecessores, a ele conferido pelo seu soberano, direito esse que ninguém, por mais exaltada sua posição, podia usurpar. "Esse direito," retorquiu Hujját, "foi superado pela autoridade da qual o próprio Qa'im me investiu. Ele ordenou que eu assumisse publicamente essa função, e não posso permitir que qualquer pessoa infrinja esse direito. Se eu for agredido, tomarei medidas para me defender e para proteger as vidas de meus companheiros."

Sua destemida insistência no dever que lhe fora imposto pelo Báb fez os ulemás de Zanján aliarem-se com o Imám-Jum'ih (14) e levaram suas queixas a Hají Mirza Áqásí, diante de quem argüiram que Hujját desafiara a validade de reconhecidas instituições e lhes espezinhara os direitos. "Devemos fugir desta cidade com nossas famílias e nossos pertences," insistiam, "e deixar a seu cuidado exclusivo os destinos de seu povo, ou obter de Muhammad Sháh um édito para sua imediata expulsão deste país, pois acreditamos firmemente que estaríamos solicitando desgraça se permitíssemos que ele ficasse sobre seu solo." Embora Hají Mirza Áqásí nutrisse no coração desconfiança da ordem eclesiástica de seu país e tivesse uma aversão natural para suas crenças e práticas, ele foi forçado afinal a submeter a questão a Muhammad Sháh, que ordenou a transferência de Hujját de Zanján para a capital.

Um curdo, de nome Qilíj Khán, foi pelo Xá incumbido de entregar o chamado real a Hujját. O Báb neste entrementes chegara na vizinhança de Teerã em Seu caminho para Tabríz. Antes da chegada do mensageiro real em Zanján, Hujját enviara um dos amigos, um certo Khán-Muhammad-i-Túb-Chí, a seu Mestre com uma petição na qual solicitava lhe fosse permitido salvá-Lo das mãos do inimigo. O Báb assegurou-lhe que Sua salvação, o Todo-Poderoso tão somente poderia realizar e que ninguém podia escapar de Seu decreto ou se evadir de Sua lei. "Quanto a vosso encontro Comigo," acrescentou, "este breve haverá de se realizar no mundo do além, na morada de imperecível glória."

No dia em que Hujját recebeu essa mensagem, Qilíj Khán chegou em Zanján, lhe informou das ordens recebidas e partiu, acompanhado por ele, para a capital. Sua chegada em Teerã coincidiu com a partida do Báb da aldeia de Kulayn, onde Ele fora detido por alguns dias.

As autoridades, apreensivas de que um encontro entre o Báb e Hujját causasse novas comoções, haviam tomado as precauções necessárias para assegurar a ausência de Hujját de Zanján durante a passagem do Báb pela cidade. Os companheiros que estavam seguindo Hujját a alguma distância em seu caminho à capital foram por ele solicitados a regressar e tentar encontrar seu Mestre e lhe assegurar de sua prontidão para vir livrá-Lo. Enquanto de volta a seus lares, encontraram o Báb, que expressou novamente Seu desejo de que nenhum de Seus amigos tentasse libertá-Lo de Seu cativeiro. Até ordenou que dissessem aos crentes entre seus concidadãos que não se aproximassem Dele e sim O evitassem onde quer que estivesse.

Mal essa mensagem fora entregue àqueles que haviam saído para lhe dar boas vindas no momento de Sua Aproximação da cidade, quando começaram a lamentar e deplorar sua sorte. Não puderam, entretanto, resistir ao impulso que os impelia a sair a Seu encontro, esquecidos do desejo por Ele expresso.

Logo que foram encontrados pelos guardas que marchavam na dianteira de seu Cativo, foram impiedosamente dispersos. Quando alcançaram uma bifurcação da estrada, surgiu uma altercação entre Muhammad Big-i-Chápárchí e seu colega, que havia sido despachado de Teerã para ajudar a conduzir o Báb a Tabríz. Muhammad Big insistia que seu Prisioneiro fosse levado à cidade, onde lhe seria permitido passar a noite no caravançarai de Mirza Ma'sum-i-Tabíb, pai de Mirza Muhammad-'Alíy-i-Tabíb, mártir da Fé, antes de continuar sua marcha para Adhirbáyján. Alegou que se passassem a noite fora do portão, estariam expondo suas vidas a perigo e animando os opositores a tentar um ataque contra eles. Conseguiu afinal, convencer o colega de que devesse conduzir o Báb àquele caravançarai. Quando passavam pelas ruas, espantaram-se ao ver a multidão que se apinhara nos telhados das casas, tão grande era sua ansiedade de obter um vislumbre da face do Prisioneiro.

Mirza Ma'súm, antigo dono do caravançarai, havia morrido recentemente, e seu filho mais velho, Mirza Muhammad-'Alí, o mais eminente médico de Hamadán quem, embora não um crente, tinha amor sincero pelo Báb, chegara em Zanján e estava de luto pelo seu pai. Ele recebeu o Báb amorosamente no caravançarai que ele, com cuidado especial, preparara antecipadamente para Sua recepção. Até tarde naquela noite permaneceu em Sua presença, aceitando incondicionalmente a Sua Causa.

"Naquela mesma noite que testemunhou minha conversão," eu o ouvi relatar subseqüentemente, "levantei-me antes do amanhecer, acendi minha lanterna e, precedido pelo servo de meu pai, dirigi meus passos ao caravançarai. Os guardas que estavam estacionados na entrada, reconhecendo-me, permitiram que eu entrasse. O Báb estava fazendo Suas abluções quando fui conduzido a Sua presença. Impressionou-me muito vê-lo absorto em Suas devoções. Encheu-me o coração um sentimento de júbilo reverente, enquanto atrás Dele eu permanecia, orando. Preparei, eu mesmo, Seu chá e quando O estava lhe oferecendo, Ele me solicitou que partisse para Hamadán. 'Esta cidade,' disse Ele, 'será precipitada em grande tumulto e em suas ruas correrá sangue'. Expressei meu desejo de ser permitido a derramar meu sangue em Seu caminho. Assegurou-me Ele que não viera ainda a hora de meu martírio e me disse que eu me resignasse a qualquer coisa que fosse decretada por Deus. Na hora do nascer do sol, enquanto Ele montava Seu cavalo e se preparava para partir, Lhe implorei, que me deixasse segui-Lo, mas Ele aconselhou-me que ficasse e me assegurou Suas orações infalíveis. Resignando-me a Sua vontade, com pesar eu O via desaparecer de minha vista."

Ao chegar em Teerã, Hujját foi conduzido à presença de Hají Mirza Áqásí que, em nome do Xá e em seu próprio, expressou seu aborrecimento por causa da intensa hostilidade que sua conduta levantara entre os ulemás de Zanján. "Muhammad Sháh e eu," disse-lhe, "somos continuamente assediados por denúncias verbais e por escrito contra vós. Dificilmente pude acreditar em sua acusação relativa ao vosso abandono da Fé de vossos antepassados. Nem se inclina o Xá em tais asserções. Ele mandou que eu vos chamasse a sua capital e induzisse a refutar essas acusações. Entristece-me ouvir que um homem que considero infinitamente superior em conhecimento e habilidade ao Siyyid-i- Báb quis identificar-se com seu credo." "Não é assim," respondeu Hujját, "Deus sabe que, se esse mesmo Siyyid fosse confiar a mim o mais humilde serviço em seu lar, isso eu julgaria uma honra tal que os mais altos favores de meu soberano jamais poderiam esperar exceder." "Isso nunca pode ser!" bradou Hájí Mirza Áqásí. "É minha firme e inalterável convicção," reafirmou Hujját, "que esse Siyyid de Shíráz é, em verdade, Aquele cujo advento vós mesmo como todos os povos do mundo, estais ansiosamente esperando. Ele é nosso Senhor, nosso prometido Salvador."

Hájí Mirza Áqásí relatou isso a Muhammad-Sháh, a quem expressou seus receios de que, fossem permitir tão temível adversário - julgado pelo próprio soberano o mais hábil dos ulemás de seu reino - prosseguir irrestritamente o curso de suas atividades, seria esta uma política que acarretava o mais grave perigo ao Estado. O Xá, não favorável a dar crédito a tais relatos, atribuindo-os à malícia e inveja dos inimigos do acusado, ordenou convocar uma reunião especial na qual se lhe pediria que vindicasse sua posição em presença dos ulemás reunidos da capital.

Houve várias reuniões com esse propósito, em cada uma das quais Hujját expôs com eloqüência as pretensões básicas de sua Fé, confundindo os argumentos daqueles que tentaram lhe fazer oposição. "Não é a seguinte tradição," declarou ele audazmente, "reconhecida de modo igual pelo islã xiita e pelo sunita: - 'Deixo entre vós meus testemunhos gêmeos, o Livro de Deus e minha família?' - Em vossa opinião, não passou o segundo destes testemunhos, e não é nosso único meio de guia em conseqüência, contido no testemunho do Livro Sagrado? Solicito-vos a medir toda pretensão avançada por qualquer um de nós, pelo padrão estabelecido naquele Livro, e considerá-lo a autoridade suprema pela qual pode ser julgada a justeza de nosso argumento." Não podendo defender a questão contra ele, se aventuraram a pedir-lhe, como último recurso, que apresentasse um milagre para estabelecer a verdade de sua asserção. "Qual o milagre maior," exclamou ele, "do que o de haver Ele me dado o poder de triunfar, só e sem auxílio, pela simples força de meu argumento, contra as hostes combinadas dos mujtahids e ulemás de Teerã?"

A maneira magistral de Hujját, em refutar as inseguras pretensões avançadas pelos seus adversários ganhou-lhe o favor de seu soberano, não mais sendo ele, desde aquele dia, dominado pelas insinuações de seus inimigos. Embora a inteira companhia dos ulemás de Zanján, bem como muitos dos dirigentes eclesiásticos de Teerã, o tivessem declarado um infiel e condenado à morte, Muhammad Sháh continuou, entretanto, a lhe conferir seus favores e lhe assegurar que podia contar com seu apoio. Hájí Mirza Áqásí, embora não fosse de coração amigo de Hujját, não podia, em face dessas inquestionáveis evidências de favor real, resistir abertamente a sua influência e, com suas freqüentes visitas a sua casa e os presentes que com profusão lhe dava, aquele insincero ministro procurava esconder seu ressentimento e sua inveja.

Hujját era virtualmente prisioneiro em Teerã. Não podia transpor os portões da capital, nem lhe era permitido livre contato com os amigos. Os crentes entre seus concidadãos resolveram, afinal, enviar uma delegação para lhe pedir novas instruções sobre sua atitude para com os princípios e leis de sua Fé. Ele os incumbiu de observar com lealdade absoluta as admoestações recebidas do Báb por intermédio dos mensageiros que ele mandara investigar Sua Causa. Enumerou uma série de preceitos alguns dos quais constituíam uma bem definida divergência das tradições estabelecidas do Islã. "Siyyid Kázim-Zanjání," ele lhes assegurou, "estava intimamente associado a meu Mestre tanto em Shíráz, como em Isfáhán. Ele, como também Mullá Iskandar e Mashhadí Ahmad, ambos os quais mandei ao Seu encontro, tem declarado positivamente ser Ele próprio o primeiro a praticar os preceitos que impôs aos fiéis. Compete pois, a nós que somos Seus aderentes, seguir-Lhe o nobre exemplo."

Assim que essas explícitas instruções foram lidas a seus companheiros, eles se tornaram inflamados com um desejo irresistível de aceder a sua vontade. Entusiasticamente assumiram a tarefa de executar as leis da nova Dispensação e, abandonando os costumes e práticas anteriores, sem a mínima hesitação se identificaram com suas pretensões. Até crianças pequenas eram encorajadas a seguir escrupulosamente as admoestações do Báb. "Nosso bem-amado Mestre," eram ensinadas a dizer, "é, Ele Próprio o primeiro a praticá-la. Por que devemos nós, que somos Seus discípulos privilegiados, hesitar em fazê-las os princípios dominantes de nossas vidas?".

Hujját era ainda cativo em Teerã quando lhe veio a notícia do assédio do forte de Tabarsí. Ardentemente desejava ele, e deplorava isto lhe ser impossível, compartir da sorte de seus companheiros que com tão esplêndido heroísmo lutavam pela emancipação de sua Fé. Seu consolo único naqueles dias era sua estreita associação com Bahá'u'lláh, de quem ele recebeu o poder sustentador que lhe possibilitou, em época subseqüente, distinguir-se por façanhas não menos notáveis do que aquelas manifestadas por essa companhia nas horas mais tenebrosas de sua memorável luta.

Ele estava ainda em Teerã quando Muhammad Sháh faleceu, deixando o trono a seu filho Násiri'd-Dín Sháh (15). O Amír-Nizám, o novo Grão-Vizir, decidiu tornar mais rigorosa a prisão de Hujját e, neste ínterim, procurar um meio de destruí-lo. Esse cativo, ao ser informado da iminência do perigo que lhe ameaçava a vida, resolveu sair disfarçado de Teerã e se juntar aos companheiros, que ansiosamente aguardavam sua volta.

A chegada em sua cidade natal, ao ser anunciada aos companheiros por um certo Karbilá'í Valí-'Attar, foi sinal para uma tremenda demonstração de devotada lealdade por parte de seus numerosos admiradores. Aglomeraram-se homens, mulheres e crianças para lhe dar boas vindas e renovar seus protestos de duradouro e inalterável afeto (16). O governador de Zanján, Majdu'd-Dawlih (17), tio materno de Násíri'd-Dín Sháh, assombrado diante da espontaneidade dessa ovação ordenou, na fúria de seu desespero, que a língua de Karbilá'í Valí-'Attar fosse de imediato arrancada. Embora de coração detestasse Hujját, ele fingia ser seu amigo que desejava seu bem. Visitava-o freqüentemente, mostrando-lhe consideração sem limites e, no entanto, secretamente estava conspirando contra sua vida e aguardando o momento em que lhe pudesse infligir o golpe fatal.

Essa hostilidade latente seria breve transformada até romper em chama, por um incidente que era em si, de pouca importância. Forneceu a ocasião, uma briga repentina entre duas crianças de Zanján, uma das quais era de um parente de um dos companheiros de Hujját. O governador de imediato mandou apreender a criança e a confinar estritamente. Uma quantia foi oferecida ao governador pelos crentes, a fim de induzi-lo a libertar seu jovem prisioneiro. Ele recusou a oferta quando, então queixaram-se a Hujját, que protestou veementemente. "Essa criança," escreveu ele ao governador, "é nova demais para ser considerada responsável pela sua conduta. Se merece castigo é seu pai e não a criança, que se deve fazer sofrer."

Vendo que o apelo não fora atendido, renovou ele seu protesto e o entregou às mãos de um de seus amigos, homens de influência, Mir Jalíl, pai de Siyyid Ashraf e mártir da Fé, incumbindo-o de apresentá-lo pessoalmente ao governador. Os guardas estacionados na entrada da casa recusaram de início, admiti-lo. Indignado com isso, ele ameaçou forçar acesso pelo portão e conseguiu superar-lhes a resistência pela simples ameaça de desembainhar a espada e o governador enfurecido, foi obrigado a libertar a criança.

O fato de o governador haver acedido incondicionalmente a demanda de Mir Jalíl provocou a furiosa indignação dos ulemás. Protestaram violentamente, reprovando sua submissão às ameaças com as quais os oponentes haviam tentado intimidá-lo. Expressaram-lhe seu receio de que, por haver ele assim cedido, seriam encorajados a exigir dele ainda mais, e habilitados assumir, dentro em breve, as rédeas da autoridade e exclui-lo de participar da administração do governo, induziram-no afinal, a autorizar a prisão de Hujját, convencidos de que com este ato se pudesse deter o progresso de sua influência.

O governador, com relutância, consentiu. Repetidamente asseguravam-lhe os ulemás que sua ação em nenhuma circunstância viria a por em perigo a paz e segurança da cidade. Dois de seus aderentes, Pahlaván (18) Asadu'lláh e Pahlaván Safar-'Alí, sendo ambos notórios por sua brutalidade e sua força prodigiosa, ofereceram-se para prender Hujját e entregá-lo algemado ao governador. A cada um se prometeu uma generosa recompensa em retribuição desse serviço. Vestido em sua armadura, com capacetes nas cabeças, e lhes seguindo um bando de rufiões recrutados dentre os mais degradados da população, partiram para executar seu propósito. Os ulemás neste ínterim estavam diligentemente ocupados em incitar a população e animá-la a redobrar os esforços.

Logo que os emissários chegaram no bairro em que Hujját residia, defrontaram-se inesperadamente com Mir Saláh, um de seus mais temerosos adeptos que, juntamente com sete de seus companheiros armados, fez forte oposição ao avanço deles. Perguntou a Asadu'lláh onde ia e ao receber dele uma resposta insultante, desembainhou a espada e, com o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" (19), saltou em cima dele e lhe feriu na testa. A audácia de Mir Saláh a despeito da armadura pesada que o adversário usava, assustou o bando inteiro, causando sua fuga em várias direções (20).

O brado que aquele intrépido defensor da Fé levantou nesse dia foi ouvido pela primeira vez em Zanján - um brado que espalhou pânico pela cidade. O governador, atemorizado por sua força tremenda, perguntou o que poderia significar aquele brado e de quem foi a voz que o pudera levantar. Ficou gravemente agitado quando lhe disseram que era a senha dos companheiros de Hujját, com a qual pediam a assistência do Qa'im na hora da angústia.

Os remanescentes daquele bando amedrontado pouco depois, encontraram Shaykh Muhammad-i-Túb-Chí, a quem reconheceram imediatamente como um de seus mais hábeis adversários. Vendo-o desarmado caíram sobre ele e com um machado que um deles levava, golpearam-no, ferindo-lhe a cabeça. Levaram-no ao governador e mal haviam deixado o homem ferido, quando certo Siyyid Abu'l-Qásin, um dos mujtahids de Zanján o qual estava presente, se precipitou contra ele com o canivete e o apunhalou no peito. O governador também desembainhou a espada, lhe bateu na boca e foi seguido pelos atendentes que, com as armas a seu dispor, consumaram o assassinato de sua desventurada vítima. Enquanto sobre ele choviam seus golpes, ouviram-no, inconsciente de seus sofrimentos, dizer: "Agradeço-Te, ó meu Deus, por me haveres concedido a coroa do martírio." Ele foi o primeiro entre os crentes de Zanján a ofertar a vida no caminho da Causa. Sua morte, ocorrida na sexta-feira, dia quatro de Rajab, no ano de 1266 A. H. (21), precedeu por quarenta e cinco dias o martírio de Vahíd e por cinqüenta e cinco dias, o do Báb.

O sangue que naquele dia se derramou, longe de apaziguar a hostilidade do inimigo, serviu para, ainda mais, lhe inflamar as paixões, para lhe reforçar a determinação de sujeitar ao mesmo destino o restante dos companheiros. Encorajados pelo fato de que a tácita aprovação do governador fora dada as suas intenções expressas, resolveram trucidar todos aqueles em que pudessem pôr as mãos, sem antes obterem a expressa autorização dos oficiais do governo. Comprometeram-se solenemente entre si a não descansar antes de haverem extinguido o fogo daquilo que consideravam uma vergonhosa heresia (22). Forçaram o governador a mandar um pregoeiro proclamar por todo o Zanján que quem quisesse por em perigo sua vida, deixar serem confiscados seus bens, expor a esposa e os filhos à miséria e à vergonha, poderia aliar-se a Hujját e seus companheiros; e aqueles que desejavam assegurar seu próprio bem-estar e honra, bem como o de suas famílias, deveriam retirar-se da vizinhança em que residiam aqueles companheiros e procurar o abrigo da proteção do soberano.

Essa advertência, de imediato, dividiu os habitantes em dois grupos distintos e severamente pôs à prova a fé dos que não estavam firmes ainda em sua lealdade à Causa. Deu origem às mais comovedoras cenas, causou a separação de pais e filhos, a alienação de irmãos e de outros parentes. Todo laço de afeto terreno parecia dissolver-se nesse dia, e as promessas solenes foram rejeitadas a favor de uma lealdade mais poderosa e mais sagrada do que qualquer lealdade deste mundo. Zanján caiu vítima da mais frenética agitação. O grito de angústia que membros de famílias divididas levantavam ao céu em um frenesi de desespero, confundia-se com as blasfemas vociferações que um inimigo ameaçador lhes arremessava. Exclamações de júbilo a todo momento saudavam aqueles que, desprendendo-se de seus lares e parentes, se alistavam como espontâneos defensores da Causa de Hujját. O acampamento do inimigo zumbia de febril atividade em preparação para a grande luta na qual eles haviam secretamente resolvido entrar. Precipitaram-se a mandar das aldeias vizinhas reforços para a cidade, segundo ordens do governador, e animados pelos mujtahids, siyds e ulemás que o apoiaram (23).

Imperturbável diante do crescente tumulto, Hujját subiu ao púlpito e, erguendo a voz, proclamou à congregação: "A mão da Onipotência neste dia, separou a verdade da falsidade e dividiu a luz da guia, das trevas do erro. Não consinto a que vós sofrais algum mal por minha causa. O objetivo único do governador e dos ulemás que o apóiam, é me apreender e me matar. Não nutrem outra ambição. Têm sede de meu sangue e não procuram outro, além de mim. Qualquer um entre os que sinta o menor desejo de salvaguardar sua vida contra os perigos que nos cercam, qualquer um que hesite em oferecer a vida por nossa Causa - que ele, antes de ser tarde demais, se retire deste lugar e volte para aquele donde veio (24)."

Nesse dia mais de três mil homens foram recrutados das aldeias circunvizinhas de Zanján pelo governador. Neste ínterim Mír Saláh, acompanhado por alguns de seus companheiros, tendo observado a crescente agitação de seus oponentes, procurou a presença de Hujját e o exortou, como medida de precaução, a transferir sua residência ao forte de Alí-Mardán Khán (25), adjacente ao bairro em que ele morava. Hujját deu seu consentimento e ordenou que as mulheres e crianças, com as provisões necessárias, fossem levadas ao forte. Embora estivesse ocupado pelos donos, os companheiros induziram-nos afinal a se retirarem, dando-lhes em troca as casas em que eles mesmos haviam residido.

O inimigo entrementes se preparava para lançou contra eles um ataque violento. Mal um destacamento de suas forças abrira fogo contra as barricadas levantadas pelos companheiros, quando Mír Ridá, um siyyid de excepcional coragem pediu a seu líder que lhe permitisse tentar apreender o governador e trazê-lo preso ao forte. Hujját, não consentindo com esse pedido, lhe aconselhou que não arriscasse a vida.

Tão acabrunhado de medo estava o governador ao ser informado da intenção desse siyyid, que decidiu sair imediatamente de Zanján. Foi dissuadido de tomar tal medida entretanto, por um certo siyyid que argüia que sua partida seria sinal para tão graves distúrbios, que o desonrariam aos olhos de seus superiores. O próprio siyyid, como evidência de sua sinceridade, partiu para lançar uma ofensiva contra os ocupantes do forte. Mal dera ele o sinal para o ataque e começara a avançar na vanguarda de um bando de trinta de seus companheiros, quando inesperadamente, encontrou com dois de seus adversários, os quais marchavam em sua direção com as espadas desembainhadas. Acreditando que eles pretendiam assaltá-lo, ele com seu bando inteiro foram de repente tomados de pânico, voltou imediatamente a sua casa e, esquecido de tudo o que assegurara ao governador, permaneceu durante todo o dia fechado em seu quarto. Os que estavam com ele dispersaram-se prontamente, desistindo da idéia de prosseguir o ataque. Foram subseqüentemente informados de que os dois homens com quem haviam encontrado não lhes tinham nenhuma intenção hostil, que iriam simplesmente cumprir uma comissão que lhes fora confiada.

A esse episódio humilhante seguiram-se, dentro em breve, várias tentativas similares por parte daqueles que apoiavam o governador, todas as quais falharam completamente na consecução de seu propósito. Cada vez que se apressavam a atacar o forte, Hujját mandava uma pequena parte de seus companheiros, cujo número era de três mil, para emergir de seu abrigo e dissipar essas forças. Nenhuma vez ao dar tais ordens, deixou ele de acautelar aos discípulos contra desnecessário derramamento de sangue. Lembrava-lhes constantemente de que sua ação era de caráter puramente defensivo, e seu propósito único era preservar inviolada a segurança de suas mulheres e seus filhos. "É-nos proibido," ouvia-se ele freqüentemente observar, "travar guerra santa, sob quaisquer circunstâncias contra os descrentes, não importa qual seja sua atitude para conosco."

Esse estado de coisas continuou (26) até que as ordens do Amír-Nizám chegaram a um dos generais do exército imperial de nome Sadru'd-Dawlih-Isfáhání (27), que havia partido em comando de dois regimentos, para o Adhirbáyján. As ordens por escrito do Grão-Vizir lhe alcançaram em Khansih, mandando que cancelasse a projetada viagem e seguisse imediatamente a Zanján e lá prestasse sua assistência às forças que haviam sido juntadas pelo governo. "Fostes incumbido por vosso soberano," escrevia-lhe o Amír Nizám, "de subjulgar o bando de malfeitores em Zanján e suas cercanias. É privilégio vosso esmagar-lhes as esperanças e exterminar as forças. Tão insigne serviço, em tão crítico momento, vos ganhará o mais alto favor do Xá, bem como o aplauso e a estima do seu povo."

Esse farmán animador incitou a imaginação do ambicioso Sadrú'd-Dawlih. Marchou ele instantaneamente para Zanján na vanguarda de seus dois regimentos, organizou as forças que o governador colocara a seu dispor e deu ordens para um ataque por todas as forças combinadas contra o forte e seus defensores (28). A luta enfurecia-se nas cercanias do forte durante três dias e três noites, enquanto os assediados, sob a direção de Hujját, resistiam com esplêndida bravura a feroz investida dos atacantes. Nem seu número preponderante, nem a superioridade de seu equipamento e treino, podia habilitá-los a reduzir os intrépidos companheiros à rendição incondicional (29). Inabaláveis diante do fogo de canhão que sobre eles caia feito um dilúvio e esquecidos tanto de fome como de sono, precipitaram-se do forte em impetuosa investida, completamente alheios aos perigos aos quais tal ataque os expunha. Às imprecações com que a hoste oponente saudava sua saída de seu abrigo, bradavam sua resposta de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" e, enlevados pelo encanto dessa invocação, arremessaram-se contra o inimigo, dispersando-lhe as forças. A freqüência e o êxito dessas investidas desmoralizavam seus atacantes e os convenceram da futilidade de seus esforços. Breve foram obrigados a admitir sua incapacidade de ganhar uma vitória decisiva. O próprio Sadru'd-Dawlih teve que confessar que após haverem transcorrido nove meses de combate contínuo, de todos os homens que originariamente pertenciam a seus dois regimentos, nada mais que trinta soldados aleijados foram deixados para apoiá-lo. Acabrunhado de humilhação, foi forçado, afinal a admitir sua incapacidade de atemorizar o espírito de seus oponentes. Foi degradado e severamente repreendido pelo seu soberano. As esperanças por ele acariciadas foram, em conseqüência dessa derrota, irreparavelmente esmagadas.

Tão abjeta derrota lançou em consternação os corações do povo de Zanján. Poucos consentiam, após aquele desastre, em arriscar suas vidas em desesperançosos encontros. Somente aqueles obrigados a combater se aventuravam a renovar os ataques contra os assediados. O peso da luta foi suportado mormente pelos regimentos que estavam sendo despachados sucessivamente de Teerã para esse fim. Enquanto os habitantes da cidade, em particular a classe comercial, lucraram muito com repentino fluxo de tão grande número de forças os companheiros de Hujját sofreram necessidade e privação dentro dos muros do forte. Seus suprimentos diminuíam rapidamente; sua única esperança de receber alguns alimentos de fora estava nos esforços, muitas vezes mal sucedidos, de um pequeno número de mulheres que conseguiam, sob vários pretextos, aproximar-se do forte e lhes vender, por preços exorbitantes, as provisões das quais eles tão aflitivamente necessitavam.

Embora oprimidos pela forme e vexados por investidas ferozes e repentinas, eles mantinham com inalterável determinação a defesa do forte. Sustentados por uma esperança que as adversidades por mais numerosas que fossem, não poderiam ofuscar, conseguiram erigir nada menos que vinte e oito barricadas, cada uma das quais foi entregue ao cuidado de um grupo de dezenove de seus co-discípulos. Em cada barricada foram estacionados mais dezenove companheiros como sentinelas, cuja função era observar e comunicar os movimentos do inimigo.

Freqüentemente eram surpreendidos pela voz do pregoeiro, mandado pelo inimigo às proximidades do forte a fim de induzir os ocupantes a abandonar Hujját e sua Causa. "O governador da província," proclamou ele, "e o comandante em chefe também estão prontos a perdoar e oferecer uma passagem segura a qualquer um entre vós que decida deixar o forte e renunciar a sua fé. Tal homem será amplamente recompensado pelo seu soberano que, além de lhe prodigalizar dádivas, o investirá da dignidade de um grau nobre. Tanto o Xá como seus representantes hipotecaram sua honra que não deixarão de cumprir a promessa por eles feita." A esse chamado os assediados, unissonamente, davam respostas desdenhosas e decisivas.

Evidência adicional do espírito da sublime renúncia que animava esses valorosos companheiros, foi fornecida pela conduta de uma mocinha de aldeia que, de sua espontânea vontade, se determinou a compartilhar da sorte do bando de mulheres e crianças que se haviam aliado aos defensores do forte. Seu nome era Zaynab, seu lugar de residência, uma pequenina aldeia nas proximidades de Zanján. Ela era graciosa, de belas feições e estava inflamada com uma fé sublime e dotada de intrépida coragem. Ao ver as provações e durezas que os companheiros tiveram de suportar, sentiu-se impelida por um irrepressível desejo de se disfarçar em trajes masculinos e participar na repulsa dos repetidos ataques do inimigo. Vestindo uma túnica e pondo na cabeça um toucado igual ao dos companheiros, ela cortou o cabelo, cingiu-se de espada e, apanhando uma espingarda e um escudo, introduziu-se em suas fileiras. Ninguém suspeitava que era moça quando ela saltou para frente tomando seu lugar atrás da barricada. Logo que o inimigo atacou, ela desembainhou a espada e, erguendo o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" precipitou-se, com incrível audácia contra as forças dispostas em sua frente. Amigo e inimigo maravilharam-se, naquele dia, de uma coragem e uma engenhosidade que raramente seus olhos haviam contemplado. Seus inimigos pronunciaram-na uma maldição que uma Providência irada sobre eles lançara. Desesperados, abandonando suas barricadas, figuram em vergonhosa derrota diante dela.

Hujját, observando de uma das torres os movimentos do inimigo, reconheceu-a e se maravilhou da proeza mostrada por essa mocinha. Começara ela a perseguir os atacantes, quando ele deu ordens aos homens que a mandassem regressar ao forte e desistir da tentativa. "Nenhum homem", ouviu-se ele dizer, ao vê-la precipitar-se no fogo contra ela dirigido pelo inimigo, "se demonstrou capaz de tal vitalidade e tão grande coragem". Quando por ele interrogada quanto ao motivo de sua conduta, ela em lágrimas disse: "Meu coração doía de compaixão e tristeza ao contemplar a lida e os sofrimentos de meus co-discípulos. Avancei por um impulso interior ao qual não pude resistir. Receava que me negasse o privilégio de compartilhar da sorte de meus companheiros masculinos." "Você é certamente a mesma Zaynab", perguntou-lhe Hujját, "que se ofereceu para se unir aos companheiros do forte?" "Sou", respondeu ela. "Posso lhe assegurar em confiança que ninguém até agora descobriu meu sexo. Vós, somente, me reconhecestes. Ajuro-vos pelo Báb, que não me neguei aquele inestimável privilégio, a coroa do martírio, o único desejo de minha vida."

Impressionaram profundamente Hujját, o tom e a maneira de seu apelo. Ele tentou acalmar o tumulto de sua alma, assegurou-lhe suas orações por ela e lhe deu o nome de Rustam-'Alí em sinal de sua nobre coragem. "Este é o Dia da Ressurreição," disse-lhe, "o dia em que todos os segredos serão revelados (30)". Não pela sua aparência exterior, mas sim, pelo caráter de suas crenças e por seu modo de viver julga Deus Suas criaturas, sejam homens ou mulheres. Embora uma mocinha de tenra idade e imatura em experiência, demonstrasse tal vitalidade e engenhosidade como poucos homens poderiam esperar exceder. Ele acedeu a seu pedido e lhe advertiu que não transgredisse os limites que sua Fé lhes impusera. "Somos instados a defender nossas vidas", lembrava-lhe ele, "contra um adversário traiçoeiro e não a travar contra ele guerra santa".

Por um período de não menos de cinco meses, essa mocinha continuou a resistir, com heroísmo não igualado, às forças do inimigo. Desdenhando de alimento e sono, lidava com assiduidade febril pela Causa que ela mais amava. Pelo exemplo de sua esplêndida audácia, estimulava a coragem dos poucos que vacilavam, lembrando-os do dever que cada um deveria cumprir. A espada que levara permanecia, durante todo esse período, a seu lado. Nos breves intervalos de sono que ela podia obter, era vista com a cabeça descansando na espada, e com seu escudo cobrindo o corpo. Para cada um de seus companheiros era determinado um posto a ser por ele guardado e defendido, ao passo que essa destemida mocinha, somente, tinha liberdade para se mover em qualquer direção que ela quisesse. Sempre no auge e na vanguarda do tumulto que a seu redor se enfurecia, Zaynab estava a todo instante pronta para apressar-se a salvar qualquer posto que o adversário ameaçasse e a prestar assistência a qualquer um que necessitasse de ser por ela animado ou apoiado. Quando já no fim de sua vida se aproximava, seus inimigos descobriram seu segredo, mas continuaram, apesar de saberem que era uma moça, a temer sua influência e a tremer quando ela avançava. Bastava o som estridente de sua voz para lhes consternar os corações e enchê-los de desespero.

Um dia, vendo que seus companheiros estavam sendo cercados subitamente pelas forças inimigas, Zaynab, angustiada correu a Hujját e, jogando-se a seus pés lhe implorou, com os olhos cheios de lágrimas, que lhe permitisse apressar-se a socorrê-los. "Sinto que minha vida se aproxima de seu fim," acrescentou ela. "Posso, eu mesma, cair sob a espada do agressor. Perdoai, suplico-vos minhas transgressões e intercedei por mim com meu Mestre, por amor a Quem anseio sacrificar minha vida."

Hujját, estava emocionado demais para responder. Encorajada por seu silêncio, o qual ela interpretou como sinal de seu consentimento ao apelo que lhe fizera, Zaynab saltou para fora do portão e, sete vezes erguendo o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!", apressou-se a deter a mão que já trucidara vários de seus companheiros. "Por que enodoar com vossos atos o belo nome do Islã?" ela exclamou, enquanto contra eles se precipitava. "Por que fugir abjetamente diante de nossa face, se sois defensores da verdade?" Ela correu às barricadas que o inimigo erigia, pôs em debandada aqueles que guardavam as três primeiras das defesas e estava no ato de vencer a quarta, quando, sob uma chuva de balas, ela caiu morta no chão. Voz alguma entre seus oponentes atreveu-se a questionar sua castidade ou desprezar a sublimidade de sua fé e as qualidades imperecíveis de seu caráter. Tal foi sua devoção que, após sua morte nada menos que vinte mulheres, conhecidas dela, abraçaram a Causa do Báb. Para elas, Zaynab deixara de ser a jovem camponesa que haviam conhecido; era a própria encarnação dos mais nobres princípios da conduta humana, uma incorporação viva do espírito que somente uma Fé como a sua poderia manifestar.

Os mensageiros que serviam de intermédio entre Hujját e seus companheiros receberam instruções um dia para informar os guardas das barricadas que deveriam seguir a injunção do Báb a Seus seguidores, a de repetir dezenove vezes, toda noite, cada uma das seguintes invocações "Alláh-u-Akbar", (31) "Alláh-u-A'zam", (32) "Alláh-u-Ajmal", (33) "Alláh-u-Abhá" (34 e "Alláh-u-Athar" (35). Na mesma noite em que foi recebida essa ordem, todos os defensores das barricadas exclamaram simultaneamente essas palavras, erguendo um brado tão forte e penetrante que fez o inimigo acordar bruscamente de seu sono, abandonar em pavor o acampamento e se apressar às cercanias da residência do governador e procurar abrigo nas casas vizinhas. Alguns poucos foram tão chocados e aterrorizados que instantaneamente caíram mortos. Um número considerável dos habitantes de Zanján fugiu tomado de pânico, para as aldeias adjacentes. Muitos acreditaram que esse estupendo clamor fosse um sinal que prenunciava o Dia do Juízo; para outros significava a emissão, por parte de Hujját, de um novo chamado que seria o prelúdio de uma súbita ofensiva contra eles mais terrível do que qualquer uma já experimentada.

"Que teria sido", ouviu-se Hujját comentar ao ser informado do terror que essa invocação repentina causava, "se me tivesse sido permitido por meu Mestre travar guerra santa contra esses infames covardes! Sou por Ele ordenado a instilar nos corações dos homens os princípios enobrecedores da caridade e do amor e de me refrear de toda violência desnecessária. Meu objetivo e o de meus companheiros é, e sempre será, servir lealmente a nosso soberano e desejar o bem de seu povo. Tivesse eu preferido seguir as pegadas dos ulemás de Zanján, teria por toda a vida continuado a ser objeto da adoração servil desse povo. Jamais consentirei em trocar, por todos os tesouros e todas as honras que este mundo me puder conferir, a imorredoura lealdade que tenho hipotecado à Sua Causa."

A memória daquela noite ainda persiste nas mentes dos que presenciaram seu temor e assombro. Tenho ouvido diversas testemunhas oculares expressarem em termos vividos o contraste entre o tumulto e desordem que no acampamento do inimigo reinavam e a atmosfera de reverente devoção que predominava no forte. Enquanto aqueles no forte invocavam o nome de Deus e suplicavam Sua guia e misericórdia, seus oponentes, tanto oficiais como suas forças, estavam ocupados em atos de libertinagem e vergonha. Embora debilitados e exaustos, os ocupantes do forte continuaram a observar suas vigílias e a entoar tais hinos como o Báb instruíra que repetissem. No acampamento do inimigo, nessa mesma hora, retumbavam estrondosas gargalhadas, imprecações e blasfêmias. Nessa noite, em especial, mal ressoara a invocação, quando os oficiais dissolutos, que seguravam nas mãos seus copos de vinho, os deixaram cair no chão instantaneamente e se precipitaram para fora, descalços como se estarrecidos por aquele estentóreo brado. Mesas de jogo foram entornadas em meio à desordem que se seguiu. Meio vestidos e com cabeças descobertas, alguns correram para a mata, enquanto outros se apressavam às casas dos ulemás e os acordaram de seu sono. Alarmados e assombrados, estes começaram a dirigir, um ao outro, as mais veementes invectivas por haverem ateado o fogo de tão grande mal.

Logo que o inimigo descobrira o propósito daquele alto clamor, voltaram para seus pontos tranqüilos, mas muito humilhados por sua experiência. Os oficiais mandaram certo número de seus homens ficar de emboscada e abrir fogo para qualquer direção de que procedessem novamente aquelas vozes. Desse modo conseguiram matar, toda noite, vários dos companheiros. Imperturbáveis diante das perdas que eles repetidamente sofriam, os que apoiavam Hujját continuaram a erguer sua invocação com inalterado fervor, desdenhando os perigos aos quais se expunham ao oferecer a oração. A medida que seu número diminuía, mais alta se tornava essa oração e mais penetrante. Nem a iminência da morte pode induzir os intrépidos defensores do forte a desistirem daquilo que julgavam ser a mais nobre e a mais poderosa lembrança de seu Bem-Amado.

Ainda se enfurecia o combate, quando Hujját se sentiu impelido a dirigir sua mensagem escrita a Násírí'd-Dín Sháh. "Os súditos de Vossa Majestade", escreveu a ele, "vos consideram tanto seu governante temporal como o supremo custódio de sua Fé. A vós dirigem um apelo por justiça e olham para vós como o supremo protetor de seus direitos. Nossa controvérsia era, primariamente, só com os ulemás de Zanján, sob nenhuma circunstância envolvendo vosso governo ou povo. Eu mesmo fui chamado a Teerã por vosso predecessor e por ele solicitado a expor as pretensões básicas de minha Fé. O falecido Xá estava inteiramente satisfeito e muito comentou meus esforços. Resignei-me a deixar minha casa e estabelecer residência em Teerã, sem outra intenção senão mitigar a tempestade que se enfurecia em volta de minha pessoa, e extinguir o fogo que os malfeitores acenderam. Embora livre para regressar a minha casa, preferi permanecer na capital, dependendo inteiramente da justiça de meu soberano. Nos primeiros dias de vosso reinado, o Amír-Nizám, enquanto continuava ainda o tumulto de Mázindarán, suspeitava de mim de traição e estava determinado a destruir minha vida. Não encontrando em Teerã quem me pudesse proteger, resolvi, em defesa própria, fugir para a Zanján, onde reassumi meus labores e fiz tudo dentro de meu alcance a fim de promover os verdadeiros interesses do Islã. Prosseguia eu meu trabalho, quando Majdu'd-Dawlih contra mim se levantou. Várias vezes eu lhe fazia apelos para que exercesse moderação e justiça, mas se recusava a aceder a meu pedido. Instigado pelos ulemás de Zanján e encorajados pela adulação que lhe profigavam, determinou-se ele a me apreender. Meus amigos interviram, tentando lhe deter a mão. Ele continuou a incitar o povo contra mim e eles, por sua vez, agiram de um modo que levou à situação atual. Vossa Majestade até agora tem deixado de conceder benévolo amparo a nós, que somos as inocentes vítimas de tão feroz crueldade. Nossos inimigos tentaram até representar nossa Causa aos olhos de Vossa Majestade como uma conspiração contra a autoridade da qual fostes investido. Certamente todo observador imparcial admitirá logo que em nossos corações nenhuma intenção de tal natureza é nutrida. Nosso objetivo único é promover os melhores interesses de vosso governo e de vosso povo. Eu e meus principais companheiros nos mantemos em prontidão para ir a Teerã, a fim de podermos estabelecer em vossa presença, bem como na de nossos maiores oponentes, a verdade de nossa Causa."

Não se contentando com apenas sua própria petição, solicitou a seus mais eminentes defensores que dirigissem ao Xá apelos similares, reforçando seu pedido por justiça.

Assim que o mensageiro que levava a Teerã esses pedidos se pôs a caminho, foi apreendido e obrigado a voltar, sendo levado à presença do governador. Enfurecido pela ação dos oponentes, mandou que o mensageiro fosse morto imediatamente. Destruiu as petições e em seu lugar escreveu ao Xá cartas cheias de abuso e insultos e, afixando as assinaturas de Hujját e seus principais companheiros, as despachou a Teerã.

A tal ponto o Xá se indignou, após perscrutar essas insolentes petições, que deu ordens para o despacho imediato de dois regimentos equipados de espingardas e munições a Zanján, mandando que não deixassem sobreviver nenhum aderente de Hujját.

A notícia do martírio do Báb viera, neste ínterim, aos ocupantes do forte, tão penosamente oprimidos, através de Siyyid Hasan, irmão de Siyyid Husayn, amanuense do Báb, tendo ele chegado de Adhirbáyján em seu caminho para Qazvín. Espalhou-se a notícia entre as forças inimigas, sendo por elas acolhida com gritos de delirante regozijo. Apressaram-se a ridicularizar e zombar dos esforços de Seus aderentes. "Por que razão", gritaram com escárneo arrogante, "desejareis, de agora em diante, vos sacrificar? Aquele em cujo caminho ansiais por oferecer vossas vidas, caiu vítima, Ele próprio, às balas de um inimigo triunfante. Seu corpo, mesmo agora, está perdido tanto para seu inimigos como para seus amigos. Por que persistir em vossa obstinácia quando basta uma palavra para vos livrar de vossa angústia?" Por mais que se esforçassem para minar a confiança da comunidade pesarosa, não conseguiram, afinal, induzir nem sequer o mais fraco entre eles a abandonar o forte ou retratar sua Fé.

O Amír-Nizám instava seu soberano, entrementes, a despachar mais reforços a Zanján. Muhammad Khán, o Amír-Túmán, com cinco regimentos sob seu comando e equipado com uma quantidade considerável de armas e munições, foi incumbido, finalmente, de demolir o forte e eliminar os ocupantes.

Durante os vinte dias em que as hostilidades estavam suspensas, 'Aziz Khán-i-Mukrí, chamado Sardár-i-Kull, que estava em missão militar a Íraván (36) chegou em Zanján e conseguiu encontrar-se com Hujját por intermédio de seu anfitrião, Siyyid Alí Khán. Este relatou a 'Azíz Khán as circunstâncias de uma entrevista comovedora que ele tivera com Hujját, quando obteve toda a informação que ele necessitava sobre as intenções e propostas dos assediados. "Fosse o governo", dissera-lhe Hujját, "recusar considerar meu apelo, eu, com sua permissão, estaria disposto a partir com minha família para um lugar além dos confins desta terra. Caso recusasse aceder mesmo a este pedido, e persistisse em nos atacar, nós nos sentiríamos impelidos a nos levantar e defender. 'Aziz Khán assegurou a Siyyid 'Alí Khán que faria todo possível para induzir as autoridades a efetivar uma rápida solução desse problema. Mal havia Siyyid 'Alí Khán se retirado, quando 'Azíz Khán foi surpreendido pelo farrásh (37) do Amír-Nizám que havia vindo com o fim de apreender Siyyid 'Alí Khán e conduzi-lo à capital. Tomado de grande medo, ele, para afastar de si qualquer suspeita, começou a aviltar Hujját e a denunciá-lo abertamente diante do farrásh. Por este meio pode ele desviar o perigo que lhe ameaçava a própria vida.

A chegada de Amíz-Túmán foi sinal para o reinício de hostilidades em escala jamais vista por Zanján. Dezessete regimentos de cavalaria e infantaria se haviam reunido sob seu estandarte, e combateram sob seu comando (38). Nada menos que quatorze canhões foram, segundo suas ordens, dirigidos contra o forte. Cinco regimentos adicionais, recrutados da vizinhança pelo Amír, estavam, sendo por ele treinados como reforços. Na mesma noite em que chegou, emitiu ordens para fazer soarem as trombetas como sinal para o reinício do ataque. Ordenou que os oficiais que comandavam a artilharia abrissem fogo instantaneamente contra os assediados. Mal começara a ressoar dos canhões, distintamente ouvido a uma distância de cerca de quatorze farsangs (39), quando Hujját mandou seus companheiros fazerem uso dos dois canhões que eles mesmos haviam construído. Um foi transportado a uma posição elevada que dominava o quartel do Amír. Uma bala atingiu sua tenda e feriu mortalmente seu corcel. O inimigo durante este tempo dirigia seu fogo contra o forte com impiedosa fúria, e conseguira matar grande número de ocupantes.

Com o decorrer dos dias, tornou-se cada vez mais evidente que as forças sob o comando do Amír-Túmán, a despeito de sua grande superioridade em número, equipamento e treino, não puderam alcançar a vitória que haviam credulamente antecipado. A morte de Farrukh Khán, filho de Yahyá Khán e irmão de Hájí Sulaymán Khán, um dos generais do exército inimigo, incitou a indignação do Amír-Nizám, que dirigiu uma comunicação veemente ao oficial em comando, repreendendo-lhe por não haver conseguido forçar os assediados a renderem-se incondicionalmente. "Maculastes o belo nome de nosso país," ele lhes escreveu, "desmoralizastes o exército e desperdiçastes as vidas de seus oficiais mais capazes." Mandou-lhe manter a mais estrita disciplina entre os subordinados e limpar o acampamento de toda mancha de libertinagem e vício. Instou-lhe, além disso, a consultar com os chefes do povo de Zanján, advertindo-lhe que se não conseguisse atingir seu objetivo, seria degradado de sua posição. "Se vossos esforços combinados", ele acrescentou, "se provarem ser impotentes para forçá-los a se submeter, eu mesmo procederei a Zanján e ordenarei um massacre geral de seus habitantes, nada importando sua posição ou crença. Uma cidade que pode trazer tanta humilhação ao Xá e aflição a seu povo é completamente indigna da clemência de nosso soberano."

Em um frenesi de desespero, o Amír-Túmán convocou todos os Kad-Khudás (40) e chefes do povo, mostrou-lhes o texto dessa carta e com suas fervorosas instâncias conseguiu despertá-los para ação imediata. Até o dia seguinte, todo homem apto de Zanján havia se alistado sob o estandarte do Amír-Túmán. Comandada por seus Kad-Khudás e procedida por quatro regimentos, uma vasta multidão do povo marchou, acompanhada do som de trombetas e toque de tambores, em direção ao forte. Intrépidos diante de seu clamor, os companheiros de Hujját ergueram simultaneamente o brado de "Yá Sahibu'z-Zamán!", então enxamearam-se fora dos portões e com ímpeto contra eles investiram. Esse encontro foi o mais feroz, o combate mais desesperado até então ocorrido. A flor dos defensores de Hujját caiu nesse dia, vítimas de uma impiedosa carnificina. Muitos foram os filhos trucidados em circunstâncias de desenfreada crueldade na vista das mães, enquanto irmãs contemplavam com horror e angústia as cabeças dos irmãos erguidas sobre lanças e brutalmente desfiguradas pelas armas dos inimigos. Em meio a um tumulto em que o impetuoso entusiasmo dos companheiros de Hujját enfrentava a fúria e o barbarismo de um inimigo exasperado, as vozes de mulheres, que lutavam lado a lado com os homens, eram de vez em quando ouvidas, animando o zelo de seus co-discípulos. A vitória que milagrosamente se ganhou nesse dia foi em grande parte devida aos brados de exultação que essas mulheres erguiam face a um poderoso adversário - brados que se tornavam mais penetrantes em virtude de seus próprios atos de heroísmo e sacrifício. Disfarçadas em trajes de homem, algumas se haviam precipitado para a frente em sua ansiedade de substituir seus irmãos caídos, enquanto se viam outras carregando nos ombros vasilhas de água com que tentavam aliviar a sede e restaurar as forças dos feridos. Confusão reinava, durante esse tempo, no acampamento do inimigo. Privados de água e perturbados pela deserção em suas fileiras, lutavam em uma batalha na qual estavam perdendo, vendo-se impelidos a se retirar e impossibilitados de vencer. Nada menos que trezentos companheiros, naquele dia, sorveram do cálice do martírio.

Um dos adeptos de Hujját, era um homem chamado Muhsim, cuja função era soar o adhán (41). Sua voz era dotada de um ardor e um tom melodioso que nenhum homem nessa vizinhança podia igualar. Sua reverberação enquanto ele convocava à prece os fiéis, distintamente se percebia até nas aldeias adjacentes, onde penetrava nos corações dos que a ouviam. Muitas vezes os devotos nessa região, em cujos ouvidos ressoava a voz de Muhsin, expressavam sua indignação pelas acusações de heresia, imputada a Hujját e aos seus amigos. Tão alto se tornaram seus protestos que alcançaram afinal, os ouvidos do principal mujtahid de Zanján que, não conseguindo lhes impor silêncio, instou ao Amír-Túmán que buscasse algum meio de erradicar das mentes do povo a crença na piedade e retidão de Hujját e seus companheiros. "Dia e noite", queixou-se ele, "me esforço através de meu discurso público, não menos que em conversa particular com indivíduos, para lhes instilar na mente a convicção de ser aquele miserável bando o inimigo renhido do Profeta e o destruidor de Sua Fé. O bando daquele homem mau, Muhsin às minhas palavras rouba a influência, e meus esforços nulifica. Exterminar aquele homem vil é, seguramente, vossa primeira obrigação."

O Amír, de início, recusou considerar seu apelo. "Vós e os que vos são iguais," ele replicou, "deveis ser considerados responsáveis por haverdes declarado a necessidade de travar guerra santa contra eles. Nós somos apenas os servos do governo e é nosso dever obedecermos as ordens que recebemos. Se, entretanto, tendes em mira pôr fim à sua vida, deveis estar preparado para fazer o devido sacrifício." O Siyyid entendeu de imediato o propósito da alusão do Amír. Logo que voltou à sua casa, mandou-lhe, pela mão de um mensageiro, o presente de cem túmáns (42).

Logo ordenou a Amír que alguns de seus homens renomados por sua pontaria, esperassem em emboscada a Muhsin e o fuzilassem enquanto no ato de entoar a oração. Na hora do alvorecer, enquanto Muhsin erguia o brado de "Lá Iláh-a-Illa'lláh," (43) uma bala atingiu-lhe na boca, matando-o instantaneamente. Hujját, ao ser informado desse ato cruel, mandou que outro de seus companheiros ascendesse a torre e continuasse a oração de onde Mushin deixara. Embora lhe fosse poupada a vida até a cessação de hostilidades ele, juntamente com certos de seus irmãos teve, afinal, que sofrer uma morte não menos atroz que a de seu co-discípulo.

Ao se aproximarem de seu fim os dias do assédio, Hujját instou com todos os que eram noivos para que celebrassem suas núpcias. Para cada jovem solteiro entre os assediados, escolheu ele uma esposa e, dentro dos limites dos meios a seu dispor, contribuiu do próprio bolso qualquer coisa que pudesse aumentar o conforto e a alegria dos recém-casados. Vendeu todas as jóias que sua esposa possuía e, com o dinheiro, providenciou qualquer coisa que lhe fosse possível obter para dar prazer e felicidade àqueles que ele unira em matrimônio. Durante mais de três meses continuaram as festividades - festividades essas, intercaladas com os terrores e as durezas de um muito prolongado assédio. Quantas vezes, pelo clamor de um inimigo que avançava, eram abafadas as aclamações de júbilo com as quais a noiva e o noivo se saudavam! Quão subitamente se silenciava a voz do regozijo diante do brado de "Yá Sahibu'z-Zamán!", que convocava os fiéis a se levantarem e repulsarem o invasor! Com quanta ternura a noiva implorava ao noivo para se demorar um pouco mais a seu lado antes de se precipitar para ganhar a coroa do martírio! "Não posso dar mais tempo," respondia ele. "Devo apressar-me a obter a coroa da glória. Nós seguramente haveremos de nos encontrar de novo nas plagas do grande Além, sítio de uma reunião bem-aventurada e eterna".

Nada menos que duzentos jovens foram unidos em núpcias durante aqueles dias tumultuosos. Alguns por um mês, outros por poucos dias, e ainda outros por apenas um breve momento, puderam demorar-se tranqüilos na companhia de suas esposas, mas ao se tocar o tambor que anunciava a hora da partida, nenhum dentre eles deixou de responder jubilosamente ao chamado. De bom grado oferecia-se cada um, sem exceção, como um sacrifício a seu verdadeiro Bem-Amado; todos, afinal, sorveram do cálice do martírio. Não é de se admirar haver sido esse lugar - que fora teatro de indizíveis sofrimentos e testemunha de tamanho heroísmo - nomeado pelo Báb de Ard-i-A'lá (44), título esse que permanece por todo o tempo ligado com Seu próprio nome abençoado.

Entre os companheiros haviam um certo Karbilá'í'Abdu'l-Báqí, pai de sete filhos, cinco dos quais Hujját fez entrarem em matrimônio. Mal terminaram as cerimônias nupciais, quando, subitamente, gritos de terror anunciaram o reinício da ofensiva contra eles. Logo se puseram em pé e deixando suas esposas queridas, precipitaram-se instantaneamente em repulsar o invasor. Um após outro, caíram todos os cinco no decorrer desse encontro. O mais velho deles, jovem muito estimado por sua inteligência, e de renome por sua coragem, foi capturado e conduzido à presença de Amír-Túmán.

"Deitem-no no chão," gritou o Amír enfurecido, "e incendeiem sobre seu peito, que se atreveu a nutrir tão grande amor a Hujját, um fogo que haverá de consumi-lo." "Homem miserável." exclamou o jovem destemido, "nem chama alguma que as mãos de vossos homens conseguirem atear, poderá destruir o amor que arde em meu coração." O louvor a seu Bem-Amado persistiu em seus lábios até o último momento de sua vida.

Entre as mulheres que se distinguiram pela tenacidade de sua fé, havia uma de nome Umm-i-Ashraf (45), casada pouco antes de irromper o tumulto de Zanján. Estava dentro do forte quando nasceu seu filho Ashraf. Tanto a mãe como o filho sobreviveram ao massacre que assinalou as etapas finais daquela tragédia. Anos depois, quando esse filho havia crescido, tornando-se jovem muito promissor, foi envolvido nas perseguições que afligiram seus irmãos. Os inimigos, não podendo persuadi-lo a se retratar, tentaram alarmar sua mãe e convencê-la da necessidade de salvá-lo, antes de ser tarde demais, do destino que lhe esperava. "Eu te deserdarei como meu filho," exclamou a mãe, ao ser levada face a face com ele, "se inclinardes teu coração para tão malévolos sussurros e os deixares te desviarem da Verdade." Fiel às advertências da mãe, Ashraf enfrentou a morte com calma intrépida. Embora fosse ela mesma testemunha das crueldades que a seu filho infligiram, não lamentou, e nenhuma lágrima foi vista. Essa maravilhosa mãe mostrou uma coragem e uma fortaleza que assombraram aqueles que perpetraram tão ignóbil ato. "Recordo agora," exclamou ela, enquanto lançava um olhar de despedida para o cadáver de seu filho, "um voto feito por mim no dia de teu nascimento, enquanto assediada no forte de Alí-Mardán Khán. Regozijo-me porque tu, único filho que Deus me deu, me possibilitaste a cumprir minha promessa."

Minha pena é impotente para descrever, muito menos lhe prestar o merecido tributo, o entusiasmo consumidor que ardia naqueles valorosos corações. Por violentos que fossem os ventos da adversidade, não tinham o poder de lhe extinguir a chama. Homens e mulheres labutaram com um não diminuído fervor para fortalecer as defesas do forte e reconstruir tudo o que o inimigo havia demolido. Qualquer momento de lazer que lhes fosse disponível, dedicavam-no à oração. Cada pensamento, cada desejo era subordinado a suprema necessidade de guardar sua cidadela contra as investidas do agressor. O papel desempenhado pelas mulheres nessas operações não foi menos árduo do que aquele levado a cabo pelos seus companheiros. Toda mulher, fosse de qualquer posição ou idade, participou energicamente na tarefa comum. Costuravam as vestimentas, assavam o pão, cuidavam dos enfermos e feridos, faziam reparos nas barricadas, limpavam os pátios e terraços das balas e dos projéteis lançados sobre eles pelo inimigo e em último lugar, mas não de menor importância - alegravam aqueles cujos corações desfaleciam e animavam a fé dos vacilantes (46). Até as crianças participavam, dando à causa comum toda a assistência em seu poder, e parecendo estar inflamados por um entusiasmo não menos extraordinário do que o demonstrado pelos seus pais e mães.

Tal foi o espírito de solidariedade que caracterizava seus labores, e tamanho o heroísmo de suas façanhas, que o inimigo foi levado a crer que seu número atingia nada menos que dez mil. Admitia-se geralmente que um suprimento contínuo de provisões, de um modo inexplicável, se encaminhava ao forte e que novos reforços estavam sendo constantemente despachados de Nayríz, de Khurásán e de Tabríz. O poder dos assediados parecia-lhes ser tão inabalável como sempre e inesgotáveis os recursos.

O Amír-Túmán, exasperado diante de sua inalterável tenacidade e incitado pelos protestos e repreensões das autoridades em Teerã, determinou-se a recorrer às armas abjetas da traição a fim de conseguir a submissão completa dos assediados (47). Firmemente convencido da futilidade de seus esforços para enfrentar os oponentes honradamente no campo, usou de astúcia, ordenando a suspensão de hostilidades e mandando circular a informação de que o Xá decidiria abandonar toda a tentativa. Representou seu soberano como oposto, desde o início, à idéia de apoiar as forças em luta em Mázindarán e Nayríz, dizendo haver ele deplorado o derramamento de tanto sangue por uma causa tão insignificante. O povo de Zanján e das aldeias circunvizinhas foi levado a crer que Násiri'd-Dín Sháh havia realmente mandado o Amír-Túmán negociar uma solução amigável das questões entre ele e Hujját, e que era sua intenção por término, o mais rapidamente possível, a esse infeliz estado de coisas.

Confiante de que o povo fora enganado por sua astuciosa trama, redigiu um apelo pela paz, no qual assegurou a Hujját a sinceridade de sua intenção de conseguir um acordo durável entre ele e seus partidários. Acompanhou essa declaração um exemplar selado do Alcorão, como testemunho de ser sagrada sua promessa. "Meu soberano," acrescentou ele, "vos perdoou. Com isso declaro solenemente estardes vós, bem como vossos seguidores, sob a proteção de Sua Majestade Imperial. Este Livro de Deus é meu testemunho de que, se qualquer um de vós decidir sair do forte, ele estará salvo de todo perigo."

Reverentemente recebeu Hujját o Alcorão, da mão do mensageiro e, logo após haver lido o apelo, mandou o portador informar seu mestre que enviaria uma resposta no decorrer do dia seguinte. Naquela noite, reuniu ele seus principais companheiros e lhes falou de suas dúvidas quanto à sinceridade das declarações do inimigo. "Os atos traiçoeiros de Mázindarán e de Nayríz estão vívidos ainda em nossas mentes. O que foi contra eles perpetrado, o mesmo pretendem perpetrar contra nós. Em deferência ao Alcorão, entretanto, responderemos a seu convite, despachando a seu acampamento um grupo de nossos companheiros, a fim de que seja assim exposta sua falsidade."

Tenho ouvido Ustád Mihr-'Alíy-i-Haddád, que sobreviveu ao massacre de Zanján, relatar o seguinte: "Eu era uma das nove crianças, nenhuma das quais tinha mais de dez anos, que acompanharam a delegação enviada por Hujját ao Amír Túmán. O restante consistia de homens de mais de oitenta anos de idade. Entre eles se encontravam Karbilá'í Mawlá-Qulí-Ágá-Dádásh, Darvísh-Saláh, Muhammad-Rahím e Muhammad. Darvísh-Saláh era uma figura muito imponente, alto de estatura, de barba branca e de singular formosura. Era muito estimado por sua conduta honrosa e justa. Sua intercessão em prol dos espezinhados recebia invariavelmente, a consideração e simpatia das devidas autoridades. Após sua conversão, renunciou ele a todas as honras que havia recebido e, embora de idade muito avançada, se alistou entre os defensores do forte. Ele marchou em nossa frente, levando o Alcorão selado, enquanto nos conduziam a presença do Amír-Túmán.

"Ao alcançarmos sua tenda, ficamos em pé na entrada, aguardando suas ordens. A nossa saudação ele não respondeu, tratando-nos com desprezo marcante. Deixou-nos ficar em pé durante meia hora, antes de se dignar dirigir-se a nós um tom de severa repreensão. "Um povo mais miserável e sem vergonha do que esse," gritou ele com altivo desdém, "jamais foi visto!" Ele havia arremessado contra nós suas denúncias, quando um dos companheiros, o mais idoso e débil entre eles, implorou permissão para lhe dizer algumas palavras e, ao obter licença, embora fosse ele iletrado, falou de uma maneira que não pode deixar de nos causar admiração profunda. "Deus sabe," argüia ele, "que somos e para sempre permaneceremos súditos leais e respeitadores da lei de nosso soberano não tendo outro desejo, senão o de promover os verdadeiros interesses de seu governo e seu povo. Acusações lastimavelmente falsas foram feitas contra nós por pessoas malévolas. Nenhum dos representantes do Xá se inclinou a nos proteger ou nos amparar; não se encontrou quem defendesse nossa Causa perante ele. Repetidas vezes lhe fazíamos apelos, mas ele desatendia nossas súplicas e se mantinha surdo para nosso chamado. Nossos inimigos, tornados audazes diante da indiferença que caracterizava a atitude das autoridades vigentes, atacavam-nos de todos os lados, saqueando-nos os bens, violando a honra de nossas esposas e filhas e capturando nossas crianças. Desprotegidos pelo governo e cercados por nossos inimigos, sentimo-nos forçados a nos levantar e defender nossas vidas."

"O Amír Túmán virou-se a seu tenente e perguntou que ação lhe aconselhava. 'Estou em dúvida,' acrescentou o Amír, 'quanto a resposta que deveria dar a esse homem. Fosse eu religioso de coração, eu sem hesitar, abraçaria sua Causa.' 'Nada, senão a espada,' replicou o tenente, 'nos livrará dessa abominação de heresia.' 'Ainda seguro em minha mão o Alcorão,' interpôs Darvísh-Saláh, 'e levo a declaração que vós, de vossa espontânea vontade, vos dignastes fazer. Serão as palavras que acabamos de ouvir, nossa recompensa por havermos respondido a vosso apelo?'"

"O Amír Túmán, em uma explosão de fúria, mandou arrancar a barba de Darvísh-Saláh e jogá-lo, juntamente com aqueles que o acompanhavam, em uma masmorra. Eu e as outras crianças estávamos assustados e tentamos escapar. Levantando o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" apressamo-nos em direção a nossas barricadas. Alcançaram-nos e prenderam algumas de nós. Enquanto eu fugia, o homem que me perseguia pegou na bainha de minha roupa. Arranquei-me de sua mão e consegui alcançar, já completamente exausto, o portão que conduzia às proximidades do forte. Como foi grande minha surpresa ao ver um dos companheiros, de nome Ímán-Qulí, ser selvagemente mutilado pelo inimigo. Horrorizado, fitava eu aquela cena, ciente que era, de que naquele mesmo dia a cessação de hostilidades fora proclamada e as mais solenes promessas dadas de que nenhum ato de violência seria cometida. Fui logo informado de que a vítima fora traída por seu irmão, havendo este sob o pretexto de desejar falar com ele, o entregou a seus perseguidores.

"Apressei-me imediatamente a procurar Hujját, que me recebeu com afeto e, limpando a poeira de meu rosto e me vestindo com roupas novas convidou-me a sentar a seu lado e mandou contar-lhe o que havia acontecido com seus companheiros. Descrevi tudo o que havia visto. 'É o tumulto do dia da Ressurreição,' explicou ele, 'um tumulto tal como o mundo jamais viu. É este o dia em que "o homem haverá de fugir de seu irmão, e de sua mãe e seu pai, e de sua esposa e seus filhos" (48). É este o dia em que o homem, não se contentando com a infidelidade ao irmão, sacrifica sua substância a fim de derramar o sangue de seu parente mais próximo. É este o dia em que "cada mulher que amamenta haverá de abandonar sua criancinha e cada mulher prenhe se livrará desse peso. E tu verás homens ébrios e, no entanto, não estão ébrios mas é o poderoso castigo de Deus!" (49)

Sentando-se no centro do maydán (50), Hujját convocou seus seguidores. Quando chegaram, levantou-se e em pé, ereto em seu meio, lhes disse estas palavras! "Estou muito satisfeito com vossos destemidos esforços, meus bem-amados companheiros. Nossos inimigos estão determinados a destruir-nos. Não nutrem outro desejo. Foi sua intenção com suas astúcias induzir-vos a sair do forte e então vos trucidar impiedosamente, segundo o desejo de seus corações. Vendo que sua perfídia fora exposta, eles, na fúria de sua ira, maltrataram e aprisionaram os mais idosos e os mais jovens entre vós. Está claro que, enquanto não capturarem este forte e vos dispersarem, não vão depor as armas, nem cessarão suas perseguições contra nós. Vossa mais prolongada presença neste forte levará, afinal, à vossa captura pelo inimigo, o qual certamente, desonrará vossas esposas e trucidará vossos filhos. É melhor pois, que escapeis na calada da noite, levando convosco as esposas e crianças. Que cada um busque um lugar de segurança até a hora em que haja passado essa tirania. Eu permanecerei só, para enfrentar o inimigo. Seria melhor que minha morte lhes aliviasse a sede por vingança em vez de deixar vós todos perecer."

Os companheiros, profundamente comovidos, com lágrimas nos olhos, declararam sua firme resolução de permanecer a seu lado até o fim. "Jamais poderemos consentir," exclamaram, "em vos abandonar à mercê de um inimigo sanguinário. Nossas vidas não são mais preciosas que vossa vida, nem são nossas famílias de mais nobre linhagem do que vossos parentes. Qualquer calamidade que vos possa suceder, é a que de bom grado aceitaremos para nós."

Todos, menos alguns poucos, cumpriram fielmente sua promessa. Estes, não podendo suportar a sempre crescente angústia de um assédio prolongado, e encorajados pelo conselho que o próprio Hujját lhes dera, retiraram-se para um lugar de segurança, afastado do forte, assim separando-se do resto de seus co-discípulos.

O Amír-Túmán, revigorando-se com uma resolução oriunda do desespero, mandou que todos os homens aptos em Zanján se juntassem nas proximidades do acampamento, prontos para receber suas ordens. Reorganizou as forças de seus regimentos, nomeou-lhes os oficiais e os acrescentou à hoste de recrutas novos que se haviam aglomerado na cidade. Mandou que nada menos de dezesseis regimentos, sendo cada um equipado com dez canhões, marchassem contra o forte. Oito desses regimentos foram incumbidos de atacar o forte toda manhã, depois do qual as forças restantes os substituiriam na ofensiva até ao anoitecer. O próprio Amír entrou no combate, sendo visto na parte da manhã de cada dia, a dirigir os esforços de seu exército, assegurando-lhes a recompensa que os esperava no caso de seu êxito e lhes advertindo do castigo que, no caso de sua derrota, o soberano lhes infligiria.

Durante um mês inteiro o assédio continuou. Não se contentando com os ataques, o inimigo os atacava à noite também. A ferocidade de suas investidas, a força sobrepujante de seu número e a rápida sucessão dos assaltos dizimavam as fileiras dos companheiros e lhes agravavam a aflição. Reforços para o inimigo continuavam a afluir de todas as direções, enquanto os assediados languesciam em um estado de miséria e fome (51).

O Amír-Nizám, neste ínterim, decidiu fortalecer as mãos do Amír-Túmán pela nomeação de Hasan-'Alí Khán-i-Karrúsí, a quem deu ordens para marchar a Zanján com dois regimentos sunitas sob seu mando. Sua chegada foi o sinal para a concentração da artilharia do inimigo contra o forte. Um tremendo bombardeio ameaçou a estrutura de destruição imediata. Prolongou-se por alguns dias, durante os quais a cidadela se manteve firme a despeito do crescente fogo contra ela dirigido. Os amigos de Hujját, durante aqueles dias, mostraram intrepidez e habilidade que até os mais renhidos inimigos eram forçados a admirar.

Um dia, enquanto o bombardeio ainda procedia, uma bala atingiu Hujját no braço direito enquanto ele estava fazendo suas abluções. Apesar de suas ordens ao criado que não informasse sua esposa da ferida que recebera, tal foi a angústia desse homem que não pode ocultar a emoção. Suas lágrimas mostraram sua aflição e logo que a esposa de Hujját soube da ferida infligida ao marido, correu aflita, e o encontrou absorto em oração, num estado de imperturbável calma. Embora sangrando profusamente da ferida, sua face retinha sua expressão de confiança serena. "Perdoa esse povo, ó Deus," ouviram-no dizer, "pois eles não sabem o que fazem. Que lhe tenhas misericórdia, pois aqueles que o desencaminharam são, tão somente, responsáveis pelas más ações que as mãos desse povo cometeram."

Hujját tentou acalmar a agitação que se apoderara da esposa e dos parentes ao verem o sangue que lhe cobria o corpo. "Regozijem-se", disse-lhes, "pois ainda estou com vocês, e desejo que se resignem inteiramente à vontade de Deus. O que agora estão vendo é apenas uma gota em comparação com o oceano de aflições que jorrará na hora de minha morte. Qualquer que seja Seu decreto, é nosso dever aquiescermos e nos curvarmos diante de Sua Vontade."

Mal lhes chegara a notícia de haver ele sido ferido, quando os companheiros, deixando de lado as armas, a ele se apressaram. O inimigo, neste ínterim, aproveitando a ausência momentânea dos adversários, redobrou o ataque contra o forte e conseguiu forçar a passagem pelo portão (52). Nesse dia capturaram nada menos que cem das mulheres e crianças e pilharam todas as suas possessões. A despeito da severidade daquele inverno, essas cativas foram deixadas ao relento durante pelo menos quinze dias e noites, expostas a um frio intenso, tal como Zanján raras vezes experimentara. Vestidas nas mais leves roupas, sem agasalho algum para protegê-las, foram abandonadas, sem alimento ou abrigo, no mato. Sua única proteção era a gaze que lhes cobria a cabeça, com a qual em vão tentavam agasalhar as faces contra o vento gélido que impiedosamente sobre elas soprava. Multidões de mulheres, a maioria das quais lhe era inferior quanto à posição social, aglomeravam-se vindo dos vários bairros de Zanján, na cena de seus sofrimentos e lhes prodigalizavam desprezo e ridículo. "Agora achastes vosso Deus," exclamaram, mofando delas, enquanto dançavam freneticamente a seu redor, "e fostes por ele recompensadas abundantemente." Cuspiram-lhes nas faces e sobre elas amontoaram as mais vis invectivas.

A captura do forte, embora roubasse os companheiros de Hujját de seu principal instrumento de defesa, não conseguiu lhes intimidar o espírito nem desanimar os esforços. Todos os bens em que o inimigo podia por a mão foram pilhados e quaisquer mulheres e crianças que fossem deixadas indefesas, foram tornadas cativas. Os companheiros restantes, juntamente com o resto das mulheres e crianças, amontoaram-se nas casas das imediações da residência de Hujját. Dividiram-se em cinco companhias, consistindo cada uma de dezenove vezes dezenove companheiros. De cada uma dessas companhias, dezenove precipitavam-se juntos, erguendo unissonamente o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!", e arremessavam-se em meio ao inimigo, cujas forças conseguiam dispersar. As vozes levantadas por esses noventa e cinco companheiros bastavam, por si só, para paralisar os esforços dos agressores e lhes esmagar o espírito.

Continuou por alguns dias tal estado de coisas, acarretando não somente humilhação como prejuízo a um inimigo que se julgara capaz de atingir uma vitória imediata e insigne. Muitos foram mortos no decorrer desses encontros. Oficiais, para a consternação de seus superiores, começavam a desertar de seus postos, capitães de artilharia abandonavam os canhões, enquanto os soldados rasos do exército estavam desmoralizados e completamente exaustos. O próprio Amír-Túmán cansava-se das medidas coercivas às quais fora compelido a recorrer, a fim de manter a disciplina de seus homens e não permitir que diminuísse sua eficiência e seu vigor. Viu-se impelido novamente a consultar os oficiais restantes e procurar um remédio desesperado para uma situação que acarretava grave perigo para sua própria vida, bem como para a vida dos habitantes de Zanján. "Estou cansado," confessou ele, "da resistência feroz desse povo. Anima-lhe, evidentemente, um espírito que nosso soberano, por mais que se esforce para encorajá-los, jamais poderá incitar em nossos homens. Tamanha abnegação, certamente, ninguém nas fileiras de nosso exército é capaz de manifestar. Nenhum poder de que eu posso valer-me conseguirá despertar meus homens do abismo de desespero no qual caíram. Quer triunfando, quer derrotados, estes soldados acreditam que são destinados à condenação eterna."

Suas maduras deliberações resultaram na decisão de cavar passagens subterrâneas desde o local ocupado por seu acampamento até um lugar debaixo do recinto onde se situavam as moradas dos aderentes de Hujját. Estavam determinados a destruir por explosão essas casas e por este meio forçá-los a se render incondicionalmente. Durante um mês inteiro trabalharam para encher essas passagens subterrâneas de toda espécie de explosivo e, ao mesmo tempo, continuaram a demolir, com diabólica crueldade, as casas que permaneciam em pé. Desejando acelerar o trabalho de destruição, o Amír-Túmán mandou os oficiais responsáveis pela artilharia dirigirem seu fogo à residência de Hujját pois, como os prédios que intervinham entre essa casa, e o acampamento do inimigo haviam sido arrasados e não restava outro obstáculo que impedisse sua destruição final.

Uma parte de sua morada já havia ruído quando Hujját, que ainda residia dentro de suas paredes, virou-se à esposa Khadíjih, que segurava nos braços Hádí, seu bebê e lhe advertiu de que rapidamente se aproximava o dia em que ela e o bebê pudessem ser tornados cativos, e lhe solicitou que estivesse preparada para aquele dia. Ela estava dando vazão a sua angústia quando uma bala de canhão atingiu o quarto por ela ocupado, matando-a instantaneamente. A criancinha que ela segurava ao peito caiu no braseiro ao seu lado vindo a morrer pouco depois, em conseqüência dos ferimentos sofridos, na casa de Mirza Abu'l-Qásím, o mujtahid de Zanján.

Hujját, embora cheio de pesar, recusou entregar-se a inútil tristeza. "No dia em que encontrei Teu Bem-Amado, ó meu Deus," exclamou, "e Nele reconheci a Manifestação de Teu Espírito eterno, previ as tribulações que por amor a Ti eu haveria de sofrer. Por grandes que tenham sido minhas tristezas até agora, jamais poderão ser comparadas com as agonias que eu de bom grado sofreria em Teu nome. Como pode esta minha miserável vida, a perda de minha esposa e de meu filho e o sacrifício de meus parentes e companheiros, comparar com as bênçãos que o reconhecimento de Teu Manifestante me conferiu! Oxalá fossem minha uma miríades de vidas, Oxalá possuísse eu as riquezas de toda a terra e sua glória, para que eu as pudesse renunciar a todas elas, livre e jubilosamente em Teu caminho."

A trágica perda sofrida por seu bem-amado líder e a penosa ferida que lhe fora infligida, angustiaram os companheiros de Hujját, enchendo-os de veemente indignação. Determinaram-se a fazer um último esforço desesperado para vingar o sangue de seus irmãos trucidados. Hujját, no entanto, dissuadiu-os de fazer tal tentativa, exortando-lhes que não apressassem o desfecho do conflito. Solicitou-lhes que se resignassem à vontade de Deus e se mantivessem calmos e firmes até o fim, quando quer que esse fim viesse.

Com o passar do tempo seu número diminuía, seus sofrimentos multiplicavam-se e se reduzia a área dentro da qual se podiam sentir seguros. Na manhã do quinto dia do mês de Rabi'u'l-Avval, no ano de 1267 A. H. (53), Hujját, que já por dezenove dias vinha suportando a dor aguda causada pelo ferimento estava orando, havendo se prostrado com a face no chão invocando o nome do Báb quando, de repente, faleceu.

Sua morte súbita veio como um choque severo para os parentes e companheiros. Profundo foi seu pesar pelo trespasse de um líder tão capaz, de tanta habilidade, tão grande inspirador; a perda era irreparável. Dois de seus companheiros, Dín Muhammad-Vazír e Mír Ridáy-i-Sardár, incumbiram-se imediatamente, antes de o inimigo ficar ciente de sua morte, de enterrar os restos mortais em um lugar que nem os parentes nem os amigos podiam suspeitar. À meia-noite, o corpo foi levado a um aposento que pertencia a Dín-Muhammad-Vazír, onde foi sepultado. Demoliram esse aposento, a fim de salvaguardar de desecração os restos mortais e exerceram o máximo cuidado para manter em segredo o lugar.

Mais de quinhentas mulheres que sobreviveram àquela terrível tragédia, imediatamente após a morte de Hujját, reuniram-se em sua casa. Os companheiros, a despeito da morte de seu líder, continuaram a enfrentar, com zelo inalterável as forças dos assaltantes. Da grande multidão que se havia agregado em volta do estandarte de Hujját, restavam somente duzentos homens vigorosos; os demais haviam morrido ou ficado completamente incapacitados pelos ferimentos recebidos.

Ao saber do desaparecimento do líder tão inspirador, o inimigo fortaleceu sua resistência e decidiu eliminar o que ainda restava das forças temíveis que eles não haviam podido dominar. Lançaram um ataque geral, mais feroz e mais determinado do que qualquer anterior. Animados pelo toque dos tambores e pelo som das trombetas e encorajados pelos gritos de exultação soltados pelo povo arremessaram-se contra os companheiros com irrestrita ferocidade, resolvidos a não descansar antes de se haver aniquilado a companhia inteira. À face dessa investida feroz, os companheiros mas uma vez ergueram o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" e se precipitaram, intrépidos, para continuar a luta heróica até que todos haviam sido trucidados ou tomados cativos.

Mal se perpetrara esse massacre, quando o sinal foi dado para uma pilhagem sem precedentes quanto a seu âmbito e sua ferocidade. Não tivesse o Amír-Túmán emitido ordens para poupar o que restava da casa e dos bens de Hujját e se abster de atos de violência contra seus parentes, o exército feroz teria feito ataques ainda mais maliciosos. Era sua intenção informar as autoridades em Teerã e delas procurar quaisquer instruções que lhe quisessem dar. Não conseguiu, entretanto, restringir indefinidamente o espírito de violência que animava seus homens. Os ulemás de Zanján, exaltados com a vitória que lhes custara tanto esforço e perda de vidas, envolvendo-lhes em grau tão sem precedentes a reputação e o prestígio, agora envidaram esforços para incitar o povo a cometer todo ultraje imaginário contra a vida dos homens cativos e contra a honra de suas mulheres. As sentinelas que guardavam a entrada para a casa em que Hujját havia morado, foram expulsas de seus postos no tumulto geral que se seguiu. O povo juntou-se ao exército para saquear a propriedade e assaltar as pessoas dos poucos que ainda sobreviviam àquela memorável luta. Nem o Amír-Túmán, nem o governador pode satisfazer a sede de pilhagem e vingança que se apoderara da cidade inteira. Não mais existiam ordem e disciplina em meio à confusão geral.

O governador da província, entretanto, conseguiu induzir os oficiais do exército a ajuntar os cativos na casa de um certo Hájí Ghulám e mantê-los em custódia até a chegada de novas instruções de Teerã. A companhia inteira foi amontoada como ovelhas naquele miserável lugar, exposta ao frio de um inverno rigoroso. O recinto em que estavam confinados não tinha teto, nem mobília. Durante alguns dias ficaram sem alimento. Daí as mulheres foram transferidas para a casa de um mujtahid de nome Mirza Abu'l-Qásim, na esperança de que ele as induzisse a se retratarem em troca de sua liberdade. O mujtahid avarento, porém, com a ajuda de suas esposas, irmãs e filhas, conseguira apoderar-se de tudo o que lhes fora permitido levar; ele as dispojara de suas vestes, substituindo-as por trajes miseráveis, e apropriou-se de quaisquer objetos de valor que pudesse encontrar entre seus pertences.

Após sofrerem indizíveis durezas, essas mulheres cativas obtiveram permissão para procurar a companhia de seus parentes, sob a condição de que estes assumissem plena responsabilidade por seu futuro comportamento. O resto foi disperso pelas aldeias vizinhas, cujos habitantes, diferentes do povo de Zanján, acolheram os recém vindos com tratamento que era a um tempo afetuoso e genuíno. A família de Hujját, no entanto, foi detida em Zanján até a chegada de instruções definitivas de Teerã.

Quanto aos feridos, ficaram presos, aguardando o tempo em que as autoridades na capital mandassem dizer de que modo devessem ser tratados. Neste ínterim, tal foi a severidade do frio ao qual foram expostos e tão grandes as crueldades às quais foram sujeitados que, dentro de poucos dias, todos pereceram.

Os cativos restantes foram entregues pelo Amír-Túmán às mãos dos regimentos de Karrúsí, Khamsih e 'Iráqí, com ordens para sua execução imediata. Conduziram-nos em procissão com acompanhamento de tambores e trombetas, ao acampamento onde o exército estava estacionado (54). Todos esses regimentos se uniram em contribuir para o horror das abominações perpetradas contra os pobres sofredores. Armados de lanças e dardos, arremessaram-se contra os setenta e seis companheiros que ainda restavam, furando e mutilando-lhes os corpos com uma impiedade selvagem que ultrapassava os atos nefários de até os mais requintados inventores de tortura que existiam entre sua raça. O espírito de vingança que naquele dia dominava esses homens bárbaros, excedeu todos os limites. Regimento rivalizava com regimento em cometer as mais hediondas atrocidades que suas mentes engenhosas podiam inventar. Preparavam-se para uma nova investida contra as vítimas, quando um certo Hájí Muhammad-Husayn, pai de Abá-Basír levantou-se e, erguendo o chamado do Adhán (55), emocionou a multidão que a seu redor se reunira. Se bem que estivesse na hora de sua morte, tão intenso foi o fervor e tal a majestade com que ressoavam suas palavras "Alláh-u-Akbar," (56) que o inteiro regimento de 'Iráqí proclamou de imediato sua recusa a continuar sua participação em atos tão ignominiosos. Desertando de seus postos e levantando o brado de "Yá 'Alí", fugiram daquele lugar em horror e repugnância. "Maldito seja o Amír-Túmán!" podia-se ouvi-los exclamarem, enquanto viravam as costas para aquela cena de carnificina e horror. "Aquele miserável enganou-nos! Com diabólica persistência procurava ele convencer-nos da deslealdade desse povo ao Imame 'Alí e seus parentes. Jamais, embora sejamos todos mortos, consentiremos em participar de atos tão criminosos."

Vários desses cativos foram atirados de canhões, outros foram despidos completamente, depois do qual despejaram água gelada sobre seus corpos e então os açoitaram severamente. A outros ainda eles untaram de melaço e deixaram na neve para perecerem. Apesar da ignomínia e das crueldades que os fizeram sofrer, não se soube de nenhum desses cativos que se retratasse ou que pronunciasse uma palavra viosa contra seus perseguidores. Nem sequer um sussurro de descontentamento escapou de seus lábios, nem seus semblantes demonstraram uma sombra de arrependimento ou tristeza. As maiores adversidades não puderam obscurecer a luz que resplandecia naquelas faces; palavra alguma, por mais insultante que fosse, podia lhes perturbar a serenidade de expressão (57).

Mal os perseguidores terminaram seu trabalho, quando começaram a procurar o corpo de Hujját, o lugar de cujo sepultamento os companheiros haviam cuidadosamente ocultado. Torturas das mais desumanas se haviam provado inúteis para induzi-los a revelar a identidade desse lugar. O governador, exasperado diante do insucesso de sua procura, pediu que lhe trouxessem o filho de Hujját, criança de sete anos, de nome Husayn, a fim de que o induzisse a revelar o segredo (58). "Meu filho," disse-lhe ele, enquanto o acariciava com meiguice, "estou cheio de pesar ao saber de todas as aflições que a seus pais sobrevieram. Não eu e sim, os mujtahids de Zanján devem ser tidos responsáveis pelas abominações cometidas. Estou disposto agora a conceder aos restos mortais de teu pai um sepultamento digno e desejo expiar os atos ignominiosos contra ele perpetrados." Com suas suaves insinuações, conseguiu induzir a criança a revelar o segredo e de imediato mandou seus homens buscar o corpo. Mal fora entregue em suas mãos o objeto de seu desejo, quando deu ordens para que fosse por uma corda arrastado pelas ruas de Zanján, com acompanhamento de tambores e trombetas. Durante três dias e três noites, indizíveis ultrajes foram amontoados sobre o corpo, o qual jazia exposto aos olhos do povo de maydán (59). Na terceira noite se espalhou a informação de que alguns homens montados haviam conseguido levar o que restava do corpo para um lugar de segurança na direção de Qazvín. Quanto aos parentes de Hujját, ordens foram recebidas de Teerã para conduzi-los a Shíráz, e entregá-los às mãos do governador. Lá languesciam em pobreza e miséria. Quaisquer possessões que ainda lhes restassem, o governador as apanhou para si, condenando as vítimas de sua capacidade a buscar abrigo em uma casa dilapidada, em ruínas. O filho mais novo de Hujját, Mihdí, morreu em conseqüência das privações que ele e a família tiveram de sofrer e foi enterrado em meio às ruínas que lhe haviam servido de abrigo.

Nove anos após o término daquela memorável luta, tive o privilégio de visitar Zanján e contemplar a cena daquela nefanda carnificina. Pesaroso e horrorizado, eu olhava para as ruínas do forte de 'Alí-Mardán Khán e pisava no chão que fora saturado do sangue de seus defensores imortais. Pude discernir em seus portões e muros traços de carnificina que assinalou sua rendição ao inimigo e descobrir nas próprias pedras que haviam servido de barricadas, manchas do sangue tão profusamente derramado nessas imediações.

Quanto ao número dos que caíram durante esses encontros, não se fez ainda um cálculo acurado. Tão numerosos foram aqueles que participaram naquela luta, e tão prolongado o assédio ao qual resistiram, que certificar-me de seus nomes e seu número seria uma tarefa que eu hesitaria em empreender. Uma lista provisória de tais nomes, que os leitores bem poderiam consultar, foi preparada por Ismu'lláhu'l-Mín e Ismu'lláhu'l-Asad. Muitas e contraditórias são as informações relativas ao número exato dos que lutaram e caíram sob a bandeira de Hujját em Zanján. Estimaram alguns que o número de mártires atinja mil; segundo outros, eram mais numerosos. Tenho ouvido dizer que um dos companheiros de Hujját que tentou anotar os nomes dos que haviam sofrido martírio, deixara uma declaração por escrito na qual calculou o número dos que caíram antes da morte de Hujját como mil quinhentos e noventa e oito, enquanto os que sofreram martírio depois, se pensava haverem sido, ao todo, duzentas e duas pessoas.

Tudo o que tenho relatado sobre os acontecimentos em Zanján, devo primariamente a Mirza Muhammad-'Alíy-i-Tabíb-i-Zanjání, a Abá-Basír e a Siyyid Ashraf, todos mártires da Fé, cada um dos quais eu conhecia intimamente. O resto de minha narrativa baseia-se no manuscrito que um certo Mullá Husayn-i-Zanjání escreveu e enviou à presença de Bahá'u'lláh, no qual registrou toda a informação que pode colher de várias fontes sobre os eventos ligados àquele episódio.

O que tenho relatado sobre a luta de Mázindarán, outrossim, foi em grande parte inspirado pela narrativa escrita que foi enviada a Terra Santa por um certo Siyyid Abú-Tálib-i-ShahMirzardí, bem como pelo breve resumo aqui preparado por um dos crentes de nome Mirza Haydar-'Alíy-i-Ardistání. Certos fatos a respeito daquela luta tenho obtido, além disso, de pessoas que realmente nela participaram, tais como Mullá Muhammad-Sádiq-i-Muqaddas, Mullá Mirza Muhammad-i-Furúghí e Hájí 'Abdu'l-Majíd, pai de Badí' e mártir da Fé.

Quanto aos eventos relacionados à vida e aos feitos de Vahíd, obtive minha informação sobre aquilo que ocorreu em Yazd, de Rida'r-Rúh, um de seus companheiros íntimos. A parte de minha narrativa que trata das etapas posteriores daquela luta em Nayríz, é derivada de tal informação como eu pude colher da minuciosa relação mandada à Terra Santa por um crente daquela cidade, chamado Mullá Shafí, que fizera uma investigação cuidadosa do assunto e o relatou a Bahá'u'lláh. Qualquer coisa que minha pena tenha deixado de anotar, futuras gerações, espero, haverão de colher e preservar para a posteridade. Muitas, confesso, são as lacunas nesta narrativa, pelas quais peço a indulgência de meus leitores. É minha fervorosa esperança que essas lacunas sejam preenchidas por aqueles que, depois de mim, se levantarão para compilar uma narrativa adequada e exaustiva desses eventos emocionantes cujo significado nós, por enquanto, apenas palidamente podemos discernir.

CAPÍTULO XXV
A VIAGEM DE Bahá'u'lláh A KARBILÁ

Sempre, desde que comecei a escrever minha narrativa, tem sido minha firme intenção incluir em tais histórias que eu pudesse contar sobre os primeiros dias desta Revelação, aquelas jóias de inestimável valor que foi privilégio meu ouvir, de tempos em tempos, dos lábios de Bahá'u'lláh. Essas palavras, algumas das quais dirigidas a mim somente, outras das quais eu participava juntamente com meus co-discípulos, enquanto sentados em Sua presença, se referiam principalmente aos próprios episódios que tenho tentado descrever. Os comentários de Bahá'u'lláh sobre a conferência de Badasht e Suas referências ao tumulto que assinalou suas etapas finais, as quais mencionei em capítulo anterior, são apenas alguns exemplos das passagens com que espero enriquecer e enobrecer minha narrativa.

Ao terminar a descrição da luta de Zanján, fui conduzido a Sua presença e recebi, juntamente com vários outros crentes, as bênçãos que Ele, em duas ocasiões, se dignou nos conferir. Ambas as visitas ocorreram durante os quatro dias que Bahá'u'lláh decidiu demorar-se na casa de Áqáy-i-Kalím. Na segunda, como também na quarta noite após haver Ele chegado, na casa de Seu irmão, o que aconteceu no sétimo dia do mês de Jamádíyu'l-Avval, no ano de 1306 A. H. (1), eu, na companhia de alguns peregrinos de Sarvistán e Farán, bem como de um pequeno número de crentes que lá residiam, fui admitido a Sua presença. As palavras que Ele nos dirigiu permanecem gravadas para sempre em meu coração e creio que é meu dever para com meus leitores de compartilhar com eles a substância de Seu discurso.

"Louvores a Deus," disse Ele, "que já foi revelado tudo o que é essencial para se dizer àqueles que acreditam nesta Revelação. Seus deveres foram claramente definidos e os atos que se espera sejam por eles realizados foram em Nosso Livro expostos de um modo óbvio. Agora é o tempo em que devem levantar-se e cumprir seu dever. Que traduzam para feitos as exortações que Nós lhes temos dado. Que se acautelem para que o amor que têm por Deus, um amor que tão radiantemente lhes arde no coração, não os faça transgredir os confins da moderação e ultrapassar os limites que para eles estabelecemos. A respeito desse assunto, assim escrevemos, enquanto no Iraque, a Hájí Mirza Músáy-i-Qumí: 'Tal deverá ser a discrição por vós exercida que, fosseis sorver dos mananciais da fé e certeza, todos os rios do conhecimento, jamais deveríeis permitir que vossos lábios divulgassem, quer fosse a amigo ou a estranho, a maravilha da poção da qual participastes. Embora vosso coração esteja inflamado de Seu amor, acautelai-vos para que olho algum descubra vossa agitação interior e ainda que vossa alma se intumesça como um oceano, não deixeis a serenidade de vosso semblante se perturbar, nem o modo de vossa conduta revelar a intensidade de vossas emoções.'

"Sabe Deus que em tempo algum tentamos Nos ocultar ou esconder a Causa que Nos foi ordenada proclamar. Embora não usássemos as vestes dos sábios, temos repetidas vezes enfrentado os homens de grande erudição, tanto em Núr como em Mázindarán, apresentando-lhes nossos argumentos com eles raciocinando, e temos conseguido persuadir da verdade desta Revelação. Jamais vacilamos em Nossa determinação; jamais hesitamos em aceitar o desafio de qualquer direção que viesse. Qualquer um a quem falássemos naqueles dias, Nós o encontramos receptivos a Nosso chamado e pronto para se identificar com seus preceitos. Não fosse o comportamento ignominioso do povo do Bayán, que pelos seus atos macularam a obra por Nós realizada, Núr e Mázindarán teriam sido conquistadas inteiramente para esta Causa e, até agora, incluídas no número de suas cidadelas principais.

"Em uma ocasião em que as forças do Príncipe Mihdí-Qulí Mirza haviam assediado o forte de Tabarsí, resolvemos partir de Núr e prestar Nossa assistência aos heróicos defensores. Havíamos tencionado mandar 'Abdu'l-Vahháb, um de Nossos companheiros, em Nossa frente e lhe pedir que anunciasse aos assediados Nossa aproximação. Embora estivessem cercados pelas forças inimigas, havíamos decidido compartilhar da sorte daqueles fiéis companheiros e correr os riscos com os quais eles se defrontavam. Isto, entretanto, não havia de ser. A mão da Onipotência Nos salvou desse destino e Nos preservou para o trabalho a Nós destinado. De acordo com a inescrutável sabedoria de Deus, a intenção que havíamos formado, foi por certo habitantes de Núr comunicado, antes de Nossa chegada ao forte, a Mirza Taqí, o governador de Ámul, que mandou seus homens Nos interceptarem. Enquanto repousávamos e tomávamos Nosso chá, Nós nos vimos de repente cercados por alguns homens montados que se apoderavam de Nossos pertences e capturaram Nossos corcéis. Deram-Nos em troca de Nosso próprio cavalo, um animal pobremente aparelhado, que achamos extremamente incômodo montar. Os outros de Nossos companheiros foram conduzidos algemados, a Ámul. Apesar do tumulto provocado por Nossa chegada e em face da oposição dos ulemás, Mirza Taqí, conseguiu libertar-Nos de suas mãos e Nos conduzir à sua própria casa. Mostrou-Nos a mais calorosa hospitalidade. Em algumas ocasiões cedia à pressão que os ulemás continuamente sobre ele exerciam e se sentia impotente para lhes frustrar as tentativas de Nos lesar. Estávamos ainda em sua casa, quando o Sardár, que fora ao encontro do exército em Mázindarán, regressou a Ámul. Logo que foi informado das indignidades por Nós sofridas, ele repreendeu Mirza Taqí pela fraqueza que mostrara em Nos proteger contra Nossos inimigos. 'De que importância,' perguntou indignado, 'são as denúncias desse povo ignorante? Como é que vos permitistes ser movido pelo seu clamor? Deveríeis vos ter contentado por haverdes impedido o grupo de chegar a seu destino e, em vez de os deterdes nessa casa, haver providenciado seu regresso seguro e imediato a Teerã.'

"Enquanto em Sárí, fomos novamente expostos aos ultrajes por parte do povo. Se bem que as notabilidades dessa cidade fossem pela maior parte Nossos amigos e tivessem em várias ocasiões conosco encontrado em Teerã, mal havia o povo da cidade Nos reconhecido enquanto andávamos com Quddús nas ruas, quando começou a arremessar contra nós suas invectivas. Com o grito de ' Bábí! Bábí!' éramos saudados, onde quer que fossemos. Não pudemos escapar as suas amargas denúncias.

"Em Teerã fomos duas vezes aprisionados em conseqüência de Nos havermos levantado para defender a Causa dos inocentes contra um impiedoso opressor. O primeiro encarceramento ao qual fomos sujeitados seguiu o assassinato de Mullá Taqíy-i-Qazvíní e foi causado pela assistência que fomos movidos a prestar àqueles a quem foi infligido sem merecimento, um severo castigo. Nossa segunda prisão, infinitamente mais severa, foi precipitada pela tentativa que irresponsáveis seguidores da Fé fizeram contra a vida do Xá. Esse evento causou nosso desterro a Bagdá. Pouco depois de Nossa chegada, Nos retiramos para as montanhas de Kurdistán, onde por algum tempo levamos uma vida de solidão completa. Procuramos abrigo no cume de uma montanha remota situada a uns três dias de distância da mais próxima morada humana. Faltavam completamente os confortos da vida. Permanecemos em inteiro isolamento de Nossos semelhantes até que um certo Shaykh Ismá'íl descobriu nossa morada e nos trouxe o alimento de que necessitávamos.

"Ao regressarmos a Bagdá, vimos com grande espanto, que a Causa do Báb fora penosamente negligenciada, que sua influência minguara e seu próprio nome quase se submergira no esquecimento. Levantamo-Nos para ressuscitar Sua Causa e salvá-la da decadência e corrupção. Num tempo em que medo e perplexidade se haviam apoderado firmemente de nossos companheiros reafirmamos, com intrepidez e determinação, suas verdades essenciais, e convocamos todos aqueles que se haviam tornado indiferentes para esposarem com entusiasmo a Fé da qual tão lamentavelmente tinham descuidado. Enviamos Nosso apelo aos povos do mundo, convidando-os a contemplarem a luz de Sua Revelação.

"Após Nossa partida de Adrianópolis, surgiu uma discussão entre os oficiais do governo em Constantinopla sobre Nosso destino - se Nós e Nossos companheiros deveríamos ou não ser jogados no mar. A notícia dessa discussão chegou na Pérsia e deu origem ao boato de que fora esta, realmente, a sorte que Nos sobreviera. Em Khurásán, em especial, Nossos amigos ficaram profundamente perturbados. Mirza Ahmad-i-Azghandí, assim que foi informado dessa notícia - dizem - asseverou que sob nenhuma circunstância poderia ele dar crédito a tal boato. 'A Revelação do Báb,' - disse ele - 'deve, se isso for verdade, ser considerada absolutamente destituída de fundamento.' - A notícia de havermos chegado, são e salvo na cidade-prisão de 'Akká, regozijou os corações de Nossos amigos e tornou mais profunda a admiração dos crentes de Khurásán pela fé de Mirza Ahmad, aumentando sua confiança nele.

"De Nossa, a Maior Prisão, sentimo-Nos movidos a dirigir aos vários governantes e cabeças coroadas do mundo Epístolas nas quais os convocamos a se levantarem e abraçarem a Causa de Deus. Ao Xá da Pérsia mandamos Nosso mensageiro Badí', em cujas mãos confiamos a Epístola. Foi ele quem a levantou no alto, diante dos olhos da multidão e, erguendo a voz, fez um apelo a seu soberano para que atendesse às palavras naquela Epístola contidas. As outras Epístolas igualmente, chegaram a seu destino. À Epístola que dirigimos ao imperador da França, uma resposta foi recebida de seu ministro, estando o original dessa resposta agora em poder do Maior Ramo (2). A ele dirigimos estas palavras: 'Ó Rei de Paris! Dize ao padre que não mais toque os sinos. Por Deus o Verdadeiro! Apareceu o Sino Mais Poderoso na forma Daquele que é o Maior Nome e os dedos da vontade de teu Senhor, o Excelso, o Altíssimo, o fazem soar no céu da imortalidade em Seu Nome, o Todo-Glorioso.' - Somente a Epístola que dirigimos ao Czar da Rússia não logrou chegar a seu destino. Outras Epístolas, porém foram recebidas e aquela Epístola será afinal entregue em suas mãos.

"Sede gratos a Deus por haver Ele vos capacitado a reconhecer Sua Causa. Qualquer um que receba esta benção deve ter realizado, anteriormente a sua aceitação, algum feito o qual, embora ele próprio estivesse inconsciente de seu caráter, foi ordenado por Deus como um meio pelo qual ele tem sido guiado a encontrar e abraçar a Verdade. Quanto àqueles que ficaram privados dessa benção, seus atos, tão somente, os impediram de reconhecer a verdade desta Revelação. Nutrimos a esperança de que vós, havendo atingido a esta luz, envideis os máximos esforços para banirdes as trevas da superstição e descrença do meio do povo. Que vossas ações proclamem vossa fé e vos capacitem a guiar os errantes aos caminhos da salvação eterna. A memória desta noite jamais será apagada. Que nunca se oblitere com o passar do tempo; que sua menção para sempre persista nos lábios dos homens."

O sétimo Naw-Rúz após a Declaração do Báb caiu no décimo sexto dia do mês de Jamádíyu'l-Avval, no ano de 1267 A. H. (3), um mês e meio após o término da luta de Zanján. Naquele mesmo ano, perto do fim da primavera, nos primeiros dias do mês de Shabán (4), Bahá'u'lláh partiu da capital para Karbilá. Eu, nessa ocasião, morava em Kirmánshá, na companhia de Mirza Ahmad, amanuense do Báb, a quem Bahá'u'lláh mandara colecionar e transcrever todos os escritos sagrados, estando os originais, pela maior parte, em seu poder. Estive em Zarand, na casa de meu pai, quando aos Sete Mártires de Teerã sobreveio seu destino cruel. Consegui subseqüentemente partir para Qum, sob o pretexto de desejar visitar o santuário. Não podendo localizar Mirza Ahmad, com quem desejava me encontrar, partir para Káshán, seguindo o conselho de Hájí Mirza Músáy-i-Qumí, que me informou que a única pessoa capaz de me esclarecer quanto ao paradeiro de Mirza Ahmad era 'Azím, então residente em Káshán. Com ele voltei a Qum, onde fui apresentado a um certo Siyyid Abu'l-Qásim-i-'Aláqih-Band-i-Isfáhání, que previamente acompanhara Mirza Ahmad em sua viagem a Kirmánsháh. 'Azím deu-lhe instruções para me conduzir ao portão da cidade, onde ele me informaria do lugar em que Mirza Ahmad residia e providenciaria minha partida para Hamadán. Siyyid 'Abdu'l-Qásim, por sua vez, me referiu a Mirza Muhammad-'Alíy-i-Tabíb-i-Zanjání quem, ele disse, eu haveria de encontrar seguramente em Hamadán, e quem me informaria do lugar onde eu pudesse encontrar Mirza Ahmad. Segui suas instruções e fui mandado, por esse Mirza Muhammad-'Alí, a Kirmánsháh, para lá encontrar com um certo mercador, de nome Ghulám-Husayn-i-Shushtarí, que me conduziria à casa em que Mirza Ahmad residia.

Poucos dias após minha chegada, Mirza Ahmad me informou que, durante sua estada em Qum havia conseguido ensinar a Causa a Íldirím Mirza, irmão de Khánlar Mirza, a quem ele queria apresentar um exemplar do "Dalá'il-i-Sab'ih" (5) e expressou seu desejo de que eu fosse seu portador. Íldirím Mirza era naquele tempo governador de Khurram-Ábád, na província de Luristán e havia acampado com seu exército nas montanhas de Khávih-Válishtar. Com o máximo prazer acedi a seu pedido, expressando-lhe minha prontidão para sair imediatamente nessa jornada. Com um guia curdo foram atrevessadas montanhas e florestas durante seis dias e seis noites até que alcançamos o quartel do governador. Entreguei em suas mãos a incumbência e trouxe de volta comigo uma mensagem por ele escrita a Mirza Ahmad, expressando sua apreciação do presente e lhe assegurando sua devoção à Causa de seu Autor.

Ao regressar, recebi de Mirza Ahmad as jubilosas novas da chegada de Bahá'u'lláh em Kirmánsháh. Enquanto estávamos sendo conduzidos a Sua presença, nós O encontramos - sendo este o mês de Ramandan - ocupado em ler o Alcorão e assim tivemos a benção de ouvi-lo ler versículos desse sagrado Livro. Apresentei-lhe a mensagem escrita por Íldirím Mirza a Mirza Ahmad. "A fé que um membro da dinastia de Qájár professa," comentou Ele, depois de ler a carta, "não é fidedigna. Suas declarações são insinceras. Esperando que algum dia os Bábís assassinarão o soberano, ele nutre no coração a esperança de ser por eles aclamado o sucessor. O amor pelo Báb que ele professa é atuado por esse motivo." Dentro de poucos meses reconhecemos a verdade de Suas palavras. Esse mesmo Íldirím Mirza deu ordens para a execução de um certo Siyyid Basír-i-Hindí, fervoroso aderente da Fé.

Seria apropriado a esta altura, desviar-nos do curso de nossa narrativa e nos referirmos, em poucas palavras, às circunstâncias da conversão e morte desse mártir. Entre os discípulos solicitados pelo Báb, nos primeiros dias de Sua Missão, a dispersarem e ensiarem Sua Causa, havia um certo Shaykh Sa'íd-i-Hindí, uma das Letras dos Viventes, a quem seu Mestre mandara viajar através da Índia e proclamar a seu povo os preceitos de Sua Revelação. Shaykh Sa'íd, no curso de suas viagen, visitou a cidade de Mooltán, onde conheceu esse Siyyid Basír (6) que, embora cego pode, com os olhos interiores, perceber de imediato o significado da mensagem que Shaykh Sa'íd lhe trouxera. Os vastos conhecimentos que ele havia adquirido, longe de impedi-lo de apreciar o valor da Causa à qual foi chamado, o capacitaram a abranger seu significado e compreender a grandeza de seu poder. Pondo atrás de si e se desprendendo de amigos e parentes, levantou-se com a firme resolução de prestar seu quinhão de serviço à Causa que ele abraçara. Seu primeiro ato foi empreender uma peregrinação a Shíráz, na esperança de encontrar com seu Bem-Amado. Ao chegar nessa cidade, foi informado, para sua surpresa e pesar, de que o Báb fora banido às montanhas de Ádhirbáyján, onde levava uma vida de solidão ininterrupta. Logo seguiu a Teerã e daí partiu para Núr, onde se encontrou com Bahá'u'lláh. Esse encontro lhe aliviou o coração da carga de tristeza causada pelo insucesso em ver seu Mestre. Àqueles que vieram subseqüentemente a conhecer, de qualquer classe ou credo, participou ele as alegrias e as bênçãos que recebera, com tanta abundância das mãos de Bahá'u'lláh, podendo dotá-los de alguma medida do poder do qual seu contato com Ele investira seu mais íntimo ser.

Tenho ouvido Shaykh Shahíd-i-Mázkán relatar o seguinte: "Tive o privilégio de conhecer Siyyid Basír no auge do verão durante sua passagem por Qansar, onde vão os principais residentes de Káshán a fim de escapar do calor dessa cidade. Dia e noite eu o encontrava ocupado em discutir com os mais eminentes ulemás, que se haviam congregado nessa aldeia. Com habilidade e perspicácia, com eles tratava das sutilezas de sua Fé, expondo-lhes sem medo ou reserva os ensinamentos fundamentais da Causa e lhes refutando, em absoluto, os argumentos. Pessoa alguma, por maiores que fossem seus conhecimentos e experiências, conseguia rejeitar as evidências por ele apresentadas para sustentar as pretensões. Tal era sua percepção e tal sua familiaridade com os ensinamentos e preceitos do Islã que seus adversários o imaginavam um feiticeiro, cuja perniciosa influência lhes pudesse, receavam, roubar sua posição."

De igual modo tenho ouvido Mullá Ibráhim, cognominado Mullá-Báshí, que foi martirizado em Sultán-Ábád, relatar sua impressão de Siyyid Basír: "Perto do fim de sua vida, Siyyid Basír passou por Sultán-Ábád, onde com ele eu pude encontrar. Ele estava continuamente associado com os principais ulemás. Ninguém lhe podia exceder em seu conhecimento do Alcorão e domínio das tradições atribuídas a Maomé. Ele mostrava um entendimento que o tornava o terror de seus adversários. Muitas vezes seus oponentes questionavam a exatidão de suas citações ou rejeitavam a existência da tradição que ele apresentava para sustentar seu argumento. Com infalível exatidão estabelecia ele a verdade de seu argumento com sua referência ao texto do 'Usúl-i-Káfí' e do 'Biháru'l-Anvár', (7) do qual tirava, logo, a tradição especial que demonstrava a verdade de suas palavras. Mantinha-se sem rival tanto na fluência de seu argumento como na facilidade com que expunha as provas incontestáveis em apoio de seu tema."

De Sultán-Ábád, procedeu Siyyid Basír a Luristán, onde visitou o acampamento de Íldirím Mirza, por quem foi recebido com notável respeito e consideração. No curso de sua conversa com ele um dia, o Siyyid, que era homem de grande coragem, se referiu a Muhammad Sháh em termos que incitaram a ira feroz de Íldirím Mirza. Ficou ele furioso por causa do tom e da veemência de seus comentários e ordenou que a língua lhe fosse arrancada através da nuca. Com assombrosa fortaleza suportou o siyyid essa tortura desumana, mas sucumbiu à dor que seu opressor impiedosamente lhe infligira. Na mesma semana uma carta na qual Íldirím Mirza injuriara o irmão, Khánlar Mirza, foi descoberta por este e de imediato ele obteve o consentimento de seu soberano para tratá-lo de qualquer maneira que ele quisesse. Khánlar Mirza, que tinha um ódio implacável por seu irmão, mandou que fosse despido e levado nu e acorrentado a Ardibíl, onde foi encarcerado e, afinal, morreu.

Bahá'u'lláh passou o mês inteiro de Ramandán em Kirmánsháh. Shukru'lláh-i-Núrí, um parente Seu, e Mirza Muhammad-i-Mázindarán, que sobrevivera a luta de Tabarsí, foram os únicos companheiros que Ele escolheu para acompanhá-Lo a Karbilá. Ouvi o próprio Bahá'u'lláh dar as razões de Sua partida de Teerã. "O Amír-Nizám," disse-nos Ele, "pediu-Nos um dia que fossemos vê-lo. Ele nos recebeu cordialmente e revelou o propósito de Nos haver chamado a sua presença. 'Estou bem ciente,' insinuou ele suavemente 'da natureza e da influência de vossas atividades e estou firmemente convencido de que, se não fosse o apoio e a assistência por vós prestados a Mullá Husayn e seus companheiros, nem ele, nem seu bando de estudantes inexperientes teria sido capaz de resistir por sete meses as forças do governo imperial. A habilidade e destreza com que pudestes dirigir e animar aqueles esforços não deixam de me despertar a admiração. Não tenho podido obter evidência para estabelecer vossa cumplicidade no caso. Acho uma pena que uma pessoa tão capaz fique vadia, não lhe sendo concedida oportunidade para servir a seu país e seu soberano. Veio-me o pensamento de vos sugerir que visiteis Karbilá nestes dias em que o Xá está considerando uma viagem a Isfáhán. É minha intenção, quando ele voltar, poder vos conferir a posição de Amír-Díván, função esta poderíeis admiravelmente desempenhar.' Protestamos veementemente contra tais acusações e recusamos aceitar a posição que ele esperava Nos oferecer. Poucos dias depois dessa entrevista, saímos de Teerã para Karbilá."

Antes da partida de Bahá'u'lláh de Kirmánsháh, Ele chamou a Sua presença Mirza Ahmad e também a mim e nos mandou partir para Teerã. Fui incumbido de encontrar com Mirza Yahyá imediatamente depois de minha chegada e levá-lo comigo ao forte de Dhu'l-Fakár Khán, situado nas proximidades de Sháhrúd, lá com ele permanecendo até o regresso de Bahá'u'lláh à capital. A Mirza Ahmad foi ordenado que se detivesse em Teerã até Sua chegada e lhe foi entregue uma caixa de doces e uma carta endereçada a Áqáy-i-Kalím, quem deveria despachar o presente a Mázindarán, onde residiam o Maior Ramo e Sua mãe.

Mirza Yahyá, a quem entreguei a mensagem, recusou partir de Teerã e queria, em vez disso, que eu partisse para Qazvín. Obrigou-me a aceder a seu desejo e levar comigo algumas cartas que ele me mandou entregar a certos amigos seus nessa cidade. Ao regressar a Teerã, fui constrangido, diante da insistência de meus parentes, a sair para Zarand. Mirza Ahmad, entretanto, prometeu providenciar novamente meu regresso à capital, promessa esta que ele cumpriu. Dois meses mais tarde, eu estava outra vez residindo com ele em um caravansarai fora do portão de Naw, onde passei em sua companhia, todo o inverno. Ele dedicava seus dias à transcrição do Bayán Persa e do "Dalá'il-i-Sab'ih", trabalho este que ele executava com entusiasmo admirável. Entregou a mim dois exemplares deste último, pedindo-me que os apresentasse em seu nome a Mustaw-fíyu'l-Mamálik-i-Áshtíyání e Mirza Siyyid 'Aliy-i-Tafarshí, cognominado Majdu'l-Ashráf. O primeiro foi tão afetado que se convenceu completamente da verdade da Fé. Quanto a Mirza Siyyid 'Alí, as opiniões por ele expressas foram de um caráter totalmente diverso. Em uma reunião na qual 'Aqáy-i-Kalím estava presente, comentou de um modo desfavorável sobre as contínuas atividades dos crentes. "Essa seita", declarou ele publicamente, "ainda vive. Seus emissários trabalham assiduamente, difundindo os ensinamentos de seu líder. Um deles, um jovem, veio me visitar outro dia e me apresentou um tratado que eu considero extremamente perigoso. Qualquer um dentre a plebe que leia esse livro, se enganará seguramente com seu tom." Áqáy-i-Kalím, de imediato, percebeu de suas referências que Mirza Ahmad lhe havia mandado o livro e que eu servira de mensageiro. Nesse mesmo dia Áqáy-i-Kalím convidou-me a visitá-lo e me aconselhou que voltasse a minha casa em Zarand. Pediu-me que induzisse Mirza Ahmad a partir imediatamente para Qum, pois nós dois, em sua opinião, estávamos expostos a grande perigo. Agindo de acordo com as intruções de Mirza Ahmad consegui induzir o siyyid a devolver o Livro que lhe fora oferecido. Pouco depois, despedi-me de Mirza Ahmad, com quem nunca mais me encontrei. Acompanhei-lhe até Sháh-'Abdu'l-Azím, donde ele partiu para Qum, enquanto eu segui meu caminho para Zarand.

O mês de Shavvál, no ano de 1267 A. H. (8), testemunhou a chegada de Bahá'u'lláh em Karbilá. No caminho para essa cidade santa, Ele se demorou alguns dias em Bagdá, cidade essa que Ele breve haveria de visitar novamente e onde Sua Causa era destinada a amadurecer e se desvelar diante do mundo. Ao chegar em Karbilá soube que alguns de sus principais residentes, entre os quais Shaykh Sultán e Hájí Siyyid Javád, haviam caído vítimas da perniciosa influência de um certo Siyyid-i-'Ulluvv e se declaravam seus aderentes. Estavam imersos em superstições e acreditavam que seu líder era a própria encarnação do Espírito Santo. Shaykh Sultán figurava entre seus mais fervorosos discípulos e se considerava a si próprio em segundo lugar, depois de seu mestre, como o proeminente líder de seus conterrâneos. Bahá'u'lláh em várias ocasiões se encontrou com ele e com Suas palavras de conselho e de benevolência, pode lhe purificar a mente de suas vãs fantasias e livrá-lo do estado de servitude abjeta em que se submergira. Ganhou sua completa lealdade à Causa do Báb e lhe ateou no coração o desejo de propagar a Fé. Seus co-discípulos, testemunhando os efeitos de sua imediata e maravilhosa conversão foram levados, um após outro, a abandonar sua lealdade anterior e abraçar a Causa que se colega se levantara para defender. Abandonado e desprezado pelos antigos aderentes, o Siyyid-i-'Ulluvv foi, afinal, levado a reconhecer a autoridade de Bahá'u'lláh e admitir a superioridade de Sua posição. Ele chegou até ao ponto de expressar arrependimento por seus atos e de dar sua palavra que jamais advogaria as teorias e os princípios com os quais se havia identificado.

Foi durante essa visita a Karbilá que Bahá'u'lláh, enquanto andava pelas ruas, encontrou Shaykh Hasan-i-Zunúsi, a quem confiou o segredo que Ele era destinado a revelar posteriormente em Bagdá. Viu que ele buscava ansiosamente o prometido Husayn, a quem o Báb com tanto amor se referira, prometendo-lhe que o encontraria em Karbilá. Já temos, em capítulo anterior, narrado as circunstâncias que levaram a seu encontro com Bahá'u'lláh. Desde aquele dia Shaykh Hasan estava como que magnetizado pelo encanto de seu Mestre novamente encontrado e, não fosse a cautela que lhe fora solicitado exercer, teria proclamado aos habitantes de Karbilá a volta do prometido Husayn cujo aparecimento esperavam.

Entre aqueles que vieram a sentir esse poder, figurava Mirza Muhammad-'Alíy-i-Tabíb-i-Zanjání, em cujo coração se implantava uma semente destinada a crescer e florescer em uma fé tenaz que os fogos da perseguição impotentes seriam para extingui-la. De sua devoção, sua magnanimidade e sua dedicação a um único objetivo, o próprio Bahá'u'lláh deu testemunho. Essa fé o levou afinal, ao campo do martírio. De destino igual participou Mirza 'Abdu'l-Vahháb-i-Shírází, filho de Hájí 'Abdu'l-Majíd, proprietário de uma loja em Karbilá, que se sentiu impelido a renunciar a todas as possessões e seguir seu Mestre. Foi aconselhado, entretanto, a que não abandonasse seu trabalho e sim, continuasse a ganhar seu sustento, até o tempo em que fosse chamado a Teerã. Bahá'u'lláh exortou-o a ser paciente e o encorajou a ampliar o âmbito de seus negócios, dando-lhe certa quantia para esse fim. Não podendo concentrar sua atenção em seu ofício porém, Mirza 'Abdu'l-Vahháb apresseou-se a Teerã, onde permaneceu até ser aprisionado na masmorra na qual seu Mestre estava confinado, onde sofreu martírio por amor a Ele.

De igual modo foi Shaykh 'Alí-Mirzay-i-Shírází atraído à Causa a qual fora chamado e a qual ele serviu com uma abnegação e devoção além de todo louvor, mantendo-se até o último momento de sua vida um destemido defensor. A amigo e inimigo, igualmente, contava ele suas experiências em virtude da maravilhosa influência que a presença de Bahá'u'lláh sobre ele exercia, e os sinais e prodígios por ele testemunhados durante e após os dias de sua conversão ele os descrevia entusiasticamente.

CAPÍTULO XXVI
ATENTADO CONTRA A VIDA DO XÁ E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Na ocasião do oitavo Naw-Rúz após a Declaração do Báb, que caiu no vigésimo sétimo dia do mês de Jamádíyu'l-Avval, no ano de 1268 A. H. (1), Bahá'u'lláh encontrava-se ainda no Iraque, ocupado em disseminar os ensinamentos da Nova Revelação e lhe tornar firmes os fundamentos. Demonstrando um entusiasmo e uma habilidade que faziam lembrar Suas atividades nos primeiros dias do movimento em Núr e Mázindarán, continuou Ele a Se devotar à tarefa de reanimar as energias, organizar as forças e dirigir as atividades dos companheiros do Báb, tão largamente dispersos. Era Ele a luz única em meio às trevas que cercavam os discípulos desconcertados os quais, por um lado, haviam testemunhado o martírio cruel de seu bem-amado Líder e por outro, o trágico destino de seus companheiros. Ele, tão somente, pode inspirar neles a coragem e fortaleza necessárias para que suportassem as numerosas aflições sobre eles amontoadas; somente Ele tinha capacidade para prepará-los para a pesada tarefa com a qual eram destinados a arcar, e pode habituá-los a desafiar a tempestade e os perigos que breve eles haveriam de enfrentar.

Na primavera daquele ano, Mirza Taqí Khán, o Amír-Nizám, o Grão-Vizir de Násirí'd-Dín Sháh, autor de tão infames ultrajes contra o Báb e seus companheiros, foi morto em um banho público em Fín, perto de Káshán (2), tendo sido miseravelmente frustrado em sua tentativa de deter o ímpeto da Fé a qual ele lutara tão desesperadamente para esmagar. Sua própria fama e honra eram destinadas a perecer afinal, com sua morte e não a influência daquela vida que ele procurara extinguir. Durante os três anos em que ocupava o posto de Grão-Vizir da Pérsia, seu ministério maculou-se com feitos da pior infâmia. Que atrocidades não foram perpetradas pelas suas mãos, enquanto se estendiam para demolir a estrutura que o Báb erguera! A que medidas traiçoeiras não recorria ele em sua fúria impotente, a fim de solapar a vitalidade de uma Causa que ele temia e odiava! O primeiro ano de sua administração foi marcado pela investida feroz do exército imperial de Násirí-d-Dín Sháh contra os defensores do forte de Tabarsí. Quão impiedosamente conduziu ele a campanha de repressão contra aqueles aderentes da Fé Divina! Que fúria e eloqüência exibiu em seu apelo por exterminar as vidas de Quddús e Mullá Husayn e de trezentos e treze dos melhores e mais nobres de seus conterrâneos! O segundo ano de seu ministério, estava lutando com determinação selvagem, para extirpar a Fé na capital. Ele foi quem autorizou e encorajou a apreensão dos crentes que residiam nessa cidade, e ordenou a execução dos Sete Mártires de Teerã. Ele foi quem desencadeou a ofensiva contra Vahíd e seus companheiros, quem inspirou aquela campanha de vingança que animou os perseguidores, instigando-os a cometer as abominações com as quais aquele episódio estará para sempre associado. Nesse mesmo ano se testemunhou outro golpe, um mais terrível do que qualquer até então infligido por ele àquela comunidade tão perseguida - golpe esse que levou a um trágico fim a vida Daquele que era a Fonte de todas as forças que ele em vão tentara reprimir. Os últimos anos da vida daquele Vizir permanecerão para sempre assinalados pela mais revoltante das vastas campanhas que sua mente engenhosa planejou, sendo uma campanha que envolveu a destruição das vidas de Hujját e de nada menos que mil e oitocentos de seus companheiros. Tais foram as feições que distinguiram uma carreira iniciada e finda em um reinado de terror cujo igual a Pérsia raramente havia visto.

Sucedeu-lhe Mirza Áqá Khán-i-Núrí (3) que, no início de seu ministério, se esforçou para efetivar uma reconciliação entre o governo do qual era ele o chefe, e Bahá'u'lláh, considerado por ele o mais capaz dos discípulos do Báb. Enviou-lhe uma carta cordial, pedindo-lhe que voltasse a Teerã e expressando sua ansiedade de com Ele se encontrar. Bahá'u'lláh, antes de receber essa carta, já decidira partir do Iraque para a Pérsia.

Ele chegou na capital no mês de Rajab (4), sendo-lhe dada boas vindas pelo irmão do Grão-Vizir, Ja'far-Qulí Khán, que recebera instruções especiais para sair ao Seu encontro. Durante um mês inteiro foi Ele o hóspede de honra do Grão-Vizir o qual havia incumbido o irmão de representá-lo no papel de anfitrião. Tamanho foi o número de notabilidades e dignitários da capital que se congregavam a Seu redor, que Ele se viu impossibilitado de voltar a Sua própria casa. Permaneceu nessa casa até Sua partida para Shimírán.

Tenho ouvido dizer que durante essa jornada Bahá'u'lláh teve oportunidade de encontrar com 'Azím, que desde muito tempo estava tentando vê-lo e que, nessa entrevista foi aconselhado, em termos os mais enfáticos a abandonar o plano que ele havia concebido. Bahá'u'lláh condenou seus desígnios, desligou-se inteiramente do ato que ele tencionava cometer e lhe advertiu de que tal tentativa precipitaria novos desastres de magnitude sem precedentes.

Bahá'u'lláh procedeu a Lavásán, tendo parado na aldeia de Afchih, propriedade do Grão-Vizir, quando lhe veio a notícia da tentativa contra a vida de Násiri'd-Dín Sháh, Jáfar-Qulí Khán ainda era Seu anfitrião em nome do Amír-Nizám. Este ato criminoso foi perpetrado perto do fim do mês de Shavvál, no ano de 1268 A. H. (6), por dois obscuros e irresponsáveis jovens, um de nome Sádiq-i-Tabrízí e o outro, Fathu'lláh-i-Qumí ambos ganhavam a vida em Teerã. Em uma ocasião em que o exército imperial, chefiado pelo próprio Xá, havia acampado em Shimírán, esses dois jovens ignorantes, em um frenesi de desespero, levantaram-se para vingar o sangue de seus irmãos trucidados (7). A loucura que caracterizou seu ato foi demonstrada pelo fato de que, ao fazerem tal tentativa contra a vida de seu soberano, em vez de empregarem armas efetivas que pudessem assegurar o êxito de sua arriscada façanha, esses jovens carregaram suas pistolas de balas que nenhuma pessoa de razão jamais pensaria em usar para tal fim. Se sua ação tivesse sido instigada por um homem de juízo e bom senso, ele certamente nunca lhes teria permitido executar sua intenção com instrumentos tão ridiculamente ineficazes (8).

Esse ato, embora cometido por fanáticos desequilibrados e débeis mentais e apesar de haver sido desde o início, enfaticamente condenado por uma pessoa não menos responsável que Bahá'u'lláh, foi o sinal para irromper uma série de perseguições e massacres de tão bárbara ferocidade que só poderiam ser comparados às atrocidades de Mázindarán e Zanján. A tempestade à qual esse ato deu origem mergulhou Teerã inteira em consternação e angústia. Envolvia a vida dos principais companheiros que haviam sobrevivido ás calamidades às quais sua Fé fora tão cruel e repetidamente sujeitada. Ainda se no furor desta tempestade, Bahá'u'lláh com alguns de Seus tenentes mais capazes, foi imerso na escuridão de uma masmorra, nauseabunda e cheia de doenças, enquanto lhe colocaram no pescoço correntes de um peso que só criminosos notórios eram condenados a suportar. Por nada menos de quatro meses, tolerou Ele esse peso e tamanha foi a intensidade de Seu sofrimento que os traços dessa crueldade permaneceram gravados em Seu corpo durante todos os dias de Sua vida.

Tão grave ameaça a seu soberano e às instituições de seu reino incitou a indignação do inteiro corpo da ordem eclesiástica da Pérsia. Em sua opinião, um ato tão audaz exigia punição imediata e condizente. Medidas de severidade sem precedentes, clamavam eles, deveriam ser tomadas, a fim de deter a maré que estava engolfando tanto o governo, como a Fé do Islã. A despeito da moderação que os seguidores do Báb haviam exercido em toda parte do país, sempre, desde o início da Fé; apesar das repetidas exortações dos principais discípulos a seus irmãos de Fé, mandando-lhes abster de atos de violência, lealmente obedecer a seu governo e desmentir qualquer intenção de guerra santa, seus inimigos perseveraram em seus deliberados esforços para deturparem diante das autoridades a natureza e o propósito dessa Fé. Agora que um ato de tão momentosas conseqüências fora cometido, que acusações não seriam esses mesmos inimigos incentivados a atribuir à Causa com a qual os perpetradores do crime haviam estado associados! Parecia haver vindo o momento, em que podiam afinal despertar os governantes do país para a necessidade de se extirpar, tão rapidamente quanto possível, uma heresia que parecia ameaçar os próprios fundamentos do Estado.

Ja'far-Qulí Khán, que estava em Shimírán quando se fez a tentativa contra a vida do Xá, escreveu de imediato uma carta a Bahá'u'lláh, informando-O do ocorrido. "A mãe do Xá," escreveu ele, "está inflamada de ira. Está vos denunciando abertamente perante a corte e o povo como 'aquele que pretendia assassinar' seu filho. Ela está tentando envolver nesse ato também Mirza Áqá Khán, acusando-o de ser vosso cúmplice." Instou a Bahá'u'lláh que permanecesse escondido por algum tempo naquela vizinhança, até que a paixão do povo se tivesse acalmado. Despachou a Afchih um velho e experiente mensageiro, a quem ordenou que ficasse ao dispor de seu Hóspede e se mantivesse em prontidão para acompanhá-Lo até qualquer lugar de segurança que Ele desejasse.

Bahá'u'lláh recusou valer-Se da oportunidade oferecida por Ja'far-Qulí Khán. Desatendendo ao mensageiro e lhe rejeitando a proposta, partiu montado, na manhã seguinte com tranqüila confiança, indo de Lavásán, onde estava hospedado, à sede do exército imperial então estacionado em Níyávarán, no distrito de Shimírán. Quando chegou na aldeia de Zarkandih, sede da legação russa, situada a uma distância de um maydán (9) de Niyávarán, veio a Seu encontro Mirza Majíd, Seu cunhado, que ocupava o posto de secretário do ministro russo (10) e foi por ele convidado a se hospedar em sua casa, a qual era adjacente àquela de seu superior. Os subordinados de Hájí 'Alí Khán, o Hájibu'd-Dawlih reconhecendo-O, foram imediatamente avisar seu Mestre quem, por sua vez, levou a informação ao conhecimento do Xá.

A notícia da chegada de Bahá'u'lláh causou grande surpresa entre os oficiais do exército imperial. O próprio Násiri'd-Dín Sháh espantou-se diante do passo audaz e inesperado que fora dado por um homem a quem se acusava de ser o principal instigador da tentativa contra sua vida. Imediatamente mandou à legação um de seus oficiais de confiança, exigindo que o Acusado fosse entregue em suas mãos. O ministro russo recusou e pediu a Bahá'u'lláh que procedesse à residência de Mirza Áqá Khán, o Grão-Vizir, sendo este o lugar que ele considerava o mais apropriado nestas circunstâncias. Acedeu Ele a seu pedido e o ministro então comunicou formalmente ao Grão-Vizir seu desejo de que o máximo cuidado exercido para garantir a segurança e proteção da incumbência que seu governo lhe estava entregando, e advertindo-lhe que o teria por responsável caso deixasse de cumprir com seu desejo (11).

Mirza Áqá Khán, embora se incumbisse de dar as mais completas garantias, segundo lhe foram exigidas, e se bem que recebesse Bahá'u'lláh em sua casa com toda demonstração de respeito, estava entretanto, demasiado apreensivo pela segurança de sua própria posição para conceder a seu Hóspede o tratamento que se esperava.

Quando Bahá'u'lláh estava partindo da aldeia de Zarkandih, a filha do ministro, sentindo-se muito aflita por causa dos perigos que Lhe ameaçavam a vida, ficou tão profundamente emocionada que não pode restringir as lágrimas. "De que proveito," ouviu-se ela apelar para o pai, "é a autoridade da qual foste investido, se és impotente para estender tua proteção a um hóspede que recebestes em tua casa?" O ministro, que tinha grande afeto pela filha, comoveu-se ao ver suas lágrimas e tentou confortá-la, assegurando-lhe que faria tudo em seu poder para afastar o perigo que ameaçava a vida de Bahá'u'lláh.

Nesse dia irrompeu no exército de Násiri'd-Dín Sháh um estado de violento tumulto. As ordens peremptórias do soberano, seguindo-se tão rapidamente após a tentativa contra sua vida, provocaram os mais exagerados boatos e excitaram as mais ferozes paixões nos corações do povo da região. Espalhou-se a agitação até Teerã, crescendo até atingirem um estado de fúria flamejante, as brasas de ódio que os inimigos da Causa ainda guardavam latentes em seus corações. Confusão, sem precedentes em seu âmbito, reinava na capital. Bastava uma palavra de denúncia, um sinal ou um sussurro, para sujeitar uma pessoa inocente a uma perseguição que nenhuma pena se atreve a tentar descrever. Segurança de vida e propriedade haviam se desvanecido completamente. As mais altas autoridades eclesiásticas na capital de mãos dadas com os mais prestigiosos membros do governo, infligiram o que esperavam fosse o golpe fatal a um inimigo que, por oito anos, tão gravemente abalava a paz do país e que nenhuma astúcia nem violência conseguira ainda silenciar (12).

Bahá'u'lláh, agora que o Báb deixara este mundo, aparecia a seus olhos como o arqui-inimigo cuma apreensão e prisão eles julgavam ser seu primeiro dever. Figurava-lhes como a reincarnação do Espírito que o Báb tão poderosamente manifestara, o Espírito através do qual Ele pudera efetivar tão completa transformação nas vidas e nos hábitos de seus conterrâneos. As precauções tomadas pelo ministro russo e a advertência por ele pronunciada não puderam deter a mão estendida com tão firme determinação contra aquela Vida preciosa.

Na viagem de Shimírán a Teerã, Bahá'u'lláh foi várias vezes despojado das vestes e acabrunhado de abuso e ridículo. A pé e exposto aos impiedosos raios do solstício de verão, foi Ele obrigado a percorrer a inteira distância desde Shimárán até a masmorra já mencionada. Por todo o caminho era Ele apedrejado e vilificado pelas turbas às quais Seus inimigos haviam podido convencer de Ser Ele o inimigo renhido de seu soberano e demolidor de seu reino. Faltam-me palavras para descrever o horroroso tratamento a Ele infligido, enquanto O levavam ao Síyáh-Chál de Teerã (13). Quando se aproximava dessa masmorra, viu-se uma velha e decrépita mulher emergir do meio da multidão, com uma pedra na mão, ansiosa de jogá-la no rosto de Bahá'u'lláh. Seus olhos cintilavam com uma determinação e um fanatismo de que poucos milhares de sua idade seriam capazes. Todo o seu corpo tremia de fúria, enquanto ela avançava, levantando a mão para contra Ele lançar seu projétil. "Pelo Siyyidu'sh-Shuhadá (14), vos adjuro", apelava, enquanto ela corria para alcançar aqueles em cujas mãos Bahá'u'lláh fora entregue, "dêem-me oportunidade para jogar minha pedra em seu rosto!" "Não deixem essa mulher ficar desapontada," foram as palavras de Bahá'u'lláh a Seus guardas, quando a viu apressar-se atrás Dele. "Não lhe neguem o que considera um ato meritório aos olhos de Deus."

O Síyáh-Chál, onde Bahá'u'lláh foi confinado, orignalmente um reservatório de água para um dos banhos públicos de Teerã, era a masmorra subterrânea na qual se costumava confinar criminosos do pior tipo. A escuridão, a imundície e o caráter dos presos combinaram para tornar essa pestilenta masmorra o lugar mais abominável ao qual seres humanos pudessem ser condenados. Seus pés foram postos em um tronco e ao redor de Seu pescoço prenderam as correntes de Qará-Guhar, notórias em toda a Pérsia por seu peso mortificante (15). Durante três dias e três noites, nenhuma espécie de alimento ou bebida foi dada a Bahá'u'lláh. Tanto repouso, como sono, Lhe era impossível. O lugar estava infestado de verminose e o fedor dessa morada sombria era suficiente para esmagar os próprios espíritos daqueles condenados a sofrer seus horrores. Tais eram as condições às quais Ele estava sujeitado que até um dos algozes que O vigiavam se comoveu. Várias vezes esse homem tentava induzi-Lo a tomar um pouco de chá que ele conseguira trazer para a masmorra escondido debaixo de suas roupas. Bahá'u'lláh, no entanto, recusava bebê-lo. Membros de Sua família freqüentemente tentavam persuadir os guardas a deixá-los levar à Sua prisão o alimento que haviam para Ele preparado. Embora de início nem o mais fervente apelo pudesse induzir os guardas a relaxarem a severidade de sua disciplina, pouco a pouco, entretanto, vieram a ceder à importunação de Seus amigos. Ninguém podia ter certeza, porém de o alimento chegar finalmente em Suas mãos, ou Dele consentir em comê-Lo, enquanto vários de Seus companheiros de prisão languesciam de fome ante Seus olhos. Certo é que maior miséria do que aquela que sobreveio a essas inocentes vítimas da ira de seu soberano, dificilmente se poderia imaginar (16).

Quanto ao jovem Sádiq-i-Tabrízí, o sofrimento a ele destinado foi tão cruel como humilhante. Apanharam-no no momento em que se precipitava em direção ao Xá, a quem já havia jogado do cavalo, esperando batê-lo com a espada que ele segurava na mão. O Shátir-Báshí, juntamente com os atendentes do Mustawfíyu'l-Mamálik, contra ele investiram e, sem tentarem saber quem ele era, no mesmo instante o trucidaram. Desejando apaziguar a agitação do povo cortaram seu corpo no meio e suspenderam cada metade para ser vista pelo público na entrada dos portões de Shimírán e Sháh 'Abdu'l'Azím (17). Seus outros dois companheiros, Fathu'lláh-i-Hakkák-i-Qumí e Hájí Qásim-i-Nayrízí, que haviam conseguido inflingir apenas leves ferimentos ao Xá, foram sujeitados a tratamento desumano, que causou afinal, sua morte. Fathu'lláh, embora sofrendo indizíveis crueldades, obstinadamente recusou responder às perguntas que lhe fizeram. O silêncio que manteve em face de múltiplas torturas levou seus perseguidores a acreditar que lhe faltava a faculdade da fala. Exasperados pelo insucesso de seus esforços, lhe despejaram na garganta chumbo derretido, ato esse que pôs término aos sofrimentos.

Seu companheiro, Hájí Qásim, foi tratado com uma selvageria ainda mais revoltante. No mesmo dia em que Hájí Sulaymán Khán estava sujeitado àquele terrível sofrimento, essa pobre criatura estava recebendo tratamento semelhante nas mãos de seus perseguidores em Shimírán. Despojaram-no das roupas, furaram-lhe a carne e nela inseriram velas acesas, e fizeram-no assim marchar diante dos olhos de uma turba que gritava e o amaldiçoava. Parecia insaciável o espírito de vingança que animava aqueles em cujas mãos ele foi entregue. Dia após dia novas vítimas eram forçadas a expiar com o sangue um crime que nunca cometeram, às circunstâncias do qual eles ignoravam completamente. Todo ardil engenhoso que os atormentadores de Teerã puderam empregar foi aplicado com impiedosa severidade nos corpos desses infelizes que nem foram levados a julgamento nem interrogados, sendo-lhes negado inteiramente seu direito de apelar e provar sua inocência.

Cada um daqueles dias de terror viu o martírio de dois companheiros do Báb, um dos quais era trucidado em Teerã, enquanto o outro encontrava seu destino em Shimírán. Ambos eram sujeitados ao mesmo modo de tortura, sendo ambos entregues ao público para tirar vingança. Aqueles encarcerados eram distribuídos entre as várias classes do povo, cujos mensageiros todo dia visitavam a masmorra e exigiam sua vítima (18). Conduzindo-a à cena de sua morte, davam o sinal para um ataque geral, quando, então, homens e mulheres cercavam sua presa, despedaçavam-lhe o corpo e de tal maneira o mutilavam que de sua forma original não restava um traço sequer. Tão grande impiedade espantava até os mais brutais dos algozes, cujas mãos, por mais acostumadas que estivessem à matança humana, jamais haviam perpetrado as atrocidades das quais essas pessoas se provaram ser capazes (19).

De todas as torturas que um inimigo insaciável infligiu às suas vítimas, nenhuma foi mais revoltante do que aquela que caracterizou a morte de Hájí Sulaymán Khán. Era filho de Yahyá Khán, um dos oficiais no serviço do Náyibu's-Saltanih, que era o pai de Muhammad Sháh. Reteve ele essa mesma posição nos primeiros dias do reinado de Muhammad Sháh. Hájí Sulaymán Khán mostrava desde os primeiros anos marcante aversão para posição e cargo. Desde o dia em que aceitara a Causa do Báb os ocupações triviais em que o povo a seu redor estava imerso excitavam sua compaixão e seu desprezo. A vaidade de suas ambições fora abundamente demonstrada aos seus olhos. Cedo na juventude sentiu ele um ardente desejo de escapar do tumulto da cidade e buscar refúgio na cidade santa de Karbilá. Aí veio a conhecer Siyyid Kázim e se tornou um de seus mais fervorosos defensores. Sua piedade sincera, frugalidade e seu amor à reclusão figuravam entre as qualidades principais de seu caráter. Demorou-se em Karbilá até o dia em que o Chamado de Shíráz lhe atingiu por intermédio de Mullá Yusuf-i-Ardibílí e Mullá Mihdíy-i-Khu'í, ambos os quais se contavam entre seus mais conhecidos amigos. Entusiasticamente abraçou ele a Mensagem do Báb (20). Tencionara, ao regressar de Karbilá a Teerã, unir-se com os defensores do forte de Tabarsí, mas chegou muito tarde para realizar tal propósito. Permaneceu na capital e continuou a usar o tipo de vestimenta que adotara em Karbilá. O pequeno turbante que ele usava e a túnica branca que seu 'abá (21) preto escondia, não agradavam o Amír-Nizám, que o induziu a rejeitar essas roupas e se vestir em uniforme militar. Fizeram-no usar o Kuláh (22), um toucado que se considerava mais de acordo com a posição ocupada por seu pai. Apesar de Amír insistir que ele aceitasse um posto no serviço do governo, obstinadamente recusou aceder a seu pedido. A maior parte de seu tempo era passada na companhia dos discípulos do Báb, especialmente daqueles companheiros Dele que sobreviveram à luta de Tabarsí. Ele os cercava com um cuidado e uma benevolência verdadeiramente admiráveis. Ele e seu pai tinham tanta influência que o Amír-Nizám foi induzido a lhe poupar a vida e de fato, a se abster de qualquer ato de violência contra ele. Embora estivesse presente em Teerã quando os sete companheiros do Báb com os quais estava intimamente associado foram martirizados, nem os oficiais do governo, nem qualquer um da plebe se atreveram a exigir sua apreensão. Até em Tabríz, onde viajara com o propósito de salvar a vida do Báb, nenhum dentre os habitantes dessa cidade ousou levantar contra ele um dedo sequer. O Amír-Nizám, que estava devidamente informado de todos os seus serviços à Causa do Báb, preferiu não levar em conta seus atos, em vez de precipitar um conflito com ele e o pai.

Pouco depois do martírio de um certo Mullá Zaynu'l-Abidín-i-Yazdí, espalhou-se um boato de que aqueles que o governo tencionava executar, entre os quais Siyyid Husayn, amanuense do Báb, e Táhirih - seriam postos em liberdade e que seria abandonada definitivamente a perseguição de seus amigos. Divulgou-se a notícia em toda parte, que o Amír-Nizám, julgando estar próxima a hora de sua morte, fora acabrunhado de súbito por grande medo e, numa agonia de arrependimento, exclamara: "Sou perseguido pela visão do Siyyid-i- Báb, de cujo martírio fui eu a causa. Posso agora ver que terrível erro cometi. Eu deveria ter restringido a violência daqueles que me instaram a derramar seu sangue de seus companheiros. Agora percebo que os interesses do Estado exigiam isso." Seu sucessor Mirza Áqá Khán, igualmente se inclinava a isso nos primeiros dias de sua administração e tencionava inaugurar seu ministério com uma reconciliação permanente entre ele e os seguidores do Báb. Já estava ele se preparando para cumprir sua tarefa quando a tentativa contra a vida do Xá arrasou seus planos e lançou a capital em um estado de confusão sem precedentes.

Tenho ouvido o Maior Ramo (23), que naqueles dias era criança de apenas oito anos de idade, relatar uma de Suas experiências, quando se aventurou a sair da casa em que Ele então residia. "Nós havíamos procurado abrigo", ele nos disse, "na casa de Meu tio, Mirza Ismá'il. Teerã estava na agonia da mais frenética agitação. Eu em certas ocasiões Me aventurava a sair dessa casa e atravessar a rua para ir ao mercado. Mal atravessava Eu o limiar e dava um passo na rua, quando meninos de Minha idade, que estavam correndo por lá, se amontoavam a Meu redor gritando, ' Bábí! Bábí!' Bem conhecendo o estado de agitação que se havia apoderado de todos os habitantes da capital tanto jovens como velhos, deliberadamente não levei em conta seu clamor e quietamente Me retirava para Minha casa. Aconteceu um dia que Eu estava andando sozinho pelo mercado, tencionando ir para a casa de Meu tio. Ao olhar para trás, vi um bando de pequenos rufiões correndo rapidamente a fim de Me alcançarem. Estava atirando pedras contra Mim e gritando em tom ameaçador, ' Bábí! Bábí!' Só intimidando-os, parecia-Me, poderia evitar o perigo que Me ameaçava. Virei-Me para trás e Me precipitei em direção a eles com tão firme determinação que fugiram apavorados e se desvaneceram. Eu podia ouvir de longe seu grito, 'O pequeno Bábí está nos perseguindo depressa. Ele de certo vai nos alcançar e vai matar a nós todos!' Enquanto Eu dirigia os passos para casa, ouvi um homem exclamar bem alto: 'Fizeste muito bem, ó criança corajosa, destemida! Ninguém de tua idade jamais teria podido, sem auxílio, resistir o ataque deles.' Depois daquele dia nunca mais fui molestado por qualquer um dos meninos da rua, nem ouvi mais nenhuma palavra ofensiva cair de seus lábios."

Entre aqueles que, em meio à confusão geral, foram apreendidos e aprisionados, se incluía Hájí Sulaymán Khán, as circunstâncias de cujo martírio irei relatar agora. Os fatos que menciono foram por mim cuidadosamente examinados e verificados e eu os devo pela maior parte, a Áqáy-i-Kalím que estava, ele próprio em Teerã naqueles dias e teve que participar dos terrores e sofrimentos de seus irmãos de Fé. "No dia mesmo do martírio de Hájí Sulaymán Khán," informou-me ele, "aconteceu que eu estava presente com Mirza 'Adu'l-Majíd, numa reunião em Teerã assistida por um número considerável das notabilidades e dos dignitários da capital. Entre eles se encontrava Hájí Mullá Mahmúd, o Nizámu'l-Ulamá, quem pediu ao Kalantar que descrevesse as verdadeiras circunstâncias da morte de Hájí Sulaymán Khán. O Kalantar assinalou com o dedo a Mirza Taqí, o Kad-Khudá (24) que, disse ele, conduzira a vítima desde o palácio imperial até o lugar de sua execução, fora do portão de Naw. Pediu-se então, a Mirza Taqí que relatasse aos presentes tudo o que ele havia visto e ouvido. 'Eu e meus auxiliares,' disse ele, 'recebemos ordens para comprar nove velas e inseri-las, nós mesmos, em buracos fundos que deveríamos cortar em sua carne. Instruíram-nos que acendêssemos cada uma dessas velas e o conduzíssemos pelo mercado, com o acompanhamento de tambores e trombetas até o lugar de sua execução. Ordenaram que lá cortássemos seu corpo no meio e suspendêssemos cada metade a um dos dois lados do portão de Naw. Ele mesmo escolheu a maneira como desejava ser martirizado. Násiri'd-Dín Sháh havia mandado Hájíbu'd-Dawlih (25) indagar na cumplicidade do acusado e, caso se convencesse de sua inocência, induzi-lo a se retratar. Se ele se submetesse lhe seria poupada a vida e seria ele detido, pendente a julgamento final de seu caso. Se ele recusasse, seria morto de qualquer modo que ele mesmo desejasse.

"As investigações de Hájibu'd-Dawlih convenceram-no da inocência de Hájí Sulaymán Khán. Logo que o acusado fora informado das instruções de seu soberano, ouviu-se ele exclamar jubilosamente: "Nunca, enquanto meu sangue vital continuar a pulsar em minhas veias, haverei de consentir em retratar minha fé em meu Bem-Amado! Este mundo que o Comandante dos Fiéis (26) comparou à carniça, jamais me seduzirá do Desejo de meu coração." Pediram-lhe que determinasse a maneira como desejava morrer. "Que furem minha carne", foi a resposta instantânea, " e em cada ferida coloquem uma vela. Que acendam nove velas em todo o meu corpo e nesse estado, seja eu conduzido pelas ruas de Teerã. Convocai a multidão para testemunhar a glória de meu martírio, de modo que a memória de minha morte permaneça gravada em seus corações e lhes ajude, ao recordarem a intensidade de minha tribulação, a reconhecer a Luz que eu abracei. Depois de haver eu chegado ao pé do cadafalso e pronunciado a última oração de minha vida terrena, parti meu corpo em dois e suspendei meus membros de cada lado do portão de Teerã, para que a multidão que por baixo passa, testemunhe o amor que a Fé do Báb tem ateado nos corações de Seus discípulos e veja as provas de sua devoção."

"Hájibu'd-Dawlih mandou seus homens cumprirem os desejos expressados por Hájí Sulaymán Khán e me incumbiu de conduzi-lo pelo mercado até o lugar de sua execução. Quando entregaram à vítima as velas que haviam comprado e estavam prestes a lhe furar o peito com suas facas, ele fez uma súbita tentativa de apanhar a arma das mãos trêmulas do algoz, a fim de mergulhá-la, ele mesmo, em sua própria carne. "Porque temer e hesitar?" exclamou ele, enquanto estendia o braço para arrancar de suas mãos a faca. "Deixem-me cumprir eu mesmo a tarefa e acender as velas." Receando que ele nos atacasse, ordenei a meus homens que resistissem sua tentativa e lhe amarrassem as mãos para trás. "Deixem-me," instava ele, "apontar com os dedos os lugares nos quais desejo que enfiem seu punhal, pois nenhum outro pedido tenho a fazer, senão este."

"Pediu-lhes ele que fizessem dois orifícios no peito, dois nos ombros, um na nuca e os outros quatro nas costas. Com calma estóica, suportou essas torturas. Em seus olhos ardia a chama de uma firmeza imperturbável, enquanto ele mantinha um silêncio misterioso e ininterrupto. Nem o alarido da multidão, nem o espetáculo do sangue que corria por toda parte de seu corpo pode induzi-lo a interromper esse silêncio. Impassivo e sereno permaneceu até que todas as nove velas haviam sido colocadas e acendidas.

"Ao se consumar tudo para sua marcha à cena de sua morte, ele, ereto como uma seta e com aquela mesma inabalável fortaleza que em sua face fulgia, deu um passo para frente, para conduzir a multidão que a seu redor se apinhava até o lugar destinado a ser a cena de seu martírio. De poucos em poucos passos interrompia ele a marcha e, contemplando os espectadores atônitos, exclamava: "Qual a pompa ou o fausto maior do que estes que acompanham meu progresso para ganhar a coroa da glória! Glorificado seja o Báb, que pode atear tal devoção nos peitos dos que lhe amam e dotá-los de um poder maior do que o dos reis!" Em alguns momentos, como se estivesse intoxicado do fervor dessa devoção, ele exclamava: "O Abraão de uma época passada enquanto suplicava a Deus, na hora de angústia extrema, que lhe fizesse descer o alívio pelo qual Sua alma ansiava, ouviu a voz do Invisível proclamar: "Ó fogo! Sê tu frio e para Abraão uma segurança! (27)' Mas este Sulaymán está implorando das profundezas de se coração extasiado: 'Senhor, Senhor, deixa Teu fogo queimar incessantemente dentro de mim e permite que sua chama me consuma o ser.'" Quando seus olhos viram a cera agitar-se e oscilar nas feridas, irrompeu dele uma aclamação de frenético deleite: "Oxalá estivesse aqui para testemunhar meu estado, Aquele cuja mão me inflamou a alma." "Não pensem que eu esteja intoxicado com o vinho desta terra!" exclamou ele à vasta multidão atônita diante de sua conduta. "É o amor de meu Bem-Amado que me inundou a alma e fez que eu me sentisse como se estivesse dotado de uma soberania que até os reis poderiam invejar!"

"Não posso recordar as exclamações de júbilo que caiam de seus lábios à medida que ele se aproximava de seu fim. Todas das quais me posso lembrar são apenas poucas das palavras comovedoras que, em seus momentos de exultação, ele se sentia impelido a exclamar à congregação de espectadores. Faltam-me palavras para descrever a expressão naquele semblante ou medir o efeito de que suas palavras surtiram na multidão.

"Ele estava ainda no bazar quando por uma brisa que soprou foi avivada a flama das velas colocadas sobre seu peito. Como se derretiam rapidamente, as chamas alcançaram o nível das feridas nas quais haviam sido enfiadas. Nós que seguíamos a poucos passos atrás dele, podíamos ouvir distintamente o pipocar de sua carne. O espetáculo do sangue e do fogo lhe cobriam o corpo e em vez de silenciar sua voz, parecia aumentar seu inextinguível entusiasmo. Ainda se podia ouvi-lo, agora se dirigindo às chamas, enquanto elas consumiam suas feridas: "Perdestes há muito vosso aguilhão, ó chamas e vos foi roubado o poder de me infligir dor. Apressai-vos, pois dessas línguas de fogo posso ouvir a voz que me chama a meu Bem-Amado!"

"Dor e sofrimento pareciam se haver dissolvido no ardor daquele entusiasmo. Envolto de chamas, andou ele assim como um conquistador poderia ter marchado à cena de sua vitória. Movia-se em meio à turba excitada feito uma luz flamejante entre as trevas que o cercavam. Ao alcançar o pé do cadafalso, novamente levantou ele a voz em um apelo final à multidão de espectadores. 'Este Sulaymán que vedes agora diante de vós, vítima de fogo e coberto de sangue, não gozava até recentemente todos os favores e todas as riquezas que este mundo pode porporcionar? Qual poderia ser a causa de haver ele renunciado esta glória terrena e aceito em troca tão grande degradação e sofrimento?". Prostando-se em direção ao santuário do Imáme-Zádih Hasan, murmurou certas palavras em árabe, as quais eu não pude entender. "Está agora terminado meu trabalho!" exclamou ele ao algoz, logo que concluiu sua oração. "Venha fazer o seu!" Ele ainda vivia quando com machado lhe partiram no meio o corpo. O louvor a seu Bem-Amado, apesar de tão incríveis sofrimentos, pairava sobre seus lábios até o último momento de sua vida (28).

"Essa trágica narrativa comoveu até as próprias profundezas da alma daqueles que ouviram. O Nizámu'l-'Ulamá, que escutava atentamente todos os detalhes torceu as mãos de horror e desespero. 'Como é estranha esta Causa, muito estranha!' exclamou. Sem acrescentar nenhuma palavra mais, nenhum outro comentário ele imediatamente depois, se levantou e partiu." (29)

Naqueles dias de incessante turbulência se testemunhou o martírio de ainda outro eminente discípulo do Báb. Uma mulher, pessoa essa de não menos destaque que a própria heróica Táhirih, foi engolfada na tempestade que então enfurecia com implacável violência em toda parte da capital. O que eu agora começo a relatar sobre as circunstâncias de seu martírio foi obtido e pessoas que podiam fornecer informações fidedignas, algumas das quais foram elas mesmas, testemunhas dos acontecimentos que estou tentando descrever. Sua estadia em Teerã foi notável por ser ocasião de muitas provas do caloroso afeto e da alta estima que lhe tinham as mais eminentes mulheres da capital. Ela atingira de fato, naquele tempo, o auge de sua popularidade (30). A casa em que ela estava confinada estava assediada por suas admiradores apinhando-se nas portas, ansiosas de entrar em sua presença em busca do benefício de seus conhecimentos (31). Entre essas senhoras, a esposa de Kalántar (32) distinguia-se pela reverência extrema que mostrava a Táhirih. Desempenhando o papel de anfitriã, apresentava-lhe a flor da população feminina de Teerã, servia-lhe com entusiasmo extraordinário e nunca deixou de contribuir o que podia para aprofundar sua influência entre as mulheres da casa. Pessoas com as quais a esposa do Kalántar estava intimamente relacionada a ouviram contar o seguinte: "Uma noite, enquanto Táhirih estava hospedada em minha casa, fui chamada à sua presença e a encontrei totalmente adornada, vestida de seda nívea. Seu aposento emitia a fragrância do mais fino perfume. Expressei-lhe minha surpresa, nunca a havendo visto assim. 'Estou-me preparando para encontrar com meu Bem-Amado' disse-me, 'e desejo livrar-te dos cuidados e ansiedades de meu encarceramento.' Assustei-me, de início e chorei ao pensar em ser dela separada. 'Não chores,' disse-me, querendo me consolar. 'Não veio ainda o tempo de tua lamentação. Desejo te participar meus últimos pedidos, pois a hora em que serei apreendida e condenada a sofrer martírio aproxima-se rapidamente. Eu queria te pedir que deixeis teu filho me acompanhar à cena de minha morte e evitar que os guardas e o algoz em cujas mãos serei entregue me obriguem a me despir destas vestes. É também meu desejo que meu corpo seja jogado em uma cova e que esta seja enchida de terra e pedras. Três dias após minha morte, uma mulher virá te visitar, a quem darás este pacote que agora entrego em tuas mãos. Meu último pedido é que a ninguém permitas de agora em diante entrar em meu aposento. Desde agora até o tempo em que serei chamada a partir desta casa, que a ninguém seja permitido perturbar minhas devoções. Neste dia tenciono jejuar e este jejum não havrei de quebrar antes de ser levada para ficar face à face com meu Bem-Amado.' Solicitou-me com essas palavras, trancar a porta de seu aposento e não abri-la antes de soar a hora de sua partida. Instou-me também que guardasse em sigilo a notícia de sua morte até o tempo em que seus inimigos a revelassem eles mesmos.

"O grande amor que eu por ela nutria no coração, tão somente, me possibilitou aceder às suas instruções. Se não fosse o desejo predominante sentido por mim de cumprir sua vontade, jamais haveria eu consentido em me privar de um momento de sua presença. Tranquei a porta de seu aposento e me retirei para o meu próprio em estado de irreprimível tristeza. Insone e desconsolada permaneci deitada em meu leito. Lacerou-me a alma o pensar em seu eminente martírio. 'Senhor, Senhor,' orava eu em meu desespero, 'afasta dela, se for Tua vontade, o cálice do qual seus lábios desejam sorver.' Durante aquele dia e noite, eu várias vezes não podendo me conter levantei e fui furtivamente ao limiar daquele aposento, permanecendo em silêncio na sua porta, ansiosa de ouvir quaisquer palavras que de seus lábios caíssem. Encantou-me a melodia daquela voz que entoava louvor a seu Bem-Amado. Dificilmente podia eu me manter em pé, tamanha foi minha agitação. Quatro horas após o pôr-do-sol ouvi bater na porta. Apressei-me de imediato a meu filho e o informei dos desejos de Táhirih. Deu-me ele a palavra que cumpriria todas as instruções que ela me dera. Aconteceu que naquela noite meu esposo estava ausente. Meu filho que abriu a porta, me informou que os farráshes (33) de 'Azíz Khán-i-Sardár estavam em pé no portão, exigindo que Táhirih fosse entregue imediatamente em suas mãos. Aterrorizada com essa notícia, fui cambaleando à sua porta a qual, com mãos trêmulas destranquei, encontrando-a velada e pronta para deixar seu apartamento. Estava andando de um lado para o outro quando entrei e estava entoando uma litania que expressava tanta tristeza como triunfo. Assim que me viu se aproximou e me beijou. Pôs em minha mão a chave de seu pequeno cofre, no qual ela me disse haver deixado para mim algumas coisas insignificantes como uma lembrança de sua estada em minha casa. 'Sempre que abrires este cofre,' disse ela, 'e olhares para as coisas que contém, lembra-te de mim, eu espero e te regozijarás por causa de minha felicidade.'

"Com estas palavras se despediu de mim pela última vez e acompanhada por meu filho desapareceu de minha vista. Que dor angustiante senti naquele momento, ao ver sua bela figura desvanecer-se, pouco a pouco, na distância! Ela montou o corcel que o Sardár mandara e escoltada por meu filho e alguns atendentes que marchavam a cada lado, seguiu ao jardim que seria a cena de seu martírio.

"Três horas depois meu filho voltou, com o rosto inundado de lágrimas e fazendo imprecações contra o Sardár e seus tenentes abjetos. Tentei acalmar sua agitação e fazendo-o sentar-se a meu lado, lhe pedi que relatasse da forma mais completa que pudesse, as circunstâncias de sua morte. 'Mãe,' respondeu ele em prantos, 'quase não posso tentar descrever o que meus olhos testemunharam.' Procedemos diretamente ao jardim de Ílkhání (34), fora do portão da cidade. Fiquei horrorizado ao encontrar o Sardár e seus tenentes absorvidos em atos vergonhosos de devassidão, enrubescidos de vinho e rebentando de gargalhadas. Ao alcançar o portão Táhirih apeou e me chamando, pediu que eu agisse como seu intermediário com o Sardár, a quem ela não se inclinava a dirigir em meio dessa orgia. "Aparentemente desejam me estrangular" disse-me. "Separei há muito tempo, um lenço de seda que eu esperava ser usado para esse fim. Entrego-o em vossas mãos e desejo que induzas aquele bêbado dissoluto a usá-lo como o meio pelo qual ele pode pôr termo à minha vida."

"Quando fui ao Sardár, o encontrei em estado da mais vil embriagues. "Interrompam a alegria de nosso festival!" eu o ouvi bradar enquanto dele me aproximava. "Que seja estrangulada aquela miserável, e jogado em uma cova seu corpo!" Admirei-me muito dessa ordem. Acreditando ser desnecessário aventurar-me a lhe fazer qualquer pedido, fui a dois de seus atendentes que eu já conhecia e lhe dei o lenço que Táhirih havia a mim confiado. Consentiram em lhe satisfazer o pedido. Esse mesmo lenço foi amarrado em volta de seu pescoço tornando-se o instrumento de seu martírio. Imediatamente depois apressei-me ao jardineiro e lhe perguntei se poderia sugerir um lugar em que eu pudesse esconder o corpo. Fiquei muito contente quando me indicou um poço que se havia cavado recentemente e deixado sem acabar. Com a ajuda de alguns outros, eu a baixei para dentro de seu sepulcro e da maneira que ela mesma desejara, enchi o poço de terra e pedras. Aqueles que a viram em seus últimos momentos foram profundamente afetados. Baixando os olhos e envoltos de silêncio pesarosamente se dispersaram, deixando sua vítima, aquela que dera tão imperecível brilho a seu país, sepultada sob um monte de pedras que eles com as próprias mãos, haviam sobre ela empilhado."

"Lágrimas escaldantes derramei enquanto meu filho desdobrava diante de meus olhos esta trágica narrativa. A tal ponto me emocionei que cai inconsciente, prostrada no chão. Ao recuperar os sentidos, encontrei meu filho em um estado de agonia não menos intensa do que minha própria. Estava deitado em seu leito em apaixonados prantos de devoção. Vendo meu estado aproximou-se, querendo me confortar. 'Tuas lágrimas,' disse ele, 'aos olhos de meu pai, te denunciarão.' Considerações de grau e posição haverão de induzi-lo sem dúvida, a nos abandonar e cortar quaisquer laços que o prendam a esta casa. Se deixarmos de reprimir nossas lágrimas; ele nos acusará perante Nasiri'd-Dín Sháh, como vítimas do encanto de um odioso inimigo. Obtendo o consentimento do soberano para nossa morte ele, provavelmente, com as próprias mãos procederá a nos trucidar. Por que devemos nós, que nunca abraçamos aquela Causa, deixar-nos sofrer tal sorte em suas mãos? Tudo o que nos compete fazer é defendê-la contra aqueles que a denunciam como a própria negação da castidade e da honra. Deveríamos sempre entesourar em nossos corações seu amor e face a um inimigo caluniador, sustentar a integridade daquela vida."

"Suas palavras mitigaram minha agitação interior. Fui buscar seu cofre e com a chave que ela colocara em minha mão o abri. Encontrei um pequeno frasco do mais escolhido perfume, ao lado do qual havia um rosário, um colar de coral e três anéis nos quais estavam engastadas pedras de turquesa, cornalina e rubi. Enquanto contemplando seus pertences terrenos, eu meditava sobre as circunstâncias de sua vida tão cheia de acontecimentos e vibrando de admiração recordava sua intrépida coragem, seu zelo, seu alto senso de dever e sua inequestionável devoção. Lembrei-me de suas realizações literárias e meditei sobre os encarceramentos, a ignomínia e a calúnia que ela havia enfrentado com uma fortaleza como nenhuma outra mulher em sua terra poderia manifestar. Pairava na memória a visão daquele rosto cativante que jazia agora, lamentavelmente, sepultado debaixo de um monte de terra e pedras. A lembrança de sua apaixonada eloqüência enchia de carinho meu coração, enquanto eu repetia a mim mesma as palavras que tantas vezes haviam caído de seus lábios. A consciência da vastidão de seus conhecimentos e do seu domínio das Sagradas Escrituras do Islã, relampejaram através de minha mente que de súbito me desconcertou. Acima de tudo, sua apaixonada lealdade à Fé que ela abraçara, seu fervor enquanto lhe defendia a causa, os serviços que lhe prestava, as angústias e tribulações que ela sofria pelo amor que lhe tinha, o exemplo que dera aos seguidores, o ímpeto que fornecera a sua promoção, o nome que ela para si havia esculpido nos corações de seus conterrâneos, tudo isso eu recordava enquanto ficava em pé, em frente de seu cofre, perguntando a mim mesma o quê poderia ter induzido essa tão grande mulher a renunciar todas as riquezas e honras as quais estivera rodeada e se identificar com a causa de um jovem obscuro de Shíráz. Qual teria sido o segredo, perguntava a mim mesma, do poder que a apartara de seu lar e dos seus parentes, que a sustentou durante toda a sua tempestuosa carreira e afinal a levou ao túmulo? Poderia essa força, ponderava eu, ser de Deus? Poderia ter sido a mão do Todo-Poderoso que guiou seu destino e lhe dirigiu o curso em meio aos perigos de sua vida?

"No terceiro dia após seu martírio (35), veio a mulher cuja vinda ela prometera. Perguntei-lhe o nome e verificando ser o mesmo que Táhirih me dissera, entreguei em suas mãos o pacote que me havia sido confiado. Nunca antes tinha eu visto essa mulher e nunca mais a vi." (36)

O nome daquela mulher imortal era Fátimih, nome esse que seu pai lhe conferira. Foi cognominada de Umm-i-Salmih, por sua família e parentes, os quais também a designaram como Zakíyyih. Ela nasceu no ano de 1233 A. H. (37), o mesmo que testemunhou o nascimento de Bahá'u'lláh. Tinha trinta e seis anos quando sofreu martírio em Teerã. Possam gerações futuras apresentar uma digna descrição de uma vida que contemporâneos deixaram de reconhecer adequadamente. Possam futuros historiadores perceber a plena medida de sua influência e registrar os serviços incomparáveis que essa grande mulher prestou a sua terra e ao seu povo. Que os seguidores da Fé, a qual bem serviu, se esforcem para lhe seguir o exemplo, que relatem seus feitos, colecionem seus escritos, desvendem o segredo dos seus talentos e lhe consagrem para todo o sempre, um lugar na memória e nos afetos dos povos e raças da terra (38).

Outra figura de destaque entre os discípulos do Báb, que foi morta durante o período turbulento que sobreviera a Teerã foi Siyyid Husayn-i-Yazdí, amanuense do Báb tanto em Máh-Kú como em Chihríq. Tal foi seu conhecimento dos ensinamentos da Fé que o Báb em uma Epístola dirigida a Mirza Yahyá, exortou este a buscar dele esclarecimento em qualquer assunto pertencente aos sagrados escritos. Homem de elevada posição e experiência, em quem o Báb depositava absoluta confiança e com quem fora intimamente associado, sofreu ele, após o martírio de seu Mestre em Tabríz, a agonia de um longo encarceramento na masmorra subterrânea de Teerã, o qual terminou com seu martírio. Bahá'u'lláh muito ajudou a suavizar as durezas que ele sofria. Todo mês, regularmente, mandou-lhe Ele qualquer auxílio financeiro de que necessitava. Ele era elogiado e admirado até pelos carcereiros que o vigiavam. A longa e íntima associação com o Báb, durante os últimos e mais tempestuosos dias de Sua vida, lhe havia aprofundado a compreensão e dotado a alma de um poder que ele era destinado a manifestar mais e mais, à medida que os dias de sua vida terrena se aproximavam do fim. Jazia ele na prisão, ansiando pelo dia em que seria chamado para sofrer uma morte similar àquela de seu Mestre. Tendo-lhe sido negado o privilégio de ser martirizado no mesmo dia do Báb, privilégio este que fora seu supremo desejo atingir, esperava agora ansiosamente a hora em que ele, por sua vez, pudesse sorver até a própria escória do cálice que tocara os lábios do Báb. Inúmeras vezes os oficiais de maior destaque de Teerã se esforçavam por induzi-lo a aceitar seu oferecimento de livrá-lo dos rigores da prisão, bem como da perspectiva de uma morte ainda mais cruel. Firmemente ele recusava. Seus olhos vertiam lágrimas oriundas de seu fervoroso desejo de ver mais uma vez aquela face cujo esplendor se irradiara tão brilhantemente em meio às trevas de um encarceramento cruel em Adhirbáyján e cujo ardor aquecia as gélidas noites de inverno. Enquanto ele meditava, na negrura de sua cela de prisão, sobre aqueles dias de êxtase passados na presença de seu Mestre, veio-lhe Alguém que tão somente pode através da luz de Sua presença banir a angústia que de sua alma se apoderara. Seu Confortador não foi outro, senão o próprio Bahá'u'lláh, Em sua companhia teve Siyyid Husayn o privilégio de permanecer até a hora de sua morte. A mão de 'Aziz Khán-i-Sardár, a qual havia abatido Táhirih, foi a que infligiu o golpe fatal ao amanuense do Báb e certa época Seu companheiro de prisão em Adhirbáyján. Desnecessário é deter-me sobre as circunstâncias da morte que aquele sanguinário Sardár lhe inflingiu. Basta dizer que ele também, assim como aqueles que lhe precederam sorveu em circunstâncias de vergonhosa crueldade do cálice pelo qual, desde tanto tempo e tão profundamente, ansiava.

Procedo agora a relatar o que sobreveio aos companheiros restantes do Báb, àqueles privilegiados a compartilhar com Bahá'u'lláh os horrores do encarceramento. De seus próprios lábios tenho várias vezes ouvido o seguinte relato: "Todos os que foram abatidos pela tempestade que enfurecia naquele ano memorável em Teerã vieram a ser Nossos companheiros de prisão no Síyáh-Chál, onde estávamos confinados. Nós todos estávamos amontoados em uma só cela; os pés em tronco e em volta de nossos pescoços amarrada a corrente mais mortificante. O ar que respirávamos estava impregnado das mais fétidas impurezas, enquanto o chão em que estávamos sentados esta coberto de imundície e infestado de verminose. Não se permitia que um raio de luz penetrasse naquela pestilenta masmorra ou lhe aquecesse o frio gélido. Fomos colocados em duas fileiras, uma em frente à outra. Nós lhes havíamos ensinado a repetir certos versículos os quais, toda noite eles entoavam com extremo fervor. 'Deus me é suficiente; Ele, em verdade, é o Todo-suficiente', entoava uma das fileiras, enquanto a outra respondia: 'Que Nele os confiantes confiem.' O coro dessas vozes jubilosas continuava a ressoar até as primeiras horas da manhã. Sua reverberação enchia a masmorra e penetrando seus muros maciços, alcançava os ouvidos de Násirid-Dín-Sháh, cujo palácio se situava não muito longe do lugar onde estávamos encarcerados. 'Que significa esse ruído?' dizem haver ele exclamado: 'É a antífona que os Bábís estão entoando em sua prisão', responderam. O Xá nenhum outro comentário fez, nem tentou restringir o entusiasmo que seus prisioneiros, a despeito dos horrores de seu encarceramento, continuaram a mostrar.

"Um dia, trouxeram à Nossa prisão uma bandeja de carne assada a qual, informaram-Nos, o Xá ordenara fosse distribuída entre os presos. 'O Xá,' disseram-Nos, 'fiel a um voto que fizera, dignou-se hoje oferecer a todos vós este carneiro em cumprimento de sua promessa.' Um silêncio profundo caiu sobre Nossos companheiros, que esperavam que Nós respondêssemos em seu nome. 'Devolvemos a vós essa dádiva', respondemos Nós, 'bem podemos dispensar essa oferta'. A resposta que demos teria irritado muito os guardas, se eles não tivessem estado ávidos de devorar o alimento que havíamos recusado tocar. A despeito da fome que afligia Nossos companheiros somente um dentre eles, um certo Mirza Husayn-i-Mulatavallíy-i-Qumí, mostrou algum desejo de comer do alimento que o soberano se dignara espalhar diante de Nós. Com uma fortaleza verdadeiramente heróica Nossos companheiros de prisão, sem nenhum murmúrio se sujeitaram a suportar a lastimável situação à qual foram reduzidos. De seus lábios caiam incessantemente Louvores a Deus, em vez de uma queixa contra o tratamento ao qual foram submetidos, pelo Xá - Louvor com o qual tentavam distrair-se das durezas de um cativeiro cruel.

"Cada dia, Nossos carcereiros, entrando em Nossa cela chamavam o nome de um de Nossos companheiros, mandando-o levantar-se e segui-lo até o pé do cadafalso. Com que fervor aquele a quem pertencia esse nome respondia ao solene chamado! Livrado de suas correntes alegremente se punha em pé e em estado de irrepressível deleite se aproximava de Nós e Nos abraçava. Procurávamos confortá-lo assegurando-lhe uma vida eterna no mundo do além e inundando-lhe o coração de esperança e júbilo. O mandávamos partir para ganhar a coroa da glória. Abraçava ele por sua vez, os restantes companheiros de prisão, cada um por sua vez e então saia para morrer, tão destemidamente como ele vivera. Logo após o martírio de cada um desses companheiros o algoz, que se havia tornado amigável a Nós, informava-Nos das circunstâncias da morte de sua vítima e da alegria com que suportara seus sofrimentos até mesmo o fim.

"Fomos acordados uma noite antes do alvorecer, por Mirza 'Abdu'l-Vahháb-i-Shírází, que estava amarrado Conosco pelas mesmas correntes. Ele havia partido de Kázimayn e Nos seguido até Teerã, onde foi apreendido e encarcerado. Ele agora nos perguntou se estávamos acordados e em seguida relatou a Nós seu sonho. 'Tenho estado nesta noite,' disse ele, 'voando em um espaço de infinita vastidão e beleza. Eu parecia ser erguido sobre asas que me levavam para onde quer que eu quisesse ir. Uma emoção de deleite estático me inundava a alma. Eu voava em meio a essa imensidão com uma rapidez e facilidade que não posso descrever.' 'Hoje', respondemos, 'será tua vez para te sacrificar por esta Causa. Que permaneça firme e constante até o fim. Então te encontrarás voando naquele mesmo espaço ilimitado com que sonhaste, atravessando com a mesma facilidade e rapidez o reino da soberania imortal e contemplando com aquele mesmo êxtase o Horizonte Infinito.'

"Naquela manhã o carcereiro entrou novamente em Nossa cela e esta vez chamou o nome de 'Abdu'l-Vahháb. Livrando-se das correntes pôs-se logo em pé, abraçou cada um de seus companheiros de prisão e tomando-Nos em seus braços Nos apertou afetuosamente ao coração. Nesse momento descobrimos que ele não tinha sapatos para calçar. Nós demos os Nossos e com uma palavra final de conforto e alegria Nós o mandamos à cena de seu martírio. Mais tarde seu algoz veio a Nós, elogiando em linguagem fervorosa o espírito que esse jovem mostrara. Como éramos gratos a Deus por esse testemunho dado pelo próprio algoz!"

Todo esse sofrimento e a vingança cruel que as autoridades haviam tirado dos que fizeram a tentativa contra a vida de seu soberano, não bastaram para aplacar a ira da mãe do Xá. Dia e noite persistia ela em seu vindictivo clamor exigindo a execução de Bahá'u'lláh por ela considerado o verdadeiro autor do crime. "Entregai-o ao algoz!" gritava ela insistentemente às autoridades. "Que humilhação maior que esta eu que sou a mãe do Xá, ser impotente para inflingir àquele criminoso o castigo que um ato tão pusilânime merece!" Seu brado por vingança, que uma fúria impotente servia para intensificar, era fadado a ficar sem resposta. A despeito de suas tramas, Bahá'u'lláh foi poupado do destino que ela tão inoportunamente se esforçara por precipitar. O Prisioneiro foi libertado afinal de Seu encarceramento e pôde desdobrar e estabelecer além dos confins do reino de seu filho, uma soberania com a possibilidade da qual jamais poderia ela ter sonhado. O sangue que no decorrer daquele ano fatídico em Teerã, foi derramado por aquela companhia heróica com a qual Bahá'u'lláh fora aprisionado, foi o resgate pago para livrá-lo da mão de um inimigo que tencionava impedi-lo de cumprir o desígnio para o qual Deus o destinara. Sempre desde o tempo em que Ele esposara a Causa do Báb, perdeu Ele uma oportunidade para servir de campeão da Fé que abraçara, expondo-se aos perigos que os seguidores da Fé tiveram que enfrentar nos primeiros anos. Foi o primeiro dos discípulos do Báb a dar o exemplo da renúncia e do serviço à Causa. Sua vida, entretanto, se bem que assediada pelos riscos e perigos que uma carreira como a Sua haveria infalivelmente de encontrar, foi poupada por aquela mesma Providência que O escolhera para uma tarefa que Ele, de acordo com Sua sabedoria não podia proclamar publicamente.

O terror que convulsionou Teerã foi apenas um dos muitos riscos e perigos aos quais foi exposta a vida de Bahá'u'lláh. Homens, mulheres e crianças na capital tremiam diante da impiedade com que o inimigo perseguia suas vítimas. Um jovem, de nome 'Abbás, antigo criado de Hájí Sulaymán Khán e por causa do largo círculo de amigos cultivados por seu mestre, completamente informado dos nomes e endereços e do número dos discípulos do Báb, foi empregado pelo inimigo como instrumento pronto, em mão, para a prossecução de seus desígnios. Ele se havia identificado com a Fé de seu mestre e se considerava um dos zelosos defensores. No início do tumulto, ele foi preso e instado a trair todos os que ele sabia estavam associados à Fé. Tentaram, mediante toda maneira de recompensa, induzi-lo a revelar aqueles que foram os co-discípulos de seu mestre, advertindo-lhe que, se recusasse informar-lhes de seus nomes, ele seria sujeitado a torturas desumanas. Ele deu a palavra que acederia a seus desejos e informaria aos assistentes de Hájí 'Alí Khán, o Hájibu'd-Dawlih, o Farrásh-Báshí, seus nomes e endereços. Conduziram-no através das ruas de Teerã, mandando-o apontar cada um que ele reconhecia como seguidor do Báb. Várias pessoas que ele nunca havia visto e conhecido foram desse modo entregues nas mãos dos assistentes de Hájí 'Alí Khán - pessoas que jamais tiveram qualquer contato com o Báb e Sua Causa. Essas pessoas só puderam recuperar a liberdade mediante uma pesada gratificação àqueles que a haviam apreendido. Tal foi a cobiça desses subordinados do Hájibu'd-Dawlih que pediram especialmente a 'Abbás que saudasse como sinal de traição cada pessoa que ele pensava, desejaria e poderia pagar uma quantia grande como resgate. Até forçavam-no a denunciar essas pessoas, ameaçando-lhe de grave perigo à sua própria vida caso ele recusasse. Freqüentemente prometiam dar-lhe uma parte do dinheiro que estavam determinados a extorquir das vítimas.

Na esperança de que O denunciasse, levaram esse 'Abbás ao Síyáh-Chál para apresentá-lo a Bahá'u'lláh, com quem ele havia encontrado anteriormente, em várias ocasiões, na companhia de seu mestre. Prometeram que a mãe do Xá lhe recompensaria amplamente tal denúncia. Cada vez que era conduzido à presença de Bahá'u'lláh, 'Abbás depois de haver permanecido por alguns momentos em pé diante Dele contemplando-Lhe a face, saia do lugar, negando enfaticamente O haver visto alguma vez. Vendo assim fracassados seus esforços, recorreram ao veneno, na esperança de ganhar o favor da mãe de seu soberano. Conseguiram interceptar o alimento que seu Prisioneiro fora permitido receber de sua casa e nele introduzir o veneno esperando que lhe fosse fatal. Essa medida, embora prejudicasse durante alguns anos a saúde de Bahá'u'lláh, não atingiu seu propósito.

O inimigo foi induzido, a deixar de considerá-lo o principal instigador daquele tentativa, e decidiu transferir a responsabilidade por esse ato a 'Azim, a quem agora acusaram de ser o verdadeiro autor do crime. Tentaram por esse meio ganhar o favor da mãe do Xá, favor esse que muito cobiçavam. Hájí 'Alí Khán com grande prezer lhes secundou os esforços. Como ele mesmo nenhuma parte tomara no encarceramento de Bahá'u'lláh aproveitou a ocasião que se ofereceu para denunciar 'Azim, já havendo conseguido apreendê-lo, como o principal instigador e o responsável.

O ministro russo, que por intermédio de um de seus agentes, estava acompanhando o desenrolar da situação e sendo informado constantemente da condição de Bahá'u'lláh, dirigiu ao Grão-Vizir, através de seu intérprete, uma mensagem em linguagem veemente na qual protestava contra sua ação e sugeriu que um mensageiro, na companhia de um dos representantes de confiança do governo e de Hájibu'd-Dawlih, fosse ao Síyál-Chál para pedir àquele recentemente reconhecido como líder que declarasse publicamente sua opinião no tocante à prisão de Bahá'u'lláh. "Qualquer declaração que esse líder faça," escreveu ele, "quer seja em elogios ou em denúncia, deveria, em minha opinião, ser imediatamente anotada e servir de base para o julgamento final a ser pronunciado nessa questão."

O Grão-Vizir prometeu ao intérprete que seguiria o conselho do ministro, até marcou uma hora para o mensageiro encontrar com o representante do governo e Hájibu'd-Dawlih e com eles seguir ao Síyál-Chál.

Quando se perguntou a 'Azim se ele considerava Bahá'u'lláh o responsável líder do grupo que fizera a tentativa contra a vida do Xá, ele respondeu: "O Líder dessa comunidade não foi outro, senão o Siyyid-i- Báb, trucidado em Tabríz e cujo martírio me induziu a me levantar e vingar Sua morte. Eu tão somente concebi esse plano e tentei executá-lo. O jovem que arrancou o Xá de seu cavalo não foi outro, senão Sádiq-i-Tabrízí, servidor em uma confeitaria em Teerã que esteve a meu serviço durante 2 anos. Ele estava inflamado com um desejo, ainda mais fervoroso do que o meu próprio, de vingar o martírio de seu Líder. Agiu com demasiada pressa entretanto, e não pode assegurar o êxito de sua tentativa."

As palavras de sua declaração foram anotadas tanto pelo intérprete do ministro, como pelo representante do Grão-Vizir os quais submeteram os relatórios a Mirza Aqá Khán. Os documentos entregues em suas mãos foram em grande parte responsáveis pela libertação de Bahá'u'lláh de Seu encarceramento.

Entregaram 'Azim em conseqüência disso aos ulemás, os quais, embora estivessem ansiosos de apressar sua morte, foram impelidos pela hesitação de Mirza Abúl Qásim, o Imame-Jum'ih de Teerã. Hájibu'd-Dawlih, por causa da aproximação do mês de Muharram, induziu os ulemás a se reuniram no andar superior do quartel, onde conseguiu obter a presença do Imame-Jum'ih, o qual ainda persistia em recusar dar seu consentimento para a morte de 'Azim. Ele deu instruções para trazer o acusado a esse lugar e deixá-lo esperar aí o julgamento que contra ele seria pronunciado. Com violência foi ele conduzido pelas ruas, sendo acabrunhado de ridículo e aviltado pelo povo. Mediante uma trama sutil inventada pelo inimigo, conseguiram um veredito de morte. Um siyyid munido de clava precipitou-se contra e lhe esmagou a cabeça. Seu exemplo foi seguido pelo povo, que com paus, pedras e punhais o agrediu, mutilando-lhe o corpo. Hájí Mirza Jámí também foi um dos que sofreram martírio no curso da agitação subseqüente à tentativa contra a vida do Xá. Por não estar o Grão-Vizir inclinado a levá-lo, deram fim à sua vida secretamente.

A confragação que se ateou na capital espalhou-se às províncias adjacentes, levando em seu rastro devastação e miséria a incontáveis pessoas inocentes, contra os súditos do Xá. Assolou Mázindarán onde residia Bahá'u'lláh, e foi sinal para atos de violência que visavam todos os Seus bens nessa província. Dois dos devotados discípulos do Báb, Muhammad-Taqí Khán e 'Abdu'l-Vahháb, ambos residentes de Núr, sofreram martírio em conseqüência desse tumulto.

Os inimigos da Fé, desapontados ao verificarem que a libertação de Bahá'u'lláh do cárcere estava quase assegurada, tentaram intimidar seu soberano e por este meio envolver Bahá'u'lláh em novas complicações, assim acarretando Sua morte. A insensatez de Mirza Yahyá que, impelido por suas fúteis esperanças, procurara obter para si e para o bando de seus néscios aderentes uma supremacia que até então inutilmente se esforçara para ganhar, forneceu ao inimigo mais um pretexto para incitar o Xá a tomar medidas drásticas para a destruição de qualquer influência que seu Prisioneiro ainda retivesse em Mázindarán.

As alarmantes notícias recebidas pelo Xá, que mal se recuperara dos ferimentos, provocou uma terrível sede de vingança. Ele chamou o Grão-Vizir e lhe repreendeu por não haver podido manter ordem e disciplina entre o povo de sua própria província, que lhe era ligado por laços de parentesco. Embaraçado pela repreensão de seu soberano, expressou sua prontidão para cumprir qualquer instrução que ele lhe desse. Foi mandado despachar a essa província, de imediato, vários regimentos, com estritas ordens de reprimir com mão implacável aqueles que perturbavam a paz pública.

O Grão-Vizir, embora tivesse plena consciência do caráter exagerado das notícias que lhe haviam sido submetidas, se viu constrangido, diante da insistência do Xá, a despachar o regimento de Sháh-Sún, chefiado por Husayn-'Alí Khán-i-Sháh-Sún, à aldeia de Tákur, no distrito de Núr, onde estava situada a casa de Bahá'u'lláh. Entregou o comando supremo às mãos de seu sobrinho, Mirza Abú-Talib Khán, cunhado de Mirza Hasan, que era irmão de Bahá'u'lláh por parte de pai. Mirza Áqá Khán solicitou-lhe que exercesse a máxima precaução e moderação enquanto acampando nessa aldeia. "Quaisquer excessos," advertia-lhe ele, "que sejam cometidos por vossos homens, terão um efeito desfavorável no prestígio de Mirza Hasan, causando aflição a vossa própria irmã." Mandou-lhe investigar a natureza dessas notícias e não acampar por mais de três dias na vizinhança daquela aldeia.

O Grão-Vizir depois chamou Husayn-'Alí Khán e o exortou a comportar-se com a máxima circunspecção e sabedoria. "Mirza Abú-Tálib," disse-lhe, "é ainda jovem e inexperiente. Eu o escolhi especialmente devido a seu parentesco com Mirza Hasan. Tenho confiança de que ele, por causa de sua irmã, se absterá de causar desnecessário dano aos habitantes de Tákur. Vós, por lhe serdes superior em idade e experiência, deveis dar-lhe um nobre exemplo e lhe acentuar a necessidade de servir os interesses tanto do governo como do povo. Nunca deveis permitir que ele empreenda quaisquer operações sem haver previamente vos consultado." Assegurou a Husayn-'Alí Khán que emitira instruções por escrito aos chefes daquele distrito incumbindo-lhe de lhe prestarem auxílio quando quer que fosse exigido.

Mirza Abú-Tálib Khán, inflamado de orgulho e entusiasmo, esqueceu os conselhos de moderação que o Grão-Vizir lhe dera. Recusou deixar-se influenciar pelos prementes apelos de Husayn-'Alí Khán, que lhe solicitava que não provocasse um conflito desnecessário com o povo. Mal alcançara ele o desfiladeiro que dividia o distrito de Núr da província adjacente, a qual não era muito distante de Tákur, quando mandou seus homens prepararem-se para atacar o povo dessa aldeia. Husayn-'Alí Khán correu a ele em desespero e lhe implorou que se abstivesse de tal ato. "Cabe a mim," retorquiu Mirza Abú-Tálib altivamente, "que sou vosso superior, decidir quais medidas devem ser tomadas e de que modo devo servir a meu soberano."

Um ataque repentino foi lançado sobre o povo indefeso de Tákur. Surpreendidos por uma investida tão inesperada e feroz, apelaram a Mirza Hasan, o qual pediu que fosse conduzido à presença de Mirza Abú-Tálib, sendo-lhe recusado, porém acesso; "Diga-lhe," foi a mensagem do comandante, "que por seu soberano estou incumbido de ordenar um massacre geral do povo desta aldeia, capturar suas mulheres e lhes confiscar os bens. Por consideração a vós, entretanto, estou disposto a poupar as mulheres que se refugiarem em vossa casa."

Mirza Hasan, indignado diante dessa recusa, lhe censurou severamente e, denunciando a ação do Xá, voltou a sua casa. Os homens dessa aldeia haviam nesse ínterim deixado suas moradas e buscado refúgio nas montanhas circunvizinhas. Suas mulheres, abandonadas a sua sorte dirigiram-se para a casa de Mirza Hasan, de quem imploravam proteção contra o inimigo.

O primeiro ato de Mirza Abú-Tálib Khán foi dirigido contra a casa de Bahá'u'lláh herdada do Vizír, Seu pai, e da qual era Ele o único possuidor. Essa casa havia sido mobiliada regiamente, sendo decorada com vasos de valor inestimável. Ordenou a seus homens que arrombassem todos os seus tesouros e levassem o seu conteúdo. Tudo o que era impossível se levar, ele mandou destruir. Algumas coisas foram demolidas, outras queimadas. Até os aposentos, os quais eram mais imponentes do que os do palácio de Teerã, foram a tal ponto desfigurados que não tinham mais conserto; as vigas foram queimadas, sendo completamente arruinadas as decorações.

Em seguida dirigiu ele a atenção às casas do povo, as quais arrasou, tomando para si e para seus homens quaisquer objetos de valor nelas contidos. A aldeia inteira, despojada e abandonada pelos habitantes de sexo masculino, foi entregue às chamas. Não podendo encontrar nenhum homem apto, ele ordenou que uma busca fosse conduzida nas montanhas circunvizinhas. Qualquer um que fosse encontrado seria ou fuzilado ou preso. Os únicos que eles conseguiram capturar foram alguns homens idosos e pastores que não haviam podido seguir para mais longe em sua tentativa de escapar do inimigo. Descobriram dois homens a alguma distância deitados do lado de um córrego no declive de uma montanha. Suas armas que reluziam nos raios do sol os haviam traído. Encontrando-os adormecidos, os agressores fuzilaram ambos do outro lado do córrego que entre eles e suas vítimas se interpunha. Foram reconhecidos como 'Abdu'l-Vahháb e Muhammad-Taqí Khán. O primeiro morreu instantaneamente, o último foi gravemente ferido. Foram levados à presença de Mirza Abú-Tálib, que fez o possível para preservar a vida da vítima, pois devido a sua famosa coragem, ele desejava levá-lo a Teerã como troféu de sua vitória. Falharam seus esforços, no entanto, vindo Muhammad-Taqí Khán, a morrer em conseqüência de seus ferimentos, dois dias depois. Os poucos homens que eles haviam podido capturar foram levados, acorrentados a Teerã e lançados na mesma masmorra subterrânea em que Bahá'u'lláh fora confinado. Entre eles se encontrava Mullá 'Alí- Bábá, que, juntamente com vários companheiros de prisão, pereceu naquela masmorra por causa das privações que tivera de suportar.

No ano seguinte, uma praga acometeu a esse mesmo Mirza Abú-Tálib e levaram-no em estado de extrema aflição a Shimírán. Abandonado até pelos parentes mais próximos, jazia ele em sua cama, até que o mesmo Mirza Hasan a quem ele tão arrogantemente insultara, ofereceu-lhe tratar as feridas e fazer companhia em seus dias de humilhação e solidão. Quando ele estava à beira da morte o Grão-Vizir lhe visitou, não encontrando a sua cabeceira pessoa alguma salvo o homem que ele havia tratado de uma maneira tão insultante. Naquele mesmo dia expirou o miserável tirano amargamente desapontado por haverem falhado todas as esperanças tão enternecidamente por ele acariciadas.

A comoção que de Teerã se apoderara e cujos efeitos se havia sentido severamente em Núr e nos distritos circunvizinhos, espalhou-se até Yazd e Nayríz, onde um número considerável dos discípulos do Báb foi apreendido e desumanamente martirizado. A Pérsia inteira parecia realmente haver sentido o choque dessa grande convulsão. Sua maré varreu até as mais remotas aldeolas das províncias distantes, trazendo em seu rastro sofrimentos indizíveis para os remanescentes de uma comunidade perseguida. Governadores, não menos que seus subordinados, inflamados de avareza e vingança, aproveitaram a ocasião para enriquecerem a si próprios e obterem o favor de seu soberano. Sem misericórdia, moderação ou vergonha, empregaram qualquer meio, por mais vil e ilegítimo que fosse, para extorquir de pessoas inocentes os benefícios que eles próprios cobiçavam. Abandonando todo princípio de justiça e decência, apreendiam, aprisionavam e torturavam qualquer um que suspeitassem fosse Bábí e se apressavam a informar a Násiri'd-Dín-Sháh em Teerã das vitórias ganhas sobre um detestado oponente.

Em Nayríz os plenos efeitos desse tumulto revelaram-se no tratamento dado por seus governantes e seu povo aos seguidores do Báb. Quase dois meses após a tentativa contra a vida do Xá, um jovem de nome Mirza 'Alí, cuja excepcional coragem lhe ganhara o cognome de 'Aliy-i-Sardár, se distinguiu pela solicitude extrema que ele estendeu aos sobreviventes da luta que havia terminado com a morte de Vahíd e seus aderentes. Freqüentemente era ele visto na calada da noite emergir de seu abrigo para levar qualquer auxílio dentro de seu alcance às viúvas e aos órfãos que haviam sofrido as conseqüências daquela tragédia. Aos necessitados distribuía ele alimentos e roupas com nobre generosidade, tratava-lhes os ferimentos e os confortava em sua tristeza. O espetáculo dos sofrimentos contínuos dessas pessoas inocentes provocou a intensa indignação de alguns dos companheiros de Mirza 'Alí, levando-os a se incumbir de tirar vingança de Zaynu'l-'Abidín Khán, que ainda residia em Nayríz e a quem consideravam o autor de seus infortúnios. Acreditando estar ele nutrindo no coração um desejo de sujeitá-los a ainda mais aflições, determinaram-se a lhe tirar a vida. Surpreenderam-no no banho público, onde conseguiram efetuar seu propósito. Isso levou a um tumulto que em suas etapas finais fazia lembrar o horror da carnificina de Zanján.

A viúva de Zaynu'l-'Abidín Khán instou a Mirza Náim, então residente em Shíráz, em cujas mãos estavam as rédeas da autoridade, que vingasse o sangue de seu esposo, prometendo que em recompensa lhe doaria todas as suas jóias e a seu nome transferiria qualquer de seus bens que ele desejasse. Mediante perfídia as autoridades conseguiram apreender um número considerável dos seguidores do Báb, muitos dos quais foram barbaramente chicoteados. Todos foram jogados na prisão enquanto se aguardava instruções de Teerã. A lista de nomes recebidas pelo Grão-Vizir foi por ele submetida, juntamente com o relatório que a acompanhava, ao Xá, o qual expressou sua satisfação extrema com o êxito que coroara os esforços de seu representante em Shíráz, a quem ele recompensou amplamente por seu insigne serviço. Exigiu que todos os cativos fossem levados à capital.

Não tentarei registrar as várias circunstâncias que levaram à carnificina que assinalou o término daquele episódio. Eu referiria meu leitor à narrativa gráfica e detalhada escrita por Mirza Shafí'-i-Nayrízí em um livreto separado, no qual ele se refere acurada e veementemente a cada detalhe desse evento comovedor. Basta dizer que nada menos que cento e oitenta dos valorosos discípulos do Báb sofreram martírio. Igual número foi ferido e, embora incapacitado, recebeu ordens de partir para Teerã. Apenas vinte e oito pessoas entre eles sobreviveram às durezas da viagem até a capital. Dessas vinte e oite, quinze foram levadas ao cadafalso no mesmo dia de sua chegada. As restantes foram encarceradas, tendo que sofrer durante dois anos as mais horríveis atrocidades. Embora libertadas afinal, muitas pereceram no caminho para suas casas, estando exaustas pelas provações de um longo e cruel cativeiro.

Um grande número de seus co-discípulos foi trucidado em Shiráz por ordem de Tahmásb-Mirza. As cabeças de duzentas dessas vítimas foram colocadas em baionetas e levantadas em triunfo pelos opressores até Ábádih, uma aldeia em Fárs. Tencionavam levá-las a Teerã, quando um mensageiro real os mandou abonandonar esse projeto e eles então decidiram enterrar as cabeças nessa aldeia.

Quanto às mulheres, seiscentas em número, a metade foi posta em liberdade em Nayríz, enquanto as restantes foram levadas, tendo que viajar montadas, duas juntas em cada cavalo, sem sela, até Shiráz, onde, após haverem sido sujeitadas a severas torturas, foram abandonadas a sua sorte. Muitas pereceram no caminho para essa cidade; muitas renderam a vida em meio às aflições que tiveram de suportar antes de recobrarem sua liberdade. Minha pena estremece de horror ao tentar descrever o que sucedeu àqueles intrépidos homens e mulheres que tiveram de sofrer tão severamente pela sua Fé. A desenfreada barbaridade que caracterizava o tratamento a eles proporcionado atingiu a máxima profundidade de infâmia nas etapas finais deste episódio lastimável.

O que tenho tentado relatar dos horrores do assédio de Zanján, das indignidades amontoadas sobre Hujját e seus aderentes, empalidece face a evidente ferocidade das atrocidades perpetradas poucos anos depois em Nayríz e Shiráz. Uma pena mais capaz do que a minha para descrever em todos os seus trágicos detalhes essa indizível selvageria, será encontrada, espero, a fim de registrar uma narrativa, que por horrendas que sejam suas feições, há de permanecer para sempre como uma das mais nobres evidências da fé que a Causa do Báb pode inspirar em Seus seguidores (39).

A confissão de 'Azim livrou Bahá'u'lláh do perigo no qual Sua vida fora exposta. As circunstâncias da morte daquele que se declarara o principal instigador daquele crime serviram para mitigar a ira com a qual um povo enfurecido clamava pelo castigo imediato de tão ousada tentativa. Os gritos de fúria e vingança, os apelos por pronta retribuição, até então focalizados em Bahá'u'lláh, agora Dele se desviavam. A ferocidade daquelas reivindicadoras denúncias suavizava pouco a pouco. Tornava-se mais firme nas mentes das autoridades responsáveis em Teerã a convicção de que Bahá'u'lláh, até então considerado o arqui-inimigo de Nasiri'd-Din-Sháh, não estava de modo algum envolvido em qualquer conspiração contra a vida do soberano. Mirza Áqá Khán foi, portanto, encorajado a enviar seu representante, um homem de confiança, chamado Hájí 'Alí, ao Síyáh-Chál, com o fim de apresentar ao Prisioneiro a ordem para Sua libertação.

O que esse emissário contemplou ao chegar encheu-o de tristeza e espanto. O espetáculo diante de seus olhos foi tal que ele dificilmente podia acreditar. Ele chorou ao ver Bahá'u'lláh acorrentado a um chão infestado de verminose, o pescoço sob o peso de cadeias vexatórias, a face acabrunhada de tristeza, mal vestido e desgrenhado, respirando o ar pestilento dessa, a mais terrível das masmorras. "Maldito seja Mirza Áqá Khán!" exclamou ele, ao reconhecer Bahá'u'lláh nas trevas que O cercavam. "Sabe Deus jamais eu imaginara que vós poderíeis ter sido sujeitado a tão humilhante cativeiro. Jamais teria eu imaginado que o Grão-Vizir pudesse atrever-se a cometer um ato tão abominável."

Removeu ele o manto dos próprios ombros e o ofereceu a Bahá'u'lláh, suplicando-lhe que o vestisse quando na presença do ministro e seus conselheiros. Bahá'u'lláh declinou a oferta e usando os trajes de prisioneiro, seguiu logo à sede do governo imperial.

As primeiras palavras que o Grão-Vizir se sentiu movido a dirigir a seu Cativo foram as seguintes: "Tivésseis vos dignado seguir meu conselho e tivésseis vos desassociado da fé do Siyyid-i- Báb, jamais haveríeis sofrido as dores e as indignidades que sobre vós se amontoaram." "Tivésseis vós, por vossa vez," replicou Bahá'u'lláh, "seguido meus conselhos, os assuntos do governo não haveriam chegado a um estado tão crítico."

O Grão-Vizir lembrou imediatamente a conversação tida com Ele na ocasião do martírio do Báb. As palavras: "A chama que se ateou arderá mais intensamente do que nunca" relampejou através da mente de Mirza Áqá Khán. "A advertência que pronunciastes," observou ele, "infelizmente se cumpriu. Que é que vós agora aconselhais que eu faça?" "Ordenai aos governantes do reino" - foi a resposta instantânea, "que cessem de derramar o sangue dos inocentes, que cessem de lhes saquear os bens, que cessem de desonrar suas mulheres e lesar suas crianças. Que cessem de perseguir a Fé do Báb; que abandonem a vã esperança de eliminar seus seguidores."

Nesse mesmo dia foram emitidas ordens, mediante uma circular dirigida a todos os governantes do reino mandando-lhes desistir de seus atos cruéis e ignominiosos. "Basta o que já fizestes," escreveu-lhes Mirza Áqá Khán. "Cessai de apreender e punir o povo. Não mais pertubeis a paz e tranqüilidade de vossos conterrâneos." O governo do Xá havia deliberado sobre as medidas mais efetivas a serem tomadas a fim de livrar o país, de uma vez por todas, daquela maldição da qual fora afligido. Mal recuperara Bahá'u'lláh Sua liberdade, quando Lhe foi entregue a decisão do governo informando-Lhe que, dentro de um mês após a emissão dessa ordem, com Sua família, deveria partir de Teerã para um lugar além dos confins da Pérsia.

O ministro russo, logo que soube das medidas que o governo tencionava tomar ofereceu levar Bahá'u'lláh sob sua proteção e O convidou a vir à Rússia. Bahá'u'lláh declinou a oferta preferindo, em lugar disso, partir para o Iraque. Nove meses após Seu regresso de Karbilá, no primeiro dia do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1269 A. H. (40) Bahá'u'lláh, acompanhado pelos membros de Sua família, entre os quais o Maior Ramo (41) e Áqáy-i-Kalím (42) e escoltado por um membro da guarda pessoal do Xá e por um representante oficial da legação russa, partiu de Teerã em Sua viagem a Bagdá.

EPÍLOGO

Jamais a sorte da Fé proclamada pelo Báb caira a um nível tão baixo do que quando Bahá'u'lláh foi exilado de Sua terra natal para o Iraque. A Causa pela qual o Báb dera a vida, pela qual Bahá'u'lláh labutava e sofrera, parecia estar no próprio limiar da extinção. Parecia que se lhe haviam gasto a força e quebrado irreparavelmente a resistência. Eventos desalentadores e desastres, cada qual mais devastador em seu efeito do que o anterior, haviam sucedido um ao outro, com deslumbrante rapidez, solapando-lhe a vitalidade e diminuindo a esperança de seus mais intrépidos defensores. De fato, para um leitor superficial das páginas da narrativa de Nabíl, a história inteira, desde mesmo o princípio, parece ser uma simples enumeração de vicissitudes e massacres, de humilhação e desapontamentos, sendo cada um mais severo do que o precedente e culminando, afinal, no exílio de Bahá'u'lláh de Seu próprio país. Para o leitor cétido, que não esteja disposto a reconhecer a potência celestial de que foi detoda essa Fé, o inteiro conceito que evoluira na mente de seu Autor parece haver sido predestinado ao fracasso. A obra do Báb, tão gloriosamente concebida e empreendida com tanto heroísmo, parecia haver terminado em um desastre colossal. Para tal leitor, a vida do infortunado Jovem de Shiráz parecia julgando-se pelos golpes cruéis que ela sustentara, ser uma das mais tristes e mais infrutíferas já destinadas aos homens mortais. Aquela breve e heróica carreira que tão célere como um meteoro, relampejou através do firmamento da Pérsia por algum tempo parecendo haver trazido, na treva que cercava o país, a tão almejada luz da salvação eterna, foi enfim, mergulhada em um abismo de escuridão e desespero.

Todo passo que Ele dava, todo esforço que Ele fazia, servira apenas para intensificar as tristezas e desilusões que Lhe pesavam sobre a alma. O plano por Ele concebido, mesmo no início de Sua carreira - o de inaugurar Sua Missão com uma proclamação pública nas cidades santas de Meca e Medina, não alcançou o esperado êxito. O Xerife de Meca a quem Quddús foi mandado entregar Sua Mensagem, lhe deu tal recepção que por sua gélida indiferença demonstrou o desdenhoso desprezo por parte do governante de Hijáz e custódio de seu Ka'bih, para com a Causa de um Jovem de Shíráz. De igual modo se frustrou desesperadamente o projeto que tinha em mente, o de regressar triunfante de Sua peregrinação e estabelecer Sua Causa nas cidades de Karbilá e Najaf, no próprio coração dessa cidadela da ortodoxia xiita. O programa que Ele elaborara, cujos itens essenciais Ele já havia comunicado aos dezenove escolhidos dentre Seus discípulos, deixou em sua maior parte de ser cumprido. A moderação que Ele os exortara a observar foi esquecida no primeiro fluxo de entusiasmo que se apoderou dos primeiros missionários de Sua Fé, sendo essa conduta responsável em grande parte pelo insucesso das esperanças que Ele tão carinhosamente nutrira. O Mu'tamid, aquele sábio e sagaz governante que tão habilmente afastara o perigo que ameaçava essa preciosa Vida, provando sua capacidade para lhe prestar serviços de tal distinção como poucos de Seus companheiros mais modestos poderiam ter esperado lhe oferecer, foi subitamente Lhe retirado, deixando-O à mercê do pérfido Gurgín Khán, o mais detestável e inescrupuloso de todos os Seus inimigos. A única oportunidade que o Báb tinha para se encontrar com Muhammad Sháh, encontro esse que Ele Próprio pedira e no qual havia focalizado suas esperanças mais acariciadas, foi derrubada ao chão pela intervenção daquele covarde e caprichoso Hájí Mirza Áqásí, que tremia ao pensar na possibilidade de Seu contato com o soberano, já indevidamente inclinado a favorecer essa Causa, provar-se fatal a seus próprios interesses. As tentativas, inspiradas e iniciadas pelo Báb as quais dois de Seus mais eminentes discípulos, Mullá 'Alíy-i-Bastámí e Shaykh Sa'íd-i-Hindí, fizeram a fim de introduzir a Fé em um território turco e o outro na Índia, terminaram em lastimável insucesso. O primeiro empreendimento faliu logo de início por causa do martírio cruel de quem o promoveu, enquanto o segundo foi produtivo dentro daquilo que poderia parecer um resultado insignificante, sendo seu único fruto a conversão de um certo siyyid, cuja acidentada carreira de serviço foi levada a um súbito fim em Luvastán pela ação do pérfido Íldirím Mirza. O cativeiro ao qual foi condenado o próprio Báb durante a maior parte dos anos de Seu ministério; Seu isolamento nas remotas cidadelas nas montanhas de Adhirbáyján do corpo de Seus seguidores, os quais estavam sendo penosamente perseguidos por um inimigo voraz; acima de tudo, a tragédia de Seu próprio martírio, tão intensa, tão terrivelmente humilhante, parecia haver assinalado as ínfimas profundezas da ignomínia que uma Causa tão nobre, desde a hora mesma de seu nascimento, era destinada a sofrer. Sua morte, a culminação de uma célere e tempestuosa carreira, pareceria haver posto o selo do fracasso em uma tarefa que, por heróica que fosse nos esforços que ela inspirou foi impossível de ser realizada.

Por muito que Ele Próprio sofrera, a agonia que teve de suportar foi apenas uma gota em comparação com as calamidades que haveria de chover sobre a multidão de Seus declarados seguidores. O cálice de tristeza que tocara Seus lábios tinha de ser sorvido até a própria escória por aqueles que, após Ele, ainda permaneciam. A catástrofe de Shaykh Tabarsí, que lhe roubou os mais hábeis tenentes, Quddús e Mullá Husayn, e que engolfou nada menos de trezentos e treze de Seus intrépidos companheiros, veio como o golpe mais cruel que até então sobre Ele caira e envolveu em uma mortalha de escuridão os dias finais de Sua vida em rápido declínio. A luta de Nayríz, com os horrores e crueldades que a acompanhavam envolvendo a perda de Vahíd, o mais erudito, o de maior prestígio e o mais capacitado entre os seguidores do Báb, foi mais um golpe aos recursos inúmeros daqueles que continuavam a erguer altamente a tocha em suas mãos. O assédio de Zanján - vindo logo no encalço do desastre que sobreviera à Fé em Nayríz e assinalado pela carnificina com a qual o nome dessa província permanecerá sempre associada, dizimou em grau ainda maior as fileiras dos defensores da Fé e os privou da força sustentadora que a presença de Hujját neles inspirava. Com ele desaparecera a última figura de destaque entre os líderes representativos da Fé, os quais, em virtude de sua autoridade eclesiástica, sua erudição, sua intrepidez e sua força de caráter, se elevaram acima da generalidade de seus co-discípulos. Uma carnificina impiedosa ceifara a flor dos seguidores do Báb, deixando atrás uma vasta companhia de mulheres e crianças escravizadas que gemiam sob o jugo de um inimigo implacável. Seus líderes que tanto por seu conhecimento como por seu exemplo alimentavam e sustentavam a chama que ardia naqueles valorosos corações, também haviam perecido, ficando seu trabalho aparentemente abandonado em meio à confusão que afligia uma comunidade perseguida.

De todos os que haviam mostrado capazes de levar avante a tarefa que o Báb transmitira a Seus aderentes, restava tão somente Bahá'u'lláh (1). Todos os demais haviam sido mortos pela espada do inimigo. Mirza Yahyá, líder nominal dos que sobreviveram ao Báb, havia ingloriosamente, nas montanhas de Mázindarán, buscado refúgio dos perigos do tumulto que se apoderara da capital. No disfarce de um dervixe, Kashkúl (2) em mão, desertara ele os companheiros e fugira da cena do perigo para as florestas de Gilán. Siyyid Husayn, amanuense do Báb e Mirza Ahmad, seu colaborador, ambos bem versados nos ensinamentos e nas implicações do recém-revelado Bayán, e possuindo capacidade - em virtude de seu íntimo contato com seu Mestre e sua familiaridade com os preceitos de Sua Fé - para esclarecer o entendimento e consolidar os alicerces da fé de seus companheiros, jaziam acorrentados no Síyáh-Chál de Teerã, excluídos inteiramente do corpo dos crentes que tanto necessitavam de seus conselhos, e sendo ambos destinados a sofrer muito breve um martírio cruel. Até Seu próprio tio materno que sempre, desde Sua infância, O havia cercado de uma solicitude paterna que nenhum pai poderia ter excedido e lhe prestara insgines serviços nos primeiros dias de Seus sofrimentos em Shiráz e que , se tivesse sido permitido de sobreviver a Ele por apenas poucos anos, poderia ter prestado serviços inestimáveis a Sua Causa - languescia na prisão, abandonado e sem esperança de continuar algum dia o trabalho tão acariciado em seu coração. Táhirih, aquele flamejante emblema de Sua Causa que, tanto pela indomável coragem como por seu caráter impetuoso, sua fé inabalável, seu veemente ardor e seus vastos conhecimentos, parecia durante algum tempo ter a possibilidade de ganhar todas as mulheres da Pérsia para a Causa de seu Bem-Amado, caiu lamentavelmente, na mesma hroa em que a vitória parecia estar próxima, vítima da ira de um inimigo caluniador. Às pessoas presentes no momento em que seu corpo era colocado na cova que lhe servia de sepultura, a influência de seu trabalho, cujo curso foi tão prematuramente interrompido, parecia se haver completamente extinguido. As restantes Letras dos Viventes, nomeados pelo Báb, ou haviam perecido pela espada ou estavam agrilhoadas na prisão, ou levavam uma vida obscura em algum canto remoto do reino. Os volumosos escritos do Báb sofreram, pela maior parte uma sorte não menos humilhante do que aquela que sobreviera a Seus discípulos. Muitas de Suas copiosas obras foram inteiramente obliteradas, sendo outras rasgadas e reduzidas a cinzas, algumas foram corrompidas, uma grande quantidade foi apreendida pelo inimigo e as restantes obras jaziam - uma massa de manuscritos não organizados nem decifrados - precariamente escondidos e largamente espalhados entre os sobreviventes de Seus companheiros.

A Fé que o Báb proclamara e pela qual Ele tudo dera, havia realmente atingido o seu mais baixo limiar. Os fogos contra ele ateados haviam quase consumido a estrutura da qual dependia sua contínua existência. As asas da morte pareciam estar sobre ela pairando. Extermínio completo e irremediável parecia lhe ameaçar a própria vida. Em meio às sombras que rapidamente se juntavam a seu redor, só brilhava a figura de Bahá'u'lláh como o potencial Salvador de uma Causa que rapidamente se aproximava de seu fim. Os sinais de perspicácia, de coragem e sagacidade que Ele mostrara em mais de uma ocasião sempre que Se levantara para ser o Campeão da Causa do Báb, pareciam qualificá-Lo para ressuscitar o destino de uma Fé agonizante, se Lhe fosse assegurada a vida e Sua permanência na Pérsia. Mas isso não haveria de ser. Uma catástrofe, sem precedentes na inteira história dessa Fé, precipitou uma perseguição mais feroz que qualquer uma até então ocorrida, e desta vez impeliu para seu vórtice a própria pessoa de Bahá'u'lláh. As ternas esperanças que os remanescentes seguidores do Báb ainda nutriam foram demolidas em meio à confusão que se seguiu. Pois Bahá'u'lláh, sua única esperança e o objetivo único de sua confiança, foi a tal ponto abatido pela severidade daquela turbulência que não mais se poderia acreditar ser possível uma recuperação. Após haver sido Ele despojado de todas as Suas possessões em Núr e Teerã, sendo denunciado como o instigador primaz de uma tentativa covarde contra a vida de Seu soberano, abandonado pelos parentes e desprezado por Seus antigos admiradores e amigos, mergulhado em uma masmorra tenebrosa e pestilenta e, afinal, com os membros de Sua família forçado a um desesperançoso exílio além dos confins de Sua terra natal, todas as esperanças que se haviam centralizado ao redor Dele como o possível Redentor de uma Fé aflita, pareciam por um momento se haverem esvaecido completamente.

Não é de se admirar que Násiri'd-Dín Sháh, sob cujos olhos e por cuja instigação esses golpes estavam sendo infligidos, já se orgulhava de ser o demolidor de uma Causa contra a qual ele tão consistentemente batalhara e que aparentemente ele pudera, enfim, esmagar. Não é de se admirar haver ele imaginado, enquanto sentava a refletir sobre as sucessivas etapas desse vasto e sangrento empreendimento que, pelo ato de exílio que suas mãos haviam assinado, estava tocando os sinos da morte daquela odiosa heresia que tanto aterrorizara os corações de seu povo. A Násiri'd-Dín Sháh parecia, naquele momento supremo, que o encanto daquele terror, que a maré que varrera seu país estava finalmente se virando e restituindo a seus conterrâneos a paz pela qual gemia. Agora que o Báb não mais existia; agora que os poderosos pilares que sustentavam Sua Causa foram esmagados em pó; agora que a massa de seus devotos, por toda a extensão de seu domínio, estava intimidada e exausta; agora que o próprio Bahá'u'lláh, a única esperança que restava para essa comunidade sem líder, já fora forçado ao exílio e de Sua espontânea vontade buscara refúgio nas proximidades da cidadela do fanatismo xiita, desvanecera-se para sempre o espectro que desde sua ascendência ao trono lhe perseguira. Nunca mais imaginava o Xá, haveria ele de saber daquele detestável Movimento que, se pudesse acreditar em seus melhores conselheiros, rapidamente se retirava para a penumbra da impotência e do olvido (3).

Até aos seguidores da Fé que sobreviveram às abominações amontoadas sobre sua Causa, até mesmo aquela pequena caravana que no auge do inverno caminhava através da neve das montanhas na fronteira do Iraque (4), poderia a Causa do Báb ter parecido por um momento haver falhado - bem se pode imaginar - na realização de seu propósito. As forças das trevas que a haviam cercado de todos os lados pareciam haver triunfado afinal, e extinguido a luz acesa por aquele Jovem Príncipe de Glória em Sua Terra.

Aos olhos de Násiri'd-Dín Sháh, em todo caso, o poder que por algum tempo parecia haver varrido para dentro de sua órbita todas as forças do reino havia cessado de contar. Malfadada desde seu próprio nascimento, a Fé fora finalmente forçada a render-se diante da violência dos golpes de espada que ele infligira. A Fé sofrera uma ruptura certamente bem merecida, livrado dessa maldição, que durante muitas noites lhe roubara o sono, pode ele agora com a atenção concentrada, aplicar-se à tarefa de salvar sua terra dos efeitos devastadores daquela imensa ilusão. Doravante era sua verdadeira missão, assim como ele a concebera, possibilitar tanto à Igreja como ao Estado consolidarem seus alicerces e reforçarem suas fileiras contra a intrusão de heresias similares que pudessem em um dia futuro envenenar a vida de seus conterrâneos.

Como era vão o que ele imaginava e vasta sua própria ilusão! A Causa que ele futilmente imaginara estar esmagada, ainda vivia, destinada a emergir do meio daquela convulsão tão grande, mais forte, mais pura e mais nobre do que nunca. A Causa que, à mente daquele insensato monarca, parecia estar se precipitando para a destruição, apenas passava pelas violentas provas de uma fase de transição que haveria de levá-la mais um passo adiante na vereda de seu alto destino. Desdobrava-se um novo capítulo em sua história, capítulo esse mais glorioso do que qualquer um que tivesse assinalado seu nascimento ou Sua aurora. A repressão que aquele monarca acreditara haver conseguido em selar seu destino foi apenas a etapa inicial em uma evolução destinada a florescer, na plenitude do tempo, em uma Revelação mais poderosa do que qualquer uma que o próprio Báb tivesse proclamado. A semente por Sua mão lançada, embora fosse por algum tempo sujeitada à fúria de uma tempestade de inigualável violência, e se bem que, mais tarde fosse transplantada para um solo estranho, haveria de continuar a se desenvolver e crescer, no devido tempo, em uma Árvore fadada a estender sua sombra sobre todas as raças e todos os povos da terra. Embora os discípulos do Báb fossem torturados e trucidados, e Seus companheiros humilhados e esmagados; ainda que Seus seguidores decrescessem em número; embora a voz da própria Fé fosse silenciada pela arma da violência; embora sua sorte chegasse a ponto de desespero; se bem que seus mais aptos defensores cometessem apostasia, a promessa, entretanto encaixada dentro da concha de Sua palavra, mão alguma conseguiria violar nem poder algum haveria de lhe impedir a germinação e crescimento.

Em verdade, já podiam ser discernidos, em meio às trevas que cercavam Bahá'u'lláh no Síyáh-Chál de Teerã (5), os primeiros vislumbres da Revelação nascente da qual o Báb se declarara o Arauto, e à aproximação e a certeza da qual Ele tão rapidamente se referira (6). A força oriunda da momentosa Revelação liberada pelo Báb, a qual em época posterior haveria de se desdobrar em toda a sua glória e rodear o globo, já pulsava nas veias de Bahá'u'lláh, enquanto Ele jazia em Sua cela, exposto à espada de Seu algoz. A voz queita que, na hora de amarga agonia anunciou ao Prisioneiro a Revelação da qual foi Ele escolhido para ser o Porta Voz, não podia ter alcançado certamente, os ouvidos do monarca que já preparava a celebração do extermínio da Fé da qual o campeão fora seu Cativo. O encarceramento o qual aquele que o causara acreditou haver estigmatizado de infâmia o belo nome de Bahá'u'lláh, e que ele considerava um prelúdio ao exílio para o Iraque ainda mais humilhante, foi na realidade a própria cena onde se testemunharam os primeiros impulsos daquele Movimento do qual Bahá'u'lláh viria a ser o Autor, Movimento esse que primeiro se tornaria conhecido na cidade de Bagdá e subseqüentemente, seria proclamado, da cidade-prisão de 'Akká, ao Xá, como também aos outros governantes e cabeças coroadas do mundo.

Pouco imaginava Násiri'd-Dín Sháh que pelo próprio ato de pronunciar contra Bahá'u'lláh a sentença de exílio, ele estava ajudando a desdobrar o irreprimível Plano de Deus e que ele mesmo era apenas instrumento na execução desse Desígnio. Pouco imaginava ele que, enquanto seu reinado se aproximava do fim, haveria de testemunhar uma revivificação das próprias forças que ele tão zelosamente tentara exterminar, uma revivificação que manifestaria tal vitalidade que ele, na hora do mais tenebroso desespero, jamais acreditou fosse possuída por essa Fé. Não só dentro dos confins de seu próprio domínio (7), não só por todos os territórios adjacentes do Iraque e da Rússia, mas até a Índia no Oriente (8) e até o Egito e a Turquia européia, no Ocidente, uma recrudescência da Fé, tal como ele nunca esperara, o despertou dos sonhos que tão credulamente acariciara. A Causa do Báb parecia se haver ressuscitado da morte. Apresentou-se sob uma forma infinitamente mais imponente do que qualquer outra sob a qual aparecera no passado. O novo ímpeto que, a despeito de seus cálculos, a personalidade de Bahá'u'lláh e acima de tudo a inerente força da Revelação por Ele personificada haviam prestado à Causa do Báb, foi tal como Násiri'd-Dín Sháh jamais imaginara. A rapidez com que uma Fé adormecida se revivificara e consolidara dentro de seu próprio território; sua expansão até Estados além de seus confins; as estupendas pretensões por Bahá'u'lláh quase em meio à cidadela onde se dignara residir; a declaração pública dessa pretensão na Turquia européia e Sua proclamação às cabeças coroadas da Terra em Epístolas desafiadoras, uma das quais o próprio Xá era destinado a receber; o entusiasmo que esse anúncio evocou nos corações de incontáveis seguidores; a transferência do centro de Sua Causa à Terra Santa; o gradativo relaxamento da severidade de Sua prisão que caracterizou os últimos dias de Sua vida; a anulação do interdito que o Sultão da Turquia impusera em Seu contato com visitantes e peregrinos, os quais de várias partes do Oriente afluíam à Sua prisão; o despertar de um espírito de investigação entre os pensamentos do Ocidente; a completa desintegração das forças que haviam tentado efetivar um cisma nas fileiras de Seus seguidores e a sorte que sobreviera a seu principal instigador; acima de tudo a sublimidade daqueles ensinamentos nos quais Suas obras publicadas abundavam e que estavam sendo lidos, disseminados e expostos por um sempre crescente número de adeptos no Turquestão Russo, no Iraque, na Índia, na Síria e até na Turquia Européia, estes figuravam entre os principais fatores que de um modo convincente revelaram aos olhos do Xá o caráter invencível de uma Fé que ele acreditava haver podido, ele mesmo, refrear e destruir. A futilidade de seus esforços, por mais que ele tentasse ocultar seus sentimentos, era demasiadamente clara. A Causa do Báb, o nascimento e as tribulações da qual ele próprio testemunhara e cujo progresso triunfante ele agora presenciava, surgira de suas cinzas, semelhante à fênix, e estava avançando pelo caminho que a levaria a realizações nem sonhadas (9).

O próprio Nabíl pouco imaginava que dentro de quarenta anos depois dele escrever sua narrativa, a Revelação de Bahá'u'lláh, flor e fruto de todas as passadas eras tivesse podido a tal ponto avançar no caminho que conduzia a seu reconhecimento e triunfo no mundo inteiro. Pouco imaginava ele que, em menos de quarenta anos após a morte de Bahá'u'lláh, Sua Causa rompendo os confins da Pérsia e do Oriente, tivesse penetrado até às mais longínquas regiões do globo e cercado toda a terra. Dificilmente haveria ele acreditado a predição, se lhe fosse dito que a Causa teria, dentro desse período, implantado seu estandarte no coração do continente americano, despertando atenção nas principais capitais da Europa, se expandindo até os confins sulinos da África e estabelecido seus postos avançados até na Australásia. Dificilmente sua imaginação, se bem que inflamada por uma convicção quanto ao destino de sua Fé, o teria levado a tal ponto que ele pudesse conceber em sua mente o Túmulo-Santuário do Báb - o destino final de cujos restos mortais ele confessa ignorar entesourado no coração do Carmelo, um lugar de peregrinação e um farol a iluminar numerosos visitantes de todos os recantos da terra. Dificilmente poderia ele ter imaginado que a humilde morada de Bahá'u'lláh - que se perdia em meio aos tortuosos becos da velha Bagdá algum dia, em conseqüência das intrigas de um inimigo infatigável, viesse a exigir a atenção dos representantes reunidos das principais potências da Europa e tornar-se objeto de suas sérias deliberações. Pouco imaginava ele - não obstante todo o louvor que em sua narrativa lhe prodigaliza - que procederia do Maior Ramo (10), um poder que dentro de um curto período despertasse os Estados do norte do continente americano para receberem a glória da Revelação que Bahá'u'lláh lhe legara. Pouco imaginava ele que as dinastias daqueles monarcas as evidências de cuja tirania ele tão vividamente relata em sua narrativa fossem cambalear e cair, sofrendo a mesma sorte que seus representantes tão desesperadamente se haviam esforçado por infligir aos oponentes que eles tanto temiam. Pouco imaginava ele que toda a hierarquia eclesiástica de seu país, arqui-instigadora e o pronto instrumento das abominações amontoadas sobre sua Fé, fosse tão rápida e facilmente derrubada pelas próprias forças que tentara dominar. Nunca haveria ele acreditado que as mais altas instituições do Islã sunita - o sultanato e o califado (11), aqueles opressores gêmeos da Fé de Bahá'u'lláh - fossem derrubados tão impiedosamente pelas próprias mãos dos professores aderentes da Fé do Islã. Pouco imaginava ele que, lado a lado com a constante expansão da Causa de Bahá'u'lláh, as forças de consolidação e administração interna a tal ponto pregredissem que apresentassem ao mundo o espetáculo único de uma Comunidade de povos, mundial em suas ramificações, unida em seu propósito, coordenada em seus esforços e inflamada por um zelo e um entusiasmo que as maiores adversidades não poderiam extinguir.

Quem sabe, entretanto, quais realizações maiores do que qualquer uma testemunhada no passado ou no presente não esperam ainda aqueles a cujas mãos foi confiada tão preciosa herança? Quem sabe se não vai emergir do caos que agita a face da sociedade moderna e mais cedo do que pensamos, a Ordem Mundial de Bahá'u'lláh, cujo mero esboço se discerne apenas ligeiramente entre as comunidades espalhadas pelo mundo inteiro portadoras de Seu nome? Pois, por grande e maravilhosas que tenham sido as realizações do passado, a glória da idade áurea da Causa, cuja promessa se encaixa dentro da concha das palavras imortais de Bahá'u'lláh, ainda está para ser revelada. Por violenta que pareça a investida das forças das trevas que possam ainda afligir esta Causa, por mais desesperada e prolongada que seja essa luta e por severas que sejam as desilusões que ela ainda tenha de sofrer, a ascendência que esta Fé no fim haverá de conseguir será tal como nenhuma outra jamais, em toda a sua história, atingiu. A fusão das comunidades do Oriente e Ocidente em uma Fraternidade mundial - aquela da qual têm cantado os poetas e os sonhadores, a promessa da qual se entesoura no próprio âmago da Revelação concebida por Bahá'u'lláh; o reconhecimento de Sua lei como o laço indissolúvel que une os povos e nações da terra; e a proclamação do reinado da Paz Maior - são apenas poucos entre os capítulos da história gloriosa que a consumação da Fé de Bahá'u'lláh haverá de desdobrar.

Quem sabe se triunfos jamais excedidos em esplendor não esperam a multidão dos dedicados seguidores de Bahá'u'lláh? De certo estamos próximos demais da estrutura colossal que Sua mão ergueu, para podermos, na presente etapa da evolução de Sua Revelação, pretender formar um conceito sequer da plena medida de sua prometida glória. Sua história passada, maculada com o sangue de incontáveis mártires, bem pode em nós inspirar o pensamento de que - nada importando o que sobrevenha ainda a esta Causa, por temíveis que sejam as forças que ainda a possam atacar, por numerosos que sejam os reveses que inevitavelmente haverá de sofrer sua marcha para a frente, jamais será detida e ela continuará a avançar até que a última promessa, entesourada dentro das palavras de Bahá'u'lláh, haja sido completamente cumprida.

APÊNDICE
Lista das Obras Mais Conhecidas do Báb
1. O Bayán Persa.
2. O Bayán Árabe.
3. O Qayyúmu'l-Asmá.
4. O Sahífatu'l-Haramayn.
5. O Dalá'il-i-Sab'ih.
6. Comentário sobre a Sura de Kawthar.
7. Comentário sobre a Sura de Va'l-'Asr.
8. O Kitáb-i-Asmá'.
9. Sahífiy-i-Ja'faríyyih.
10. Sahífiy-i-Makhdhúmíyyih.
11. Zíyárat-i-Sháh-'Abdu'l-'Azím.
12. Kitáb-i-Panj-Sha'n.
13. Sahífiy-i-Radavíyyih.
14. Risáliy-i-'Adlíyyih.
15. Risáliy-i-Fighíyyih.
16. Risáliy-i-Dhahabíyyih.
17. Kitábu'r-Rúh.
18. Súriy-i-Tawhíd.
19. Lawh-i-Hurúfát.
20. Tafsír-i-Nubuvvat-i-Khássih.
21. Risáliy-i-Furú-i-'Adlíyyih.
22. Khasá'il-i-Sab'ih.

23. Epístolas à Muhammad Sháh e a Hájí Mirza Áqásí.

N.B. O Báb mesmo assevera numa das passagens do Bayán Persa que Seus escritos compreendem nada menos que 500.000 versículos.

Obras Consultadas Pelo Tradutor

1. Lord Curzon "Persia and the Persian Question" (2o vol.)

(Longmans, Green & Co., London 1892).
2. A. L. M. Nicolas "Essai sur le Shaykhisme I"

(Librairie Paul Geuthner, Rue Mazarine, Paris 1910).

3. A. L. M. Nicolas "Essai sur le Shaykhisme II"

(Librairie Paul Geuthner, Rue Mazarine, Paris 1914).

4. A. L. M. Nicolas "Siyyid Alí Muhammad dit le Báb"

(Librairie Critique, Rue Notre-Dame de Lorette, Paris 1908).

5. Comte de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale"

(Les Editions G. Grés et Cie., Paris, Rue de Sèvres, 1928)

6. Lady Sheil "Glimpses of Life and Manners in Persia"

(John Murray, Albemarie Street, London 1856)

7. "The Tárikh-i-Jadíd" por Mirza Husayn de Hamadán, traduzido do persa para o inglês

por E. G. Browne.
(The University Press Cambridge, 1893)
8. M. Clément Huart "La Religion de Báb"
(Ernst Leroux, Rue Bonaparte, Paris 1889)

9. "A Traveller's Narrative" traduzido do persa para o inglês por E. G. Browne.

(The University Press Cambridge 1891)

10. "Le Bayán Persan", traduzido do persa para o francês por A. L. M. Nicolas (4 vols.)

(Livrairie Paul Geuthner, Rue Mazarine, Paris 1911-14).

11. Journal of the Royal Asiatic Society, 1889, artigos 6, 12.

12. Journal of the Royal Asiatic Society, 1892, artigos 7, 9, 13.

13. "Le Livre des Sept Preuves", traduzido ao francês por A. L. M. Nicolas.

(J. Maisonneuve, Rue des Mézières, Paris 1902).
14. E. G. Browne "A Year amongst the Persians"
(Messers. A. and C, Black, Ltd., London 1893).

15. E. G. Browne "A Literary History of Persia" (4 vols.)

(The University Press Cambridge, 1924).

16. Lieutenant-Colonel P. M. Sykes "A History of Persia" (2 vols)

(Macmillan & Co. London 1915).

17. Clements R. Markham "A General Sketch of the History Persia"

(Longmans, Green and Co., London 1874).
18. R. G. Watson "History of Persia".

19. Journal Asiatique, 1866, sixième série, tomes 7, 8.

(" Báb et les Bábís", por Mirza Kázím Big).
20. M. J. Balteau "Le Bábisme"

(Lido por M. J. Balteau, membro titular, na sessão de 22 de maio de 1896 na

Academia Nacional de Reims. Imprensa da Academia, Reims; N. Monce, Diretor;

24 Rue Pluche, 1987).

21. Gabriel Sacy "Du Regne de Dieu et de l'Agneau connu sous le nom de Bábisme"

12 de junho de 1902.

22. J. E. Esslemont, "Bahá'u'lláh and the New Era"

(The Bahá'í Publishing Committee, New York 1927.)
23. Muhammad Mustafá "Risáliy-i-Amríyyih"
(Imprensa Sa'ádih, Cairo, Egito).

24. E. G. Browne "Materials for the Study of The Bábí Religion"

(The University Press, Cambridge, 1918).

25. Mirza Abu'l-Fadl, manuscritos e notas (não publicados).

26. Mirza Abu'l-Fadl, "The Kashfu'l-Ghitá"
('Ishqábád, Rússia).

27. M. H. Phelps "Life and Teachings of Abbás Effendi"

(G. P. Putnam's Sons, London, 1912).

28. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Religions"

(Adam and Charles Black, 1914).
29. Sir Francis Younghusband "The Gleam"
(John Murray, Albemarle Street, London, 1923).
30. Samandar: manuscrito (não publicado).
31. E. G. Browne "The Persian Revolution".
(The University Press, Cambridge, 1910).

32. The Christian Commonwealth, 22 de Janeiro de 1913.

33. G. K. Narimán "Persia and Parsis", Parte I
(The Iran League, Bombay 1925)

34. Valentine Chirol "The Middle Eastern Question".

35. J. Estlin Carpenter "Comparative Religion".
36. Série Comemorativa E. J. W. Gibb, Vol. 15.
(Luzac & Co. London 1910).

37. "The Násikhu't-Tavárikh" (volume Qájáríyyih), por Mirza Taqí

Mustawfí, Lisánu'l-Mulkh, conhecido como Sipihr.
(Edição litográfica, Teerã).

38. Hájí Mu'ínu's-Saltanih "History" (manuscrito).

39. Mirza Abu'l-Fadl "Kitábu'l-Fará'id"
(Edição feita no Cairo).
Obras de Bahá'u'lláh:
"Kitáb-i-Íqán" (Edição feita no Cairo, 1900).

"Epistle to the Son of the Wolf" (Edição do Cairo, 1920).

"Ishráqát" (manuscrito).
"Tablets to the Kings" (manuscrito).
Obras do Báb:
"Sahífatu'l-Haranayn" (manuscrito).
"Qayyúmu'l-Asmá" (manuscrito).
"Persian Bayán" (manuscrito).
"Arabic Bayán" (manuscrito).
"Dalá'il-i-Sab'ih" (manuscrito).
Obras de 'Abdu'l-Bahá:

"Some Answered Questions" (Bahá'í Publishing Society, Chicago 1918).

"Memorials of the Faithful" (edição feita em Haifa 1924).

N.B. Para uma bibliografia geral mais completa, recorrer A:

1. Bahá'í World, vol. 111, parte 3.

2. A. L. M. Nicolas "Siyyid Alí Muhammad dit le Báb", pp. 22-53.

3. E. G. Browne "Materials for the Study of The Bábí Religion",

4. Journal of the Royal Asiatic Society 1892, pp. 433-499, 637-710.

5. "A Traveller's Narrative", pp. 173-211.
DIVISÕES ADMINISTRATIVAS DA PÉRSIA NO SÉCULO XIX

"Não existe um princípio fixo ou permanente nas subdivisões administrativas da Pérsia. Sua separação ou combinação está regulada pela habilidade ou a reputação de seus governadores ou por influência que lhes pode ser concedida pela confiança ou os temores do soberano... Deve-se notar também que nenhum princípio, seja geográfico, etnográfico ou político, parece ser determinado ao se adotar as fronteiras ou o tamanho das diversas divisões, cujo tamanho varia desde uma província maior que toda a Inglaterra a um povoado pequeno e decadente com seus arredores".

PROVÍNCIAS MAIORES OU DISTRITOS
Divisão Administrativa Capital
Adhirbáyján Tabríz
Khurásán e Sístán Mashhad
Teerã e Dependências Teerã
Fárs Shíráz
Isfáhán e Dependências Isfáhán
Kirmán e Belúchistán persa Kirmán
Arabistán Shushtar
Gílán e Tálish Rasht
Mázindarán Ámul
Yazd e Dependências Yazd
Litoral do Golfo Persa e Ilhas Búshihr

(De Lord Curzon "Persia and the Persian Question", Vol. 1, p. 437)

EMBAIXADORES BRITÂNICOS E RUSSOS PERANTE A CORTE PERSA

(1814-1855)
Sr. Morier e Sr. Ellis Novembro 1814
Sir Henry Willock Julho 1815
Sir John Macdonald Setembro 1826
Sir John Campbell Junho 1830
Sir Henry Ellis Novembro 1835
Sir John McNeill Agosto 1836
Sir Justin Sheil Agosto 1842
Coronel Farrant (interino) Outubro 1847

Sir Justin Sheil (reassumiu após licença) Novembro 1849

Sr. Taylor Thomson (interino) Fevereiro 1853
Hon. A. C. Murray Abril 1855
General Yermoloff Agosto 1817
M. Mazarowitch Abril 1819
M. Ambourger (interino) Janeiro 1823

M. Mazarowitch (reassumiu após licença) Julho 1824

M. Ambourger Setembro 1825
Príncipe Menschikoff Julho 1826
M. Grebayadoff 1828
Príncipe Dolgorouki 1831
Conde Simonich Fevereiro 1833
Conde Meden 1839
Príncipe Dolgorouki Janeiro 1846
M. Anitchkoff Setembro 1854

(Tirado de Clements R. Markham C. B., F. R. S. "A General Sketch of the History of Persia", Apêndice B. Longmans, Green and Co., London, 1874).

LISTA DE MESES DO CALENDÁRIO MAOMETANO
Muharram 30 dias
Safar 29 dias
Rabí'u'l-Avval 30 dias
Rabí'u'th-Thání 29 dias
Jamádiyu'l-Avval 30 dias
Jamádíy'th-Thání 29 dias
Rajab 30 dias
Shá'bán 29 dias
Ramadán 30 dias
Shavvál 29 dias
Dhi'l-Qa'dih 30 dias
Dhi'l-Hijjih 29-30 dias

Muharram 1, 1 D.H. Julho 16, 622 A.D. Sexta-feira

Muharram 1, 1260 D.H. Janeiro 22, 1844 A.D. Segunda-feira

Muharram 1, 1261 D.H. Janeiro 10, 1845 A.D. Sexta-feira

Muharram 1, 1262 D.H. Dezembro 30, 1845 A.D. Terça-feira

Muharram 1, 1263 D.H. Dezembro 20, 1846 A.D. Domingo

Muharram 1, 1264 D.H. Dezembro 9, 1847 A.D. Quinta-feira

Muharram 1, 1265 D.H. Novembro 27, 1848 A.D. Segunda-feira

Muharram 1, 1266 D.H. Novembro 17, 1849 A.D. Sábado

Muharram 1, 1267 D.H. Novembro 6, 1850 A.D. Quarta-feira

Muharram 1, 1268 D.H. Outubro 27, 1851 A.D. Segunda-feira

Muharram 1, 1269 D.H. Outubro 15, 1852 A.D. Sexta-feira

Muharram 1, 1270 D.H. Outubro 4, 1853 A.D. Terça-feira

(Tirado de Wüstenfeld-Mahler'sche Vergleichungs-Tabellen", Leipzig, 1926).

QUADRO DE REPRESENTAÇÃO FONÉTICA
á
kh
s
k
b
d
d
g
p
dh
t
l
t
r
z
m
th
z
'
n
j
zh
gh
v
ch
s
f
h
h
sh
q
y
th pronuncia-se como s
dh pronuncia-se como z
zh pronuncia-se como j (francês)
s pronuncia-se como s
d pronuncia-se como z
t pronuncia-se como t
z pronuncia-se como z
a pronuncia-se como "a" em acidente
á pronuncia-se como ah
i pronuncia-se como "e" em cesta
í pronuncia-se como i
u pronuncia-se como o
ú pronuncia-se como u
aw pronuncia-se como au

O "i" posto no final de um nome de uma cidade significa 'pertence a'; esta forma a palavra Shírazí quer dizer "nativo de Shíráz".

N.B. A escritura das palavras orientais e nomes próprios utilizados neste livro foram feitos de acordo com o sistema fonético estabelecido em um dos Congressos Internacionais de Estudos Orientais.

GLOSSÁRIO
'Abá: Capa ou manto.
Adhán: Chamada muçulmana à oração.
Akbar: "O Grande".

Amír: "Senhor", "príncipe", "comandante", "governador".

Aqá: "Mestre". Título dado por Bahá'u'lláh à 'Abdu'l-Bahá.

A'zam: "O Maior".

Báb: "Porta". Título assumido por Mirza 'Alí-Muhammad depois da declaração de Sua Missão em Shiráz em maio de 1844. A.D.

Bahá: "Glória", "Esplendor", "Luz". Título com que se designa Bahá'u'lláh (Mirza Husayn-Alí).

Baqíyyatu'lláh: "Remanescente de Deus". Título que se aplica tanto ao Báb como à Bahá'u'lláh.

Bayán: "Expressão", "Explicação". Título dado pelo Báb a Sua Revelação, em particular a Seus Livros.

Big: Título Honorário; inferior ao título de Khán.

Caravansarai: Uma pousada para caravanas.

D H: Depois da Hégira. Data da migração de Maomé de Meca a Medina, base da cronologia Maometana.

Dárúghih: "Contestável Maior".
Dawlih: "Estado", "Governo".
Farmán: "Ordem", "Mandato", "Decreto Real".
Farrásh: "Lacaio", "lictor", "assistente".
Farrásh-Báshí: O principal farrásh.

Farsang: Unidade de medida. Seu comprimento é diferente nas diversas partes do país de acordo com a natureza do terreno; a interpretação local do termo é a distância que uma mula com carga pode caminhar em uma hora, o que varia de três a quatro milhas. É um arabismo do persa antigo "parsang" e se supõe que deriva de pedaços de pedra (sang) postos à orla do caminho.

Hájí: Um maometano que tenha feito a peregrinação à Meca.

Howdah: Uma liteira levada por um cavalo, camelo, mula ou elefante para viagens.

Íl: "Clã".

Imán ou Imame: Título de doze sucessores Shí'ah de Maomé. Também se aplica aos dirigentes religiosos muçulmanos.

Imán-Jum'ih: O imame principal de uma cidade; chefe dos mullás.

Imán-Zádih: Descendente de um Imame, ou seu santuário.

Jubbíh: Um sobretudo.

Ka'bih: Antigo santuário em Meca. Atualmente se reconhece como o santuário mais sagrado do Islã.

Kad-Khudá: Chefe de um município ou paróquia em uma cidade.

Kalantar: "Alacaide".
Kalím: "Desertor".

Karbilá'í: Um maometano que tenha feito a peregrinação à Karbilá.

Khán: "Príncipe", "senhor", "chefe", "nobre".

Kuláh: Gorro persa de couro de cordeiro que é utilizado pelos empregados do governo e os civis.

Madrish: Colégio religioso.

Man-Yuzhiruhu'lláh: "Aquele a Quem Deus Manifesta". Título que o Báb deu ao Prometido.

Mashhadí: Um maometano que tenha feito peregrinação à Mashhád.

Masjid: Mesquita, templo, lugar de adoração.

Maydan: Uma subdivisão de um farsang. Uma quadra ou lugar aberto.

Mihdí: Título da Manifestação esperada pelo Islã.

Mihráb: Lugar principal de uma mesquita onde ora o imame com seu rosto voltado para Meca.

Mi'ráj: "Subida"; usa-se em referência à ascensão de Maomé ao céu.

Mirza: Contração de Amír-Zádih, que significa filho de Amír. Quando se coloca depois de um nome significa príncipe; se à frente, simplesmente senhor.

Mu'adhdhin: Aquele que proclama o adhán, a chamada muçulmana à oração. Muezim.

Mujtahid: Doutor maometano em leis. A maioria dos mujtahids da Pérsia tem recebido seus diplomas dos mais eminentes juristas de Karbilá e Najáf.

Mullá: Clérigo muçulmano.

Mustagháth: "Aquele a quem o invoca", cujo valor numérico tem sido assinalado pelo Báb como o limite de tempo fixado para o advento da prometida Manifestação.

Nabil: "Erudito", "nobre".

Naw-Rúz: "Novo Dia". Nome que se dá ao Ano Novo Bahá'í; de acordo com o calendário Persa, o dia em que o sol entra em Áries.

Nuqtih: "Ponto".

Pahlaván: "Atleta", "campeão". Termo que se aplica aos homens valentes e musculosos.

Qádí: Juiz: crivil, criminal e eclesiástico.

Qá'im: "Aquele que se levantará". Título que se designa o prometido do Islã.

Qalyán: Um cachimbo que se usa para fumar através da água.

Qiblih: A direção para a qual se voltam as pessoas quando oram; Meca, em especial é o Qiblih de todos os Maometanos.

Qurbán: "Sacrifício".

Sáhibu'z-Zamán: "Senhor da Era". Um dos títulos do Qá'im prometido.

Shahíd: "Mártir". O plural de mártir é "Shuhadá".

Shaykhu'l-Islán: Chefe de uma corte religiosa, que o Xá designa em cada grande cidade.

Siyyid: Descendente do Profeta Maomé.
Sura: Nome dos capítulos do Alcorão.
Tumán: Soma de dinheiro equivalente a um dólar.
Valí-Ahd: Herdeiro ao trono.
Zádih: "Filho".

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À Rua Francisco Manuel, 55 - CEP 20.911, Benfica, Rio de Janeiro, RJ

(1) "Ninguém se sentirá surpreendido ao saber", escreve Clement Huart, "que a nova seita se difundiu mais rapidamente em Khurásán que em qualquer outra parte. Khurásán tem sido singularmente afortunada pois sempre em oferecido um terreno muito propício para novas idéias. É desta província que saíram muitas revoluções que produziram mudanças fundamentais no Oriente Muçulmano. Basta recordar que foi em Khurásán que se originou a idéia da renovação persa depois da conquista dos árabes. Foi também ali que se organizou o exército que, sob as ordens de Abú-Muslim, colocou os Abasidas sobre o trono dos Califas ao derrotar a aristocracia de Meca que o havia ocupado desde o advento dos Umayyad". ("La Religion do Báb", pp. 18-19).

(2) Teerã.

(3) "Acredita-se", escreve o tenente-coronel P.M. Sukes, "que o décimo-segundo Imame nunca morreu, porém no ano 260 D.H. (1873 A.D.) desapareceu ocultando-se milagrosamente e que reaparecerá no Dia do Juízo na mesquita de Gawhar-Shád em Mashhad, para ser aclamado o Mihdí, o "Guia", e para reinar com justiça a terra." (A History of Pérsia", vol. 2, p. 45).

(4) Segundo Muhammad Mustafá (p. 108), Táhirih chegou a Karbilá no ano de 1263 D.H., visitou Kúfih e o distrito circunvizinho e estava ocupada na difusão dos ensinamentos do Báb. Ela compartilhou os escritos de Seu Mestre com as pessoas que conheceu, entre os que se encontrava Seu comentário sobre a Sura de Kawthar.

(5) "Foi entre a sua própria família que ela ouviu falar, pela primeira vez, da pregação do Báb em Shíráz e aprendeu o significado de suas doutrinas. Este conhecimento ainda que incompleto e imperfeito, lhe agradou plenamente; começou a ter correspondência com o Báb e logo aceitou todas as suas idéias. Não se conformou com uma simpatia passiva, mas, confessou abertamente a fé de Seu Mestre. Não só denunciou a poligamia como também o uso do véu e mostrou seu rosto descoberto em público com grande assombro e escândalo de sua família e de todo muçulmano sincero, porém com muitos aplausos de muitos concidadãos os quais compartilhavam seu entusiasmo e cujo número crescia como conseqüência de sua pregação. Seu tio, o doutor, seu pai um jurista e seu marido trataram por todos os meios que adotasse pelo menos uma conduta mais discreta e de maior reserva. Ela os repreendeu com argumentos inspirados por uma fé que não era capaz de plácida resignação". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 137-138).

(6) Segundo Samandar (manuscrito, p. 9), a razão principal da agitação da população de Karbilá e que os induziu a acusar Táhirih perante o governador de Bagdá foi sua audaz ação de não observar o aniversário do martírio de Husayn que se comemorava nos primeiros dias do mês de Muharram na casa do extinto Siyyid Kázim em Karbilá e celebrar em seu lugar o dia do nascimento do Báb, que caiu no primeiro dia do mesmo mês. Diz-se que pediu a sua irmã e parentes que largassem o luto e em seu lugar usassem vestidos alegres, desafiando abertamente os costumes e tradições do povo para essa ocasião.

(7) Segundo Muhammad Mustafá (pp. 108-9), Táhirih ia acompanhada pelos seguintes discípulos e companheiros quando chegou a Bagdá: Mullá Ibráhím-i-Mahallatí, Shaykh Salih-i-Karímí, Siyyid Ahmad-i-Yazdí (o pai de Siyyid Husayn, o amanuense do Báb). Siyyid Muhammad-i-Báyigání, Shaykh Sultáni-Karbilá'í, a mãe de Mullá Husayn e sua filha, a esposa de Mirza Hádíy-i-Nahrí e sua mãe. Segundo o "Kashfu'l-Ghitá" (p. 94) a mãe e irmã de Mullá Husayn encontravam-se entre as senhoras e discípulos que acompanharam Táhirih em sua viagem de Karbilá à Bagdá. Ao chegarem alojaram-se na casa de Shaykh Muhammad-ibn-i-Shiblu'l-'Araqí, depois do qual foram transladados, por ordem do governador de Bagdá, à casa de Mutfí, Siyyid Mahmúd-i-Álúsí, o renomado autor do célebre comentário intitulado "Rúhú'l-Ma'áni" à espera da chegada de novas instruções do Sultão em Constantinopla. O "Kashfu'l-Ghitá" acrescenta ainda (p. 96) que o "Rúhu'l-Ma'ání" relata haver encontrado referências a conversa que o Muftíuls teve com Táhirih a quem ele dirigiu, segundo se diz as seguintes palavras: "O Qurratu'l-Ayn! Juro por Deus que compartilho vossa crença. No entanto, sinto apreensão pelos sabres da família de "Uthmán". "Ela foi diretamente à casa de Muftí perante o qual defendeu sua crença e sua conduta com grande habilidade. A questão era se devia deixar de seguir com seus ensinamentos. Foi primeiro submetida ao Páshá de Bagdá e depois ao governo central, como conseqüência foi ordenada a sair do território turco. ("A Traveller's Narrative", Nota Q., pp. 214-215).

(8) Segundo Muhammad Mustafá (p. 111), as seguintes pessoas acompanharam a Táhirih desde Khániqín (na fronteira da Pérsia) até Kirmánsháh: Shaykh Sálih-i-Karímí, Shaykh Muhammad-i-Shibil, Shaykh Sultán-i-Karbila'í, Siyyid Ahmad-i-Yazdí, Siyyid Muhammad-i-Báyigáni, Siyyid Mushin-i-Kázimí, Mullá Ibráhím-i-Mahallátí e mais ou menos trinta crentes árabes. Permaneceram três dias na aldeia de Karand, onde Táhirih proclamou intrepidamente os ensinamentos do Báb e obteve muito êxito em despertar o interesse de toda a classe de pessoas na nova revelação. Mil e duzentas pessoas se ofereceram como voluntárias, segundo é dito, para segui-la e fazer o que ele lhes pedisse.

(9) Segundo Muhammad Mustafá (p. 112), foi recebida com entusiasmo quando chegou a Kirmánsháh. Príncipes, 'ulemás e oficiais do governo se apressaram em ir visitá-la e se mostraram profundamente impressionados por sua eloqüência, sua intrepidez, sua vasta erudição e a força de seu caráter. O comentário sobre a Sura de Kawthar que havia sido revelado pelo Báb foi lido em público e traduzido. A esposa do Amír, o governador de Kirmánsháh se achava entre as senhoras que conheceram a Táhirih e a ouviram expor os ensinamentos sagrados. O próprio Amír junto com sua família aceitaram a verdade da Causa e deram testemunho de sua admiração e afeto por Táhirih. Segundo Muhammad Mustafá (p. 116), Táhirih permaneceu dois dias na aldeia de Sahnih em seu caminho à Hamadán, onde foi homenageada com uma recepção não menos entusiasta que a que foi feita na aldeia de Karand. Os habitantes da aldeia imploraram que se lhes permitisse reunir os membros da sua comunidade e que se reunissem em conjunto com seus seguidores para a difusão e promoção da Causa. No entanto, ela lhes aconselhou que permanecessem, louvou e bendisse seus esforços e seguiu viagem a Hamadán.

(10) Segundo "Memorials of the Faithful" (p. 275), Táhirih permaneceu dois meses em Hamadán.

(11) Segundo Muhammad Mustafá (p. 117), entre os que haviam sido enviados desde Qazvín se encontravam os irmãos de Táhirih.

(12) Veja glossário.

(13) "Como podia uma mulher, na Pérsia, onde a mulher é considerada uma criatura tão débil e sobretudo em uma cidade como Qazvín, onde o clero possuía uma influência tão grande, onde os ulemás atraíam, por seu número e importância toda a atenção do governo e do povo, - como era possível que ali precisamente sob circunstâncias tão desfavoráveis, pudesse uma mulher organizar um grupo tão forte de hereges? Ali ocorre uma questão que desconcerta inclusive ao historiador persa Sipir, já que tal acontecimento não tinha precedentes!" (Journal Asiatique, 1866, tomo 7, p. 474).

(14) 13 de agosto - 12 de setembro de 1847 A. D.
(15) Veja glossário.
(16) Veja glossário.
(17) Veja glossário.
(18) Alcorão, 9:33.

(19) Segundo o "Kashfu'l-Ghitá" (p. 110), Mullá Já'far-i-Va'iz-i-Qazvín declarou que Mullá Husayn conheceu a Táhirih em Qazvín na casa de Áqá Hádí que provavelmente não é outro senão Muhammad Hádíy-i-Farhádí que foi encarregado por Bahá'u'lláh para levar Táhirih à Teerã. Diz-se que o encontro foi feito antes do assassinato de Mullá Táqí.

(20) 'Abdu'l-Bahá relata em "Memorials of the Faithful" (p. 306) as circunstâncias de uma visita feita por Vahíd a Táhirih enquanto esta se encontrava em casa de Bahá'u'lláh em Teerã. "Táhirih", escreve ele, "escutava detrás de uma cortina as palavras de Vahíd que falava com fervor e eloqüência sobre os sinais e versículos que atestavam o advento da nova Manifestação. Eu era então uma criança e estava sentado sobre seu colo enquanto ela seguia a exposição dos extraordinários testemunhos que fluíam incessantemente dos lábios deste homem erudito. Recordo-me muito bem, como ela, de súbito, o interrompeu e elevando sua voz declarou com veemência: 'Oh Yahyá! Deixe que as ações, e não as palavras , sejam um testemunho de vossa fé, se sois um homem de verdadeira erudição. Deixe as vãs repetições de tradições do passado por quanto é chegado o dia de serviços e ações decididas. Agora é o momento de mostrar os verdadeiros sinais de Deus, de rasgar os véus da vã fantasia, de promover a Palavra de Deus e de sacrificarmo-nos em Seu caminho. Deixe que as ações, não as palavras, sejam nosso adorno.' "

(21) Veja glossário.
(22) "Jardim do Paraíso".

(1) "O Senhor da Época!" Um dos títulos do Qá'im prometido.

(2) Alusão a seu próprio martírio.
(13) Veja glossário.
(4) Alusão a Quddús.

(5) Segundo o "Kashfu'l-Ghitá", Quddús e Táhirih haviam adotado uma decisão segundo a qual esta proclamaria publicamente o caráter independente da revelação do Báb e faria ênfases sobre as anulações das leis e regulamentos da Dispensação anterior. Por outro lado, Quddús devia opor-se a sua declaração e rechaçar com energia seus pontos de vista. Este acordo, eles fizeram, com o objetivo de mitigar os efeitos de uma proclamação tão desafiante e de tão vastas conseqüências e para prevenir os perigos que uma inovação tão surpreendente produziria, sem dúvida alguma (p. 212). Parece que Bahá'u'lláh adotou uma atitude neutra neste acordo pois quando ele terminasse Ele seria o promotor e a influência que controlava e dirigia esse episódio memorável em cada etapa de seu desenvolvimento.

(6) Porém o efeito foi assombroso. A assembléia parecia haver sido atingida por um raio. Alguns ocultavam seus rostos com as mãos, outros se prosternaram, enquanto uns outros cobriram suas cabeças com suas vestimentas para não ver o rosto de sua Alteza, A Pura! Se era um pecado grave olhar o rosto de uma mulher desconhecida que passasse, que crime não seria permitir que a vista pousasse sobre uma que era tão santa! A reunião terminou no meio de um tumulto indescritível. Os insultos choveram sobre aquela que consideravam haver se portado de forma indecente ao proceder desse jeito e aparecer com seu rosto descoberto. Alguns asseguravam que havia perdido a razão, outros que era sem-vergonha e alguns, muitos poucos, saíram em sua defesa". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 283-284).

(7) Filha de Maomé e esposa do Imame 'Alí.
(8) Veja Vol. I, p. 64.

(9) "Foi esta ação audaz de Qurratu'l-Ayn que estremeceu os cimentos de uma crença literal na doutrina islâmica entre os persas. Pode-se afirmar que os primeiros frutos dos ensinamentos de Qurratu'-l-Ayn não era outro senão o Heróico Quddús e que a eloqüente instrutora devia sua perspicácia, com certeza, a Bahá'u'lláh. Está claro que a suposição de que seu melhor amigo pudesse censurá-la é só uma deliciosa ironia". (Dr. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Religions" pp. 103-104).

(10) "Sugere-se que a verdadeira causa da convocação desta assembléia foi de ansiedade pelo Báb e o desejo de conduzi-lo a um lugar seguro. No entanto, o ponto de vista mais aceito - que o tema do concílio foi a relação entre os Bábís e a lei islâmica - é também mais provável". (Idem, pág. 80). "O objetivo da conferência era corrigir um mal entendido que se achava muito difundido. Muitos pensavam que o novo dirigente viria a cumprir, em um sentido mais literal, com a lei islâmica. Eles compreendiam, por certo, que Maomé tinha por objetivo trazer um reino universal de paz e justiça, porém pensavam que isto se devia levar a cabo caminhando por rios de sangue e com a ajuda dos juízes divinos. O Báb, por outro lado, movia-se,ainda que nem sempre em forma consistente, junto com alguns de seus discípulos, na direção da persuasão moral; sua única arma era "a espada do Espírito, que é a palavra de Deus". Ao surgir o Qá'im todas as coisas seriam renovadas. Porém o Qá'im estava a ponto de surgir e a única coisa que restava era se preparar para a sua vinda. Já não haveria mais distinções entre raças superiores e inferiores ou entre homens e mulheres. Já não seria o véu comprido e envolvente o emblema da inferioridade feminina. A mulher talentosa que se encontra entre nós tinha sua própria e característica solução ao problema... Diz-se em uma tradição que Qurratu'l-Ayn mesma asssistiu à reunião com véu posto. Se assim foi, não perdeu tempo em desfazer-se dele e proclamar (segundo dizem) com uma fervorosa exclamação. "Eu sou o toque do clarim, eu sou a chamada da trombeta", i.e., "como Gabriel, quero despertar almas adormecidas". Diz-se também, que este curto discurso da intrépida mulher foi seguido pela recitação, por parte de Bahá'u'lláh, da Sura da Ressurreição (75). Recitações desta natureza freqüentemente tem um efeito surpreendente. O significado íntimo disto era que a humanidade estava a ponto de entrar em novo ciclo cósmico, para o qual seriam indispensáveis um novo conjunto de leis e costumes". (Dr. T. K. Cheyne, "The Reconciliation of Races and Religions", pp. 101-103).

(11) Veja glossário.
(1) 3 de julho - 1o de agosto de 1848 A. D.

(2) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 18) o Báb permaneceu três meses na fortaleza de Chihríq antes de ser levado à Tabríz para ser examinado.

(3) "O Báb foi submetido a um confinamento mais limitado e rigoroso em Chihríq do que havia sido submetido em Máh-Kú. É por isto que costumava chamar àquela "A Fonte dos Castigos" (Jabal-i-Shadíd, sendo o valor numérico da palavra Shadíd - 318 - igual a da palavra Chihríq) e a esta última "A Montanha Aberta" (Jabal-i-Básit) ("A Traveller's Narrative", Nota L, p. 276).

(4) "Ali como em todas as partes as pessoas se apinhavam ao seu redor. M. Mochenin disse em suas memórias referentes ao Báb: 'No mês de junho de 1850 (Não é mais provável que tenha sido em 1849?) havendo ido a Chihríq por questões de trabalho, vi o Bálá Khánih de cujas alturas o Báb ensinava sua doutrina. A multidão de assistentes era tão grande que o pátio não era suficiente grande para que coubessem todos; a maioria deles permanecia nas ruas e escutava com religioso encanto os versículos do novo alcorão. Pouco depois o Báb foi transferido para Tabríz para ser condenado a morte". (Journal Asiatique, 1866, tomo 7, p. 371).

(5) Literalmente "Epístola das Letras".
(6) Um dos títulos do Báb.
(7) As ciências da adivinhação.
(8) Referência a Bahá'u'lláh. Veja glossário.
(9) Veja glossário.
(1) Alcorão, 29:2.
(2) O herdeiro ao trono.
(3) Literalmente significa "O Grande".

(4) Nascido em 17 de julho de 1831; começou a reinar em setembro de 1848; faleceu em 1896: "Este príncipe saiu de Teerã para regressar a seu governo em 23 de janeiro de 1848. Como seu pai faleceu em 4 de setembro, regressou para assumir o título de Sháh em 18 de setembro desse mesmo ano". (A. L. M. Nicolas - "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 243, nota 195).

(5) "A Traveller's Narrative", p. 19, menciona ainda o nome de Mirza Ahmad, o Imame Jum'ih.

(6) Alcorão 29:51.

(7) "Alguém fizera uma objeção a gramática ou sintaxe desses versos. Esta objeção é vã, porque as regras gramaticais devem ser deduzidas dos versículos e não os versículos escritos em cumprimento com as regras da gramática. Não tenho dúvida alguma que o Mestre destes versículos negou estas regras e negou inclusive que as usou alguma vez". (Le Bayán Persan", vol. 1, pp. 45-46).

(8) "E quanto aos relatos muçulmanos, aqueles que temos perante nós não levam a marca da verdade, parecem ser falsificações. Sabendo o que sabemos do Báb, é provável que ele teve melhor argumentação e que os doutores e funcionários que assistiram a reunião não estavam dispostos a admitir seu próprio fracasso". (Dr. T. K. Cheyne, "The Reconciliation of Races and Religions", p. 62).

"É difícil saber até que ponto pode-se dar crédito a mencionada narração (a versão muçulmana do exame do Báb em Tabríz). É provável que as perguntas que estão anotadas nelas - e certamente algumas são suficientemente frívolas e inclusive indecentes - foram perguntadas; porém ainda que o Báb possivelmente não pudesse respondê-las, é mais que provável que, como afirma o "Taríkh-i-Jadíd", guardou um digno silêncio e não fez as absurdas afirmações que lhe atribuem os escritores muçulmanos. Mas eles faziam danos a sua própria causa já que desejando provar que o Báb não possuía sabedoria sobre-humana, o apresentavam como exibindo uma ignorância que dificilmente podemos dar crédito. Que todo o exame foi uma farsa, que a sentença havia sido pronunciada de antemão, que não se fez nenhum esforço sério para compreender a natureza e provas das pretensões do Báb e de sua doutrina e que desde o princípio até o final se seguiu um curso sistemático de intimidação, ironia e burla, me parecem ser fatos que estão provados tanto pelos relatos maometanos como Bábís destes exames inquisitivos". ("A Traveller's Narrative", Nota M, p. 290).

(9) É o seguinte o relato do Dr. Cormick de suas impressões pessoais de Mirza Alí-Muhammad, o Báb, extraídas de cartas escritas por ele ao Rev. Benjamin Labaree D. D. (O Dr. Cormick era um médico inglês que havia residido longo tempo em Tabríz onde gozava de alta consideração. O documento foi comunicado ao professor E. G. Browne, da Universidade de Cambridge pelo Sr. W. A. Shedd que escreveu a respeito uma carta datada de 1o de março de 1911: "Estimado Professor Browne, estou revisando os papéis de meu pai (o extinto Rev. J. H. Shedd, D. D. da Missão Americana em Urúmíyyih, Pérsia, da mesma missão que o Dr. Benjamin Labaree), e encontrei algo que penso que pode ser de valor histórico. Não tenho livros aqui nem tampouco os tenho em lugar perto daqui para poder certificar-me se este fragmento de testemunha tem sido utilizado ou não. Penso que provavelmente não e estou seguro que não posso fazer nada melhor que enviá-los ao Senhor, com a esperança que os utilize como melhor lhe pareça. Da autenticidade dos documentos não pode haver dúvida".

"Você me solicita detalhes de minha entrevista com o fundador da seita conhecida como Bábís. Nada de importante sucedeu na entrevista já que o Báb se deu conta que eu havia sido enviado com dois médicos persas para ver se estava em seu juízo são ou se era só um louco, para decidir sobre a sua sentença de morte ou não. Sabendo isto se mostrou pertinaz a contestar qualquer pergunta que se lhe fazia. A todas as perguntas nossas só respondia com um suave olhar enquanto que em voz doce e melodiosa entoava, o que suponho terem sido, alguns hinos. Outros dois Siyyids seus amigos íntimos, também estavam presentes e posteriormente foram sentenciados a morte junto com ele, havia também dois oficiais do governo. Só em uma ocasião se dignou a responder-me quando lhe disse que não era muçulmano e tinha desejo de saber algo sobre sua religião já que podia sentir-me inclinado a aceitá-la. Olhou-me com muita atenção quando lhe disse isso e respondeu que não tinha dúvida alguma que todos os europeus aceitariam a sua religião. Nosso informe ao Sháh nesse instante foi no sentido de não tirar-lhe a vida. Algum tempo depois foi morto por ordem do Amír-Nizám Mirza Taqí Khán. Depois de nosso informe só o submeteram ao carrasco, que durante uma advertência, não sei se intencionalmente ou não, lhe deu um golpe no rosto com um pau destinado a seus pés, o que lhe produziu uma grande ferida e inchação na face. Ao lhe perguntarem se deviam trazer um cirurgião persa para tratá-lo, expressou o desejo que mandassem buscar a mim e em conseqüência o tratasse durante alguns dias, porém durante as entrevistas relacionadas a isso nunca pude chegar ao auge de ter uma conversa confidencial com ele, já que sempre se encontravam presentes funcionários do governo por ser ele um prisioneiro. Mostrou-se muito agradecido pela atenção que lhe dispensava. Era um homem muito suave, de aspecto delicado, de estatura baixa e extremamente ruivo para um persa, com voz suave e melodiosa que me chamou muito a atenção. Como era um Siyyid vestia a indumentária desta seita, como o faziam também seus dois companheiros. De resto, todo o seu aspecto e atitude o predispunham a seu favor. De sua doutrina não ouvi nada de seus próprios lábios mesmo percebendo que em sua religião havia certa similaridade com o cristianismo, e tão pouco existe a opressão à mulher que atualmente se observa". Em relação a este documento o Professor Browne escreveu o seguinte: "O primeiro destes dois documentos é muito valioso já que dá a impressão pessoal produzida pelo Báb durante seu período de encarceramento e sofrimento, sobre uma mente ocidental culta e imparcial. Muito poucos cristãos ocidentais devem ter tido a oportunidade de ver e ao menos conversar com o Báb e não sei de nenhum outro que tenha deixado escrito suas impressões". (E. G. Browne "Materials for the Study of The Bábí Religion", pp. 260-262, 264).

(10) Háshim era o bisavô de Maomé.
(11) Literalmente "Sermão da Ira".
(1) Veja página 96.
(2) Literalmente "Ilha Verde".
(3) Veja glossário.
(4) 21 de julho de 1848 A. D.

(5) Portador da Epístola de Bahá'u'lláh à Nássirí'd-Dín Sháh.

(6) "Ele (Mullá Husayn) chegou primeiramente a Míyamay onde se reuniu com trinta Bábís cujo chefe, Mirza Saynu'l-Ábidín, aluno do extinto Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í, era um cavalheiro de idade, piedoso e respeitado. Seu cuidado era tão grande que levou consigo a seu genro, um jovem de dezoito anos que havia casado com sua filha fazia poucos dias. 'Vem', lhe disse, 'vem comigo em minha última viagem. Vem, porque devo ser um pai verdadeiro para ti e fazer-te compartilhar a alegria da salvação verdadeira!" Partiram portanto e o ancião quis fazer a pé a viagem que o devia levar ao martírio." (A. L. M. Nicolas "Siyyid Alí Mamad dit le Báb", p. 290).

(7) 31 de agosto - 29 de setembro de 1848 A. D.

(8) Muhammad Sháh faleceu na véspera de seis de Shavvál (4 de setembro de 1848 A. D.). Após o intervalo de aproximadamente dois meses, se organizou um governo provisório de quatro administradores sob a presidência da viúva do falecido Sháh. Finalmente, depois de muitas vacilações, permitiu-se ao herdeiro legal, o jovem Príncipe Násiri'd-Dín Mirza governador de Ádhirbáiján, ascender ao trono". (Journal Asiatique, 1866, Tomo 7, p. 367).

(9) "O ministro (Mirza Taqí Khán), procedendo com a maior arbitrariedade, sem receber instruções nem solicitar autorização, enviou ordens a todas as partes para que se castigasse e aplicasse penas aos Bábís. Os governadores e magistrados encontraram pretextos para juntar fortunas e os funcionários médios para aumentar suas ganâncias; célebres doutores excitavam os homens desde o alto de seus púlpitos para que iniciassem um ataque geral; os poderes da lei religiosa e civil se juntaram e se esforçaram para erradicar e destruir a esta gente. Entretanto, esta gente não havia obtido ainda um conhecimento adequado e necessário dos princípios fundamentais e doutrinas ocultas dos ensinamentos do Báb e não compreenderam seus deveres. Seus conceitos e idéias se ajustavam às normas de antes e sua conduta e comportamento à forma antiga. As vias de acesso ao Báb estavam por demais fechadas e a chama da discórdia ardia visivelmente em todas as partes. Por ordem dos mais célebres doutores, o governo, e mais ainda o povo inauguraram com irresistível poder uma onda de roubos e saques e estavam ocupados em castigar e torturar, em matar e destruir para que pudessem extinguir esta chama e debilitar estas pobres almas. Em cidades onde eram poucos numerosos, todos com as mãos amarradas, serviram de alimento para as espadas, enquanto que em cidades onde eram mais numerosos se levantaram em defesa própria de acordo com as antigas crenças já que lhes era impossível perguntar qual era seu dever e todas as portas estavam fechadas." ("A Traveller's Narrative", p. 34-5).

(10) Veja glossário.

(11) "A bala feriu a Siyyid Ridá em seu peito e o matou instantaneamente. Era um homem de costumes simples, de convicções profundas e sinceras. Devido ao respeito que sentia por seu amo sempre o seguia a pé ao lado de seu cavalo, isto para servi-lo a todo o instante. (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 294).

(12) "Ninguém deve ser morto por ser infiel, porque dar a morte a uma alma não forma parte da religião de Deus...; e se alguém o ordena, não é nem nunca terá sido do Bayán e não pode haver pecado mais grave que este para Ele". ("O Bayán" veja "Journal of the Royal Asiatic Society", outubro 1889, art. 12, pp. 927-8).

(13) "Porém a dor e a ira redobraram a força de Mullá Husayn que de um só golpe com sua arma partiu em dois o fuzil, o homem e a árvore". (Mirza Jání acrescenta que o Bushrú'í utilizou sua mão esquerda nesta ocasião. Os próprios muçulmanos não duvidam da autenticidade deste relato). (A. L. M. Nicolas "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 295 e Nota 215). "Então Jináb-i-Babul'l- Báb se voltou dizendo: "Agora eles sabem que é nosso dever defendermo-nos, empunhou seu sabre e mostrando aquiescência no que Deus havia ordenado em Sua providência, começou a defender-se. Apesar de seu físico delgado e frágil e sua mão trêmula, mostrou tal valor e audácia neste dia que quem quer que tivesse olhos para discernir a verdade podia ver claramente que tal força e valor só poderia vir de Deus já que se encontravam além de toda a capacidade humana... Então vi Mullá Husayn desembainhar seu sabre e levantar seu rosto para o céu e o ouvi exclamar: "Oh! Deus, completei a prova para esta hoste, porém de nada tem servido". Então nos incentivou a atacar a direita e a esquerda. Juro por Deus que neste dia manejou seu sabre de tal forma que transcendia o poder humano. Só a cavalaria de Mázindarán se manteve firme e recusou fugir. E quando Mullá Husayn encontrava-se em pleno fragor da batalha, perseguiu um soldado que fugia. O soldado se escondeu atrás de uma árvore e tratou de proteger-se com seu fuzil. Mullá Husayn aplicou um golpe tão forte com seu sabre que o partiu a ele, a árvore e ao fuzil em seis pedaços". (O "Tárikh-i-Jadíd", pp. 49, 107-8).

(14) 1848-9 A. D.

(15) Mirza Taqí Khán l'timadu'd-Dawlih, Grão-vizir e sucessor de Hájí Mirza Aqásí. Faz-se a seguinte referência a ele em "A Traveller's Narrative" (p. 32-3): "Mirza Táqí Khán Amír-Nizám, que era primeiro ministro e regente principal, colheu no punho de seu despótico poder as rédeas dos assuntos da comunidade e esporeou o corcel da sua ambição na arena do capricho e possessão exclusiva. Este ministro era uma pessoa sem experiência e que carecia de consideração pelas conseqüências da ação; sedento de sangue e desavergonhado; estava sempre pronto e rápido no derramamento de sangue. Considerava que os castigos duros eram sinais de uma administração sábia e que a exortação severa, o sofrimento, a intimidação e o assustar as pessoas era um adiantamento para a monarquia. E como sua Majestade, o Rei, era muito jovem ainda, o ministro incutiu-lhe idéias estranhas e fez repicar o tambor do absolutismo na administração; por sua própria decisão, sem buscar a autorização da Presença Real ou de obter conselho de estadistas prudentes, deu ordem que se perseguissem os Bábís, imaginando que fazendo uso da força arrogante podia erradicar ou suprimir questões desta natureza e que a severidade traria bons frutos; enquanto que o interferir com questões de consciência simplesmente as difunde mais e lhes dá maior força; enquanto mais se tenta extingui-las, mais intensamente arde a chama, sobretudo em questões de fé e religião que se difundem e adquirem influência enquanto se derrama sangue e afeta profundamente o coração dos homens".

(16) Veja glossário.
(17) Alcorão 9:52.

(18) "O Bábu'l- Báb", diz nosso autor, "desejava cumprir com um desejo religioso e, ao mesmo tempo dar um exemplo da firme convicção dos crentes, do seu desprezo pela vida, e mostrar ao mundo a impiedade e irreligiosidade dos assim chamados muçulmanos, para isso deu ordens a um de seus seguidores que subisse ao terraço e entoasse o adhán". (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Ali-Muhammad dit le Báb", pp. 296-296). "Foi em Marand", escreve Lady Shell, "que ouvi pela primeira vez o adhán, ou chamada muçulmana à oração, que é tão solene e impressionante, especialmente quando se entoa bem já que é, em verdade, um cântico. Ele se voltou para Meca e pondo suas mãos abertas em sua cabeça, proclamou com voz forte e sonora: "Alláh-u-Akbar", que repetiu quatro vezes; depois, Ashhad-u-inna-Muhammadan-Rasu'lláh" - (Sou testemunha que Maomé é o Profeta de Deus) - duas vezes; logo "Sou testemunha que 'Alí, o Comandante dos Fiéis, é o amigo de Deus"... O toque solitário de defuntos para o transporte dos mortos à sua última morada terrena, desperta, possivelmente por associação, idéias de profunda solenidade; também o faz a trombeta que ressoa através do acampamento quanto acompanha o dragão a sua sepultura... O adhán produz outra impressão. Cria na mente sentimentos combinados de dignidade, solenidade e devoção, comparados com os quais o ruído das campainhas se tornam insignificantes. É importante escutar no silêncio da noite os primeiros tons da voz do Mu'ahdhir proclamando "Alláh-u-Akbar - Poderoso é o Senhor - sou testemunha que não há outro Deus senão Deus!" São Pedro e São Paulo juntos não podem produzir nada que se O iguale! ("Glimpses of Life and Manners in Persia", pp. 84-85).

(19) "Sa'idu'l-Ulamá desejando acabar a qualquer custo, reuniu quantas pessoas pôde e atacou novamente a parte anterior do caravançarai. A luta já durava cinco ou seis dias quando apareceu "Abbás Qulí Khán Sardár-i-Lárijání". Enquanto, e desde que haviam iniciado as hostilidades, os Ulemás de Bárfurúsh exasperados pelas numerosas conversões que Kuddús havia feito na cidade (trezentas em uma semana, segundo admitem com reticência os muçulmanos), haviam levado o assunto perante o governador da província. Príncipe Khánlar Mirza. No entanto ele não prestou atenção as suas queixas porquanto tinha muitas outras preocupações. A morte de Muhammad Sháh o preocupava muito mais que as disputas dos Mullás e fez preparativos para ir à Teerã para render homenagem ao novo rei, cujos favores esperava granjear. Como fracassaram nesta tentativa e devido a pressão dos acontecimentos, os Ulemás escreveram uma carta urgente ao chefe militar da província, 'Abbas'-Qulí Khán-i-Lárijání. Este último não achou necessário preocupar-se, e enviou Muhammad Big Yávar (capitão), à frente de trezentos homens, para restabelecer a ordem. E foi assim que os muçulmanos começaram a atacar o caravançarai. A luta começou, porém se dez Bábís eram mortos, um número infinitamente superior dos agressores caia por terra. Como a situação se prolongava 'Abbás Qulí Khán sentiu que devia ir pessoalmente para avaliar a situação." (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí Muhammad dit le Báb", pp. 296-7).

(20) Gobineau o descreve nos seguintes termos: "Os nômades turcos e persas passam a vida caçando e às vezes lutando, e, freqüentemente falam da caça e da guerra. Não são tão valentes e foram bem descritos por Branttóme o qual, em sua experiência das guerras da sua época, encontrou aquela forma de valor que ele chamou de "coragem por um dia". Porém isto é o que são em forma muito regular e conseqüentemente, grandes faladores, grandes destruidores de cidades, grandes assassinos de heróis, grandes exterminadores de multidões, em outras palavras, ingênuos, muito abertos na expressão de seus sentimentos, muito violentos ao reagir a qualquer coisa que os provoque e muito divertidos. 'Abbás Qulí Khán-i-Lárijání, embora tenha nascido em boa família, era um tipo perfeito de nômade". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 171).

(21) Um renomado indolente que freqüentemente rebelava-se contra o governo.

(22) 10 de outubro de 1848 A. D.
(23) Alcorão 17:7.
(24) Veja glossário.

(25) Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 36) foi Mirza Lutf-'Alí, o secretário, quem desembainhou sua faca e apunhalou Khusraw.

(26) Veja glossário.

(27) "Então, virando-se para seus companheiros, disse: "Durante estes poucos dias de vida que nos restam, evitemos ficar divididos por riquezas passageiras. Que todos procurem um objetivo comum e participem de seus benefícios". Os Bábís consentiram com alegria e esse maravilhoso espírito de auto-sacrifício fez com que seus inimigos dissessem que eram partidários da propriedade coletiva dos bens terrenos e inclusive das mulheres!". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí Muhammad dit le Báb", p. 299).

(28) Veja glossário.

(29) Santuário de Shaykh Ahmad-i-Ábí-Tabarsí, situado mais ou menos a quatorze milhas à sudeste de Bárfurúsh. O Professor Browne da Universidade de Cambridge visitou o lugar em 26 de setembro de 1888 e viu o nome do santo ali sepultado escrito em uma placa na forma de palavras usadas para sua "visitação", a placa estava suspensa na grade que rodeia a tumba. "Na atualidade", disse ele, "consiste em uma área verde, plana, cercada por estacas e que além do edifício do santuário e outro situado na entrada (oposto a este, porém por fora do recinto, encontra-se a casa do mutavallí, o cuidador do santuário) não contém outra coisa senão três laranjeiras e alguns sepulcros toscos cobertos com pedras planas, no último lugar de repouso, possivelmente, de alguns defensores Bábís. O prédio situado na entrada tem dois pisos, é atravessado por um corredor que dá acesso ao recinto e está fechado com telhas. Os prédios do santuário que se encontram no extremo oposto do cercado, são um pouco menores. Sua maior dimensão (mais ou menos vinte passos) vai de este à oeste; sua largura é de mais ou menos dez passos e, além do pórtico coberto situado na entrada, contém dois quartos escassamente iluminados por uma grade de madeira sobre as portas. A tumba do Shaykh que dá o nome ao lugar, está rodeada por uma varanda de madeira e está situada no centro do quarto interno pelo qual se entra através de uma porta que se comunica com o quarto externo ou por outra porta que se abre externamente ao recinto cercado". (E. G. Browne, "A Year amongst the Persians", p. 565).

(30) 12 de outubro de 1848 A. D.
(31) Veja glossário.
(32) 3 de julho - 1o de agosto de 1848 A. D.
(33) 24 de abril - 23 de maio de 1849 A. D.
(34) Literalmente "Remanescente de Deus".
(35) Alcorão 11:85.
(36) Veja glossário.
(37) 27 de novembro de 1848 A. D.

(38) Referência ao ano de 1820 D. H. (1863-4 A. D.) em que Bahá'u'lláh declarou sua Missão em Bagdá.

(39) A reunião de trezentos e treze defensores eleitos pelo Imame de Táliqán de Khurásán é um dos sinais que deve necessariamente anunciar o advento do Qá'im prometido. (E. G. Browne, "A History of Persian Literature in Modern Times". A. D. 1500-1924, p. 399).

(40) Entre eles encontrava-se também Ridá Khán, filho de Muhammad Khán, o Turkomán, Chefe da Cavalaria do extinto Monarca Muhammad Sháh. Era um jovem agraciado, de rosto formoso e que estava dotado de toda classe de talentos e virtudes, digno, sóbrio, gentil, generoso, valente e varonil. Por amor e serviço a Sua Santidade Suprema abandonou tanto o seu posto como o seu salário, fechou os olhos tanto à posição como ao nome, fama, e vergonha, a reprovação dos amigos e as zombarias dos inimigos. Com um só passo deixou para trás dignidade, riqueza, posição e todo poder e consideração de que gozava, gastou grandes somas de dinheiro (pelo menos quatro a cinco mil tumanes) na Causa de Sua Santidade Suprema, chegou a aldeia de Khánliq perto de Teerã e, com o objetivo de por à prova a fidelidade de Seus seguidores disse: "Se só houvessem alguns cavaleiros armados que me livrassem das correntes dos malvados e de suas artimanhas não seria mal". Ao ouvir estas palavras, vários cavaleiros armados ágeis e com experiência, com todo seu equipamento se ofereceram de imediato para partir e renunciando a tudo quanto tinham, se dirigiram rapidamente para apresentar-se ante Sua Santidade. Entre estes se encontrava Mirza Qurbán-'Alí de Astarábád e Ridá Khán. Quando se apresentaram ante Sua majestade, Ele sorriu e disse: "A montanha de Adhirbáyján também Me exige" e lhes pediu que regressassem. Depois de seu regresso, Ridá Khán se dedicou ao serviço dos amigos de Deus e sua casa foi freqüentemente lugar de reuniões dos crentes, entre estes tanto Jináb-i-Quddús e Jináb-i-Babul'- Báb foram por um tempo, seus convidados de honra. Por certo se despreocupou completamente de si mesmo e nunca se acanhou no serviço à nenhum deles desse círculo senão que apesar de seu alto posto, lutou com todo seu coração e alma por promover os objetivos dos servos de Deus. Por exemplo, quando Jináb-i-Quddús começou a pregar a doutrina em Mázindarán e o Sa'idu'l-'Ulamá, ao saber dele, fez grandes esforços para causar-lhe dano, Ridá Khán se apressou em ir imediatamente à Mázindarán e cada vez que Jináb-i-Quddús saia de sua casa, apesar de seu alto posto e o respeito a que estava acostumado, somente caminhava diante dele com seu sabre desembainhado sobre o ombro; ao ver isto os malfeitores temiam tomar alguma liberdade... Durante algum tempo, Ridá Khán agiu desta forma em Mázindarán até que acompanhou a Jináb-i-Quddús a Mashhád. Quando de lá regressou esteve presente durante as dificuldades em Badasht onde prestou serviços muito valiosos e recebeu a incumbência de levar a efeito encargos de maior importância e delicadeza. Depois do término da reunião de Badasht caiu enfermo e, em companhia de Mirza Sulayman-Qulí de Núr (um filho do extinto Shátir-báshí que também era conspícuo por suas virtudes, sua erudição e devoção), veio também à Teerã. A enfermidade de Ridá Khán durou algum tempo e quando se restabeleceu, o assédio ao castelo de Tabarsí já havia se tornado muito sério. Imediatamente decidiu partir em ajuda a guarnição. No entanto, como era uma pessoa destacada e muito conhecida, não podia deixar a capital sem dar uma razão plausível. Por este motivo simulou arrepender-se da sua conduta passada e pediu que o enviassem a participar da guerra em Mázindarán, e desta forma se redimir por sua conduta anterior. O rei acreditou em sua petição e o designou para acompanhar os reforços que sob as ordens do Príncipe Mihdi-Qulí Mirza se dirigiam contra o castelo. Durante a marcha àquele lugar dizia continuamente ao Príncipe "farei isto", e "farei aquilo"; deste modo o Príncipe começou a alimentar grandes esperanças nele e lhe prometeu um cargo que estivesse de acordo com seus serviços já que até o dia em que era inevitável ordenar a batalha e a paz já não era possível, sempre estava em primeiro lugar no exército e se mostrou muito competente para comandar. Porém durante o primeiro dia da batalha começou galopar em seu cavalo e a praticar outros exercícios militares até que, sem haver despertado suspeitas, repentinamente soltou as rédeas e se reuniu com os Irmãos de Pureza. Ao chegar entre eles, beijou os pés de Jináb-i-Quddús e se prostou ante ele com gratidão. Então voltou uma vez mais ao campo de batalha e começou a vilipendiar e maldizer o príncipe, dizendo: "Quem é suficientemente homem para pisotear a pompa e a vaidade do mundo, livrar-se dos laços dos desejos carnais e unir-se como faço eu, com os santos de Deus? De minha parte, só estarei satisfeito quando minha cabeça tiver caído no pó e sangue nesta planície". Então, como um leão encolerizado arrojou-se sobre eles com a espada desembainhada e se comportou tão virilmente que todos os oficiais reais se mostraram assombrados dizendo: "Valentia igual a esta deve ter sido concedida recentemente do alto dos céus ou então um novo espírito foi infundido em seu corpo". Em mais de uma ocasião abateu um fuzileiro no momento de descarregar seu fuzil e tantos oficiais principais do exército real caíram por suas mãos que o príncipe e os demais oficiais do poder ansiavam mais vingar-se nele que em qualquer outro Bábí. Na véspera do dia fixado para que Jináb-i-Quddús se rendesse, Ridá Khán sabendo que devido ao grande ódio que nutriam por ele lhe dariam uma morte com torturas cruéis, foi durante a noite à casa de um oficial do acampamento que era um velho e fiel amigo. Depois do massacre dos demais Bábís foi iniciada uma busca para encontrar Ridá Khán e finalmente foi descoberto. O oficial que o havia dado proteção propôs que se pedisse um resgate de dois mil tumanes em dinheiro, porém sua proposição foi rechaçada e mesmo quando ofereceu aumentar esta soma e tratou por todos os meios de salvar seu amigo, de nada adiantou porque o príncipe devido ao grande ódio que sentia por Ridá Khán ordenou que o despedaçassem". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 96-101).

(41) Segundo as descrições, a fortaleza construída por Mullá Husayn logo se transformou em um prédio muito forte. Suas muralhas, feitas de grandes pedras chegavam a altura de dez metros. Sobre esta base edificaram uma construção feita de enormes troncos de árvores nos quais abriram certos números de frestas. Então rodearam-na por todos os lados com um fosso profundo. De fato era como uma grande torre que tinha por base pedras, enquanto que os pisos superiores eram de madeira e tinham três fileiras de frestas onde podiam colocar quantos tufang-chís (espingardas) quisessem, ou melhor, tivessem. Fizeram numerosas aberturas com portas e portões para assim facilitar a entrada e saída. "Escavaram poços para assim assegurar abundância de água e passagens subterrâneas para refúgio em caso de necessidade; construíram depósitos que foram abarrotados com todo o tipo de provisões, seja comprada ou recolhida nas aldeias vizinhas. Finalmente puseram como guardas os Bábís mais enérgicos, os mais devotados e os mais dignos de confiança entre eles". (Conde de Gobineau. "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 156).

(42) "E assim, ávido pela manutenção da ordem, o Amir Nizám despachou rapidamente a questão de Mázindarán. Quando os dirigentes desta província vieram à Teerã para render tributos ao rei, receberam ordens, no momento de partir, que tomassem as medidas necessárias para por fim a rebelião dos Bábís. Prometeram esforçar-se ao máximo e de fato, enquanto regressavam, os chefes reuniram suas forças e se juntaram para deliberação. Escreveram à seus parentes para que viessem unir-se a eles. Hájí Mustafá Khán chamou seu irmão Abdu'lláh 'Abbás-Qulí Khán-i-Larijaní mandou buscar a Muhammad-Sultan e a 'Alí Khán de Savád-Kúh. Todas estas celebridades decidiram atacar os Bábís em sua fortaleza antes que eles, por sua conta, pudessem pôr-se na defensiva. Os oficiais reais ao ver que os dirigentes do país estavam tão dispostos, convocaram um grande conselho o qual se apressaram em comparecer os senhores já citados e também Mirza Áqá Mustawfí de Mázindarán, superintendente de assuntos financeiros, o chefe dos 'Ulemás e muitas outras personalidades de alta posição." (Idem, pp. 160-161).

(43) Veja glossário.

(44) "De sua parte, o superintendente de finanças organizou tropas entre os Afegãos residentes em Sárí e a eles agregou certo número de homens procedentes das tribos turcas sob suas ordens. 'Alí A Báb, a aldeia tão severamente castigada por causa dos Bábís, que aspirava a vingança deles, subjulgou-se o que pode e foi reforçada por um grupo de homens de Qádí que estavam na vizinhança e estavam dispostos a alistarem-se". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 161).

(45) 1o de dezembro de 1848 A. D.
(46) Veja glossário.

(47) O Amír-Nizám encolerizou-se ao saber das notícias do que havia acontecido. A descrição dos terrores despertou a sua indignação. Estava demasiado longe da cena de ação para avaliar o desenfreado entusiasmo dos rebeldes; assim a única conclusão que podia tirar era de que os Bábís tinham que ser liquidados antes de que a sua coragem pudesse ser mais estimulada por vitórias reais. O príncipe Mihdí-Qulí Mirza, designado tenente do Rei na província ameaçada, partiu investido de poderes extraordinários. Fora instruído para fazer uma lista dos homens que haviam morrido no ataque a fortaleza Bábí e no saque de Ferra, e pensões foram prometidas aos sobreviventes.

Hájí Mustafá Khán irmão de 'Abdu'lláh recebeu substanciais provas do favor real. Em resumo, todo o possível foi feito para restaurar a coragem e a confiança dos muçulmanos." (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale," pp. 164-165).

(48) "Deixaram Mihdí-Qulí Mirza fugindo de seu lugar em chamas e vagando só pelo campo, em meio a neve e a obscuridade.

"Até o amanhecer encontrava-se em um caminho desconhecido entre as montanhas, perdido em uma parte agreste do país, porém na realidade não muito longe da batalha onde tantos haviam sido mortos. O vento trouxe a seus ouvidos o som das descargas dos mosquetões.

"Nesta situação lamentável, completamente aniquilado, foi encontrado por um Mázindarán que montava em um bom cavalo e que o reconheceu. Este homem apeou de seu cavalo, colocou o príncipe em sua cela e ofereceu-se para servir-lhe como guia. Levou-o à choça de um aldeão, o acomodou no alpendre (na Pérsia não se considera que este local deva ser olhado com desprezo) e enquanto o príncipe dormia e comia, o mázindarán montou em seu cavalo e percorrendo os arredores deu as boas novas de que o príncipe estava a salvo e bem de saúde. E desta forma conduziu até ele todos os seus homens, ou pelo menos um número respeitável deles, um grupo atrás do outro.

"Se Mihdá-Qulí Mirza houvera sido um desses espíritos orgulhosos difíceis de quebrantar pelos revezes, houvera considerado que sua posição havia mudado pouco pelas calamidades da véspera; pôde acreditar que seus homens foram tomados por uma ação surpreendentemente desafortunada; então, com o que restava de suas forças poderia haver salvado as aparências e defendido seu terreno porque de fato os Bábís haviam se retirado e não eram vistos mais por nenhum lado. Porém o Sháhzádíh, longe de orgulhar-se de tal firmeza, era de caráter débil e quando se viu rodeado de tão boa escolta, deixou o alpendre e se apressou em ir a aldeia de Qádí-Kalá de onde se dirigiu à Sárí com grande pressa. Esta conduta fortaleceu em toda a província a impressão causada pela derrota de Vás-Kas. Sobreveio o pânico, as cidades abertas acreditaram que estavam expostas a todos os perigos e apesar do rigor da estação, via-se caravanas de civis sob grandes dificuldades, levando suas mulheres e crianças ao deserto de Damávand para salvá-los dos miseráveis perigos que a cautelosa conduta de Sháhzádih parecia pressagiar. Quando os asiáticos perdem a cabeça o fazem completamente". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 169-170).

(49) "Em poucos minutos seu exército, já em estado de completa confusão foi dispersado pelos trezentos homens de Mullá Husayn! Não era esta a espada do Senhor e de Gedeão?" (Idem, pp. 167).

(50) Segundo Gobineau (p. 167), eles eram Sultán Husayn Mirza, filho de Fath-'Alí Sháh e Dawíd Mirza, filho de Zillús-Sultán, tio do Sháh. A. L. M. Nicolas, em sua obra "Siyyid Alí Muhammad dit le Báb", (p. 308), acrescenta Mustawfí Mirza 'Abdu'l-Baqí.

(51) Veja glossário.
(52) 21 de dezembro de 1848 A. D.

(53) "Oh Shaykh! Acontecimentos como os que olhos alguns jamais viram têm sucedido a este injuriado. Feliz e com a maior resignação tenho aceitado sofrer, para que assim sejam iluminadas as almas dos homens e o Verbo de Deus seja restabelecido. Quando estivemos encarcerados na terra de Mím (Mázindarán) nos entregaram certo dia às mãos dos 'Ulemás. O que sucedeu depois bem o podeis imaginar". ("A Epístola ao Filho do Lobo").

(54) Literalmente "Casa de Oração".

(55) Literalmente "Fossa Negra", a masmorra subterrânea em que foi encarcerado Bahá'u'lláh.

(1) "E assim como, perplexo e sem saber para que lado virar-se, o Sháhzádih, pobre homem, deu ordens de reunir novos soldados e formar um novo exército. A população não ansiava servir a um chefe cujos méritos e intrepidez não haviam suportado brilhantemente a prova. No entanto, com a ajuda de dinheiro e promessas, sobretudo os Mullás que não perdiam de vista seus próprios interesses e que seriam os mais prejudicados, mostraram tal zelo que finalmente se reuniu um número apreciável de tufang-chís. Por outro lado os soldados da cavalaria das diversas tribos montaram em seus cavalos enquanto seus chefes montaram nos seus sem perguntar sequer por quê. "Abbás-Qulí-Khán-i-Láríjání obedeceu sem vacilar a ordem de enviar novos recrutas. Entretanto, esta vez, seja porque desconfiava de um príncipe cuja ineptidão pudesse pôr em perigo a vida de seus parentes e súditos ou porque ambicionava lograr distinção para si, não deu à ninguém o comando de suas forças. As dirigiu ele mesmo com um golpe de audácia e em lugar de se juntar ao exército real, atacou diretamente aos Bábís em seu refúgio. Só então notificou ao príncipe de que havia chegado ao forte de Shaykh Tabarsí e que o havia sitiado. Além disso fê-lo saber que não necessitava de ajuda nem de reforços e que seus efetivos eram mais que suficientes e que se sua alteza real desejava ver como ele, 'Abbás-Qulí-Khán-i-Láríjání, estava à ponto de tratar os rebeldes, seria uma honra e motivo de agrado". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 170-171).

(2) "Mihdí-Qulí Mirza não podia fazer-se passar por guerreiro valente como já vimos, porém em lugar de uma intrepidez excessiva tinha outra qualidade muito útil para um general: não levava a sério as zombarias dos seus subalternos. Por esta razão, temendo que pudesse acontecer algum dano ao nômade imprudente, enviou-lhe reforços imediatos. E foi assim que partiram com muita pressa Muhsin Khán-i-Súrití com sua cavalaria, um destacamento afegão, Muhammad-Kharím Khán-i-Ashráfí com alguns dos tufang-chís do povo e Khalil Khán de Savád-Kúh com os homens de Qádí-Kalá". (Idem, p. 171).

(3) 1o de fevereiro de 1849 A. D.
(4) Veja glossário.

(5) "Mesmo quando estava gravemente ferido, o chefe Bábí seguiu dando ordens, dirigindo e estimulando seus homens até que, ao ver que não se podia alcançar mais nada deu sinal de retirada, permanecendo ele mesmo na retaguarda". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 174).

(6) "Seus restos mortais (de Mullá Husayn) descansam ainda no pequeno quarto no interior do santuário de Shaykh Tabarsí onde foram sepultados com reverência pelas mãos de seus dolentes camaradas, sob a direção de Mullá Muhammad-'Alí Bárfurúshí em princípios do ano de 1849 A. D. ("A Traveller's Narrative". Nota F, p. 245).

(7) 10 de outubro de 1848 A. D.
(8) 2 de fevereiro de 1849 A. D.
(9) 10 de outubro de 1848 A. D.
(10) 1o de dezembro de 1848 A. D.
(11) 21 de dezembro de 1848 A. D.

(12) "Entre eles encontrava-se Mullá Husayn, que havia recebido a glória resplandecente do Sol da Revelação. Se não houvesse sido por ele Deus não haveria se estabelecido sobre a sede de Sua mercê nem haveria ascendido ao trono de eterna glória". (O "Kitáb-i-Iqán", p. 162 - 1a edição portuguesa). Veja nota 6. "De contextura frágil, porém um soldado intrépido e apaixonado amante de Deus, combinava qualidades e características que raras vzes se encontram reunidas em uma só pessoa, inclusive na aristocracia espiritual da Pérsia". (Dr. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Religions", p. 83). "Finalmente", escreve o Conde de Gobineau, "ele expirou e a nova religião que recebeu nele o seu protomártir, perdeu ao mesmo tempo um homem cuja firmeza de caráter e habilidade haveriam de ter sido de grande valor caso houvesse vivido mais tempo. É natural que os muçulmanos sintam pela memória deste chefe um ódio tão profundo como é o amor e veneração que lhe mostram os Bábís. Ambos podem justificar seus sentimentos contrapostos. Não há dúvida alguma que Mullá Husayn-i-Bushrú'í foi o primeiro em dar ao Bábismo, dentro do império Persa, a posição que um corpo religioso ou político adquire aos olhos do povo unicamente depois que tem demonstrado sua força batalhadora". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale" p. 176). "O extinto Hájí Jání escreve: "Eu que o conheci pessoalmente (Mirza Muhammad-Hasan, o irmão menor de Mullá Husayn) quando trazia sua mãe e irmã de Karbilá à Qazvín e de Qazvín à Teerã. Sua irmã era esposa de Shaykh Abú-Turáb de Qazvín, que era um erudito e filósofo como raras vezes se encontram e acreditava com a maior sinceridade e pureza de intenção, enquanto que seu amor e devoção pelo Báb eram tais que se alguém apenas mencionasse o nome de Sua Santidade Suprema (que as almas de todos junto a sua estejam em Seu sacrifício) não podia refrear suas lágrimas. Freqüentemente o vi, quando estava ocupado lendo os escritos de Sua Santidade Suprema, à ponto de transtornar-se de êxtase e quase desmaiar de alegria. De sua esposa somente dizia: "Casei-me com ela há três anos em Karbilá. Era então somente uma estudante medíocre inclusive no Persa, porém agora ela pode expor textos do Alcorão e pode explicar as perguntas mais difíceis e os aspectos mais sutis da doutrina da Unidade Divina de tal forma que jamais tenho visto um homem que a iguale nisso ou em rapidez de compreensão. Estas dádivas as obteve pelas bênçãos de Sua Santidade, o Altíssimo e mediante conversas com a Sua Santidade a Pura (Qurratu'l-Ayn). Tenho visto nela uma paciência e resignação raras, inclusive entre os mais resignados dos homens, porque durante estes três anos, mesmo quando não lhe enviamos um só dinar para seus gastos e se manteve só, com grande dificuldade, nunca disse uma só palavra; e agora que ela veio para Teerã, evita completamente falar do passado e ainda quando, de acordo com os desejos de Jináb-i- Bábu'l- Báb, deseja ir à Khurásán, e literalmente não tem nada para pôr exceto um vestido muito gasto que usa, nunca pede roupa ou dinheiro para a viagem e inclusive arranja desculpas razoáveis para fazer-me sentir tranqüilo e evitar que eu sinta vergonha. Sua pureza, castidade e virtude não têm limites e durante todo esse tempo, nenhuma pessoa indigna do privilégio, ouviu sequer a sua voz". Porém as virtudes da filha eram sobrepujadas pelas da mãe que era possuidora de raros dotes e qualidades e havia composto muitos poemas e eloqüentes elegias sobre as aflições de seus filhos. Apesar de Jináb-i- Bábu'l- Báb lhe haver advertido sobre seu próximo martírio, e lhe haver profetizado as calamidades por vir, ela seguia demonstrando a mesma devoção entusiasta e alegre resignação, regozijando-se porque Deus havia aceitado o sacrifício de seus filhos e inclusive orava sempre para que eles pudessem alcançar esta elevada distinção e não se vissem privados de uma benção tão grande. É realmente maravilhoso meditar sobre esta família virtuosa e santa, seus filhos tão devotos e de um autosacrifício inquebrantável; a mãe e filha tão pacientes e resignadas. Quando eu, Mirza Jání, conheci Mirza Muhammad-Hasan, ele só tinha dezessete anos de idade, entretanto vai nele uma dignidade, compostura e virtude que me assombraram. Depois da morte de Jináb-i- Bábu'l- Báb, Hadrat-i-Quddús lhe confiou a espada e o turbante desse glorioso mártir e o fez capitão dos exércitos do Rei Verdadeiro. Quanto a seu martírio, há uma divergência de opiniões sobre se foi morto durante o desjejum no acampamento ou sofreu o martírio junto com Jináb-i-Quddús na praça de Bárfurúsh". (O "Tarikh-i-Jadid", pp. 93-5). A irmã de Mullá Husayn recebeu o apoio de "Varaqatu'l-Firdaws" e enquanto esteve em Karbilá se associou intimamente com Táhirih. ("Memorials of the Faithful", p. 270).

(13) Veja glossário.

(14) "Desta vez o terror não teve limites: em toda a província as pessoas, profundamente alarmadas com as derrotas sucessivas do Islã, começaram a inclinar-se para a nova religião. Os chefes militares sentiam que sua autoridade desmoronava, os chefes religiosos viam que seu poder sobre as almas diminuíam; a situação estava extremamente crítica e o menor incidente podia precipitar Mázindarán aos pés do Reformador". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 315). "Porém quando Sa'idu'l-'Ulamá deu conta (temendo que os Bábís entrassem em Bárfurúsh e aplicassem o castigo que merecia), sentiu-se surpreendido pelas preocupações e cheio de consternação escreveu várias cartas à 'Abbás-Qulí Khán dizendo: "O felicito por vossa valentia e discrição, porém o deplorável é que depois de havermos ultrapassado tantas dificuldades, de haver perdido tantos de vós e haver conseguido finalmente tão importante vitória, não haveis rematado. Haveis feito com que grande multidão fosse alimento para as espadas e haveis regressado deixando somente alguns velhos decrépitos como sobreviventes. Que desafortunado que, depois de todos os vossos esforços e perseverança o príncipe está agora pronto para marchar contra o castelo e capturar este punhado de infelizes de modo que, depois de tudo, ele levará o mérito dessa importante vitória e se apoderará de todo o dinheiro e propriedades dos vencidos! Deveis fazer com que seja vossa preocupação primordial e a mais importante, a de regressar ao castelo antes que ele empreenda a marcha, já que o governo de uma província como Mázindarán não é uma coisa com que se possa ficar jogando. Esforçai-vos, portanto, para que alcanceis o crédito total desta vitória, e que vossos esforços, levem a termo o que vosso zelo já tinha começado". Também escreveu extensamente ao clero de Ámul, exortando-lhes com urgência que fizessem o maior esforço para obrigar o Sartíp 'Abbás-Qulí Khán a partir novamente sem muita demora. E assim, recordava-lhes a todo momento que era seu dever marchar com toda urgência contra o forte; e o Sartíp, ainda que soubesse que o que Sa'idu'l-'Ulamá lhe havia escrito carecia de fundamento e era completamente falso, estava ansioso, se lhe era possível, de compensar pelo que havia ocorrido e desta forma reabilitar-se da desgraça que havia caído aos olhos das mulheres de Lárínján cujos maridos ele havia sacrificado, e ante o governo. Interiormente, no entanto, consumia-lhe a angústia temendo que, assim como a campanha anterior, pudesse fracassar em conseguir algo. A maioria de seus homens estava igualmente ferida, enquanto que muitos haviam fugido e haviam se ocultado nas aldeias vizinhas que estavam a quatro ou cinco farsang da cidade. E assim, em lugar disso, escreveu ao clero de 'Amul dizendo: "Se esta é, na verdade, uma guerra religiosa, vós que sois campeões tão zelosos da Fé e querem que os homens tenham um bom exemplo, deveríeis tomar a iniciativa e iniciar a ação. O clero, que não tinha preparada uma contestação adequada e que não via forma de excusar-se, viu-se obrigado a enviar uma mensagem dizendo que a guerra era religiosa. Grande número de comerciantes, gente comum, e rufiões foram reunidos e estes, junto com o clero e estudantes, empreenderam a marcha com o propósito ostensivo de cumprir com um dever religioso que na realidade tinha por objetivo o roubo e pilhagem. A maioria destes foi à Bárfurúsh e ali se uniram às tropas do Príncipe Mihdí-Qulí Khán que, ao chegar a uma aldeia situada a distância de um farsang do castelo, enviou um pelotão de homens para que fizessem uma operação de reconhecimento e recolhessem informações sobre os movimentos da guarnição Bábí." (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 72-3)

NOTAS DE RODAPÉ
Os Rompedores da Alvorada - Volume II
A Narrativa de Nabil II
RODAPÉ

CAPÍTULO XX - A REVOLTA DE MÁZINDARÁN (Continuação)

(notas anteriores estão digitadas no rodapé do livro)

15 - "Os reverendos sacerdotes que haviam vindo com seus alunos a participar na guerra santa, apenas podiam dormir durante a noite por causa do temor (ainda que suas habitações se encontrassem em um lugar situado a dois farsangs do castelo) e em suas conversas condenassem o príncipe e a 'Abbás-Qulí Khán e maldizessem Sa'idu'l-'Ulamá: "Estes," diziam eles, "sem uma boa razão nos fizeram largar os estudos, nossas conversas e os meios para ganharmos a vida, além de nos terem metido em grave perigo; assim como diz o versículo sagrado: "Não os lanceis ao perigo com vossas próprias mãos" era citado diariamente por eles. Um disse: "Certas circunstâncias me exoneram de participar desta guerra no momento atual". Outro (aduzindo trinta pretextos diferentes) disse: "A lei me excusa e me vejo obrigado a voltar atrás". Um terceiro disse: "Tenho filhos pequenos que dependem de mim. Que posso fazer?". Um quarto disse: "Não deixei provisões para minha mulher assim acho que devo ir-me; porém se for necessário, regressarei". Um quinto disse: "Não tenho que acertar contas com ninguém; se caio como mártir minhas riquezas serão esbanjadas e se fará uma injustiça a minha mulher e às crianças; e tanto a lapidação quanto a injustiça são condenadas como repugnantes por nossa sagrada religião e desagradam a Deus". Um sexto disse: "Devo dinheiro a algumas pessoas e não tenho ninguém que me sirva de fiador. Se chegar a morrer, minha dívida não me permitirá cruzar a ponte de Sirát. Um sétimo disse: "Vim sem o consentimento de minha mãe" e ela me havia dito: "Se for para lá, farei com que o leite que tem te alimentado te seja vedado". Portanto, temo ser descartado como um que não cumpre seu dever perante a sua mãe". Um oitavo chorou dizendo: "Jurei visitar Karbilá este ano; uma vez que circundar o sagrado sepulcro do Chefe dos Mártires tem mais mérito que cem mil martírios ou mil peregrinações à Meca. Temo falhar no cumprimento do meu juramento e desta forma perder esta grande benção". Outros disseram: "Nós, de nossa parte, não temos nem visto nem ouvido desta gente nada que mostre que sejam infiéis porque eles também dizem: "Não há outro Deus senão Deus. Maomé é o Apóstolo de Deus e Alí é o Amigo de Deus". Resumindo eles afirmam que surgiu o advento do Imame Míhdí. Deixe-os tranqüilos, porque em todo caso não são piores que os Sunní que não aceitam aos doze Imame e aos quatorze santos imaculados, reconhecem a um como 'Umar por califa, preferem a 'Uthmán a 'Alí-ibn-i-Tbí-Talib e aceitam a Abu-Bákr como sucessor de nosso sagrado Profeta. Porque nossos sacerdotes deixam tranqüilos aqueles que lutam contra estes por questões sobre cuja correção ou erro não se chega a nenhum acordo?". Resumindo, em todo o acampamento se escutava murmúrios de todas as línguas e se ouviam queixas de todas as bocas; cada qual cantava uma melodia diferente e inventava um novo pretexto; todos somente esperavam uma desculpa plausível para empreender a fuga. E assim quando 'Abbás-Qulí Khán se deu conta disto, temendo que o contágio de seu terror se estendesse a seus soldados, se viu obrigado a aceitar as desculpas destes reverendos sacerdotes e seus discípulos e seguidores os quais partiram imediatamente com grande júbilo e murmurando orações pelo êxito de Sartíp". ("O Tárikh-i-Jadíd", pp. 74-6).

16 - "Mihdí-Qulí Mirza sentiu-se um tanto supreendido. Sentia profunda desilusão, porém o que lhe impressionou mais ainda foi o fato que o Sardár havia sido derrotado do mesmo modo que ele e este pensamento, que feria seu amor próprio, não o agradou. Não só temia que um dos seus subalternos pudesse conquistar a invejável glória de apoderar-se da fortaleza dos Bábís; senão que não era só ele quem havia fracassado; tinha um companheiro em desgraça e um companheiro em quem imputaria a responsabilidade pelas suas derrotas. Feliz ao extremo reuniu seus oficiais de alto e baixo escalão e lhes deu a notícia, deplorando por certo a trágica sorte de Sardár e expressando o ardente desejo que este valente soldado pudesse ser mais afortunado no futuro". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 179).

17 - 1849 A. D.

18 - "O Príncipe atribuiu a cada um, um posto que lhe corresponderia durante o cerco; confiou a Hájí Khán Núri e a Mirza 'Abu'lláh Navayy a responsabilidade de conseguir uma quantidade adequada de provisões. Como chefes militares designou Sardár 'Abbás-Qulí Khán-i-Láríjání, que gozava da maior simpatia desde seu recente fracasso; também a Nasrú'lláh-i-Bandibi, outra pessoa estulta e a Mustafá Khán de Ashraf a quem pôs como comandante dos valores tufang-chís da cidade e também lhe deu o comando sobre os súritís. Outros senhores de menor posição dirigiram os homens de Dúdánkih e Bálá-Rastáq assim como também vários nômades turcos e curdos que não estavam incluídos ao lado dos chefes principais. A estes nômades confiou-lhes a tarefa de observar cada movimento do inimigo. A experiência passada lhes havia demonstrado que deviam ser mais precavidos daqui para a frente. Portanto, se deu aos turcos e aos curdos a responsabilidade de seguir - tanto de dia como de noite - as operações do inimigo e de estar sempre alerta com o objetivo de prevenir possíveis surpresas". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 180-81).

19 - "Mihdí-Qulí Mirza quis combinar, no entanto, técnicas militares antigas com algumas invenções modernas com o objetivo de não se descuidar de nada e trouxe de Teerã duas peças de artilharia e duas peças de morteiros com as munições necessárias. Também procurou os serviços de um homem de Hirát que havia descoberto uma substância explosiva que podia projetar chamas a setecentos metros de distância e fazer arder tudo. Fez-se um ensaio e deu resultados satisfatórios. A substância incendiária foi lançada dentro do forte e se iniciou de imediato um incêndio e todas as habitações e refúgios de madeira que os Bábís haviam erigido, seja no interior do recinto ou sobre as muralhas, foram reduzidos às cinzas. Enquanto prosseguia essa destruição as bombas e balas disparadas pelos morteiros provocaram sérios danos a um edifício erigido com urgência por homens que não eram nem arquitetos nem engenheiros e que jamais haviam sonhado que pudessem atacá-los com artilharia. Em muito pouco tempo as defesas externas do forte foram desmanteladas; nada restava delas exceto vigas caídas, madeiras fumegantes ou que queimavam e pedras dispersadas". (Idem, pp. 181-182).

20 - "Depois destas precauções escavaram fossas e trincheiras onde os tufang-chís tomaram posição com ordens de aniquilar qualquer Bábí que pudesse aparecer. Construíram torres muito altas que se elevavam acima dos diversos níveis do forte, ou ainda mais altos, e graças a um fogo contínuo de cima para baixo, tornaram muito perigosa para os Bábís a circulação dentro do forte. Era uma vantagem decisiva para os sitiadores, porém em poucos dias, aproveitando as longas noites, os chefes Bábís elevaram as fortificações de modo que sua altura excedesse as torres do inimigo". (Idem, p. 181).

21 - É o nono dia depois do Naw-Rúz.

22 - "Em uma ocasião, alguns deles saíram afim de arranjar um pouco de chá e açúcar para Jináb-i-Quddús. O mais destacado destes foi Mullá Sa'íd de Zarkanád. Este era um homem tão erudito que quando alguns homens sábios da família de Mullá Taqí de Núr dirigiram algumas perguntas escritas a Jináb-i-Quddús sobre a ciência da adivinhação e astrologia, este disse à Mullá Sa'íd: "Escreve com toda pressa uma resposta sucinta e completa para eles, para que não se deixe esperando o mensageiro que enviaram e uma resposta mais detalhada será escrita mais adiante". E assim Mullá Sa'íd, mesmo pressionado pela presença do mensageiro e com as preocupações causadas pelo assédio ao forte, escreveu rapidamente uma missiva eloqüente na qual, enquanto respondia às perguntas formuladas, introduziu cerca de cem traduções bem estabelecidas relacionadas com a verdade da nova Manifestação da Prova prometida, além de várias que anunciavam que aquele que acreditasse no Senhor ficaria em Tabarsí e que seria martirizado. Os homens sábios de Núr se mostraram assombrados perante esta erudição e disseram: "A sinceridade nos obriga a admitir que esta forma de apresentar semelhantes questões é um grande milagre e que erudição e eloqüência como estas são muito superiores ao que esperávamos de Mullá Sa'íd a quem conhecemos. Não temos dúvidas que este talento lhe foi conferido do alto e ele por sua vez manifestou-o à nós." Enquanto Mullá Sa'íd e seus companheiros encontravam-se fora do forte, caíram nas mãos das tropas reais e foram conduzidos perante ao príncipe. Este tentou por todos os meios que eles dessem informações sobre as condições que se encontrava a guarnição Bábí, quantos eram e que quantidade de munição tinham; porém apesar de seus esforços não conseguiu coisa alguma. Quando se deu conta que Mullá Sa'íd era um homem de talento e compreensão, lhe disse: "Arrependa-te e farei com que te deixem em liberdade e não te matem". A isto Mullá Sa'íd respondeu: "Jamais ninguém se arrependeu de obedecer o mandado de Deus; por que deveria fazê-lo, então, eu? Pelo contrário, arrependei-vos vós que estais indo contra Seu mandado e com a maior maldade que ninguém o fez até agora". Disse-lhe ainda muitas coisas mais. E assim, finalmente o enviaram à Sarí, acorrentado onde o mataram sob circunstâncias as mais cruéis. Junto com ele, seus companheiros que parecem ter sido em número de cinco." (O "Tárikh-i-Jadíd", pp. 79-80).

23 - Veja glossário.

24 - "E assim eles construíram quatro torres nos quatro lados do castelo e se levantaram a uma altura tal que podiam dominar o interior da fortaleza com seus canhões, fazendo da guarnição alvo para suas balas. Os fiéis, ao ver isto, começaram a construir passagens subterrâneas para refugiarem-se. Porém a terra de Mázindarán estava perto da água e estava saturada pela umidade, ainda por cima chovia continuamente piorando a situação, de modo que estas pobres vítimas da adversidade viviam no meio do lodo e da água até que suas roupas apodreciam e desmanchavam por causa da umidade... Cada vez que algum de seus camaradas apurava a copa do martírio perante seus olhos, ao invés de lamento regozijavam-se. Assim, por exemplo, em uma ocasião caiu um obus sobre o teto de uma choça, que se incendiou. Shaykh Sálih de Shiráz chegou perto a fim de apagar o fogo. Uma bala alcançou sua cabeça e fez em pedaços seu crânio. No momento que recolhiam seu corpo uma segunda bala arrancou a mão de Áqá Mirza Muhammad-'Alí, o filho de Siyyid Ahmad, pai de Áqá Siyyid Husayn "o bem amado". Assim como também foi morto Áqá Siyyid Husayn, "o bem amado", um menino de dez anos de idade, à vista de seu pai, caiu rodando no lodo e no sangue com suas extremidades balançando como as de um pássaro meio morto". (O "Tárikh-i-Jadíd", pp. 81-83).

25 - "Este estado de coisas havia durado quatro meses. O Sháh começou a mostrar-se impaciente. O êxito dos Bábís havia acendido nele tal ira que, segundo o historiador persa, expressou nesta forma: "Pensávamos que nosso exército era capaz de passar pelo fogo e água sem vacilação e que lutaria contra um leão ou uma baleia, porém nós o enviamos para que lutasse contra um punhado de homens debilitados e indefesos e não conseguiram nada! Por acaso acreditam os dirigentes de Mázindarán que aprovamos esta demora? Por acaso é sua política permitir que esta conflagração estenda-se para assim engrandecer sua própria importância depois de uma vitória? Pois bem, deixe-lhe saber que farei como se Alláh jamais houvesse criado Mázindarán e exterminarei seus habitantes até o último homem!" (A. L. M. Nicolas "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 322).

26 - "O sítio havia-se prolongado por quatro meses e não havia feito progresso visível algum. As fortificações antigas haviam sido destruídas, porém com energia indomável, os Bábís haviam construído outras novas e, dia e noite, faziam reparos e ampliavam-nas. Era impossível prever o resultado desta situação, tanto porque Mázindarán não era a única região na Pérsia onde os devotos da nova Fé estavam mostrando sinais de zelo e valentia. O Rei e o Primeiro Ministro, em sua angústia, imprecavam seus lugar-tenentes. Não só os acusava de incompetência com expressões da maior amargura, como também ameaçavam submetê-los ao mesmo tratamento reservado aos Bábís se não conseguissem uma solução definitiva a curto prazo. Por esta razão Mihdí-Qulí Mirza foi destituído do comando e este foi entregue a Afshár Sulaymán Khán, um homem de reconhecida firmeza e cuja influência era muito grande não só em sua própria tribo, uma das mais nobres da Pérsia, como também em todos os círculos militares nos quais era muito conhecido, e se guardava grande respeito. Recebeu ordens rigorosíssimas". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 183-184).

27 - Em "Memorials of the Faithful" (pp. 16-17, 'Abdu'l-Bahá faz referência às penúrias e sofrimentos que suportaram os heróicos defensores do forte Shaykh Tabarsí. Rende um tributo glorioso a constância, zelo e valentia dos sitiados, mencionando especialmente a Mullá Sádiq-i-Muqaddas. "Durante dezoito dias", disse, Ele, "passaram sem alimentos. Viviam do couro de seus sapatos, que logo acabou também e a única coisa que restava era a água. Bebiam um gole cada manhã e jaziam exaustos e famintos no interior do forte. Quando era atacados, entretanto, punham-se de pé num salto e mostravam ante o inimigo uma extraordinária valentia e uma resistência assombrosa... Sob tais circunstâncias é extremamente difícil manter uma fé e paciência indomáveis e, suportar aflições tão penosas é um fenômeno excepcional".

"Os que permaneciam firmes já haviam consumido não só todos os víveres que lhes cabia, como também o pouco pasto que podiam encontrar no recinto e a casca de todas as árvores. Só deixavam o couro de seus cinturões e a bainha de suas espadas. Tiveram que fazer uso do expediente recomendado pelo embaixador da Espanha aos soldados da liga assediados em Paris: molharam os ossos dos mortos e fizeram farinha com o pó deles. Finalmente, desesperados, se viram obrigados a fazer o que lhes parecia ser uma profanação. O cavalo que Mullá Husayn havia morrido por causa dos ferimentos recebidos naquela noite fatal que testemunhou a morte de seu amo. Os Bábís o haviam sepultado devido ao apreço que tinham por seu santo chefe e uma pequena porção da profunda veneração que sentim por ele rondava a sepultura do pobre animal. Reuniram-se em conselho e, deplorando a necessidade de tal discussão, debateram a questão que só uma grande penúria lhes justificava desenterrar o sagrado corcel e consumir seus restos. Com profundo pesar, concordaram que era justificável tal conduta. Cozinharam os restos do cavalo com a farinha feita com os ossos dos mortos, comeram esta estranha mistura e empunharam novamente seus fuzis". (Conde de Gobineau, "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 186-187).

28 - 24 de abril - 23 de maio de 1849 A. D.
29 - Veja glossário.

30 - Referência a Deus; a palavra Rahmán significa "Misericordioso".

31 - 9 de maio de 1849 A. D.

32 - "Esta sombria e desesperada valentia, este inestingüível entusiasmo causou grave preocupação aos chefes do exército imperial. Havendo perdido todas as esperanças de derrubar as fortificações depois de haver sofrido numerosas derrotas, pensaram em recorrer a astúcia. O Príncipe era astuto por natureza e Sulaymán Khán-i-Afshár, que havia sido enviado recentemente pelo Sháh insistia que se utilizasse tal método, temeroso que a demora pudesse pôr em perigo seu prestígio e sua vida". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 325).

33 - Alcorão 7:88.
34 - Veja glossário.

35 - "Todas as fortificações construídas pelos Bábís foram demolidas e inclusive nivelaram a terra para fazer desaparecer os sinais da heróica defesa daqueles que haviam sido mortos por causa da sua Fé. Imaginaram que isto silenciaria a história". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 327).

36 - "Enfileiraram-nos e divertiram-se abrindo-lhes o abdômen com facas. Ficavam mais divertidos e satisfeitos quando dos intestinos perfurados saia o pasto não digerido, sinal eloqüente dos sofrimentos que haviam padecido assim como também da fé que os tinha mantido. Alguns, muito poucos por certo, conseguiram fugir para o bosque". (Idem).

37 - Hájí 'Abdu'l-Majíd-i-Níshábúrí, o qual posteriormente foi martirizado em Khúrásán.

38 - "Foi então", disse Mirza Janí, "que o Islã deu uma vergonhosa exibição perante o mundo. Os vencedores, se assim podem ser chamados, desejavam gozar do êxtase da sua vitória. Acorrentaram Quddús, Mirza Muhammad-Hasan Khán, o irmão de Bábu'l- Báb, Akhúnd Mullá Muhammad-Sádiq-i-Khurásání, Hájí Mirza Hasan-i-Khurásání, Mirza Muhammad Sádiq-i-Khurásání, Shaykh Ni'matu'lláh-i-Ámulí, Hájí Nasí-i-Qazvíní, Mullá Yúsuf-i-Ardibílí, Áqá Siyyid 'Abdu'l-Azim-i-Khú'i e vários outros. Colocaram-nos no centro do desfile que partiu acompanhado por toque de tambores e cada vez que passavam por um lugar habitado, eram castigados". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 327-328).

"A crueldade chegou mais longe ainda. Se alguns se livraram da morte ao serem vendidos como escravos, outros eles torturaram até que expirassem. Aqueles que encontraram amos bondosos foram Akhúnd Mullá Muhammad-Sádiq-i-Khurásání, Mullá Muhammad-i-Mahvalatíy-i-Dúgh-Ábádí, Áqá Siyyid 'Azim-i-Khu'í, Hají Násír-i-Qazvín, Hájí 'Abdu'l-Majíd-i-Níshabúrí e Mirza Husayn-Matavillíy-i-Qumí. Quatro Bábís sofreram martírio em Bárfurúsh, dois foram enviados à Ámul; um deles foi Mullá Ní'matu'lláh-i-Ámulí e o outro Mirza Muhammad-Báqir-i-Khurásány-i-Qá'iní, primo do nosso autor Bábí. "Qá'iní havia vivido antes em Mashhad, na avenida chamada Khíyábán-Balá e sua casa tinha o nome de " Bábiyyih", era o lugar de reunião para os seguidores assim como também o lugar dos correligionários que passavam em viagem à Khurásán. Além de seus conhecimentos religiosos, Qá'iní era muito hábil com suas mãos e foi ele quem desenhou as fortificações de Shaykh Tabarsí". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 329).

39 - "Quanto aos demais prisioneiros, foram obrigados a recostarem-se sobre o solo, um ao lado do outro, e os verdugos lhe abriram o abdômen. Pude observar que vários destes desafortunados tinham pasto cru em seus intestinos. Uma vez terminado o massacre, acharam que ainda havia trabalho a ser feito e assassinaram os fugitivos que já haviam sido perdoados. Havia mulheres e crianças e eles tampouco se livraram e foram degolados. Foi por certo um dia muito ocupado com muita matança e nenhum risco". (Conde de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 189). "Na sua chegada a Ámul, Mullá Ni'matu'lláh foi torturado com incrível ferocidade. Aparentemente esta cena provocou em Qá'iní um acesso de ira. Quando se aproximou o verdugo, Qá'iní rompendo suas cordas, saltou sobre ele, lhe arrancou a espada e o golpeou com tamanha violência que sua cabeça saiu rolando até uma distância de mais ou menos quinze pés. A multidão se precipitou sobre ele, porém, com uma força descomunal derrubou a todos aqueles que chegavam ao seu alcance e finalmente tiveram que acertar-lhe com um tiro de rifle com o objetivo de subjugá-lo. Depois de sua morte encontraram em seu bolso um pedaço de carne assada de cavalo, prova da miséria pela qual havia padecido por sua fé". (Idem, pp. 329-330).

40 - "Todo mundo se maravilhou ante o grau de seu sacrifício... A mente se torna aniquilada ante suas ações, e a alma se assombra ante sua força e resistência física... Estas luzes sagradas têm suportado com heroísmo, durante dezoito anos, as aflições que têm chovido sobre elas de todos os lados, quanto amor, quanta devoção, quanta alegria e sagrado êxtase demonstraram ao sacrificar suas vidas no caminho do Todo Glorioso! Todos são testemunhas desta verdade. Como podem, então, querer reduzir esta Revelação? Se têm visto em alguma época acontecimentos de tanta significação? Se estes companheiros não são os verdadeiros buscadores de Deus, as quais outros se poderia chamar por este nome? Estes companheiros têm buscado o poder ou a glória? Têm desejado alguma vez riqueza? Terão nutrido outro desejo que a aprovação de Deus? Se esses companheiros, com todos os seus maravilhosos testemunhos, são falsos, quem é digno, então, de reclamar para si a verdade? Por Deus! Suas próprias ações são testemunhas suficientes e uma prova irrefutável para todas as pessoas do mundo se os homens meditarem em seus corações sobre os mistérios da Divina Revelação. E aqueles que trabalham com injustiça logo saberão o que lhes espera!" (O "Kitáb-i-Iqán", pp. 164-165).

41 - 1847 - 1848 A. D.
42 - 11 de maio de 1849 A. D.

43 - "Os Bábís contam, que pouco depois, o Sa'ídu'l-'Ulamá' sofreu uma estranha enfermidade. Apesar das mantas com que se cobria, apesar do fogo que ardia constantemente em seu quarto, tiritava de frio enquanto que ao mesmo tempo tinha uma febre tão alta que nada podia saciar sua intolerável sede. Faleceu em sua casa, que era muito formosa, foi abandonada e finalmente caiu em ruínas. Pouco a pouco começaram a entulhar lixo no lugar onde antes havia se erguido tão imponente. Isto impressionou a tal ponto os mazindarames que quando brigavam entre si, o último insulto era: "Que sua casa sofra a mesma sorte da casa de Sa'ídu'l-'Ulamá'"! (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 330).

44 - Em todo caso, parece que depois do martírio de Jináb-i-Quddús, um sacerdote piedoso chamado Hájí Muhammad-'Alíy-i-Hamzím, cuja habilidade como exegeta e cujos dotes espirituais eram reconhecidos por todos, enviou várias pessoas para sepultar em segredo os restos mutilados num colégio em ruínas. E ele, longe de aprovar a conduta de Sa'ídu'l-'Ulamá', costumava maldizer-lhe e vituperar-lhe e jamais pronunciou ele mesmo sentença de morte contra nenhum Bábí, pelo contrário, costumava obter digna sepultura para aqueles que haviam sido mortos por Sa'ídu'l-'Ulamá'. E quando os homens lhe perguntaram a respeito da guarnição do castelo, contestava: "Não os condeno nem falo mal deles". Por esta razão a metade de Bárfurúsh, permaneceu neutra porque no princípio costumava proibir aos homens maldizer ou molestar os Bábís mesmo quando mais tarde, ao se tornar mais grave a situação, ordenou que era prudente guardar silêncio e ficar em casa. A austeridade de sua vida, sua piedade, sua erudição e suas virtudes eram tão bem conhecidas pelas pessoas de Mázindarán como o eram a irreligião, a imoralidade e a atitude mundana de Sa'ídu'l-'Ulamá'. (O "Taríkh-i-Jadíd", p. 92)

45 - "Aquele que conheceu Quddús e fez com ele a peregrinação é aquele sobre o qual tem passado "oito unidades" e Deus o nomeou entre seus anjos nos céus devido a forma em que se afastou de tudo e porque estava livre de culpa aos olhos de Deus". ("O Bayan Persa", vol. 2, p. 264). Porém mais maravilhoso que os acontecimentos descritos acima é o relato que deles faz Abbás-Qulí Khán, com numerosas expressões de admiração, ao Príncipe Ahmad Mirza. O extinto Hájí Mirza Jání escreve: "Mais ou menos dois anos depois do desastre de Shaykh Tabarsí ouvi uma pessoa que, quando ainda era um crente, mas no entanto era veraz e digna de crédito, relatar o seguinte: "Estávamos sentados juntos quando se aludiu a guerra ocorrida entre alguns dos presentes contra Hadrat-i-Quddús e Jináb-i- Bábu'l- Báb. O príncipe Ahmad Mirza e 'Abbás-Qulí Khán faziam parte desse grupo. O príncipe perguntou à 'Abbás-Qulí Khán sobre o assunto e ele respondeu assim: "A verdade da questão é que qualquer pessoa que não houvera visto Karbilá, se houvera visto Tabarsí, não só haveria de compreender o que sucedeu ali, ou então faria questão de não compreender; e se houvesse visto Mullá Husayn de Bushruyih, haveria se convencido que o Chefe dos Mártires havia regressado à terra; e se houvesse presenciado minhas ações, sem dúvida teria dito: "Este Shímr que regressou com espada e lança". Juro pela sagrada pena de Sua Majestade o Centro do Universo, que certo dia, Mullá Husayn que levava sobre sua cabeça um turbante verde e uma capa sobre o ombro, saiu do castelo, apresentou-se a campo aberto e apoiando-se sobre a lança que levava em sua mão, disse: "Oh povo, por que, sob influência da paixão e prejudiciosas tergiversações e sem indagar, obrais tão cruelmente contra nós e esforçais em derramar sem razão alguma o sangue de inocentes? Envergonhei-vos ante o Criador do Universo e pelo menos permiti-nos passar, para que possamos partir desta terra". Ao ver que os soldados se comoviam, abri fogo e ordenei que as tropas gritassem para abafar sua voz. De novo o vi apoiar-se em sua lança e o ouvi gritar três vezes: "Tem alguém que queira ajudar-me?", de modo que todos ouvissem sua voz. Nesse instante todos os soldados guardaram silêncio e alguns começaram a soluçar e muitos dos jinetes mostraram-se visivelmente afetados. Temendo que o exército pudesse sentir-se seduzido por sua aliança, ordenei mais uma vez que gritassem e disparassem. Então vi Mullá Husayn desembainhar sua espada e levantando o rosto para o céu, ouvi exclamar: "Oh Deus, tenho completado a pova para esta hoste, porém de nada tem servido!" Então começou a atacar-nos à direita e à esquerda. Juro por Deus que nesse dia esgrimou a espada de tal forma que transcende o poder do homem. Só os jinetes de Mázindarán se mantiveram firmes e recusaram-se a fugir. E quando Mullá Husayn estava no meio do combate alcançou um soldado fugitivo. O soldado se escondeu atrás de uma árvore e mais ainda, tratou de proteger-se com seu mosquetão. Mullá Husayn desferiu tal golpe com sua espada que cortou o soldado, a árvore e o mosquete em seis pedaços. E durante toda essa guerra nunca errou um golpe, já que cada um que dava caia sobre um soldado. E pelas características dos soldados abatidos podia-se reconhecer todos que haviam caído sob a espada de Mullá Husayn e como havia ouvido falar e sabia que ninguém podia esgrimar a espada com perfeição, exceto o Chefe dos Crentes, e, que era pouco menos que impossível que uma espada cortasse tão certeiramente, proibi a todos que sabiam disto, que mencionasse ou desse a conhecer, para que a tropa não desanimasse da luta. Na verdade, não sei o que haviam mostrado à esta gente ou o que eles haviam visto, pois saiam à luta com tanta veemência e alegria, dedicando-se a batalhar com tanta rapidez e felicidade, sem mostrar em seus rostos sinal algum de temor ou apreensão. Parecia, à primeira vista, que para eles a afiada espada e o sanguinário punhal não eram senão meios para alcançar a vida eterna, tão ansiosas boas-vindas davam a eles seus pescoços e peitos, enquanto circulavam como salamandras ao redor da chuva de balas. O feito assombroso, era que todos esses homens nada mais eram que estudantes e homens eruditos, de vida reclusa e sedentária, nos colégios e celas, cuidadosamente alimentados e de físicos débeis, acostumados, por certo, as austeridades, porém estranhos perante o rugido dos canhões, das descargas dos mosquetes e ao campo de batalha. Durante os últimos três meses de sítio careciam inclusive de pão e água e estavam reduzidos ao grau mais extremo de debilidade por falta da mínima quantidade de alimentos indispensáveis para manter a vida. Apesar disto, parecia que no momento de entrar em luta soprava um novo espírito em seus corpos, já que a imaginação do homem não pode conceber a veemência de sua coragem e valor. Costumavam expor seus corpos as balas e aos obuses não só sem temor e valorosamente, como também com ânsia e júbilo. Pareciam considerar o campo de batalha como um banquete e estavam decididos a entregar suas vidas". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 106-9).

46 - 1844 A. D.
47 - Novembro - Dezembro de 1888 A. D.
48 - Literalmente "O Último Nome de Deus".
49 - 16 de maio de 1849 A. D.
50 - Alcorão 3:93.
51 - Literalmente "O Último Ponto".
52 - Veja nota 45, Cap. XX.
53 - Veja nota 12, Cap. XX.
54 - 27 de novembro de 1848 A. D.
55 - Alcorão 2:94.
56 - Veja glossário.
CAPÍTULO XXI - OS SETE MÁRTIRES DE TEERÃ
1 - 22 de junho - 21 de julho de 1849 A. D.
2 - 17 de novembro - 17 de dezembro de 1849 A. D.

3 - O décimo dia do Muharram, aniversário do martírio do Imame Husayn, que nesse ano caiu em 26 de novembro de 1849 A. D.

4 - Segundo "Kashfu'l-Ghitá" (p. 24), seu nome completo era Mirza 'Alíy-i-Sayyáh-i-Marághih'í. Havia sido servente do Báb em Máh-Kú, figurava entre Seus companheiros mais destacados e posteriormente aceitou a mensagem de Bahá'u'lláh.

5 - 15 de janeiro de 1850 A. D.
6 - 23 de janeiro de 1850 A. D.
7 - Apelidado Subn-i-Azal.
8 - Os seguidores de Mirza Yahyá.

9 - "As pretensões deste jovem se baseavam num documento nominativo atualmente em poder do Prof. E. G. Browne e foram apoiadas por uma carta dada numa versão francesa pelo Mons. Nicolas. Entretanto, como os falsificadores têm tido um papel tão destacado no Oriente, recuso-me a reconhecer a autenticidade desta nominação. E creio que nenhum grupo de homens verdadeiramente sérios e responsáveis aceitaria o documento pela evidência de seu próprio conhecimento sobre os insuficientes dotes de Subn-i-Azal... O mais provável é que ele tenha feito um arranjo, ou seja, que Bahá'u'lláh assumisse no momento a direção privada das atividades e exerceria seus grandes dotes como mestre, enquanto Subh-i-Azal (um jovem vaidoso) daria seu nome como o cabeça visível, sobretudo para os estranhos e para agentes do governo". (Dr. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Religions", pp. 118-119).

10 - "Conjuro-os, por Deus, o Único, o Forte, o Onipotente, que mediteis em vosso coração os escritos que foram enviados em seu nome (de Mirza Yahyá) ao Ponto Primordial (o Báb), para que possais distinguir, com meridiana claridade, os sinais do Verdadeiro". ("The Epistle to the Son of the Wolf", Bahá'u'lláh, p. 125).

11 - 1848-9 A. D.
12 - 29 de julho de 1831 A. D.
13 - Veja glossário.
14 - 1847 A. D.
15 - Alcorão, 103.
16 - Veja glossário.
17 - Veja glossário.
18 - Veja glossário.
19 - 1851-2 A. D.
20 - Veja glossário.
21 - Literalmente "A Folha Mais Exaltada".
22 - Título de 'Abdu'l-Bahá.

23 - Significa "Mestre", título pelo qual se designava nesse momento à 'Abdu'l-Bahá.

24 - Veja glossário.
25 - Certo tipo de sobretudo.
26 - 14 de fevereiro - 15 de março, 1850 A. D.
27 - 1850 A. D.
28 - Um dos títulos do Báb.
29 - 14 de fevereiro - 15 de março, 1850 A. D.

30 - Era o filho de Qurbán, o cozinheiro chefe do Qá'im-Magám, o predecessor de Hájí Mirza Áqásí.

31 - Literalmente "O Maior dos Tios".
32 - 1848-9 A. D.

33 - "Tirou seu turbante e levantando seu rosto para o céu, exclamou: "Oh Deus, Tu és testemunha como estão matando o filho de Teu honorabilíssimo Profeta sem que tenha culpa alguma". Então, virando-se para o verdugo recitou este versículo: "Por quanto tempo há de dar-me morte e dor da minha separação Dele? Corta minha cabeça para que o Amor me confira uma cabeça". (Mathnaví, Livro 6, p. 649, 1, 2; ed. 'Alá'u'd-Dawlih). ("A Traveller's Narrative", Nota B, p. 174).

34 - O Sétimo Imame.

35 - Segundo a narração de Hájí Mu'inu's-Saltanih (p. 131), Mirza Qurbán'Alí, o dervixe, conheceu o Báb na aldeia de Khánliq.

36 - Veja glossário.

37 - "Mirza Qurbán-Alí era famoso entre os místicos e dervixes; tinha muitos amigos e discípulos em Teerã além de ser conhecido pela maioria da nobreza e dirigentes, inclusive pela mãe do Sháh. Devido a amizade que sentia por ele e a compaixão que lhe provocou sua situação, ela disse à sua Majestade, o Rei: "Ele não é um Bábí, tem sido acusado falsamente". Por isto mandaram buscá-lo dizendo: "Tu eras um dervixe, um estudioso e um homem erudito; tu não pertences a esta seita desgraçada; estão te acusando falsamente". Ele respondeu: "Eu me considero um servo de Sua Santidade mesmo não sabendo se Ele tem me aceitado ou não". Quando tentaram persuadi-lo dando-lhe uma pensão e salário, disse: 'Esta vida e estas fotas de meu sangue são de pouca monta; se o império do mundo fosse meu e se eu tivesse mil vidas, as lançaria livremente aos pés de Seus amigos:

"Sacrificar minha cabeça pelo Bem Amado,
"parece certamente coisa fácil à minha vista;
"fechar os lábios e não falar mais de mediação,
"porque de mediação não necessitam os amantes.

E assim finalmente desistiram em desespero e disseram que devia morrer". (O "Taríkh-i-Jadíd", p. 254).

38 - Referência ao Báb.

39 - Qurbán significa sacrifício, portanto, "Sacrifício pelo Báb".

40 - "Quando o levaram ao pé do patíbulo, o verdugo levantou seu sabre e lhe feriu no pescoço por trás. O golpe somente inclinou sua cabeça e fez com que o turbante de dervixe que usava caísse a alguns passos dele, sobre o solo. Imediatamente e como se fosse como seu último alento, provocou nova aflição nos corações de todos os que eram capazes de sentir emoção ao recitar estes versos:

"Feliz aquele que por amor embriagado
"tem vencido a tal ponto que apenas sabe
"se aos pés do seu Bem-Amado
"é sua cabeça o turbante que tem lançado!
(O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 254-255)

41 - "Pois bem, quando estavam prontos para começar seu trabalho de decapitação e matança, ao chegar a vez de Hají Mullá Ismá'il ser morto, alguém se aproximou dele dizendo: "Um de vossos amigos dará tal soma de dinheiro para salvar vossa vida, com a condição de que repudies vossa fé, para que assim possam ser induzidos a perdoar-vos. Em caso de grande necessidade, quando se trata de salvar vossa vida, que dano pode haver em dizer simplesmente: "Não sou um Bábí", para que tenham um pretexto em vos deixar em liberdade?". Ele respondeu: "Se eu estivesse disposto a repudiar minha fé, inclusive sem dinheiro, nada me atingiria". Ao pressioná-lo ainda mais, sentindo-se importunado, ergueu-se o mais alto na multidão e exclamou, para que todos o ouvissem:

"Zéfiro, por favor leva uma mensagem
"a esse Ismael que não foi morto;
"aos que vivem no caminho do Bem-Amado
"o amor não permite regressar mais.
(O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 253-254).
42 - 1847-8 A. D.
43 - O Imame Husayn.

44 - "Depois de pormenorizar os acontecimentos expostos acima, o historiador Bábí enfatiza o valor especial e o caráter único dado pelo testemunho dos "Sete Mártires de Teerã". Eram homens que representavam a todas as classes mais importantes da Pérsia - sacerdotes, dervixes, comerciantes, vendedores e oficiais do governo; eram homens que haviam gozado de respeito e consideração de todos; morreram sem temor, voluntariamente, quase com ânsia, declinando comprar a vida mediante esse repúdio verbal que, sob o nome de Kitmán ou taqíyyih, é reconhecido como um subterfúgio justificável em tempos de perigo pelos shi'ahs; não esperavam misericórdia, assim como o foram os que morreram em Shaykh Tabarsí e Zanján; e selaram sua fé com seu sangue na praça pública da capital da Pérsia onde moram os embaixadores estrangeiros credenciados ante a corte do Sháh. Nisto o historiador Bábí tem razão, inclusive os que falam mal do movimento Bábí em geral caracterizando-o como um comunismo destrutivo de toda ordem e moralidade, expressaram comiseração por estas vítimas inocentes. Bem que podemos aplicar ao dia de seu martírio a eloqüente reflexão de Gobineau feita sobre uma tragédia similar que aconteceu dois anos mais tarde: "Este dia assinalado trouxe para o Báb mais seguidores secretos do que poderiam ter feito muitos sermões. Acabo de dizer que a impressão criada pela prodigiosa resistência dos mártires foi profunda e duradoura. Freqüentemente tenho ouvido a repetição da história desse dia por testemunhas oculares, por homens do governo, alguns deles inclusive funcionários de grande importância. Do que diziam, alguém poderia facilmente deduzir que todos eram Bábís, tão grande era a admiração que sentiam por recordações que não honravam de forma alguma o Islã, que não havia desempenhado o melhor papel e pelo elevado conceito que tinham dos recursos, das esperanças e das possibilidades de êxito da nova doutrina". ("A Traveller's Narrative", Nota B, pp. 175-176).

45 - 11 de dezembro de 1888 A. D.

46 - Segundo as tradições do Islã, Fátimih, a filha de Maomé, aparecerá sem véu enquanto cruza a ponte "Sirát" no Dia do Juízo. Quando ela aparecer uma voz do céu exclamará: "Afasta vossa vista, oh povos!".

47 - Mirza Khán-i-Núrí, que foi o sucessor de Amí-Nizám como Grão-Vizir de Násiri'd-Din Sháh.

48 - Áqáy-i-Kalím, irmão de Bahá'u'lláh.
49 - O amanuense de Bahá'u'lláh.
50 - Mirza Muhammad-'Alíy-i-Nahrí.

51 - "Quando os verdugos haviam terminado sua sanguinária tarefa, a turba de curiosos, aniquilados por um momento ante a paciente coragem dos mártires, permitiu que uma vez mais explodisse seu feroz fanatismo, proferindo insultos aos restos mortais daqueles cujos espíritos já haviam passado além do poder da sua maldade. Cobriram os corpos inanimados com pedras e lixo, gritando: "Esta é a recompensa da pessoa que ama e daqueles que seguem o Caminho da Sabedoria e Verdade!". Tampouco permitiram que os corpos fossem enterrados num cemitério e sim o lançaram num fosso fora da Porta de Sháh Abdu'l-'Azim, que encheram posteriormente". ("A Traveller's Narrative", Nota B, pp. 174-175).

52 - Enquanto esses acontecimentos se desenrolavam no norte da Pérsia, as províncias do centro e do sul foram profundamente agitadas pelo chamado entusiasta dos missionários da nova doutrina. A ralé - superficial, crédula, ignorante e extremamente supersticiosa - estava aniquilada pelos relatos de constantes milagres que escutavam a cada instante; os Mullás, profundamente preocupados, ao sentir que seu rebanho estava prestes a escapar de seu controle, multiplicaram suas difamações e ofensas; fizeram circular as mais grosseiras mentiras e as fantasias mais cruéis entre a aniquilada multidão que estava dividida entre o terror e a admiração". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 387).

CAPÍTULO XXII - A REVOLTA DE NAYRÍZ

1 - "Depois de transcorrido algum tempo", escreve Mirza Jání, "quando tive a honra de mais uma vez encontrar-me com Áqá Siyyid Yahyá em Teerã, pude observar em seu augusto rosto os sinais de uma glória e poder que não havia notado durante minha primeira viagem com ele à capital, nem em outras ocasiões que o encontrei. Me dei conta que estes sinais pressagiavam a aproximação de sua partida deste mundo. Posteriormente, disse em várias ocasiões durante a conversa: "Esta é minha última viagem e depois desta já não me poderás ver mais". Freqüentemente, seja em forma explícita ou por insinuação, expressava o mesmo pensamento. Algumas vezes, quando estávamos juntos e a conversa apresentava o momento propício, acentuava: "Os santos de Deus podem prever acontecimentos por vir; juro pelo Amado no poder de cuja mão jaz minha alma, que se eu posso decidir onde e como serei morto, e quem será o que me dará a morte. Quão glorioso e bendito será meu sangue se for derramado para enaltecer a Palavra da Verdade!" (O "Taríkh-i-Jadíd", p. 115).

2 - 1850 A. D.

3 - "Sob o impulso de seu zelo e estagnado com o amor a Deus, estava ansioso por revelar à Pérsia a glória e alegria da única e eterna Verdade. 'Amar e ocultar um segredo que tenho é impossível', disse o poeta: é assim como nosso Siyyid começou a ensinar abertamente nas Mesquitas, nas ruas, nos mercados, nas praças públicas, em uma palavra, onde quer pudesse falar à alguém que lhe escutasse. Um entusiasmo tal traz seus frutos e as conversões foram numerosas e sinceras. Os Mullás, profundamente preocupados, denunciaram violentamente este sacrilégio perante o governador da cidade". (A. L. M. Nicolas, "Siyyid 'Ali-Muhammad dit le Báb", p. 390).

4 - Seu nome era Áqá Khán.
5 - Veja glossário.
6 - O Imame Husayn.

7 - O dez de Muharram, dia em que foi martirizado o Imame Husayn.

8 - Deus é Todo Glorioso.
9 - 10 de maio de 1850 A. D.

10 - "Quando estavam amarrando suas costas à boca do canhão, ele disse: "Amarrem-me, eu lhes peço, o meu rosto no canhão para que eu possa ver o momento que disparerem". Os artilheiros e curiosos que estavam próximos ficaram assombrados com a sua coragem. Certamente, pensaram eles, quem se mostra feliz em tal situação deve necessariamente ter grande fé." (O "Taríkh-i-Jadíd", p. 117).

11 - "Áqá Khán ao verificar o desaparecimento do rebelde deu um suspiro de alívio. Além disso, sentia que perseguir os fugitivos implicava em certo perigo e que portanto, seria infinitamente mais prático, mais vantajoso e menos perigoso torturar os Bábís ou aqueles que se presumia que fossem Bábís - sempre que fossem pessoas ricas - que houvessem permanecido na cidade. Perseguiu os mais prósperos, ordenou que fossem executados e confiscou seus bens, vingando desta forma sua injuriada religião, coisa que de pouca importância valia para ele e levando para seus cofres o que lhe trazia grande satisfação". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 391).

12 - Veja glossário.
13 - Veja glossário.

14 - "Os Nayrizis deram calorosas boas vindas a Siyyid Yahyá. Apenas dois dias após a sua chegada um grande número deles veio visitá-lo durante a noite por temor ao governo, disse Fárs-Námih e lhe ofereceram seus serviços, pois odiavam seus governantes. Outros, a maioria residente no distrito de Shinár-Súkhtih, converteram-se em grande número. Seu exemplo era contagioso, e logo os Bábís podiam contar com os tullábs de Shinár-Súkhtih que eram mais ou menos uns cem, seu chefe Hájí Shaykh 'Abdu'l-'Auí, o pai da esposa de Siyyid Yahyá, o extinto Ákhún Mullá 'Abdu'l-Husayn, um senhor de idade muito versado em literatura religiosa. Ákhúnd Mullá Báqir, o Pishnamáz do distrito, Mullá 'Alí Kátib, outro Mullá 'Alí com seus quatro irmãos e o Kad-Khudá, o Rísh-Safíd e outros cidadãos do setor chamado Bazar, tais como o extinto Mashhádí Mirza Husayn chamado Qutb, com toda a família e parentes, Mirza Abu'l-Qásim que era sobrinho do governador. Hájí Muhammad-Táqí, apelidado de Ayyúb e seu genro Mirza Husayn e muitos outros do setor dos Siyyids e o filho de Mirza Nawrá, e Mirza 'Al-Ridá, o filho de Mirza Husayn, o filho de Hájí 'Alí, etc. Todos foram convertidos, alguns durante a noite com grande temor, outros abertamente sem medo, e, alguns em pleno dia". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 393).

15 - Veja glossário.
16 - 27 de maio de 1850 A. D.

17 - "Subiu ao púlpito e exclamou: "Não sou eu por acaso aquele a quem vós haveis considerado como vosso pastor e guia? Não haveis dependido sempre de meu ensinamento para guiar vossas consciências pelo caminho da salvação? Não sou eu aquele cujas palavras de conselho haveis obedecido sempre? Que sucedeu que me tratais como vosso inimigo e o inimigo de vossa religião? Que ações estabelecidas pela lei são proibidas? Que ações ilícitas são permitidas? De que impiedosamente me acusais? Os tenho guiado alguma vez para o terror? Eis aqui! Agora porque vos tenho dito a verdade, porque com lealdade tenho tratado de instruir-vos, se me submetem à opressão e se me perseguem! Meu coração arde de amor por vós e vós me perseguis! Recordai-vos! Recordai-vos bem! Quem me entristece, entristece a meu antepassado Maomé, o glorioso Profeta, e quem me ajuda, ajuda a Ele também. Em nome de tudo o que é sagrado para vós, que todos aqueles que amam o Profeta me sigam!" (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 395).

18 - Veja glossário.
19 - Veja glossário.
20 - Veja glossário.
21 - Veja glossário.

22 - "O autor de Násikhu't-Tavárikh afirma sem erro algum que as tropas imperiais estavam mal treinadas e não mostravam desejo algum de lutar, de modo que, sem pensar em atacar, estabeleceram um acampamento que se apressaram em fortificar de imediato." (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 401).

23 - Veja glossário.

24 - "Ainda que as perdas fossem desta vez mais ou menos as mesmas em ambos os lados, nem por isso as tropas imperiais estavam menos asustadas; a situação estava se prolongando demasiadamente e além disso podia terminar em uma confusão geral entre os muçulmanos, motivo pelo qual resolveram recorrer à falsidade." (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 403).

25 - Veja glossário.

26 - "Pegou o cinturão verde de Yahyá, o símbolo de seu sagrado ancestral, amarraram ao redor do seu pescoço e começaram a arrastá-lo pelo solo. Depois veio Safar cujo irmão Sha-bán havia morrido durante a guerra, depois Áqá Ján, filho de 'Alí-Asghar Khán, o irmão de Zainu'l-Ábidín Khán. E os muçulmanos, excitados pela cena, apedrejaram e mataram o pobre desafortunado com bastonadas. Depois cortaram-lhe a cabeça, arrancaram-lhe a pele, encheram-no com palha e o enviaram como troféu à Shíráz!" ((A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 406).

27 - Segundo o testemunho de 'Abdu'l-Bahá, ele havia memorizado não menos de trinta mil traduções. (Manuscrito que leva o nome de "Bahá'í Martyrs").

28 - Bahá'u'lláh refere-se a ele como "aquela figura única e sem igual em sua época". (Kitáb-i-Iqán", p. 162, 1a edição portuguesa, 1957). O Báb, no "Dalá'il-i-Sab'ih" refere-se a ele nos seguintes termos: "Observa uma vez mais o número do nome de Deus, Siyyid Yahyá! Este homem vivia uma vida tranqüila e santa que ninguém podia negar seus talentos ou sua santidade; todos admiravam sua grandeza em ciências e as alturas que havia alcançado em questões de filosofia. Referiu-se ao comentário sobre o Súratu'l-Kawthar (Alcorão S. 108) e a outros tratados escritos por ele, que provam quão alto põe o lugar que ocupa aos olhos de Deus!" ("Le Livre des Sept Preuves", traduzido por A. L. M. Nicolas, pp. 54-55).

29 - "Siyyid Yahyá foi enforcado com seu próprio cinto por uma pessoa cujos dois irmãos foram mortos durante o cerco. Os demais Bábís também morreram em mãos dos carrascos. As cabeças das vítimas foram recheadas com palha e, levando consigo estes arrepiantes troféus de suas façanhas mais umas quarenta ou cinqüenta mulheres Bábís e uma criança de tenra idade como prisioneiros, o exército vitorioso regressou à Shíráz. Sua entrada naquela cidade foi motivo de regozijo geral; os prisioneiros foram obrigados a marchar pelas ruas e finalmente foram conduzidos à presença do Príncipe Firúz Mirza que estava numa festa na casa de verão chamada Kuláh-Farangí. Em sua presença, Mihr Alí Khán, Mirza Na'ím e os demais oficiais fizeram um relato detalhado da sua vitória e receberam congratulações e condecorações. As mulheres cativas foram finalmente encarceradas em um velho caravansarai fora das portas de Isfáhán. Só podemos fazer conjecturas sobre o modo como foram tratadas por seus captores". ("A Traveller's Narrative", Nota H, p. 190). "Este era um dia de festa, nos disse uma testemunha ocular. Os habitantes estavam espalhados pela campina. Traziam consigo seu alimento e muitos deles bebiam, às escondidas, botijas inteiras de vinho. O ar estava cheio de melodias, as canções dos músicos e os gritos e risadas das mulheres injuriosas. Os bazares estavam enfeitados com bandeiras, a alegria era geral. Repentinamente fez-se um silêncio total. Viram chegar trinta e dois camelos cada um deles levando um prisioneiro, uma mulher ou uma criança, amarrados e colocados de lado sobre a montaria, como um fardo. Ao lado deles havia soldados que levavam grandes lanças e na ponta de cada uma delas estava inserida a cabeça de um Bábí que havia sido morto em Nayríz. Este espetáculo horripilante afetou profundamente a festiva população de Shíráz que regressou, entristecida, às suas casas. A horrível caravana passou pelos bazares e seguiu até o palácio do governador. Este encontrava-se reunido num quiosque, em seu jardim, com os ricos e eminentes cidadãos de Shiráz. Pararam a música, interrompeu-se o baile e Muhammad-'Alí Khán assim como Mirza Na'ím, dois pequenos chefes que participaram da campanha vieram relatar suas valorosas ações e numerar um por um os prisioneiros." ((A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 407).

30 - "Parecia que, por fim, todo este derramamento de sangue havia sido suficiente para saciar o ódio e o apetite dos Muçulmanos. De maneira alguma! Mirza Zaynu'l-Abidín Khán, sentiu-se ameaçado pelo desejo de vingança daqueles os quais havia traído e vencido, não deu trégua nem descanso aos sobreviventes da seita. Seu ódio não conhecia limites e iria durar toda a sua vida. Assim, só enviou para Shiráz os prisioneiros mais pobres. Os ricos ficaram detidos e ele os confiou a uma guarda que recebeu ordens de caminhar com eles pela cidade, castigando-os. As pessoas de Nayríz tiveram muitos entretenimentos nessa ocasião; suspenderam os Bábís, pregaram-lhes pregos e vieram regozijar-se vendo a sua angústia. Puseram palha acesa debaixo das unhas destes mártires desafortunados, marcaram-lhes com ferro quente, privaram-lhes de pão e água, fizeram furos em seu nariz, passaram uma corda e conduziram-nos pelas ruas como se conduz um animal!" (Idem, p. 408).

31 - "Áqá Siyyid Ja'Far-i-Yazdí viu os carrascos queimarem seu turbante e depois o conduziram de porta em porta obrigando-lhe a pedir esmola". ((A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 408).

32 - "Áqá Siyyid Abú-Tálib, que era muito rico, foi acorrentado e enviado pelo gobernador de Nayríz a Ma'dan e ali foi envenenado por Hájí Mirza Nasír, o mesmo homem que havia ordenado ao Báb que beijasse a mão de Shaykh 'Abú-Tur Báb. Alguns Bábís desejosos que Zaynu'l-'Abidín Khán fosse castigado, empreenderam viagem a Teerã para protestar ante sua Majestade pelas atrocidades que haviam sido cometidas. Estavam perto da capital e resolveram descansar um pouco das fadigas da viagem quando uma caravana com pessoas de Shiráz passou por ali e os reconheceram. Todos foram capturados com exceção de um tal de Zaynu'l-'Abidín que logrou escapar e chegar a Teerã. Os demais foram arrastados à Shiráz onde o Príncipe ordenou que fossem imediatamente executados e, assim como estes homens, Karbilá'í Abu'l-Hasan, um vendedor de porcelanas; Áqá Shaykh Hádí, o tio da esposa de Vahíd, Mirza 'Alí e Abu'l-Qásim-ibn-Hájí-Zayná, Akbar-ibn-i-Abid-Mirza Hasan e seu irmão Mirza Bábá deram todos sua vida pela fé nessa época." (Idem, p. 408).

33 - 29 de junho de 1850 A. D.
CAPÍTULO XXIII - MARTÍRIO DO Báb

1 - "Era de conhecimento de todos que havia Bábís por toda parte. A Pérsia estava cheia deles e se as mentes preocupadas por questões transcendentais, os filósofos em busca de novas fórmulas, as almas feridas e violentadas pelas injustiças e debilidades da época presente se entregaram com veemência a idéia e a promessa de uma nova ordem mundial, não seria errado pensar que as imaginações turbulentas dispostas a ação, ainda que com o risco de fracassar, os corações valentes e apaixonados e finalmente os audazes e ambiciosos, se houvessem sentir tentados a incorporar-se a um exército que se mostrava tão bem provido com soldados dignos de construir intrépidos batalhões. Mirza Taqí Khán, maldizendo o modo descansado com que seu predecessor Hájí Mirza Áqásí deixou crescer um perigo tão ameaçador, compreendeu que esta política débil não podia prosseguir e resolveu destruir o mal pela raiz. Convenceu-se que a causa principal era mesmo o Báb, o pai de todas as doutrinas, que estava despertando o povo. Decidiu fazer desaparecer esta causa religiosa." (Conde Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 210-211).

2 - "Entretanto, Hájí Mirza Taqí resolveu golpear a cabeça deste monstro que era o Bábismo e imaginou que, uma vez golpeado, eliminaria definitivamente o instigador desta agitação e silenciaria seu chamado, restabelecendo a ordem antiga. Pensou que a forma mais efetiva para destruí-lo seria arruiná-lo moralmente; tiraria de seu retiro em Chihríq onde um halo de sofrimento, santidade, ciência e eloqüência brilhavam como o sol; mostrá-lo ao povo tal qual era seria a melhor forma de deixá-lo inócuo mediante a destruição de seu prestígio. "Via-o como um charlatão vulgar, um débil sonhador que carecia da valentia necessária para conceber, muito menos ainda de dirigir as audazes empresas de seus três apóstolos ou de sequer participar nelas. Homem como esse, se o levassem à Teerã e se o pusessem cara à cara com os dialéticos mais sutis do Islã, não podia senão render-se de forma vergonhosa. Sua influência desapareceria mais rapidamente que se ao destruir seu corpo, se permitisse que o fantasma de uma superioridade que seria consagrada pela morte, seguisse vivendo na mente do povo. Por esta razão decidiu-se prendê-lo e enviá-lo à Teerã mostrando-o por todo o caminho para o público, acorrentado e humilhado; fazê-lo debater em todas as partes com os Mullás e silenciando-o cada vez que se fizesse demasiado audaz; em suma, obrigá-lo a uma série de encontros desiguais nos quais sua derrota seria inevitável já que de antemão seria desmoralizado quebrantando seu espírito. Era um leão que estavam ansiosos para acovardar, acorrentar, privando-lhe de suas unhas e dentes e logo entregar aos cães para mostrar o quão facilmente poderia ser vencido. Uma vez derrotado, sua morte ulterior seria de pouca importância.

Este plano não carecia de sentido, porém apoiava-se sobre premissas que distavam muito de haver sido provadas. Não bastava imaginar que o Báb carecia de valentia e firmeza, era necessário que fosse realmente assim. Porém sua conduta no forte Chihríq não dava prova alguma contra ele. Orava e trabalhava sem cessar. Sua humildade não sofreu alteração alguma. Aqueles que se acercavam dele sentiam a fascinadora influência da sua personalidade, da sua atitude e de sua palavra. Seus guardas não estavam livres desta debilidade. Ele (o Báb) sentia que estava se aproximando a hora da sua mrote e freqüentemente referia-se a ela com um pensamento não somente familiar senão agradável. Suponhamos, por um momento, que se o exibissem nesta forma através da Pérsia permanecesse ainda inquebrantável? Se em vez de mostrar-se arrogante ou temeroso, se levantasse por cima de sua adversidade? Se confudisse os eruditos, os sutis e eloqüentes doutores com os quais iria se defrontar? E se permanecesse mais que nunca como o Báb para seus antigos seguidores e o chegasse a ser para os indiferentes e inclusive para seus inimigos? Era arriscar muito para ganhar muito, sem dúvida; porém também, quem sabe, para perder muito; por isto, depois de haver meditado o assunto com cuidado não se atreveram a correr o risco". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 211-213).

3 - "O primeiro ministro mandou chamar Sulaymán Khán, o Afshár, e lhe pediu que levasse uma ordem ao Príncipe Hamzih Mirza em Tabríz. Governador de Adhirbáyján, que retirasse o Báb do forte de Chihríq e que o encarcerasse na cidadela de Tabríz onde resolveria posteriormente a sua sorte". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 213).

4 - 12 de junho - 11 de julho de 1850 A. D.

5 - Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 42) o Báb havia formado não menos de trezentos e sessenta derivados da palavra "Bahá".

6 - Título pelo qual se designava Bahá'u'lláh nesses dias.

7 - "O fim do ministério terreno do Báb está agora muito perto de nós. Ele mesmo também o sabia antes que acontecesse e não mostrava desagrado ante tal pressentimento. Já havia "posto sua casa em ordem", no que se referia as questões espirituais da comunidade Bábí, as quais havia deixado, se não me engano, nas mãos da sabedoria intuitiva de Bahá'u'lláh... É impossível não sentir que isto é muito mais provável que o ponto de vista que faz de Subh-i-Azal o custódio das escrituras sagradas e ele que devia arranjar um lugar de repouso para os restos sagrados. Tenho muito receio que os Azalís têm manipulado as tradições em interesse de seu partido". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliation of Races and Religions", pp. 65-66).

8 - Veja glossário.
9 - Perseguidores dos descendentes de Maomé.

10 - Não há dúvidas que é uma coincidência singular que tanto 'Alí-Muhammad e Jesus Cristo apareçam dizendo estas palavras à um discípulo: "Neste dia estarás comigo no Paraíso". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliation of Races and Religions", p. 185).

11 - Veja glossário.

12 - "No dia seguinte, pela manhã, os guardas de Hamzih Mirza abriram as portas da prisão fazendo sair o Báb e seus dois discípulos. Certificaram-se que os ferros que tinham ao redor do pescoço e de suas mãos estavam firmes; amarraram ao colar de ferro de cada um, uma corda que era segura por um farrash. Depois disto, com a finalidade que todos pudessem vê-los bem e reconhecê-los, conduziram-nos a pé pela cidade, pelas ruas e bazares, golpeando-lhes e insultando-lhes. A multidão veio para as ruas e as pessoas subiam nos ombros uma das outras, para poder ver melhor este homem do qual se falava tanto. Os Bábís, os meio Bábís, dispersos em todas as direções, tratavam de despertar certa simpatia ou um pouco de lástima entre os curiosos, com o que esperavam alguma ajuda para salvar a seu Mestre. Aqueles que eram indiferentes, os filósofos, os Shaykhís, os Súfis se afastaram da cena com asco e regressaram às suas casas ou, ao contrário, esperaram o Báb em alguma esquina e simplemente o olhavam com silenciosa curiosidade. A esfarrapada multidão, inquieta e excitada, lançava insultos aos três mártires, porém todos estavam prontos a mudar de parecer, caso ocorresse alguma mudança das circunstâncias.

"Finalmente os Muçulmanos vitoriosos perseguiram os prisioneiros com insultos, tentaram romper a cadeia de guardas com o objetivo de golpeá-los na face ou sobre a cabeça e quanto tinham êxito ou quando algum objeto lançado por algum menino acertava o Báb ou a um de seus companheiros na face, os guardas e a multidão caiam às gargalhadas". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 220).

13 - "O Báb guardou silêncio. Seu rosto pálido e formoso enquadrado por uma barba negra e um pequeno bigode, seu aspecto e seus modos refinados, suas mãos brancas e delicadas, suas vestimentas simples e asseadas - tudo isso fazia despertar a simpatia e a compaixão". ("Journal Asiatique", 1866, tomo 7, p. 378).

14 - "Uma prova da devoção e constância deste homem nobre se encontra numa carta de seu próprio punho e letra que se encontrava em poder de seu irmão que ainda vive em Tabríz. Esta carta ele a escreveu quando estava na prisão, dois ou três dias antes de seu martírio, em contestação a seu irmão que o aconselhava a afastar-se de sua devoção e servicitude; nela ele faz sua apologia. Em vista que o mártir era o irmão menor, adota um tom respeitoso em sua carta. O texto da carta de contestação é o seguinte: "Ele é o compassivo. Oh meu Qiblih! Graças sejam dadas a Deus, não tenho nada que reclamar em minhas circunstâncias atuais e "cada taefa vem seguida de um descanso". Quanto ao que haveis escrito, que este assunto não tenha fim. Que assunto tem, pois, fim? Nós pelo menos não nos sentimos descontentes com ele; nos encontramos incapazes, por certo, para expressar em grau suficiente nossa gratidão por esta bendição. Só poderemos ser mortos por causa de Deus e oh! Quanta felicidade se encontra nisto! A vontade do Senhor deve ser levada a cabo por Seus servos e tampouco pode a prudência modificar um destino predeterminado. Aquilo que é a vontade de Deus, sucede: Não tem força alguma salvo em Deus. Oh meu Qiblih! O fim da vida no mundo é a morte: "Toda alma gostará da morte". Se o destino fixado por Deus (Poderoso e glorificado seja Ele) me há de alcançar, então Deus é o guardião de minha família e vós sois meu fideicomisso; trabalha de tal forma que agrade a Deus. Perdoa qualquer deficiência em respeito ou dever ante um irmão maior para que possa eu ser o culpado, procura fazer que me perdoem todos os de meu lugar e encomenda-me a Deus. Deus é minha porção e quão bondoso é Ele como guardião!" (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 301-303).

15 - "Quando se fuzilam os condenados na Pérsia, eles são amarrados a um poste com a vista virada, afastada dos expectadores, para que não possam ver os sinais que o oficial dá para a execução". (Journal Asiatique, 1866, Tomo 7, p. 377).

16 - "Ouviu-se um clamor intenso por parte da multidão nesse instante enquanto que os curiosos viam como o Báb, livre das cordas que O amarravam, avançava até eles. Surpreendente acreditar, porém as balas não haviam tocado no condenado e pelo contrário, haviam cortado suas amarras deixando-o em liberdade. Era um verdadeiro milagre e só Deus sabe o que houvera sucedido sem a fidelidade e serenidade do regimento cristão durante este sucesso. Com o objetivo de aquietar a excitação da multidão que em sua agitação estava preparada para crer nas afirmações de uma religião que demonstrava desta forma a sua verdade, os soldados mostraram as cordas cortadas pelas balas, demonstrando que não havia ocorrido nenhum milagre na realidade. Ao mesmo tempo apreenderam o Báb e o amarraram uma vez mais no poste fatal. Desta vez a execução teve êxito. A justiça muçulmana e a lei eclesiástica haviam se imposto. Porém a multidão, vividamente impressionada pelo espetáculo que havia visto dispersou-se lentamente, mal convencida que o Báb era um criminoso. Depois de tudo, seu crime só era um crime para os legalistas e o mundo se mostra indulgente perante crimes que não entende". (M. C. Huart: "La Religion du Báb", pp. 3-4).

"Sucedeu uma coisa extraordinária, sem paralelo nos anais da história da humanidade: as balas cortaram a corda que o estavam amarrando e ele caiu de pé sem sofrer um arranhão". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 375).

"Por uma estranha coincidência, as balas só tocaram as cordas que amarravam o Báb, estas se romperam e Ele caiu livre. Produziu-se um grande alvoroço por todos os lados e todos gritavam, sem compreender a princípio, o que é que havia acontecido". (Idem, p. 379).

17 - Segundo "A Traveller's Narrative" (p. 45), "os peitos das vítimas foram crivados de balas e seus membros totalmente seccionados, exceto suas faces que ficaram pouco afetadas".

18 - "Louvado seja Deus que manifestou o Ponto (O Báb) e fez que Dele se procedesse o conhecimento de tudo o que é e será... Ele é esse Ponto do qual Deus fez um Oceano de Luz para os fiéis dentre Seus servos e uma Bola de Fogo para os negadores entre Suas criaturas e os ímpios entre Seu povo". (Bahá'u'lláh, o "Ishráqát", p. 3). Do mesmo modo, em Sua interpretação da letra "Há", Ele anelava o martírio, dizendo: "Pareceu-me ouvir uma Voz chamando no mais íntimo do meu ser - Sacrifica no caminho de Deus aquilo que mais amas, assim como Husayn - que a paz desça sobre ele - ofereceu a vida por Minha causa! E se eu não atentasse este inevitável mistério, por Aquele que tem meu ser entre as mãos, se todos os reis da terra se coligassem, não teriam o poder de me privar de uma só letra; quanto menos ainda o que podem esses servos que não dignos de nenhuma atenção e que, em verdade, se acham entre os rejeitados... Para que todos possam conhecer o grau de Minha paciência. Minha resignação e abnegação no caminho de Deus". ("Kitáb-i-Iqán", 1a edição, p. 168). "O Báb, o Senhor, o Altíssimo - que todos sacrifiquem a vida por Ele - revelou uma Epístola específica para os ulemás de todas as cidades, na qual Ele expôs de forma completa a natureza da negação e repúdio de cada um deles. Portanto, prestai atenção, ó vós que sois perspicazes!" (Bahá'u'lláh. "Kitáb-i-Iqán", 1a edição, p. 166). "Esta Alma ilustre levantou-se com tal poder que sacudiu as bases da religião, da moral, dos hábitos e dos costumes da Pérsia e instituiu novas regras, novas leis e uma nova religião. Mesmo quando os dirigentes do estado, quase todo clero e os funcionários públicos se uniram e se levantaram para destruí-lo e aniquilá-lo, Ele sozinho os resistiu e mobilizou toda a Pérsia. Ele ensinou a educação Divina à uma multidão ignorante produzindo resultados maravilhosos sobre os pensamentos, a moral, os costumes e as condições dos persas". ('Abdu'l-Bahá, "Some Answered questions", pp. 30-1). "Os cristãos estão convencidos que se Cristo quisesse descer da cruz poderia tê-Lo feito facilmente; morreu pela própria vontade porque estava escrito que assim devia ser para que se cumprissem as profecias. O mesmo é verdade do Báb, dizem os Bábís, que deu, desta forma, umo sanção clara a seus ensinamentos. Ele também morreu voluntariamente, porque Sua morte ia trazer a salvação para a humanidade. Quem nos dirá alguma vez as palavras que o Báb disse em meio ao tumulto sem precedente que explodiu no momento de Sua ascensão? Quem saberá as recordações que agitavam Sua alma nobre? Quem nos revelará o segredo daquela morte... A visão da baixeza, os vícios e os enganos do clero violentaram a sua alma sincera e pura: Ele sentiu a necessidade de uma profunda reforma na moral pública e não há dúvida, que vacilou mais de uma vez, ante a idéia de uma revolução que parecia inevitável, para libertar os corpos assim como as mentes da opressão estúpida e da violência que imperava em toda a Pérsia em benefício egoísta de uns poucos... dos que buscavam prazeres e para grande vergonha da verdadeira religião do Profeta. Deve ter-se sentido perplexo, com profunda ansiedade, enquanto sentia a necessidade de ter o triplo escudo, que falava Horácio, para lançar-se de cabeça no oceano de superstição e ódio que fatalmente deveria engolfá-lo. Sua vida tinha sido um dos exemplos magníficos da valentia que a humanidade teve o privilégio de conhecer e também uma prova admirável de amor que o Báb sentia por seus compatriotas. Sacrificou-se pela humanidade, por ela deu seu corpo e sua alma, por ela suportou privações, insultos, torturas e o martírio. Selou, com seu próprio sangue, o convênio da fraternidade universal. Como Jesus, pagou com Sua vida a proclamação de um reino de concórdia, eqüidade e amor fraternal. Sabia, melhor do que ninguém, dos terríveis perigos que estava amontoando sobre si mesmo. Pode ver pessoalmente a que grau de exasperação podia alcançar um fanático, despertado com astúcia; porém todas estas considerações não fizeram vacilar sua resolução. O temor não tinha lugar em sua alma e com perfeita serenidade, sem olhar para trás e em plena possessão de todas as suas faculdades, entrou caminhando na fogueira". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Muhammad-'Alí dit le Báb", pp. 203-4-376).

"O cabeça da nova religião estava morto e, de acordo com as previsões do primeiro ministro, a mente do povo estaria em paz e já não havia motivos para preocupação, pelo menos desta fonte. Porém esta sabedoria política frustrou-se, e, em vez de aquietar as chamas, só serviu para avivá-las alcançando maior violência ainda".

"Veremos mais adiante, quando examinarmos os dogmas predicados pelo Báb, que a continuidade da seita não dependia em absoluto da sua presença física; tudo podia seguir em frente e crescer sem ele. Se o primeiro ministro houvera percebido esta característica fundamental da religião hostil, não é provável que se mostrasse tão ansioso para desfazer-se de um homem cuja existência não havia tido, depois de tudo, maior significação que sua "morte". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 224-225). "Um profeta tal", escreve o Rev. Dr. T. K. Cheyne, "era o Báb; o chamamos "profeta" na falta de um vocativo melhor; "em verdade vos digo, um profeta é mais que um "profeta". Sua combinação de modéstia e poder é tão excepcional que devemos colocá-lo em uma linha de homens superdotados... Diziam que, em momento sobrepujantes da sua carreira, depois que havia estado em êxtase, fluía de Seu rosto um resplendor e majestade de tal magnitude que ninguém podia suportar, admirar a fulgência de Sua glória e beleza. Mesmo as pessoas que não acreditavam Nele, não raro, inclinavam-se involuntariamente em humilde reverência ao ver Sua Santidade; enquanto os moradores do castelo ainda que fossem cristãos e sunitas, se prostavam com reverência quando viam o rosto de Sua Santidade. Tais transfigurações são bem conhecidas nos santos. Consideravam-na como a colocação do selo celestial a realidade e totalidade do desprendimento do Báb". (The Reconciliation of Races and Religions", pp. 8-9). "Quem pode deixar de sentir-se atraido pelo suave espírito de Mirza Muhammad-'Alí? Sua vida cheia de dor e perseguições; sua pureza de conduta; sua juventude; sua valentia; sua paciência sem renúncia ante as adversidades; Sua total renúncia de si mesmo; o tênue ideal de uma ordem de coisas melhor que se pode vislumbrar através das obscuras e místicas expressões do Bayán; porém mais que tudo, Sua trágica morte, tudo serve para conquistar nossa simpatia em favor do jovem profeta de Shiráz. O encanto irresistível que Lhe conquistou tanta devoção durante toda a Sua vida, todavia perdura e continua influenciando as mentes do povo persa". (Um artigo do Prof. E. G. Browne: "Os Bábís da Pérsia", Journal of the Royal Asiatic Society, 1889, p. 933). "Poucos são os que crêem que mediante estas medidas sanguinárias se desjaram propagar as doutrinas do Báb. Há um espírito de permuta entre os persas que preservará seu sistema da extinção; além disso, suas doutrinas são atraentes para os persas. Ainda que na atualidade se encontre subjugada e obrigada a manter-se oculta nos povos, difunde-se cada dia mais". (Lady Shell: "Glimpses of Life and Manners in Pérsia", p. 181). "A história do Báb, que se chamava Muhammad-'Alí, foi uma história de heroísmo espiritual que não havia sido sobrepujada na experiência de Svabhava; e seu próprio espírito de aventura viu-se incendiado por ela. Que um jovem sem influência social e sem educação pudesse, mediante o simples poder intuitivo, penetrar no coração das coisas, ver a autêntica verdade, e que logo se agarra a ela com firmeza tal de convicção para apresentá-la na forma tão persuasiva que pudesse convencer os homens que ele era o Messias, e conseguir que lhe seguissem até a morte, era um daqueles feitos extraordinários da história humana sobre os quais Svabhava amava meditar... A apaixonada sinceridade do Báb não se podia por em dúvida, porque ele deu Sua vida por Sua fé. Deve haver algo em Sua mensagem que agradava aos homens e satisfazia suas almas; podia se atestar isto pelo feito de milhares darem suas vidas por sua causa e milhões agora o seguirem. Se pela sinceridade de Seu propósito e a atração de Sua personalidade podia um jovem, em só seis anos de ministério, inspirar a tal ponto ricos e pobres, cultos e ignorantes com uma fé tamanha Nele e em Suas doutrinas que permaneciam firmes mesmo quando eram perseguidos, quando eram sentenciados a morte mesmo sem julgamento, cortados em dois com um serrote, enforcados, fuzilados ou disparados de canhões; e se homens de elevado culto e posição tanto na Pérsia, Turquia e Egito aderiram em grande número às Suas doutrinas; Sua vida deve ser um daqueles acontecimentos que nos últimos cem anos merece realmente ser estudada". (Sir Francis Younghusband: "The Glean", pp. 183-184). "É assim que, aos trinta anos de idade, no ano de 1850, terminou a heróica carreira de um verdadeira Homem-Deus. Da sinceridade de Sua convicção de haver sido designado por Deus, é a forma mais eloqüente possível, a forma em que morreu. Na crença que mediante ele salvaria a outros de erro de suas convicções atuais, sacrificou voluntariamente Sua vida. E do poder que tinha para atrair os homens fazia ele o testemunho convincente a apaixonada devoção com que centenas e ainda milhares de homens dessem suas vidas em favor da Sua causa". (Idem, p. 210). "O Báb estava morto, porém não o Bábismo. Ele não foi o primeiro e tampouco foi o último de uma longa cadeia de mártires os quais testemunharam que, dentro de um país gangrenado pela corrupção e atrofiado pela indiferença como a Pérsia, a alma de uma nação sobrevive, inarticulada quem sabe, e de certa forma impotente, porém ainda capaz de espasmos de vitalidade". ("Valentine Chirol: The middle Eastern Question", p. 120)".

19 - 9 de julho de 1850 A. D.

20 - "O Imperador da Rússia", disse Hájí Mirza Jání, "solicitou ao cônsul deste país em Tabríz, que investigasse plenamente as circunstâncias relacionadas com Sua Santidade, o Báb, e que enviasse um relatório. Quando chegou esta notícia, as autoridades persas condenaram à morte o Báb. O cônsul da Rússia chamou Áqá Siyyid Muhammad-Husayn, o amanuense do Báb, que se encontrava encarcerado em Tabríz e o interrogou sobre os sinais e circunstâncias de Sua Santidade. Devido a presença de muçulmanos no momento, Áqá Siyyid Husayn não se atreveu a falar com clareza sobre Seu Mestre, porém mediante insinuações conseguiu comunicar várias questões e também o deu (ao cônsul russo) alguns dos escritos do Báb". (Esta asseveração, é pelo menos em parte verídica, atesta o relato de Dorn, o qual, ao descrever um manuscrito de um dos "Comentários sobre os Nomes de Deus" do Báb, que ele chamou de "Quran der Bábí", disse na pág. 248 do vol. 8 do "Bulletin de l'Académie Imperiale des Sciences de St. Pétersbourg", que foi recebida diretamente do próprio secretário do Báb que, durante seu encarceramento em Tabríz, passou o documento às mãos européias". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 395-396).

21 - Veja glossário.

22 - "Seguindo um costume imemorial no Oriente, de que houve um bom exemplo no sítio de Béthulie assim como também no sepulcro de nosso Senhor, o sentinela é um soldado que dorme a sono solto no posto que se supõe deve vigiar". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 166). "Podemos ver nesta história que classe de gente são os sentinelas persas; sua função consiste principalmente em dormir emtorno dos que estão encarregados de vigiar". (A. L. M. Nicolas: Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 378).

23 - "M. de Gobineau, concordando nisto com os autores do Násíkhu-t-Taváríkh, de Radatu's-Safá, de Mir'átu'l-Buldán e, numa palavra com todos os historiadores oficiais, relata que, depois da execução,o corpo do Báb foi atirado em uma fossa da cidade e devorado pelos cães. Na realidade não foi assim e veremos porque havia sido difundida esta notícia pelas autoridades de Tabríz (pouco dispostas a atrair sobre suas cabeças uma reprimenda governamental por um serviço pago a tão alto preço) assim como pelos Bábís os quais estavam desejosos de evitar novas investigações da polícia. O depoimento mais digno de confiança dos mesmos testemunhos do drama e de seus atores, não me deixam dúvidas de que o corpo de Siyyid 'Alí-Muhammad foi recolhido por mãos piedosas e que finalmente, depois de numerosos incidentes que relatarei, recebeu digna sepultura". (Idem, p. 377).

23 - "E assim como Teerã está dotada, em sinal de respeito, com o mausoléu e santuário do Sháh 'Abdu´l-Azím, descansando sob uma cúpula dourada cujo brilho eu havia visto de longe enquanto cavalgava para a cidade, os restos deste santo indivíduo atraem, segundo se diz, trezentas mil visitas durante o ano. Observo que a maioria dos escritores põe um tênue véu sobre a sua ignorância da identidade do santo, descrevendo-o como um "santo muçulmano", cujo santuário é muito visitado pelos piedosos Tihránís. No entanto, muito antes do advento do Islã, este havia sido um lugar sagrado como o sepulcro de uma dama muito santa, em conexão com o qual é digno de notar-se que o santuário é protegido todavia, em grande parte por mulheres. Aqui, depois da conquista muçulmana, foi sepultado Imán-Zádih Hámzih, o filho do sétimo Imán; Musá-Kázim; a este lugar também veio fugindo Khalif Mutavakkil, um santo personagem chamado Abu'l-Qasim 'Abdu'l-Azím, que viveu oculto em Rayy até a sua morte cerca de 861 A. D. (Este é o relato dado por Kitáb-i-Majlisí persa, que o Shayk Najáshí, o qual cita a Barkí). Posteriormente sua fama obscureceu a de seu mais ilustre predecessor. Sucessivos soberanos, especialmente os da dinastia reinante, têm aumentado e embelezado o conjunto de edifícios construídos sobre seu sepulcro cuja popularidade crescente fez com que uma aldeia se desenvolvesse ao redor do lugar sagrado. A mesquita está situada numa planície, a mais ou menos seis milhas a sudoeste da capital, um pouco além das ruínas de Rayy, a extremo do grupo de montanhas que fecham a planície de Teerã para sudoeste". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", pp. 345-347).

25 - Um santuário local em Teerã.

26 - "É verdade", escreve Lord Curzon, "que seu reinado (de Nasiri'd-Dín Sháh), foi desfigurado por uma ou duas ações de lamentável violência; a pior destas foi o assassinato de seu Primeiro Ministro, Mirza Taqí Khán, o Amír-Nizám. O cunhado do Sháh e primeiro súdito do reino, atribuiu à vingativa intriga cortesã e aos zelos maliciosamente excitados de seu jovem soberano, uma desgraça com ele que não satisfez seus inimigos até que obtivessem a morte da sua decadente, porém, ainda perigosa vítima". ("Persia and the Persian Question", vol. I, p. 402).

27 - "Todo mundo sabia que os Bábís haviam predito a morte do Primeiro Ministro e haviam anunciado a forma como sucederia. Aconteceu precisamente da forma que haviam anunciado os mártires de Zanján, Mirza Ridá Hájí Muhammad-'Alí e Hájí Mushin. Caído em desgraça e perseguido pelo ódio real, suas veias foram cortadas na aldeia de Fín, perto de Káshán, assim como haviam sido cortadas as veias de suas vítimas. Seu sucessor foi Mirza Áqá Khán-i-Núrí de uma nobre tribo de Mázindarán, que em outro tempo havia sido ministro da guerra. Este novo oficial tomou o título de Sadr-i-A'zam que é o privilégio dos grandes vizires do Império Otomano. Isto sucedeu em 1852. (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 230).

CAPÍTULO XXIV - A REVOLTA DE ZANJÁN

1 - Zanján é capital do distrito de Khamsih. "Khamsih é uma pequena província a este de Kaflán-Kúh ou montanha do Tigre, entre o Iraque e Ádhirbáyján. Sua capital, Zanján, é uma cidade formosa, rodeada por muralhas reforçadas por torres como todas as cidades persas. Os habitantes são de raça turca e a língua persa raramente é falada a não ser por empregados do governo. O território circundante está semeado por pequenas aldeias que são bastante prósperas. Tribos poderosas as visitam, principalmente no inverno e na primavera." (Idem, p. 191).

2 - "Nesses anos (D. H. 1266 e 1267), em toda a Pérsia, caiu fogo sobre o teto das casas dos Bábís e cada um deles, não importa em qual aldeia estivessem, era subjugados pelas armas pela mais insignificante suspeita. Mais de quatro mil almas perderam a vida e grande número de mulheres e crianças ficaram sem proteção ou ajuda, desorientados, confundidos e finalmente foram subjugados e destruídos." ("A Traveller's Narrative", pp. 47-48).

3 - "Naquela cidade vivia um mujtahid chamado Mullá Muhammad-'Alíy-i-Zanjání. Era nativo de Mázindarán e foi aluno de um mestre célebre, que tinha o título de Sharífu'l-Ulamá. Muhammad-'Alí concentrou sua atenção sobre a teologia dogmática e a jurisprudência, chegando a ser famoso. Os muçulmanos afirmam que em sua função como mujtahid mostrou-se inquieto e turbulento. Nenhuma questão jamais lhe pareceu suficientemente estudada nem devidamente esclarecida. Seus fatvás repetidos desconcertavam a consciência e confundiam a prática dos fiéis. Ansioso por introduzir modificações, nunca era tolerante nas discussões nem comedido nos debates. Em ocasiões prolongava sem razão o jejum de Ramadán por motivos que ninguém havia aduzido antes, outra vezes modificava o rito da oração de forma bastante revolucionária. Para os pacíficos resultava indesejável e para os tradicionalistas odioso. Admite-se também que havia muitos que o seguiam considerando-o um santo, louvavam seu zelo e depositavam sua confiança nele. Um juiz imparcial podia reconhecer nele um desses muçulmanos que só o são em aparência e urgidos por uma fé viva e um zelo religioso abundante para os que buscam ansiosamente um campo propício. Sua desgraça foi que encontrou, ou acreditou encontrar, um uso natural de seus poderes derrubando tradições cuja escassa significação não justificava semelhante transtorno". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 191-192).

4 - 1812-1813 A. D.

5 - "Entre os 'Ulemás da cidade encontrava-se um homem chamado Akhúnd Mullá 'Abdu-'r-Rahím, renomado por sua piedade. Tinha um filho que vivia em Najáf e em Karbilá onde assistia às aulas do célebre Sharífu'l-'Ulamáy-i-Mázindarání. Este jovem era de espírito bastante inquieto e impaciente com a estreiteza do shiísmo." (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 332).

6 - "Em seu regresso da Terra Santa deteve-se em Hamadán onde os cidadãos lhe deram um cordial acolhida e solicitaram encarecidamente para que ele ficasse". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 336).

7 - "Todos os Ulemás da cidade vieram visitá-lo e ao partirem mostravam-se preocupados pelas poucas palavras que ele havia dito e que revelavam uma forma muito moderna de pensar. Na verdade, a atitude do recém-chegado logo provou a estes homens piedodos que suas conjecturas tinham bom fundamento". (Idem).

8 - "Havia um caravansarai do tempo do Sháh 'Abbás que gradualmente se transformou num síghih-khánih (prostíbulo); a fim de evitar a quebra das leis xiitas, um tal Mullá Dúst-Muhammad que havia estabelecido ali sua residência, abençoava as uniões transitórias entre os homens e as pensionistas do estabelecimento. Hujjátu'l-Islám - este foi o título que se auto-denominou este Mullá - ordenou que se fechasse a instituição, casou a maioria destas mulheres e arranjou emprego para as restantes em lugares honrosos. Também mandou açoitar um comerciante de vinhos e ordenou que fosse destruída sua casa". (Idem, pp. 332-333).

9 - "Porém não se limitou a isso sua atividade. Sempre preocupado por problemas suscitados por uma religião baseada em hadíths que eram freqüentemente contraditórios, causou perplexidade na consciência dos fiéis com estranhos fatvás que transtornavam antigas tradições. Assim, restaurou o hadíth segundo o qual Maomé havia dito: 'O mês de Ramadán sempre é cheio.' Sem investigar a origem daquela tradição e sem averiguar se aqueles que a transmitiram eram dignos de confiança, ordenou que devia ser obedecido literalmente induzindo assim a quem a escutasse que jejuasse no dia Fitr, o que se considerava um pecado grave. Também permitiu que durante a oração as prostrações se fizessem descansando a cabeça sobre uma pedra de cristal. Todas estas inovações lhe carrearam grande número de adeptos que admiravam sua atividade e ciência, porém causaram nojo ao clero oficial cujo ódio, acrescentado mais ainda pela inquietude, não conhecia limites". (Idem, p. 333).

10 - "Hujját veio e mediante a cortesia de sua atraente personalidade, logo conquistou a todos que o conheciam, inclusive Sua Majestade. Certo dia, conta uma história, encontrava-se no palácio do Sháh com vários de seus colegas quando um deles, um 'Ulemá de Káshán, pegou um documento e solicitou ao rei que o firmasse com o selo real. Era um decreto que concedia certos estipêndios. Hujját pôs-se de pé e denunciou amargamente a um clero que mendigava pensões ao governo. Lançou mão dos hadíths e do Alcorão para mostrar quão vergonhosa era esta prática que havia começado com os Báni-Umayyih. Seus colegas ficaram fora de si de raiva, porém o Sháh, muito contente com tanta franqueza, o presenteou com um cajado e um anel e o autorizou a regressar a Zanján". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Muhammad-'Alí dit le Báb", pp. 333-4).

11 - "Os habitantes de Zanján vieram em multidão encontrá-lo e ofereceram em sacrifício bois, ovelhas e galinhas. No centro do cortejo havia doze meninos, cada um deles de doze anos de idade, com um lenço vermelho amarrado no pescoço, numa demonstração de que estavam dispostos a sacrificar tudo o que tinham. Foi uma entrada triunfal". (Idem, p. 334).

12 - "Transformou seus discípulos em modelos de virtude e moderação; daqui para a frente os homens saciariam sua sede na fonte da vida espiritual. Jejuavam durante três meses, alongavam suas orações agregando todos os dias uma inovação de Já'far-i-Tayya'r, faziam uma vez por dia suas abluções com a água de Qur (medida legal de pureza) e finalmente às sextas-feiras iam às mesquitas". (Idem, p. 334).

13 - "Finalmente pronunciou em voz clara a oração das sextas-feiras que deve ser recitada quando chegar o Imame, em lugar da que se utiliza diariamente. Depois deu a conhecer certos números de palavras do Báb e concluiu com as seguintes palavras: 'A meta pelo qual venho lutando neste mundo, está alcançada, livre de véus e obstáculos. O Sol da Verdade amanheceu e as luzes da imaginação e imitação estão extinguidas. Fixem vossos olhos sobre o Báb e não sobre mim que sou o mais humilde de seus escravos. Minha sabedoria em comparação com a Sua é como um pavio apagado ante o sol do meio-dia. Conheça Deus por Deus e ao sol por seus raios. Eis aqui, hoje apareceu o Sáhibu'z-Zamán, o Sultán das Possibilidades'. Não há como descrever o que estas palavras causaram de profunda impressão no auditório. Quase todos aceitaram esta mensagem e conversaram entre si a respeito da verdadeira natureza do Báb". (Idem, p. 335).

14 - "A conversão de Mullá Muhammad-'Alí e seus numerosos partidários terminaram por fazer perder a paciência do Imán-Jum'ih e de Shaykhu'l-Islám. Escreveram cartas furiosas à Sua Majestade que respondeu fazendo prender o culpado". (Idem, p. 336).

15 - "Esteve em Teerã até o dia em que, depois da morte de Muhammad Sháh, Násiri'd-Dín Mirza, agora Násiri'd-Dín Sháh, nomeou como governador de Zanján a um de seus tios, amír Arslán Khán Majdu'd-Dawlih, que era Ishíq Ághásí do palácio". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 337).

16 - "Teve uma entrada triunfal em sua cidade natal. Agora que ele era um Bábí somaram às suas antigas amizades os seguidores da nova doutrina. Grande número de homens, gente rica e respeitada, militares, comerciantes e inclusive Mullás vieram a seu encontro quando se achava a uma distância de uma ou duas jornadas e o escoltaram à sua casa, não como a um exilado que regressa, não como um suplicante que só busca o descanso nem tampouco como um rival o suficientemente forte como para demandar respeito, senão que entrou como um amo". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 193). "O autor de Násikhu't-Taváríkh' em pessoa reconheceu que um bom número de cidadãos de Zanján e entre eles oficiais de alta patente, viajaram uma distância de duas jornadas para encontrá-lo. Foi recebido como um conquistador e muitas cabeças de gado foram sacrificadas em sua honra. Nenhum de seus adversários se atreveu a perguntar por que havia saído de Teerã para regressar a Zanján; o Islán se viu severamente posto à prova já que os Zanjánís não vacilaram em ensinar a nova doutrina por toda a cidade. O autor muçulmano fez notar que os zanjánís eram pessoas sensíveis e por este motivo caíram facilmente na armadilha; contradizendo-se, no entanto, disse que só os velhacos, os que ansiavam bens terrenos e os ímpios se congregaram ao redor do novo chefe. No entanto eram bastante numerosos e de acordo com seu relato alcançavam quinze mil, o que parece ser uma cifra exagerada". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 337-338).

17 - "Majdu'd-Dawlih, o gobernador da cidade, que era um homem severo e cruel, se enfureceu ao ver o regresso de uma pessoa tão revoltante como Hujját, por isso ordenou que Muhammad Bik fosse açoitado e que fosse arrancada a língua de Karbilá'í Valí". (Idem, p. 337).

18 - Veja glossário.
19 - Veja glossário.

20 - "Ao ver o espetáculo os muçulmanos fugiram e o homem ferido foi cuidado pela tia de Mír Saláh em sua própria casa". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 341).

21 - 16 de maio de 1850 A. D.

22 - "O governador e os ulemás escreveram informes à Sua Majestade nos quais se fazia evidente seu temor e perplexidade. O Sháh que apenas havia terminado com a guerra em Mázindarán e furioso ante a idéia de outra rebelião em seu império, alertado por seu filho Sadr-i-A'zám e os ulemás, que haviam declarado a guerra santa deu ordens para matar os Bábís e saquear suas possessões. Foi uma sexta-feira, três de Rajab que a ordem chegou a Zanján". (Idem, pp. 342-343).

23 - "Tudo era incrível confusão. Os muçulmanos corriam desesperados de uma parte à outra, buscando as suas esposas, seus filhos e seus bens. Iam e vinham como elouquecidos, aniquilados, chorando sobre o que tinham que abandonar. As famílias se dividiam, os pais rechaçavam seus filhos, mulheres a seus maridos e filhos e suas mães. Casas inteiras ficavam desertas por causa da grande precipitação e o governador enviou soldados às aldeias vizinhas para obter novos recrutas para a guerra santa". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 342).

24 - "Os Bábís, por sua parte, não ficaram inativos. Organizaram-se para sua própria proteção. Hujját os exortava a jamais atacarem, porém sempre se defenderem. "Irmãos," costumava dizer-lhes, "não se envergonhem de mim. Não creiam que por ser companheiros do Sáhibu'z-Zamán devam conquistar o mundo mediante a espada. Tomo a Deus por testemunha; serão mortos, serão queimados e enviarão suas cabeças de cidade em cidade. A única vitória que os espera é o sacrifício de vocês, de suas esposas e de suas propriedades. Deus sempre tem decretado que em todas as idades o sangue dos crentes há de ser o azeite da lâmpada da religião. Ouviram falar das torturas que suportaram os santos mártires de Mázindarán. Morreram porque afirmaram que o Mihdí prometido havia chegado. Eu lhes digo, quem quer que não tenha a fortaleza para suportar semelhante tortura, que siga outro caminho porque nós teremos de suportar o martírio. Não está por acaso o nosso mestre em seu poder? (Idem, pp. 342-343).

25 - "Imagine-se leitor numa cidade persa. As ruas são estreitas e medem quatro ou cinco pés de largura. A superfície sem calçamento tem tantos buracos que é preciso andar com cuidado para não quebrar uma perna. As casas que carecem de janelas para a rua, apresentam muralhas de ambos os lados, ininterruptas que em geral alcançam mais ou menos quinze pés de algura sobre a qual tem um terraço sem varanda, em algumas ocasiões coroada por um bálá-Khánih ou pavilhão aberto que é em geral, um sinal de uma casa rica. Tudo isto é feito de adobe ou tijolos cozidos ao sol. As colunas são feitas de tijolos cozidos no forno. Este tipo, que é antiqüíssimo e estava em uso inclusive em épocas remotas na Mesopotâmia, tem muitas vantagens: é barato, é saudável e se adapta a planos modestos ou pretenciosos; pode ser uma casa pequena ou um palácio totalmente recoberto por mosaicos, pinturas brilhantes e ornamentos de ouro. Porém, como sempre neste mundo, tantas vantagens tem também seu lado ruim: a facilidade com que essas habitações se desmoronam. Não é necessário usar balas de canhão, a chuva, se não se tem cuidado, por si só basta. É assim que podemos visualizar estes lugares famosos cobertos, de acordo com a tradição, por imensas cidades que nada sobra exceto as ruínas de templos, palácios e montículos dispersos sobre a planície.

"Em poucos anos desaparecem distritos completos sem deixar vestígios se não são feitas reparações constantes nas casas. Como todas as cidades persas estão construídas de acordo com o mesmo padrão e dos mesmos materiais, é fácil imaginar Zanján com suas muralhas com elevadas torres, ruas tortuosas sem pavimento e cheias de sulcos. No meio destas encontra-se uma cidadela formidável chamada "Castelo de Alí-Mardán Khán". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 197-198).

26 - "Ele (o governador de Zanján), temendo por sua própria segurança, tomou de imediato medidas para resguardar sua autoridade e remeteu a Mirza Muhammad-Taqí Khán Amír-i-Kabír um relato pervertido do assunto; ele temia que algum outro pudesse adquirir mais influência da que tinha, debilitando-se desta forma sua autoridade e a consideração que gozava. Como conseqüência de seus informes, Siyyid Alí Khán, Tenente-coronel de Firúz-Kúh, recebeu uma ordem real para que fosse com uma força numerosa de cavalaria e infantaria a Zanján com o objetivo de prender Mullá Muhammad-Alí que havia se retirado com seus adeptos (quase cinco mil no total) para o interior da cidadela. Logo que chegou, Siyyid Alí Khán cercou a cidadela e assim como ateou a chama da luta o número de mortos em ambos os lados aumentava dia a dia até que finalmente sofreu uma derrota ignominiosa e se viu obrigado a solicitar reforços à capital. O governo quis enviar Ja'far-Qulí Khán, o tenente-coronel e irmão de l'timádu'd-Dawlih, porém ele se recusou e disse a Mirza Taqí Khán Amír-i-Kabír: "Eu não sou um Ibn-i-Zíyád para ir fazer guerra a um grupo de siyyid e homens eruditos de cujos princípios nada sei, embora esteja pronto para lutar contra os russos, os judeus ou contra outros infiéis". Além dele, outros oficiais se mostraram pouco dispostos a participar desta guerra. Outro destes foi Mír Siyyid Husayn Khán de Firúz-Kúh o qual Mirza Taqí Khán destituiu e degradou quando soube da sua forma de pensar. Assim como também muitos dos oficiais da seita Alíyu'lláhís que foram à guerra e se retiraram dela quando souberam mais sobre o assunto. Seu chefe os havia proibido de lutar e por isso fugiram. Porque está escrito em seus livros que quando os soldados de Gúrán vieram à capital do rei, então o Senhor da Época (a quem chamam Deus) se manifestará; e esta profecia se havia cumprido agora. Eles também possuíam certos poemas em que se menciona a data da Manifestação e isto também se cumpriu. É por isto que estavam convencidos que esta era a Verdade que havia feito manifesta e pediram que se lhes excusassem de participar na guerra, coisa que eles declararam não poder fazer. E aos Bábís eles disseram: "Em futuros conflitos, quando estiver em perigo a estrutura de vossa religião, nós os ajudaremos". Em resumo, quando os oficiais e o exército se deram conta que seus adversários só mostravam devoção, temor a Deus e piedade, alguns vacilaram em segredo e não puseram todo o seu empenho na guerra". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 138-43).

27 - Segundo Gobineau (p. 198), ele era o neto de Hájí Muhammad-Husayn Khán-i-Isfáhání.

28 - "No quarto dia os muçulmanos viram com grande alegria que Sadru'd-Dawlih, o neto de Hájí Muhammad-Husayn Khán de Isfahán, entrava em seu setor da cidade à frente da cavalaria das tribos de Khamsih. Durante vários dias sucessivos chegaram reforços em grande número. Em primeiro lugar Siyyid 'Alí Khán e Sháhbár Khán, um deles de Firúz-Kúh e o outro de Marághíh, cada um com duzentos soldados da cavalaria de suas respectivas tribos. Depois deles veio Muhammad-Alí Khán-i-Sháh-Sún com duzentos afshárs a cavalo; cinqüenta artilheiros com dois canhões de campanha e dois morteiros, de modo que o governador estava provido com toda ajuda que desejasse e estava rodeado de bom número de chefes militares entre os quais se encontravam alguns que eram famosos em todo o país". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 198-199).

"Um dos encontros mais terríveis que se relatam no diário do cerco foi o que aconteceu em cinco de Ramadán. Mustafá Khán, Qájár, com o décimo-quinto regimento de Shigághí; Sadru'd-Dawlih com sua cavalaria de Khamsih; Siyyid Alí Khán de Firúz-Kúh com seu regimento; Muhammad-Alí Khán com a cavalaria Afshár; Muhammad Áqá, o coronel, com o regimento de Násír chamado o regimento real; o maior Nábí Big com sua cavalaria e um destacamento constituído por cidadãos leais em Zanján, todos estes homens atacaram ao amanhecer as fortificações Bábís. A defesa dos Bábís foi magnífica porém desastrosa. Viram cair seus melhores chefes um atrás do outro, chefes valentes e de verdade santos que não podiam ser substituídos: Núr-Alí, o caçador; Bakhsh-Alí, o carpinteiro; Khudádád e Fathu'lláh Big, todos eles indispensáveis para obter a vitória. Todos caíram, alguns pela manhã outros ao entardecer". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 200).

29 - "Pode ser visto em Zanján as ruínas desse feroz encontro; setores inteiros da cidade ainda não haviam sido reconstruídos e é provável que jamais o sejam. Pessoas que tiveram participação na tragédia me relataram alguns incidentes; os Bábís subiam e desciam os terraços levando consigo seus canhões. Em algumas ocasiões o piso de terra, que não era muito firme, cedia, e eles tinham que levantar o pesado canhão com a força de seus braços enquanto tentavam firmar a terra com vigas. Ao chegar perto do inimigo a multidão entusiasta rodeava os canhões e todos os braços estendiam-se para levantá-los, enquanto alguns dos que o levavam caíam sob as balas dos atacantes, cem companheiros competiam entre si pela honra de substituí-los. Não havia dúvida que esta era verdadeira fé!" (Idem, pp. 200-201).

30 - Alcorão, 86:9.
31 - "Deus é Grande".
32 - "Deus é o Maior".
33 - "Deus é o Mais Belo".
34 - "Deus é Mais Glorioso".
35 - "Deus é Mais Puro".

36 - Segundo Gobineau (p. 202) 'Azíz Khán era "general em chefe das tropas de Adhirbáyján e logo primeiro ajudante de campo do rei. Ele estava passando por Zanján, rumo a Tiflis, para cumprimentar o grão duque, herdeiro da Rússia, por ocasião da sua chegada ao Cáucaso".

37 - Ver glossário.

38 - "Muhammad Khán, que então era Biglíyirbigí e Mír-panj, o general de divisão, hoje Amír-Túmán, se uniu às tropas já recrutadas nesta cidade; três mil homens dos regimentos de Shigághí e alguns regimentos de guardas com seis canhões e dois morteiros. Quase ao mesmo tempo chegou Qásim Khán procedente da fronteira de Karabágh, que entrou em Zanján por outro setor e o grande Arslán Khán com a cavalaria de Khírghán e Alí-Akbar, capitão de Khuy, chegou com a infantaria. Todos eles haviam recebido ordens do rei e se apressaram em cumprí-las." (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 201).

39 - Veja glossário.
40 - Veja glossário.
41 - Veja glossário.
42 - Veja glossário.
43 - Não há outro Deus senão Deus.

44 - "O Lugar Exaltado", título que o Báb deu a Zanján.

45 - "Mãe de Ashraf".

46 - "A defesa desesperada dos Bábís não deve ser atribuída somente à solidez do forte que ocupavam mas também à extraordinária valentia com que se defendiam. As mulheres tinham uma participação ativa e pude ouvir, posteriormente, por autoridades dignas de confiança, que assim como as mulheres da antiga Cartago, cortavam a longa cabelereira e a amarravam em torno dos canhões enlouquecidos para dar-lhes o apoio necessário". (E. G. Browne: "A Year Amongst the Persians", p. 74).

47 - "Sem dúvida a situação se tornava cada vez mais crítica para os muçulmanos e parecia que nunca poderiam vencer resistência tão tenaz. Além do mais, para que dar-se a tanto trabalho? Por que pôr em perigo as vidas, sem necessidade - não a dos soldados que eram só carne de canhão - e sim a dos oficiais e generais? Para que expor-se a cada dia ao ridículo e à derrota? Por que não seguir ao exemplo de Shaykh Tabarsí? Por que não recorrer ao engano? Por que não fazer as mais sagradas promessas ainda que seja necessário massacrar depois aos ingênuos que haviam depositado sua confiança nelas? (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 350).

48 - Alcorão, 80:34.
49 - Alcorão, 22:2.
50 - Veja glossário.

51 - "Finalmente, ante as ameaças da corte, os estímulos e os reforços chegaram com tanta pressa e havia tal desproporção entre os Bábís e seus adversários que o resultado final se fazia evidente e eminente". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 350).

52 - "O regimento de Karrús, sob as ordens do chefe da tribo, Hasan-Alí Khán (hoje ministro de Paris), apoderou-se do forte Alí-Mardán Khán; o quarto regimento entrou à força na casa de Áqá Ázis, um dos pontos fortes da cidade e o reduziu a cinzas; o regimento de guardas demoliu com explosivos o caravançarai localizado perto do portão de Hamadán; perdeu um capitão e alguns soldados como conseqüência da explosão, porém finalmente caiu em possessão do lugar". (Idem, p. 203).

53 - 8 de janeiro de 1851 A. D.

54 - "Então Muhammad Khán Biglíyirbigí, Amír Arslán Khán e outros comandantes, mesmo tendo dado garantias sob palavra de honra que respeitariam as vidas dos Bábís, reuniram-nos diante das tropas sob o acompanhamento de tambores e trobetas e deram ordens a cem homens, eleitos de diferentes regimentos, que pegassem os prisioneiros e os pusessem em fila. Foi então dada a ordem para que os apunhalassem com as baionetas, o que foi feito. Os chefes Bábís, Sulaymán, o sapateiro, e Hájí Kházim Giltughi foram despedaçados ao serem disparados das bocas dos canhões. Esta forma de execução foi inventada na Ásia, porém foi praticada também pelas tropas britânicas durante a revolta na Índia, com o refinamento com que a ciência e inteligência européia revestem tudo o que fazem, e consiste em amarrar a vítima à boca de um canhão carregado com pólvora. Quando sobrevém a explosão a vítima cai em pedaços e o tamanho destes depende da quantidade de pólvora empregada.

"Terminada a execução, os prisioneiros foram reclassificados. Puseram separados Mirza Ridá, lugar-tenente de Mullá Muhammad Alí, e todos os que tinham alto posto ou importância foram presos sendo-lhes colocado argolas com correntes no pescoço e grilhões nas mãos e nos pés. Decidiram, então, omitirem-se à ordem real e conduziram-nos a Teerã com o objetivo de demonstrar suas vitórias. Enquanto a uns poucos desafortunados que caíram e cuja vida ou morte não tinha importância para ninguém, foram deixados abandonados e o exército vitorioso regressou à capital, arrastando consigo os prisioneiros que iam a pé atrás dos cavalos dos generais vitoriosos.

"Enquanto iam para Teerã o Amír Nizám, primeiro ministro, achou que era necessário fazer um exemplo desta nova execução. Mirza Ridá Hájí Muhammad-Alí e Hájí Muhsin foram condenados a que se lhes abrissem as veias. As três vítimas ouviram a notícia sem mostrar a mínima emoção; no entanto eles declararam que a falta da boa-fé, de que eram culpadas as autoridades, não era um daqueles crimes que o Todo Poderoso se conformaria em castigar na forma ordinária; Ele exigiria um castigo mais impressionante e extraordinário para os que perseguiam a Seus Santos. Em conseqüência predisseram que o primeiro-ministro logo sofreria a mesma forma de execução que estava infligindo a eles.

"Eu ouvi referências a esta profecia e não tenho a menor dúvida por um só instante que aqueles que me informaram dela estavam firmemente convencidos da sua veracidade. No entanto devo dizer aqui que quando me foi relatada haviam passado já quatro anos desde que o Amír Nizám foi executado em igual forma por decreto real. A única coisa que posso afirmar é que me foi assegurado que a profecia havia sido efetivamente feita pelos mártires de Zanján". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 207-209).

55 - Veja glossário.
56 - "Deus é o Maior".

57 - "Terminada a execução, os expectadores invadiram o campo de morte, alguns em busca do corpo de um amigo com o fim de dar-lhe uma sepultura, outros movidos tão somente por curiosidade mórbida. Fala-se que um muçulmano chamado Valí-Muhammad, encontrou o corpo de um de seus vizinhos e notando que não estava completamente morto o chamou dizendo: "Sou seu vizinho, Valí-Muhammad. Se necessita algo peça-me". O outro indicou que tinha sede. De imediato o muçulmano trouxe uma enorme pedra e acercando-se ao seu vizinho disse: "Abra sua boca, lhe trago água". Enquanto o moribundo obedecia, lhe triturou a cabeça com a pedra.

"Finalmente, o Biglíyirbigí partiu para Teerã levando consigo quarenta e quatro prisioneiros entre os quais se encontrava o filho de Mirza Ridá, Hájí Muhammad-Alí e Hájí Muhsin, o cirurgião. Estes três foram executados à sua chegada e os demais foram condenados a apodrecer na prisão". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 363).

58 - "Não lhes bastou haberme logrado a vitória tiveram inclusive que insultar os corpos de seus inimigos. Estavam desejosos de interrogar os Bábís, porém não importava qual fosse a tortura que se lhes ameaçassem, os Bábís recusavam-se a falar. Derramaram azeite fervendo na cabeça de Áqá Din-Muhammad, porém guardou silêncio. Finalmente o Sardár fez com que levassem à sua presença o filho do chefe morto. Esta criança só tinha sete anos de idade e se chamava Áqá Husayn; mediante astutas ameaças e carinhos insidiosos, lograram fazê-lo falar". (Idem, p. 361).

59 - Veja glossário.
CAPÍTULO XXV - A VIAGEM DE Bahá'u'lláh A KARBILÁ
1 - 9 de janeiro de 1889 A. D.
2 - Título de 'Abdu'l-Bahá.
3 - 1851, A. D.
4 - I - 30 de junho de 1851, A. D.
5 - Uma das obras mais conhecidas do Báb.

6 - "Desde sua infância Siyyid Basír mostrou sinais das maravilhosas faculdades que manifestou posteriormente. Durante sete anos desfrutou das bênçãos de poder ver, porém, quando a visão de seu espírito aclarou um véu de obscuridade desceu sobre sua vista exterior. Desde a infância havia mostrado sua boa disposição e seu caráter amável tanto de palavra como de ação; a isto agregou agora uma singular piedade e uma vida sóbria. Finalmente aos vinte e um anos empreendeu viagem com grande pompa e cerimônia (pois tinha muitas riquezas na Índia) com o fim de fazer a peregrinação; quando chegou à Pérsia começou a associar-se a todas as seitas e partidos (pois conhecia bem as doutrinas e as leis de todas) e a distribuir grandes somas de dinheiro aos pobres, enquanto se submetia à mais rigorosa disciplina religiosa. E já que seus antepassados haviam profetizado que nesses dias apareceria um Homem Perfeito na Pérsia estava continuamente ocupado em fazer averiguações. Visitou Meca e depois de fazer a peregrinação, dirigiu-se aos santuários sagrados de Karbilá e Najaf, onde conheceu ao extinto Hájí Siyyid Kázim, com quem teve uma sincera amizade. Então voltou à Índia; quando chegou a Bombaim ouviu falar que havia aparecido na Pérsia uma pessoa que havia se proclamado ser o Báb, em vista disso regressou para ali de imediato". (El "Taríkh-i-Jadíd", p. 245-6).

7 - Recopilação de tradições muçulmanas.
8 - 30 de julho - 28 de agosto de 1851, A. D.

CAPÍTULO XXVI - ATENTADO CONTRA A VIDA DO XÁ E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

1 - 1852 A. D.

2 - "Mais ou menos a quatro milhas a sudoeste de Káshán, sobre as encostas das montanhas, encontra-se o palácio de Fín, cujas fontes termais têm feito dele um lugar favorito da realeza desde tempos remotos... Em época recente se têm relacionado lembranças mais tenebrosas com o palácio de Fín; foi aqui onde em 1852 foi morto por ordem real, Mirza Taqí Khán o primeiro grande ministro do Sháh reinante e cunhado do rei, quando lhe foram abertas suas veias enquanto se achava no banho. O palácio se encontra agora deserto". (Lord Curzon "Persia and the Persian Question", vol. 2, p. 16). "Uma dama do harém foi enviada à Princesa para dizer-lhe que secara suas lágrimas, porque o Sháh havia cedido e que o Ámir devia regressar a Teerã ou ir a Karbilá, o asilo habitual para os persas caídos em desgraça. 'O Khal'át ou manto de honra', disse ela, 'está por chegar e estará aqui dentro de uma ou duas horas; vá pois, ao banho e prepare-se para recebê-lo'. Durante todo esse tempo o Ámir não se havia aventurado a sair uma só vez do apartamento da Princesa e de sua presença pela segurança que lhe oferecia. Ao ouvir a boa notícia, entretanto, resolveu seguir o conselho dessa mulher e deu-se ao luxo de um banho. Deixou a Princesa e ela jamais voltou a vê-lo. Quando chegou no banho a ordem fatal já havia sido dada e o crime foi perpetrado. Apresentou-se o farrásh-báshí e seu bando desprezível e lhe foi dado o direito de escolher o tipo de morte que desejava. Diz-se que suportou sua morte com paciência e fortaleza. Suas veias foram abertas e finalmente expirou". (Lady Sheil: "Glimpses of Life and Manners in Persia", pp. 251-2).

3 - Seu título era I'timádu'd-Dawlih, o Homem de Confiança do Estado. (Lady Sheil: "Glimpses of Life and Manners in Persia", p. 249).

4 - 21 de abril - 21 de maio de 1852 A D.

5 - "Shimírán ou Shimrán (em algumas ocasiões utilizado no plural Shimránát) é o nome que se dá em geral às aldeias e mansões situadas nos outeiros mais baixos quando se desce de Elburz e que servem como residências de verão aos habitantes mais ricos de Teerã". ("A Traveller's Narrative", p. 81, anotação I).

6 - Shavvál 28 - Agosto 15, 1852 A. D.

7 - "De manhã o rei saiu para dar um passeio a cavalo. A sua frente iam, como de costume, os cavaleiros que levavam longas lanças, conduzindo cavalos com selas bordadas e um grupo de jinetes nômades com seus rifles pendurados nos ombros e seus sabres nas montarias. Esta comitiva precedia o rei com o objetivo que ele não fosse molestado pelo povo e o rei seguia a passo lento, a curta distância do séqüito de grandes senhores, chefes e oficiais que o acompanhavam à toda parte. Encontrava-se perto do palácio e apenas havia passado ao lado do pequeno portão do jardim de Muhammad-Hasan, Sanduq-dár o tesoureiro das finanças, quando observou, a um canto do caminho, três homens, três jardineiros, que estavam de pé dois à esquerda e um à direita e que pareciam que o estavam esperando. Não suspeitou perigo de modo que continou cavalgando. Quando estava bem perto viu que faziam juntos uma reverência e diziam em voz alta: "Somos um sacrifício por vós. Desejamos fazer um pedido". Esta era a forma tradicional, porém, em lugar de manterem-se a certa distância como de costume, precipitaram-se sobre ele repetindo: "Desejamos fazer um pedido". Surpreendido o rei gritou: "Insolentes! O que querem?" Nesse momento o homem da direita agarrou as rédeas e disparou contra o rei. Entretanto os dois homens da esquerda dispararam também. Um dos chumbos cortou o colar de pérolas que adornava o pescoço do cavalo, enquanto outro disparo cheio de chumbos atingiu o braço direito e o ombro do rei. Imediatamente o homem da direita puxou a perna de Sua Majestade e o teria arrancado da sela se os dois assassinos da esquerda não houvessem tentado fazer o mesmo pelo outro lado. O rei estava golpeando os assaltantes com seus punhos enquanto que os saltos do assustado cavalo diminuíam seus esforços e retardavam a agressão. O séqüito real, descrito no primeiro instante, se apressou a ajudar seu amo. Assadu'lláh Khán, o chefe dos cavaleiros e um dos jinetes nômades mataram imediatamente o homem da direita com seus sabres. Enquanto outros vários chefes derrubavam os outros dois homens e os amarravam.

"O doutor Cloquet, o médico da corte, fez com que levassem imediatamente o rei ao jardim de Muhammad-Hasan, Sanduq-dár, como ninguém parecia saber o que na realidade havia sucedido e se bem que se tinha uma idéia da magnitude do perigo, ninguém tinha uma noção da sua verdadeira gravidade. Durante mais de uma hora reinou uma grande confusão na cidade de Niyávarán enquanto que os ministros encabeçados por Sard-i-A'zam entravam apressadamente no jardim. As cornetas, os tambores, os taróis, as flautas todas faziam um chamado as tropas, os ghuláms chegaram cavalgando num frenético galope; todo mundo dava ordens, ninguém viu, ouviu ou sabia alguma coisa. No meio desta confusão chegou um estafeta precedente de Teerã que havia sido enviado por Ardishír Mirza, o governador da cidade, para averiguar o sucedido e que medidas deveriam ser tomadas na capital já que desde a manhã até a tarde os rumores de que o rei havia sido assassinado haviam tomado características de certeza. Os bazares, percorridos por homens armados com atitude ameaçante, haviam sido abandonados pelos comerciantes. Durante toda a noite as padarias ficaram rodeadas por pessoas que procuravam comprar provisões para vários dias, como é costume quando se prevê perigo.

"Ao amanhecer, à medida que aumentava o tumulto, Ardishír Mirza ordenou que as portas da cidade fossem fechadas, pôs o regimento em estado de alerta e preparou os canhões ainda que não tivesse idéia de quem seria o inimigo; logo pediu instruções. (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 231-233).

8 - Lord Curzon, que considera que este episódio foi "lamentablemente confunfido com uma conspiração revolucionária e anarquista", escreve o seguinte: "O fato do Bábismo ter entrado em conflito em seus primórdios com as autoridades civis e que um atentado foi perpetrado por Bábís contra a vida do Sháh, tem se referido erroneamente que o movimento era de origem política e de caráter niilista. Do estudo dos escritos do Báb e de seus sucessores não parece existir fundamento algum para tal suposição. A perseguição do governo logo obrigou aos seguidores da nova doutrina a adotar uma atitude de rebelião, devido à exasperação produzida pela luta e à feroz brutalidade com que os vencedores exerceram seu direito de conquista, não é de surpreender se houve mãos fanáticas dispostas a abater o soberano. Na atualidade, os Bábís são igualmente leais como qualquer outro súdito da coroa. Tampouco parece haver justiça alguma nos ataques de socialismo, comunismo e imoralidade que se tem feito tão livremente à nova doutrina. Por certo que não tem sinal algum de que uma idéia de comunismo no sentido europeu, ou seja, uma redistribuição da propriedade pela força, ou de socialismo no sentido do século XIX, ou seja, a derrota do capital pelo trabalho, haja entrado jamais na cabeça do Báb ou de seus discípulos. O único comunismo conhecido e recomendado por ele foi aquele do Novo Testamento e da Igreja Cristã nos primórdios, isto é, o compartilhar de bens comuns pelos membros da fé e a prática de dar esmolas e uma ampla caridade. A acusação de imoralidade parece haver nascido em parte das malvadas invenções de seus adversários e em parte da maior liberdade dada às mulheres pelo Báb, o que para uma mentalidade oriental apenas se pode dissociar de conduta libertina... Visto em suas linhas gerais, pode-se definir o Bábismo como uma confissão de caridade e de um sentido humano comum. O amor fraternal, a bondade para com as crianças, a cortesia com dignidade, a sociabilidade, hospitalidade e a falta de beateria, a amizade inclusive com os cristãos, todos estão incluídos em seus preceitos. Asseverar que todos os Bábís reconhecem ou observam estas disposições seria uma torpeza; permita-se pelo menos que se vai ser posto em juízo um profeta, que se o julgue por seus próprios ensinamentos". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", pp. 501-502).

9 - Veja glossário.
10 - Príncipe Dolgorouki.

11 - "Quando Me encontrava acorrentado e com grilhões na prisão de Tá, um de vossos embaixadores Me prestou ajuda. Por causa disto Deus decretou para vós um posto que ninguém senão Ele pode compreender. Guarda-o e não vá perder esta exaltada posição". (Epístola de Bahá'u'lláh ao Czar da Rússia).

12 - Renan, em sua obra intitulada "Les Apôtres", caracteriza este grande massacre em Teerã depois do atentado ao Sháh, como: "Um dia que possivelmente não tem paralelo na história do mundo". (E. G. Browne na introdução de "A Traveller's Narrative", p. 45). "O número de martírios que tem sucedido na Pérsia foi calculado em dez mil" (esta é uma cifra benevolente. Muitos a fixam entre vinte e trinta mil e alguns dão cifras mais altas ainda). A maioria destes ocorreu durante os primeiros anos da fé, porém, têm continuado em número decrescente até a época atual". (M. H. Phelps: "Life and Teachings of Abbás Effendi", introdução, p. 36). "Entre os documentos que se referem aos Bábís e que estão em meu poder há uma cópia manuscrita de um artigo em alemão publicado em 17 de outubro de 1852, no número 291 de algum periódico alemão e austríaco do qual, desafortunadamente, não está anotado o título. Creio que o recebo faz muitos anos da viúva do extinto Dr. Polak, um médico austríaco que atendeu Násiri'd-Dín Sháh no início de seu reinado, e que é o autor de um livro valioso e vários tratados menores sobre a Pérsia e questões relacionadas a este país. Baseia-se principalmente numa carta escrita em 29 de agosto de 1852 por um oficial austríaco, Capitão Von Goumoens, que estava a serviço do Sháh, porém sentiu tal desagrado e horror ante as crueldades que se viu obrigado a testemunhar, que pediu sua renúncia. A tradução deste artigo é a seguinte: "Fazem alguns dias que mencionamos o atentado feito contra a vida do Sháh por ocasião de uma saída para uma caçada. Os conspiradores, como bem se sabe, pertencem à seita religiosa Bábí. No que concerne a esta seita e às medidas repreensivas tomadas contra ela, a carta do Capitão austríaco Von Goumoens publicada ultimamente em "Amigo do Soldado" (soldatenfreund) contém informações interessantes e aclara até certo ponto o atentado em questão. Esta carta diz o seguinte: "Teerã, 29 de agosto de 1852. Querido amigo. Minha última carta de 20 etc., mencionou o atentado contra o Rei. Agora, lhe comunicarei o resultado do interrogatório a que foram sumetidos os dois criminosos. Apesar das terríveis torturas que lhes foram infligidas, o exame não permitiu obter confissões compreensíveis; os lábios dos fanáticos permaneceram fechados inclusive quando usaram pinças incandescentes e parafusos para desconjuntar suas extremidades tentando descobrir o nome do principal conspirador... Porém, acompanha-me estimado amigo, você que diz ter um coração e um sentido ético europeu, acompanha-me para ver os infelizes que com os olhos vazados devem comer, no mesmo lugar da ação e sem nenhum molho, suas próprias orelhas amputadas; ou cujos dentes são arrancados com desumana violência pela mão do carrasco, ou cujos crânios desnudos são triturados através de golpes de martelo; ou onde os bazares são iluminados pelas infelizes vítimas, porque à direita e à esquerda as pessoas fazem profundos buracos em seus peitos e ombros e inserem neles estopas com óleo incandescente. Vi como alguns eram arrastados acorrentados pelo bazar, precedidos por uma banda militar, e nos quais as estopas haviam queimado a tal profundidade que agora a gordura ardia em forma convulsiva na ferida, como uma lâmpada recém extinguida. Não raro, a incansável inventiva dos Orientais leva a novas torturas. Arrancam a pela da planta do pé dos Bábís, impregnam a ferida com azeite fervendo e lhes colocam uma ferradura como num cavalo obrigando o desgraçado a correr. Nem um só gemido sai do peito da vítima; o tormento se suporta em lúgubre silêncio pelos sentidos engrossados do fanático; agora deve correr; o corpo não pode suportar o que já suportou o espírito; cai. Dêem-lhe um golpe de misericórdia! Acabem com sua dor! Não! O carrasco levanta seu chicote e - eu mesmo fui testemunha disto - a infeliz vítima de cem torturas corre! Este é o começo do fim. Quanto ao fim mesmo, penduram os corpos queimados e perfurados pelas mãos e pelos pés em uma árvore com a cabeça pendendo para baixo e agora cada pessoa pode experimentar a pontaria a seu gosto, de uma distância fixa, porém não demasiada perto, em um nobre cômodo posto à sua disposição. Vi cadáveres perfurados por cerca de cento e cinqüenta balas... Quando volto a ler o que lhe escrevi me vem na idéia que aqueles que estão consigo na nossa querida Áustria possam duvidar da total veracidade do quadro e me acusem de exagerado. Oxalá Deus quisesse que eu não vivesse para testemunhar! Porém pelos deveres de minha profissão fui testemunha, e muito freqüentemente, uma testemunha destas abominações. Atualmente não saio nunca de minha casa para não presenciar novas cenas de horror. Depois de sua morte os Bábís são partidos em dois e são pregados à porta da cidade ou seus restos deixados nas planícies para que sirvam de alimento aos cães e chacais. Desta forma o castigo se estende mais além dos limites que circunscreve esta vida amarga, porque os muçulmanos que não são sepultados não têm o direito de entrar no Paraíso do Profeta. Já que toda minha alma se rebela contra tais infâmias e contra tais abominações de tempos recentes, não manterei por mais tempo minha conexão com o cenário de tais crimes". (Segue dizendo que já havia pedido que o exonerassem, porém, não havia recebido ainda a resposta). (E. G. Browne: "Materials for the Study of the Bábí Religion", pp. 267-71). "Ardishír Mirza se viu obrigado a agir. Manteve as portas da cidade fechada, com guardas e deu ordens de examinar cuidadosamente a quem quer que solicitasse autorização para sair. Incitou as multidões para que trepassem nas muralhas perto da porta de Shimírán para que vissem o corpo mutilado de Sádiq jogado no meio do campo do outro lado da ponte. O príncipe governador reuniu os Kalántar ou chefes de polícia, o Vazír da cidade, o Dárúghih ou juiz de direito, e, chefes comuns e lhes ordenou a buscar e arrastar a toda pessoa suspeita de ser Bábí. Como ninguém podia sair da cidade, esperaram até o anoitecer para começar a caçada, utilizando-se de preferência o engano e a astúcia. A força policial em Teerã assim como em toda cidade asiática, é muito bem organizada. É um legado que os Califas árabes têm cuidado escrupulosamente. Como era vantajoso para todos os governos (não importa se foram ruins e ainda mais para os piores) conservarem, não têm sofrido mudança alguma, ou seja, em meio da ruína de outras instituições igualmente eficientes, que têm caído em decadência. É necessário acentuar que cada chefe da comunidade, que sempre está em contato com o Kalántar, tem sob suas ordens um punhado de homens chamados 'sar-ghishmihs, policiais que não usam uniforme nem distintivo e que nunca saem das ruas a que são designados. Em geral as pessoas os aceitam com simpatia e convivem com eles de modo bastante familiar. Prestam ajuda a todo momento e durante a noite, seja verão ou inverno, acomodam-se debaixo de um toldo de qualquer loja, indiferentes à chuva e à neve, e vigiam as propriedades privadas. Desta forma diminuem o número de roubos fazendo com que sejam difíceis. Além disso conhecem todos os habitantes e seus costumes de modo que podem ajudar em caso de uma investigação, sabem a forma de pensar, as opiniões, as amizades e as relações de todo mundo; e se um convida a três amigos a cear, o 'sar-ghishmih, sem espionar, está tão bem informado que sabe a hora da chegada dos convidados, o que foi servido, o que foi dito e feito e a hora da partida. Os Kad-khudá advertiam estes policiais que vigiassem os Bábís em suas respectivas áreas e todos esperaram os resultados". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 234-235).

13 - Nome do calabouço, que significa "Fossa Negra".

14 - O Imame Husayn.

15 - "Se alguma vez pretender visitar a prisão de Sua Majestade o Sháh, solicita ao diretor e chefe que mostre aquelas duas cadeias, uma das quais se chama Qará-Guhar e a outra Salasíl. Juro pelo Esplendor da Justiça que durante quatro meses Me vi sob o peso e o tormento de uma destas cadeias. "As aflições de Jacob empalidecem ante minhas aflições; e as aflições de Jacob não eram senão uma parte das minhas calamidades". ("The Epistle to the Son of the Wolf", p. 57). "No que se refere à forma de encarceramento utilizada na Pérsia, a prática difere tanto da nossa como no caso dos castigos. Não existe condenação perpétua, nem ainda por certo número de anos; o trabalho forçado se desconhece como castigo e o confinamento por um período longo de tempo é raro. Em geral há uma liberação nas prisões no período de ano novo; e quando é chamado um novo governador não é raro que se esvazie a prisão que tenha sido cheia pelo seu predecessor, aplicando possivelmente, a pena de morte para alguns dos casos piores, com o fim de criar uma saudável impressão de força. Não existem cárceres para mulheres, porém estas ficam confinadas, como é também o caso com varões criminosos de elevada posição, na casa de um sacerdote. Em Teerã diz-se que existem três classes de prisão. As celas subterrâneas de baixo da Arca, onde se diz que eram confinados os crimonosos culpados de conspiração ou de alta traição; o cárcere do povo onde é possível ver os criminosos comuns com colares de ferro, em seus pescoços ora com seus pés em um cepo ou uns unidos aos outros com cadeados; e a casa de confinamento particular que freqüentemente consiste numa parte das mansões das pessoas de renome. Nota-se que a teoria e a prática da justiça persa, como se pode constatar tanto nas sentenças judiciais, como na aplicação da pena e no código carcerário, é de um procedimento rápido e vigoroso cuja finalidade é o castigo (em grau mais ou menos equivalente ao crime original) e em nenhum caso há o perdão do culpado". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", vol. I, pp. 458-9).

16 - "Nada tínhamos que ver com esta ação odiosa e Nossa inocência foi provada de forma indiscutível nos tribunais. Apesar disso Nos arrastaram e Nos conduziram à prisão em Teerã até Níyávarán, que era então a sede da residência real; a pé, acorrentados e com a cabeça e os pés descobertos, porquanto um homem brutal que Nos acompanhava a cavalo arrancou o chapéu de Nossa cabeça, e acompanhado de vários carrascos e farráshes, Nos fizeram andar com grande pressa e Nos puseram durante quatro meses em um lugar nunca visto igual. Em verdade, uma cela estreita e escura teria sido muito melhor que o lugar onde foram confinados Este injuriado e Seus companheiros. A Nossa chegada, quando entramos na prisão, Nos conduziram por um lúgubre corredor e logo descemos três escalinatas erguidas até o calabouço assinalado para Nós. Era um lugar escuro e seus ocupantes eram cerca de cento e cinqüenta ladrões, assassinos e assaltantes de estrada. Ainda que contivesse tal número não tinha outra saída a não ser o passadiço pelo qual entramos. A pena falha ao descrever este lugar e seu odor nauseabundo. A maioria dos ocupantes carecia de roupas para vestir e de esteiras para se deitar. Deus sabe o que suportamos neste lugar lúgubre e abominável! Dia e noite, enquanto estávamos na prisão, reflexionávamos sobre as condições dos Bábís, seus atos, seus assuntos, perguntando-nos como, apesar da sua grandeza de espírito, nobreza e inteligência, puderam haver sido capazes de uma ação tal como o audaz atentado contra a vida do soberano. Então Este injuriado determinou que, ao sair desta prisão, Se levantaria com o máximo empenho para obter a regeneração destas almas. Certa noite, em um sonho, (se ouviu por toda parte esta palavra toda gloriosa: "Em verdade Nós Te ajudaremos a triunfar por Ti mesmo e por Tua pena. Não Te aflijas pelo que Te está acontecendo e não temas. Na verdade, Tu és um dos que está seguro. Logo o Senhor enviará e revelará os tesouros da terra, homens que Te darão a vitória por Ti mesmo e por Teu nome; com ele que o Senhor tem ressuscitado os corações dos que sabem.") (Referência de Bahá'u'lláh à Síyáh-Chál em "The Epistle to the Son of the Wolf") "'Abdu'l-Bahá", escreve o Dr. J. E. Esslemont, "relata como Se lhe permitiram entrar certo dia no pátio da prisão para ver Seu Amado Pai quando saia para Seu exercício diário. Bahá'u'lláh estava profundamente alterado, estava tão doente que mal podia caminhar. Seu cabelo e barba estavam descuidados. Seu pescoço mostrava as feridas e estava inchado pela pressão de um pesado colar de aço. Seu corpo estava inclinado pelo peso das correntes e esta cena deixou uma impressão indelével na mente do sensível rapaz". ("Bahá'u'lláh and the New Era", p. 61).

17 - "Foi ornadenado que o corpo de Sádiq, o Bábí que havia sido assassinado, fosse amarrado ao rabo de uma mula e arrastado sobre as pedras até Teerã, para que toda a população pudesse ver que os conspiradores haviam fracassado. Ao mesmo tempo, enviaram mensagem a Ardishír Mirza para dizer-lhe o que deveria fazer". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 234).

18 - "Foi nesta ocasião que Mirza Áqá Khán, o Grão Vizír, com o objetivo de distribuir a responsabilidade do castigo e diminuir as possibilidades de vingança com derramamento de sangue, concebeu a idéia extraordinária de assinar os diversos crimes para que fossem executados pelos ministros, generais, e oficiais principais da Corte, assim como a representantes do sacerdócio e dos comerciantes. O Secretário de Relações Exteriores deu morte a um, o Ministro do Interior a outro, o Maior Palafreneiro, a outro e assim sucessivamente". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", p. 402, nota 2).

19 - "Sua Excelência resolveu repartir a execução das vítimas entre os diversos departamentos do estado; a única pessoa isenta foi ele mesmo. Em primeiro lugar vinha o Sháh, que tinha direito ao Qisás, ou retribuição legal, por suas ofensas. Para salvar a dignidade da coroa o mordomo principal representando o Sháh, disparou o primeiro tiro contra o conspirador selecionado como vítima e seus disputados, os farráshes, completaram a obra. O filho do Primeiro-Ministro estava à frente do Ministério do Interior e matou outro Bábí. Depois veio o Ministro das Relações Exteriores. O Secretário de Estado para Relações Exteriores era um homem religioso, mas imbecil que passava o tempo cavilando sobre as tradições de Maomé, deu o primeiro golpe de sabre desviando o rosto e o Sub-Secretário de Estado e os funcionários do Ministério das Relações Exteriores acabaram por despedaçar a sua vítima. Os sacerdotes, os comerciantes, os artilheiros, a infantaria, todos tinham assassinado um Bábí. Inclusive o admirável médico francês do Sháh, o extinto e lamentável Dr. Cloquet, recebeu um convite a mostrar sua lealdade seguindo o exemplo do resto da corte. Ele se recusou e com simplicidade manifestou que matava muitos homens profissionalmente e não se permitia aumentar tal número mediante qualquer homicídio voluntário de sua parte. Recordou ao Sadr que estes procedimentos bárbaros e jamais vistos, não só eram repugnantes em si, como também produziriam um estremecimento de horror e desgosto em toda a Europa. Por esta razão se mostrou muito excitado e perguntou carrancudo: "Você quer que a vingança de todos os Bábís se concentre somente sobre mim?" O que segue é um extrato da "Gazeta de Teerã" desse dia e serve como amostra do que é um "editorial" persa: "Alguns indivíduos de vida leviana, sem princípios e sem religião, se fizeram discípulos do maldito Siyyid Alí-Muhammad Báb, que há alguns anos inventou uma nova religião e que posteriormente foi condenado. Não puderam provar a verdade de sua fé cuja falsidade era evidente. Por exemplo, ao cair alguns de seus livros em nossas mãos notamos que não contêm senão pura infidelidade. Em discussão aberta tampouco foram capazes de defender sua religião que só parecia servir para entrar em conflito com o Todo-Poderoso. Então começaram a aspirar a soberania, começaram a provocar insurreições com a esperança de beneficiarem-se pela confusão e a saquear os bens de seus vizinhos. Uma pandilha de gente miserável e depreciável, cujo chefe, Mullá Shaykh Alí de Turshíz, que se autodenominou o deputado do extinto Báb e que se deu a si mesmo o título de Alta Majestade, fazendo-se rodear por alguns dos antigos companheiros do Báb. Atraíram para seus princípios alguns indivíduos de vida dissipada, um dos quais era Hájí Sulaymán Khán, o filho do extinto Yah'u'yá Khán de Tabríz. Era costume deles reunirem-se na casa deste Hájí para consultar e planejar o atentado à auspiciosa vida de sua Majestade. Doze deles que se ofereceram como voluntários para a ação, foram selecionados para cumprir este propósito e a cada um deles foi dado pistolas, punhais, etc. Ficou resolvido que estes doze deviam ir à residência do Sháh em Niyavarán e esperar uma oportunidade". Depois disto vinha um relato do ataque que já foi dado com bastante detalhes. "Seis pessoas cujos crimes não foram provados com tanta clareza, foram condenadas à prisão perpétua; as restantes foram repartidas entre os sacerdotes, os doutores da lei, os servidores principais da corte, as pessoas do povo, mercadores, comerciantes, artesãos, que lhes deram seu merecido da seguinte forma: os mullás, sacerdotes e homens eruditos mataram Mullá Shaykh Alí, deputado do Báb, que se deu o título de Alta Majestade e que foi o autor desta atrocidade. Os príncipes mataram Siyyid Hasán de Khurásán, um homem de reconhecida vida leviana, com disparos de pistola, sabres e punhais. O Ministro de Relações Exteriores cheio de zelo e moral religiosa, foi o primeiro a disparar sobre Mullá Zaynau'l-Ábidín de Yazd e os secretários de seu departamento terminaram com ele e o cortaram em pedaços. O Nizámu'l-Mulk (filho do Primeiro Ministro) matou Mullá Husayn. Mirza Abdu'l Vahháb, de Shiráz, que era um dos doze assassinos, foi morto pelo irmão do Primeiro Ministro e seus filhos; outros parentes o cortaram em pedaços. Mullá Fathu'lláh de Qum, que disparou a bala que feriu a pessoa do rei, foi morto desta forma: no meio do acampamento real puseram mechas em seu corpo (mediante incisões) que foram incendiadas. O mordomo principal do palácio o feriu no mesmo lugar que havia ferido o Sháh e depois a criadagem o apedrejou. Os nobres da corte enviaram Shaykh Abbás de Teerã ao inferno. Os ajudantes pessoais do Sháh e o restante da criadagem dos estábulos puseram ferraduras nos pés de Muhammad Taqí de Shiráz e depois o reuniram com os companheiros. Os mestres de cerimônia e outros nobres, com seus deputados, mataram Muhammad Najáf-Ábád usando sabres e cacetes, mandando-os às profundezas do inferno. Os artilheiros primeiro furaram os olhos de Muhammad Najáf-Ábád e depois o dispararam da boca de um morteiro. Os soldados mataram com as baionetas Siyyid Husayn de Milán e o mandaram ao inferno. A cavalaria matou a Mirza Rafí. Os tenentes-coronéis, generais e coronéis mataram Siyyid Husayn". (Lady Sheil: "Glimpses of Life and Manners in Persia", pp. 277-81). "Nesse dia observou-se um espetáculo nas ruas e bazares de Teerã que a gente nunca pode esquecer. Inclusive até os dias atuais continua sendo o assunto principal das conversas; todavia sente-se um horror espantoso que os anos não têm conseguido atenuar. A gente pode ver como marchavam, entre os carrascos, mulheres e crianças com covas profundas perfuradas na carne em que ardiam mechas incendiadas. As vítimas eram arrastadas com cordas e obrigadas a andar à base do chicote. As crianças e as mulheres avançavam cantando esta canção: "Na verdade de Deus viemos e a Ele regressaremos". Suas vozes sobressaíam triunfantes sobre o silêncio das multidões porquanto os cidadãos de Teerã não acreditavam nem muito nem pouco no Islã. Quando alguma das vítimas caia ao solo, faziam-na levantar à ponta de baioneta e, se a perda de sangue que saia gotejando de suas feridas lhe deixasse ainda alguma força, começava a dançar e gritar com maior entusiasmo ainda: "Na verdade, de Deus viemos e a Ele regressaremos".

Algumas das crianças faleceram pelo caminho. Os carrascos lançavam seus corpos sob os pés de seus pais e irmãos que orgulhosamente caminhavam sobre eles sem lhes dar a menor importância. Quando o cortejo chegou ao lugar da execução, perto do Portão Novo, deram às vítimas o direito de escolha entre abjurar a sua fé ou perder a vida e, o que parecia um tanto difícil, inclusive foram encontradas formas de aplicar-lhes meios de intimidação. Um dos carrascos concebeu a idéia de dizer a um pai que se não cedesse, degolaria seus dois filhos sobre seu próprio peito. Tratava-se de duas crianças, a maior das quais tinha quatorze anos e que, vermelho com seu próprio sangue, com sua carne queimada, escutavam estoicamente as ameaças. O pai respondeu, enquanto se recostava, que estava disposto e o maior dos garotos, reclamando um direito de preferência, pediu para ser o primeiro a morrer. É bem possível que o carrasco lhe tenha negado este último pedido. Por fim, terminou a tragédia e a noite caiu sobre um monte de corpos disformes; as cabeças pendiam aos montões nos postes de justiça e os cães dos subúrbios da cidade se apinhavam ao seu redor. Esse dia conquistou para os Bábís um número muito maior de seguidores secretos do que o conseguiria muitos ensinamentos. Como já foi dito acima, a impressão deixada pela aterrorizante impassiblidade dos mártires era profunda e duradoura. Freqüentemente tenho ouvido testemunhas oculares descrever as cenas desse dia fatal, homens chegados ao governo, inclusive de alto posto. Enquanto os escutava era fácil crer que todos eram Bábís, tão grande era sua admiração pelos acontecimentos nos quais o Islã desempenhou uma parte tão pouco gloriosa e por terem em alta conta os recursos, as esperanças e os meios de êxito da nova religião". (Conde de Gobineau: Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 248-250). "Essas execuções não só eram criminosas como torpes. A barbaridade dos perseguidores derrotou seus próprios fins e em lugar de inspirar terror, deram aos mártires a oportunidade de exibir uma fortaleza heróica que tem feito mais do que qualquer propaganda, não importa quão hábil fora, pudera haver feito para assegurar o triunfo da causa pela qual deram suas vidas... A impressão produzida por tais exemplos de valor e resistência foi profunda e duradoura; ainda mais, a fé que inspirou aos mártires era normalmente contagiosa como mostra o seguinte incidente: Certo homem rude de Yazd, notável por sua vida desordenada e selvagem, foi ver a execução de alguns Bábís, provavelmente com o objetivo de zombar deles. Porém quando viu a serenidade e firmeza com que enfrentaram a tortura e a morte, seus sentimentos sofreram um sobressalto repentino de tal intensidade que se adiantou correndo e gritando: "Matem-me também! Eu sou também um Bábí!" Seguiu gritando desta forma até que ele também foi feito participante do destino que só havia saído a contemplar". (E. G. Browne: "A Year Among the Persians", pp. 111-12).

20 - Segundo Samandár (manuscrito pág. 2), Sulaymán Khán chegou à presença do Bábí durante Sua peregrinação à Meca e Medina.

21 - Veja glossário.
22 - Veja glossário.
23 - Título de 'Abdu'l-Bahá.
24 - Veja glossário.

25 - Chamva-se Hájí Alí Khán ("A Traveller's Narrative, p. 52, Nota 1).

26 - O Imame Alí.
27 - Alcorão, 21:69.

28 - O extraordinário heroísmo com que Sulaymán Khán suportou estas torturas espantosas é notável e em repetidas ocasiões tenho ouvido o relato, que durante a longa agonia que padeceu, não cessou de dar testemunho de sua alegria de que fora considerado digno de sofrer martírio pela Causa de seu Mestre. Inclusive cantou e recitou versos entre os quais se achava os seguinte: "Tenho retornado! Tenho retornado! Tenho vindo pela rota de Shiráz! Tenho vindo com atraentes gestos e favores! Tal é a loucura do amante!" "Por que não danças?", perguntaram, zombando, os verdugos, "já que julgas tão prazenteira a morte?" "Dançar!" exclamou Sulayman Khán "com o copo de vinho numa mão e com os caracóis dos cabelos do Amigo na outra. Baile, dessa forma na praça do marcado é meu desejo!" ("A Traveller's Narrative", Nota I, pp. 343-4). Foi martirizado em agosto de 1852. "Quando detiveram Sulaymán Khán e trataram, em consideração a seus fiéis serviços e lealdade, de induzi-lo, mediante promessas de recompensas do rei, a abandonar o credo que havia adotado, ele não consentiu como também respondeu com firmeza: "Sua Majestade o rei tem direito a imiscuir-se em suas convicções religiosas". Em conseqüência destas valentes palavras foi dada a ordem que se fizessem perfurações em sua carne e que em cada uma das feridas se introduzisse uma mecha acesa como lição para os demais. Outra vítima foi tratada em igual forma. Neste estado e precedido por trovadores e tamborins, o conduziram pelos lugares e entretanto, ele, com o rosto sorridente, repetia uma vez ou outra o verso:

"Feliz aquele que por amor intoxicado
"Tem vencido a tal ponto que apenas sabe
"Se aos pés de seu Bem Amado
"É sua cabeça o turbante que tem lançado!'

Quando uma das mechas caia de seu corpo, levantava-a com suas próprias mãos, voltava a acendê-la com uma das outras e a colocava em seu lugar. Os carrascos, ao ver tal grau de regozijo e arrebatamento, disseram: "Se estais tão desejoso do martírio, por que não danças?" Com isto, começou a dar saltos e a cantar com versos apropriados à sua condição.

"Um ouvido já não por ignorância embotado
"E o submetido ego dão direito a dançar.
"Tontos dançam e cabriolam no mercado;
"Homens dançam enquanto rápido corre seu sangue.
"Quando o eu perece, aplaudem de felicidade.
"E dançam, já que do mal lograram liberdade.

Nesta forma conduziram a ambos pelo portão de Sháh Abdu'l-Azím. Quando estavam preparando para cortar seu corpo em dois com uma serra, esticou seus pés sem temor nem vacilação, enquanto recitava este versículo:

"A este corpo pouco valia tenho;
"Espírito de valente sua morada terrena deprecia.
"Punhal e espada fragante alfavaca parecem.

"Ou flores para adornar com seu esplendor o banquete da morte".

(O Táríkh-i-Jadíd", pp. 228-30)

29 - "Se nossa atenção tem sido dirigida mais a uma conclusão que outra nesta retrospectiva que tenho dado, é que uma devoção sublime e sem ressentimento tem sido inculcada por esta nova fé, não importa o que ela seja. Creio que só houve um caso de um Bábí que tenha renegado sob pressão ou ameaça de sofrimento e tenha voltado à Fé, sendo executado dois anos mais tarde. Histórias de magnífico heroísmo iluminam as páginas sangrentas da história Bábí. Mesmo quando muito de seus devotos são ignorantes e analfabetos, no entanto estão prontos a morrer por sua religião, e as labaredas de Smithfield não incendiaram um coração mais nobre que o que tem enfrentado e desafiado aos refinados traficantes de torturas de Teerã. Não deve ser de pouca monta, então, os preceitos de uma crença capaz de despertar um espírito tão raro e belo de auto-sacrifício... São estes pequenos incidentes que de tempo em tempo descobrem o reluzir dos rostos, os que provam que a Pérsia não está ainda completamente redimida e que deixam um tanto aniquilados os que falam largamente da civilização iraniana". (Lord Curzon: Persia and the Persian Question", Vol. 1, p. 501).

30 - "Ela permaneceu ali longo tempo recebendo numerosas visitas, tanto homens como mulheres. Fez ver a estas últimas os reles objeto que o Islã lhes havia consignado e as conquistas para a nova religião ao mostrar-lhes a liberdade e respeito que lhes conferia. Sobrevieram muitas disputas domésticas as quais sem sempre resultaram em benefício ou favorecimento à reputação do marido. Estas discussões poderiam haver se prolongado muito se Mirza Aqá Khán-i-Núri não houvera sido designado Sard-i-A'zam. O primeiro ordenou a Hájí Mullá Muhammad Andirmání e a Hájí Mullá Alí Kini que passassem a visitá-la com freqüência com o objetivo de examinar suas crenças. Tiveram sete conferências com ela nas quais argumentou com grande sentimento e afirmou que o Bábí era o Imame prometido que se esperava. Seus adversários chamaram a sua atenção para o fato que, segundo as profecias o Imame prometido devia vir de Jábulqá e Jábulsá. Ela respondeu com profunda convicção que estas profecias eram falsas e haviam sido falsificadas por tradicionalistas insinceros e já que essas duas cidades nunca existiram, só podia ser produto da superstição de mentes enfermas. Ela expôs a nova doutrina, dando a conhecer sua verdade, porém sempre revidavam com o mesmo argumento de Jábulqá. Exasperada lhes disse finalmente: "Vosso raciocínio é o de uma criança ignorante e torpe; por quanto tempo mais vão se agarrar a estas tonteiras e mentiras? Quando vão levantar seus olhos ao Sol da Verdade?". Escandalizados por tais blasfêmias, Hájí Mullá Alí se pôs de pé e levando consigo seu amigo, disse: "Por que temos de continuar discutindo com uma infiel?". Regressaram a suas casas e escreveram a sentença que estabelecia sua apostasia e negativa a retratar-se e a condenaram à morte em nome do Alcorão". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 446-447).

31 - "Enquanto se achava prisioneira na casa de Kalántar foi celebrado o matrimônio do filho da família. Naturalmente, foram convidadas as esposas de todos os homens proeminentes; no entanto, ainda que o anfitrião houvesse gasto muito dinheiro para dar os entretenimentos de rigor as mulheres pediram em alta voz que Qurratu'l-Ayn fosse convidada à festa. Apenas havia aparecido e começado a falar quando os músicos e bailarinas foram despedidos. As damas lembrando os doces que tanto lhes agradavam, só tinham olhos para Qurratu'l-Ayn". (Idem, p. 448).

32 - Muhmud-Khán-i-Kalántar, sob cuja custódia havia sido posta.

33 - Veja glossário.

34 - "Em frente à Legação da Inglaterra e à Embaixada Turca se estendia uma praça que tinha desaparecido desde 1893. No centro desta praça, mantendo a linha da rua, havia cinco ou seis árvores que marcavam o lugar onde havia sido morta a heroína Bábí já que naqueles dias o jardim de Ilkhání chegava até ali. Em meu regresso em 1898 a praça havia desaparecido completamente e estava coberta por edifícios modernos e não sei se o dono atual tem preservado aquelas árvores plantadas por mãos piedosas". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 452).

35 - Agosto de 1852 A. D.

36 - Veja "Journal of the Royal Asiatic Society", 1889, art. 6, p. 492.

37 - 1817-1818 A. D.

38 - "A beleza e o sexo feminino também prestaram seu apoio à nova crença e o heroísmo da formosa porém mal-afortunada poetisa de Qazvín, Zarrín-Táj (Coroa de Ouro) ou Qurratu'l-Ayn (Consolo dos Olhos) que, tirando o véu, levou o fogo missionário a todas as partes, é um dos episódios mais comoventes da história moderna". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", vol. 1, p. 497, nota 2). "Nenhuma recordação se venera mais profundamente ou acende maior entusiasmo que a sua e a influência que teve durante sua vida todavia tem efeito sobre seu sexo". (Valentine Chirol: "The Middle Eastern Question", p. 124). "A aparição de uma mulher como Qurratu'l-Ayn é um fenômeno raro em qualquer país e em qualquer época, porém em um país como a Pérsia é um prodígio, ainda mais é quase um milagre. Tanto em virtude de sua maravilhosa beleza, seus excepcionais dotes intelectuais, sua fervente eloqüência, sua intrépida devoção e seu glorioso martírio, se destaca sem par e imortal entre suas compatriotas mulheres. Se a religião Bábí não tivera outra pretensão à grandeza, lhe basta isto - haver produzido uma heroína como Qurrátu'l-Ayn". ("A Traveller's Narrative", Nota Q, p. 213) "Quase se pode dizer que a figura mais extraordinária de todo o movimento Bábí foi a poetisa Qurratu'l-Ayn. Era renomada por sua servitude piedosa e erudição e havia terminado de converter-se quando leu alguns versos e exortações do Báb. Tão forte chegou a ser a sua fé que mesmo quando tinha riquezas e pertencia à nobreza, renunciou a seus bens materiais, seus parentes, seu nome e situação pelo serviço a seu Mestre e se dedicou a proclamar e estabelecer sua doutrina... A beleza de suas palavras era tal que era capaz de apartar os convidados de uma boa música preparada para seu entretenimento pelo anfitrião. Seus versos encontram-se entre os mais comovodores da língua persa". (Sir Francis Younghusband: "The Gleam", pp. 202-3). "Uma retrospectiva na vida de Qurratu'l-Ayn nos surpreende especialmente por seu fogoso entusiasmo e sua falta absoluta de apego à vida terrena. Este mundo era para ela, assim como se diz que era para Qúddus, um mero punhado de pó. Era também uma oradora eloqüente e tinha experiência no intrincado padrão de versificação persa. Um dos poucos poemas que são conhecidos até esta data é de especial interesse devido à crença que expressa no caráter divino-humano de alguém (a quem ela chama de Senhor), cujas pretensões uma vez expostas, receberiam reconhecimento geral. Quem era este personagem? Parece que Qurratu'l-Ayn considerava que Ele mostrava muita lentidão em dar a conhecer estas pretensões. Pode-se pensar em outra pessoa a não ser Bahá'u'lláh? A poetisa era uma verdadeira Bahá'í". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliations of Races and Religions", pp. 114-115). "A colheita semeada em terra islâmica por Qurratu'l-Ayn agora começa a dar frutos. Uma carta dirigida ao "Christian Commonwealth" em junho passado nos informa que quarenta sufragistas turcas serão deportadas de Constantinopla a Akká (que tanto tempo foi a prisão de Bahá'u'lláh): "Durante os últimos anos idéias sufragistas têm sido difundidas caladamente entre os haréns. Os homens não o sabiam; todo mundo o ignorava; e agora, repentinamente, foram abertas as comportas e os homens de Constantinopla acreditam ser necessário recorrer a medidas drásticas. São organizadas sociedades sufragistas, são redigidos memoriais inteligentes que incorporam as petições femininas e se os têm feito circular; têm aparecido diários e revistas femininas que publicam artigos excelentes e se tem levado a efeito reuniões públicas. Então, certo dia, os membros deste clube - quatrocentas delas, descartaram o véu. As classes sociais estancadas e fossilizadas se escandalizaram, os bons muçulmanos deram o alarma e o governo se viu forçado a tomar medidas. Estas quatrocentas mulheres amantes da liberdade foram divididas em grupos. Um grupo de quarenta foi exilado a Akká e chegou dentro de alguns dias. Todo mundo fala dele e é surpreendente ver quão numerosos são os que estão a favor de retirar o véu do rosto das mulheres. Muitos homens com os quais tenho conversado não só consideram que o costume é arcaico como também atrapalha a capacidade de pensar. As autoridades turcas, pensando extinguir esta luz de liberdade só a tem avivado sua chama e sua ação autoritária só tem servido para ajudar materialmente a criar uma opinião pública mais ampla e uma maior compreensão deste problema crucial". (Idem, pp. 115-116). "A outra missionária, a mulher a quem me refiro, havia vindo de Qazvín. Não havia dúvidas que ela era ao mesmo tempo, o objeto de veneração dos Bábís e uma das manifestações mais extraordinárias e fascinantes desta religião. (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 136). "Muitas pessoas que a conheceram e a escutaram em diferentes ocasiões declararam que, para uma pessoa tão erudita e lida, a característica que mais sobressaia em suas dissertações era uma extraordinária simplicidade e no entanto, quando falava, os que a escutavam se sentiam profundamente comovidos e cheios de admiração, freqüentemente com lágrimas nos olhos". (Idem, p. 150). "Ainda que tanto muçulmanos quanto Bábís falem em termos mais elevados da beleza de "Consolo dos olhos", não há dúvida alguma que a inteligência e caráter desta jovem eram ainda mais extraordinários do que se tem relatado. Tendo escutado sempre, e por que não dizer quase que diariamente as conversas eruditas, parece que numa idade precoce tomou interesse nelas; daí então que era perfeitamente capaz de seguir os sutis argumentos de seu pai, de seu tio, de seu primo e agora de seu esposo e inclusive debater com eles e assombrá-los por causa do poder e agudeza da sua mente. Não é freqüente ver, na Pérsia, que as mulheres se ocupem de assuntos intelectuais, embora suceda em algumas ocasiões. O que é realmente extraordinário é encontrar uma mulher da habidade de Qurratu'l-Ayn. Não só tinha um conhecimento inusitadamente perfeito do árabe, como também se destacou por seus conhecimentos das tradições do Islã e das diversas interpretações das passagens discutidas do Alcorão e dos grandes escritores. Em Qazvín consideraram-na, com justa razão, um prodígio". (Idem, p. 137).

39 - "Ainda que pareça estranho, respeitaram as mulheres que lograram reunir e que levaram ao monte Bíyábán. Entre elas havia dois anciões demasiado débeis para lutar: Mullá Muhammad-Músá, um pisoeiro e Mashhadí-Báqir, um tintureiro. Estes eles mataram. Mashhadí Báqir foi morto por Alí Big, capitão dos soldados Nayrízí, que decapitou sua vítima e deu a cabeça a um garoto; depois cobriu a cabeça da sobrinha da vítima com um véu negro e a levou a cavalo até onde Mirza Na'im se encontrava, sobre o monte Bíyábán, sentado numa pedra em um jardim. Quando Alí Big chegou perto dele, lhe atirou a cabeça de Báqir e ao mesmo tempo deu um empurrão na menina que caiu de bruços, enquanto ele gritava: "Temos feito o que desejas, os Bábís já não existem". Mirza Na'im ordenou que a boca de Ákhúnd Mullá Abdu'l-Husayn fosse recheada com terra; depois um ghulám atirou na sua cabeça porém, a ferida não foi mortal. Aproximadamente seiscentas e três mulheres foram arrastadas e conduzidas ao moinho chamado Takht que se encontra nas proximidades de Nayríz. Nosso autor relata o seguinte fato: "Eu era muito jovem então e seguia minha mãe que tinha outro filho menor que eu. Um homem chamado Asadu'lláh levava como prova da ferocidade dos vencedores o meu irmão sobre seus ombros. O menino usava um chapéu decorado com alguns adornos. Um jinete viu o chapéu, chegou perto e o arrancou com tal violência que ao mesmo tempo agarrou o cabelo do bebê... A criança foi lançada a uma distância de mais ou menos dez metros e minha pobre mãe desmaiou inconsciente". Não me deterei sobre os horrores que se seguiram à vitória. Basta dizer que Mirza Na'ím, montado a cavalo, ia precedido e seguido por homens que levavam as cabeças dos mártires na ponta das lanças. Aos prisioneiros se lhes obrigava a avançar a chicotadas e com a ponta dos sabres. As mulheres foram jogadas em canais cheios d'água. Passaram a noite no Caravansarai em Shiráz. Na manhã seguinte, as mulheres foram deixadas nuas e se entretiveram dando-lhes pontapés, apedrejando-as, açoitando-as e escarrando sobre elas. Quando seus atormentadores se cansaram, elas foram confinadas durante vinte dias e durante este tempo foram insultadas e ultrajadas a cada instante. Oitenta Bábís, amarrados em grupos de dez a dez foram confiados a cem soldados para serem conduzidos a Shiráz. Siyyid Mír Muhammad Abd morreu em conseqüência do frio em Khánnihgird, outros morreram pouco depois. De tempo em tempo os guardas cortavam a cabeça de um deles. Finalmente chegaram a Shíráz atravessando a porta de Sa'dí. Fizeram desfilar os prisioneiros pelas ruas e depois os deixaram nas prisões. As mulheres, tiraram do edifício da escola no final de vinte dias e foram separadas em dois grupos. Um grupo delas foi posto em liberdade e outro foi enviado a Shiráz junto com outros prisioneiros homens que haviam sido detidos recentemente. Ao chegar a Shiráz dividiram novamente a caravana: as mulheres foram enviadas ao caravansarai Sháh Mír Alí Hamzih e os homens ao cárcere junto com outros Bábís. O dia seguinte foi festa. O Governador, rodeado por todos os cidadãos destacados de Shiráz, ordenou que trouxessem os prisioneiros à sua presença. Um Nayrízí chamado Jalál, a quem Na'ím havia apelidado de "Bulbul", deu a conhecer os nomes de seus concidadãos. O primeiro a aparecer foi Mullá Abdu'l-Husayn, a quem se ordenou amaldiçoar o Báb. Ele recusou e sua cabeça rolou para o solo. Hájí o filho de Asghar, Alí Garm-Síri, Husayn filho de Hídi Khayrí, Sádiq filho de Sálih e Muhammad-ibn-i-Muhsin foram todos executados. As mulheres foram postas em liberdade e os homens que sobreviveram foram conduzidos novamente à prisão. Como o Sháh havia reclamado o envio de prisioneiros, sententa e três foram mandados a Teerã. Vinte e dois pereceram durante a viagem entre os quais estavam Mullá Abdu'l-Husayn que faleceu em Saydán; Alí, filho de Karbilá-í Zamán em Ábádih; Akbar, filho de Karbilá-í Muhammad em Qinárih; Hasan, filho de Abdu'l-Vahhab, Mullá Alí-Akhbar Ra'ís, Ghulám-Alí, filho de Pír Muhammad, Naqi e Muhammad Alí, filhos de Muhammad, todos faleceram no caminho. Os demais chegaram a Teerã e no mesmo dia da sua chegada quinze deles foram executados, entre eles Áqá Siyyid Alí que havia sido abandonado como morto. Karbilá-í Rajab, o barbeiro; Sayfu'd-Din, Sulaymán filho de K. Salmán, Ja'far, Murád Khayrí, Husayn filho de K. Báqir, Mirza Abu'l-Hasan filho de Mirza Taqí, Mullá Muhammad-Alí filho de Áqá Mihdí. Vinte e três morreram na prisão, treze foram deixados em liberdade depois de três anos; o único que ficou em Teerã para falecer ali pouco depois, foi Karbilá-í Zaynu'l-Abidín". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí Mamad dit le Báb", pp. 421-4). "Seus perseguidores depois de haver capturado e matado os homens, se apoderaram e mataram quarenta mulheres e crianças da seguinte forma: foram colocados no meio de uma caverna que foi cheia com uma grande quantidade de lenha, puseram gasolina sobre os troncos e atearam fogo. Um dos que participou deste ato relatou o seguinte: "Depois de dois ou três dias subi a montanha e corri à porta da caverna. Vi que do fogo só restavam as cinzas; porém, todas aquelas mulheres com seus filhos permaneciam sentadas, cada uma em algum canto, com os pequeninos abraçados em seu peito e sentadas formando um círculo, exatamente como as havíamos deixado. Algumas, como se estivessem desesperadas ou lamentando-se, haviam colocado suas cabeças entre as pernas por sua dor e todas conservavam a postura que haviam assumido. Me senti assombrado, pensando que o fogo não as havia queimado. Cheio de apreensão e abatido, entrei. Então vi que todas estavam queimadas até as cinzas, no entanto, em nenhum momento haviam feito um movimento sequer que provocasse a desintegração de seus corpos. E quando as toquei com as mãos desintegraram-se caindo em cinzas. E quando vimos isto todos nós nos arrependemos do que havíamos feito. Porém de que adiantava isto agora?" ("O Taríkh-i-Jadíd", 128-31). "O autor do "Taríkh-i-Jadíd" ao terminar seu relato, aproveita a oportunidade para mostrar quão literalmente foram cumpridas as profecias com estes acontecimentos, contidas em uma tradição que se refere aos sinais que indicaram a aparição do Imame Mihdí: "Nele se falarão a perfeição de Moisés, a preciosidade de Jesus, e a paciência de Job; Seus santos serão degradados em Sua época e Suas cabeças serão trocadas como presentes, assim como as cabeças dos turcos e daylamitas são trocadas como brindes, e terão medo, cheios de pavor e desconcertados; a terra será inundada com seu sangue e prevalecerão as lamentações e as queixas entre suas mulheres; estes são, na verdade, Meus Santos". (Esta tradução, chamada Hadíth-i-Jábir é citada também no "Kafi", uma das recompilações principais das traduções xiitas, citado no "Iqán"). Quando me encontravam em Yazd no princípio do verão de 1888, conheci um Bábí que ocupava um cargo de certa importância no governo, cujos antepassados haviam participado de forma destaca na supressão do levante de Nayríz. Do que me relatou, o que segue é um resumo do meu diário particular com data de 18 de maio de 1888: "Meu avô materno Mihr-Alí Khán Shujá'u'l-Mulkh e meu tio-avô Mirza Na'ím tomaram ambos uma parte ativa na guerra de Nayrís, - porém, no lado errado. Quando chegaram ordens a Shiráz de sufocar a insurreição, meu avô recebeu ordens de assumir o comando da expedição enviada com esse fim. Não lhe agradou a tarefa designada e deu a conhecer suas dúvidas a dois dos ulemás, os quais, no entanto, lhe asseguraram com declarações que a guerra que estava a ponto de empreender era uma tarefa sagrada, aprovada pela Religião e que receberia por ela uma recompensa no Paraíso. E foi assim, o que aconteceu, aconteceu. Depois que mataram setecentos e cinqüenta homens, se apoderaram das mulheres e crianças, lhes arrancaram quase toda a roupa, montaram-nos, sobre burros, mulas e camelos e os conduziram por longas filas de cabeças cortadas dos corpos inertes de seus pais, filhos, irmãos e maridos, até Shiráz. Quando chegaram ali foram colocados em um ruidoso caravansarai nas vizinhanças da porta de Isfahán e frente a frente a um Imán-zádih, enquanto seus captores se estabeleceram sob um arvorado vizinho. Permaneceram ali durante longo tempo sofrendo insultos e maltratos, e muitos deles morreram. Agora observa o juízo de Deus sobre os opressores: já que daqueles especialmente responsáveis por estas crueldades todos tiveram um triste fim e faleceram oprimidos por calamidades. Meu avô Mihr-Alí Khán ficou doente rapidamente e ficou mudo até o dia da sua morte. Quando estava prestes a expirar os que estavam perto dele viram pelos movimentos de seus lábios que estava sussurrando algo. Chegaram para ouvir suas últimas palavras e o escutaram murmurar debilmente: ' Bábí! Bábí! Bábí!', três vezes. Então se deixou cair para trás e expirou. Meu tio avô Mirza Na'ím caiu em desgraça perante o governo e foi multado duas vezes: a primeira em dez mil tumanes e a segunda em quinze mil tumanes. Porém seu castigo não terminou com isso, porque ele sofreu diversas torturas. Suas mãos foram postas no "il-chik" (uma tortura que consiste em pôr pedaços de madeira entre os dedos da vítima, amarrando-os logo muito apertados, com um cordel; depois se joga água fria sobre o cordel para que se contraia ainda mais) e seus pés no "tang-i-Qájár" (ou "apretón Qájár" uma forma de tortura parecida com a "bota" que num tempo se usou na Inglaterra e por cuja introdução na Pérsia se deve agradecer à dinastia que atualmente ocupa o trono); foi colocado de pé, com a cabeça descoberta, em pleno sol, cobrindo-se-lhe a cabeça com melaço para atrair as moscas; e depois de sofrer estas e outras torturas ainda mais dolorosas e humilhantes foi despedido; um homem caído em desgraça e arruinado". ("A Traveller's Narrative", Nota H, pp. 191-3).

40 - 12 de janeiro de 1853 A. D.
41 - 'Abdu'l-Bahá.

42 - Bahíyyih Khánum, a Folha Mais Sagrada, irmã de 'Abdu'l-Bahá, que era então uma garotinha de sete anos de idade, acompanhou os exilados.

EPÍLOGO

1 - Mirza Abu'l-Fadl cita em seu "Fará'id" (pp. 50-51) a seguinte e extraordinária tradição de Maomé, que é reconhecida como um pronunciamento autêntico do Profeta e a que se refere Siyyid Abdu'l-Vahháb-i-Sháh'rání em sua obra intitulada "Kitábu'l-Yaváqit-i-va'l-Javáhir". "Todos eles (os companheiros do Qá'im) serão mortos exceto Um que chegará até a planície de Akká, a Sala do Banquete de Deus". O texto completo também é mencionado, segundo Mirza Abu'l-Fadl, no "Futúhát-i-Makkíyyih", de Shakh Ibnu'l-Arabí.

2 - "Um recipiente oco mais ou menos do tamanho e forma de um coco, ao redor do orifício estão fixadas duas correntes em quatro pontos, para servir de cabo. Os dervixes o utilizam para receber esmolas". ("A Traveller's Narrative", p. 51, nota 3).

3 - "Excelência, depois da execução daquelas medidas enérgicas por parte do governo persa para extirpar e exterminar a detestável e desvairada seita dos Bábís, de cujos detalhes Vossa Excelência está plenamente informado (esta é uma alusão à grande perseguição de Bábís em Teerã no verão de 1852), louvado seja Deus, graças à atenção da mente Imperial de sua potentíssima Majestade, cuja posição é como o de um Jamshíd, o refúgio da Verdadeira Religião - que minha vida seja sacrificada por ele! - as raízes foram arrancadas". (Extrato da carta enviada por Mirza Sa'íd Khán, ex-Ministro de Relações Exteriores da Pérsia, ao embaixador persa em Constantinopla; datada de 12 de Dhu'l-Hijjih 1278 (10 de maio de 1862). Fac-símile e tradução do documento reproduzido na obra de E. G. Browne: "Materials for the Study of the Bábí Religion", p. 283.

4 - "Foi uma viagem terrível por um terreno agreste e montanhoso e os viajantes sofreram muito em conseqüência das intempéries". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliation of Races and Religions", p. 121).

5 - "Durante os dias que estive encarcerado na Terra de Tá (Teerã) ainda quando o irritante peso das correntes e a repugnante atmosfera da prisão me permitiam um escasso sono, ocasionalmente, por momentos enquanto dormia, senti como se algo estivera derramando sobre meu peito, assim como uma poderosa torrente que descendo desde o cimo de uma montanha, se precipita sobre a terra. Todo meu corpo parecia estar inflamado e em chamas. Em instantes como estes, minha língua recitava o que ouvidos mortais não podiam escutar". ("The Epistle to the Sons of the Wolf", p. 17).

6 - "Tão extraordinária foi sua valentia ao declarar ter autoridade Divina como sua moderação ao insistir que sua autoridade não era final. Sentiu-se competente e comissionado para revelar muito, porém, sentiu com igual certeza que havia infinitamente mais por revelar todavia. Eis aqui sua grandeza. E eis aqui seu maior sacrifício. Por isto corria o risco de uma diminuição de sua fama pessoal. Porém assegurou a continuidade de sua missão... Ele assegurou nesta forma que o movimento que havia começado podia crescer e expandir-se. Ele mesmo não era senão "uma letra desse poderosíssimo livro, uma gota de orvalho desse oceano sem limites"... Esta era a humildade da verdadeira percepção. E teve seu efeito. Seu movimento tem crescido e expandido e todavia tem diante de si um grande futuro". (Sir Francis Younghusband: "The Gleam", pp. 210-11).

7 - Gobineau, escrevendo mais ou menos no ano de 1865, atesta o seguinte: "A opinião pública é que os Bábís podem ser encontrados em todas as classes sociais e entre os membros de todas as religiões, com exceção dos Nusayrís e os Cristãos, porém é especialmente entre a classe educada, os homens eruditos, dos quais se suspeita terem simpatia pelo Bábismo. Acredita-se, com bons fundamentos, que muitos mullás e, entre eles mujtahids de renome, magistrados de alta posição e oficiais de alta patente muito chegados ao rei, são Bábís. Segundo um cálculo recente, haveria em Teerã, uma cidade de aproximadamente oitenta mil habitantes, cinco mil Bábís. Porém estes cálculos não são muito dignos de confiança e me sido inclinado a pensar que, se os Bábís forem triunfar na Pérsia, seu número na capital seria muito maior já que, nesse momento haveria de agregar um número de ferventes discípulos, qualquer que seja agora seu número, uma grande proporção daqueles que recentemente se mostram a favor a doutrina oficialmente condenada e aos quais a vitória daria a coragem para declarar abertamente a sua fé" ("Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 251). "Ainda não se passaram meio século desde que Mirza Alí Muhammad, o jovem Vidente de Shiráz, começou a pregar sua religião que agora conta seus mártires às centenas e seus seguidores às centenas de milhares; que parecia num tempo começar a supremacia não só da dinastia Qájar como também a fé muçulmana da Pérsia e pode ainda constituir provavelmente um fator de importância na história da Ásia Ocidental". (Introdução do Prof. E. G. Browne no "Tárikh-i-Jadíd", p. 7). "O Bábismo", escreve o Professor James Darmesteter, "que se difundiu em menos de cinco anos de um extremo ao outro da Pérsia, que no ano de 1852 foi banhado com o sangue de seus mártires, tem se propagado e progredido silenciosamente. Se a Pérsia há de ser alguma vez regenerada, será por intermédio desta nova Fé". (Extraído de "Pérsia: um perfil Histórico e Literário", traduzido por G. K. Narimán). "Se o Bábísmo continuar crescendo com seu atual ritmo de desenvolvimento, é concebível que chegará o momento que deslocará o Maometanismo do território da Pérsia. Creio que teria poucas possibilidades de conseguir isto se surgisse sob a bandeira de uma fé hostil. Porém já que seus recrutas são conquistados entre os melhores soldados que estão atacando, tenho mais razão ainda para crer que prevalecerá ao longo do tempo. Para aqueles que sabem algo sobre o caráter persa, que é tão extraordinariamente susceptível a influências religiosas, se fará evidente a quantas classes nesse país atrai com êxito. Os Súfis, os místicos, têm sustentado durante muito tempo, que sempre deve haver um Pír, ou Profeta, visível em carne e são absorvidos facilmente no rebanho Bábí. Inclusive os muçulmanos ortodoxos cuja mente sempre se tem dirigido em ansiosa antecipação ao Imame desaparecido, se mostram receptivos aos argumentos coerentes mediante os quais busca-se demontrar que já seja o Báb o Bahá, é o Mihdí, segundo todas as predições do Alcorão e das tradições. A vida pura e cheia de sofrimento do Báb, sua morte ignominiosa, o heroísmo e martírio de seus seguidores, atraíram a muitos outros os quais não podem encontrar fenômeno similar na história contemporânea do Islã". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", p. 503, Vol. 1). Este autor, no mesmo capítulo, ao comentar sobre as perspectivas das missões cristãs na Pérsia, escreve o seguinte: "Tem-se dito que a Pérsia é o lugar onde o trabalho missionário apresenta as melhores perspectivas de êxito no Oriente. Ao mesmo tempo que estou consciente do trabalho valioso que estão levando a cabo os representantes da sociedade missionária da Inglaterra, França e América nesse país mediante a difusão da educação, os sinais de caridade, pela concessão de antendimento médico gratuito, e, pela força de bom exemplo, e enquanto que não sinto que esses trabalhos piedosos deveriam ser reduzidos, não posso compartilhar, baseado nas informações que possuo, das previsões otimistas que se tem dado para o futuro". (p. 504). "...Na Pérsia, no entanto, as dificuldades menores que enfrentam as comunidades cristãs não é a que se deriva de suas próprias diferenças sectárias; e os muçulmanos têm pleno direito a burlar-se daqueles os quais convidam a entrar em um rebanho os diferentes membros do qual se amam entre si com tanta amargura. Os Protestantes disputam com Católicos Romanos, Presbiterianos e com os Episcopais. Os Nestorianos Protestantes não olham com bons olhos os Nestorianos propriamente ditos, e estes por sua vez, não têm relações muito harmoniosas com os Caldeus ou Nestorianos Católicos. Os Armênios olham com desprezo os Armênios (Católicos) Unidos e ambos andam de mãos dadas para protelar o trabalho dos Protestantes. Finalmente pode contar-se, em geral, com a hostilidade dos Judeus. Nos diversos países do Oriente pelos quais tenho viajado, desde a Síria até o Japão, tenho me surpreendido e estranhado com o doloroso fenômeno de ver grupos missionários defendendo a mais nobre das lutas sob o estandarte do Rei da Paz, usando armas fratricidas nas mãos". (pp. 507-8). "... Se o critério da empresa missionária Persa é, então, um número maior de conversões conquistadas do Islã, não vacilo em achar que o gasto prodigioso de dinheiro, de esforço honesto, e de luta sacrificada que se tem derramado sobre este país, tem dado um resultado totalmente inócuo. Jovens maometanos têm sido batizados em algumas ocasiões por missionários cristãos. Porém não se deve confundir isto com demasiada facilidade de conversão, já que a grande maioria de novos adeptos retorna à sua fé anterior. Tenho dúvidas se desde que Henry Martyn pôs os pés em Shiráz, até a data atual, se houve uma conversão autêntica de até meia dezena de muçulmanos persas ao credo cristão. Eu mesmo tenho freqüentemente investigado, porém, jamais vi um muçulmano convertido (com exceção, é claro, das crianças abandonadas ou órfãos de pais muçulmanos que foram criadas desde a infância em colégios cristãos). Tampouco estou surpreso ante a completa demonstração de fracasso. Se colocamos de lado as pressuposições dogmáticas do Cristianismo (a doutrina da Trindade e a Divindade de Cristo), que são tão repugnantes ao conceito maometano da unidade de Deus, não podemos olhar muito assustados à falta de entusiasmo por abandonar a sua fé de Muçulmano, se recordarmos que a pena para esta ação é a morte. As possibilidades de conversão são por certo remotas se tanto o corpo como a alma do convertido são colocadas na balança. Porém, apreensões pessoais, ainda que sejam importantes, não são um fator decisivo na situação. E ante a muralha de rocha do Islã, um sistema que abarca todas as esferas, todos os deveres e atos da vida que golpeiam em vão as ondas da ação missionária. Maravilhosamente adaptado tanto ao clima como ao caráter e ocupações daqueles países sobre os que têm posto seu punhado de poesia, o Islã faz de seu devoto um servo completo desde seu nascimento até a morte. Para ele não é só religião, é governo, filosofia e ciência também. O conceito maometano não é tanto o de uma igreja do Estado, senão, se me permitem a expressão, a de um Estado-Igreja. Os cimentos da sociedade não são de construção civil, senão eclesiástico; e envoltos neste sublime se bem que estático, credo, o muçulmano vive em contente estado de rendição total de sua vontade e considera que é seu dever mais elevado adorar a Deus e de obrigar a outros (e onde isto não é possível, de depreciá-los) a adorá-lo em espírito e depois morrer seguro de alcançar o Paraíso. Enquanto este código de vida obrigado e que a tudo absorve mantém em seus braços os povos do Oriente, determinando todos os deveres, regulando todas as ações da existência e dando finalmente uma salvação segura, o esforço e dinheiro das missões será gasto em grande quantidade, em vão. Ainda mais, é minha opinião, que uma propaganda ativa é a pior política que pode adotar uma missão Cristã num país muçulmano fanático e a tolerância mesma por que tem dado crédito o governo persa se deve à prudente abstenção por parte dos missionários cristãos de desenvolver um proselitismo declarado". (pp. 508-9).

8 - Gobineau, escrevendo em 1865 aproximadamente, dá o seguinte testemunho: "Assim como o Bábismo tem tido uma influência considerável sobre a mente da Pérsia e, propagando-se além da fronteira, derramando-se sobre o pachalick de Bagdá, penetrando até a Índia. Entre suas características, uma das que mais sobressai é que, inclusive durante a vida do Báb, muitos dos doutores da nova fé, grande número de seus seguidores convencidos e devotos, nunca conheceram pessoalmente o seu profeta e não parecem haver dado grande importância ao feito de ouvir suas instruções de seus próprios lábios. No entanto se renderam, de forma completa e sem reservas, as honras e a veneração as que, à sua vista, tinham direito". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 255).

9 - "... e eis aqui como, matematicamente, se tem produzido um movimento religioso muito particular no qual a Ásia Central, ou seja na Pérsia, alguns lugares da Índia e uma parte da Turquia asiática nas vizinhanças de Bagdá, se mostra hoje vivamente interessada, movimento extraordinário e digno de ser estudado sob todos os aspectos. Permite assistir ao desenvolvimento de acontecimentos, a manifestações, a catástrofes de natureza tal que não se está habituado a ver na atualidade e que um só podia imaginar como possíveis em épocas remotas quando nasceram as grandes religiões... Declaro assim mesmo que se eu visse na Europa uma seita de natureza similar ao Bábismo, com as vantagens que possui, fé cega, extraordinário entusiasmo, valentia e devoção à toda prova, conquistando o respeito dos indiferentes, infundindo terror a seus adversários e ainda mais, como já foi mencionado, com uma atividade proselitista que não se detém em nenhum momento, cujos êxitos são constantes em todas as classes sociais; se eu visse, digo, que tudo isso existisse na Europa, não vacilaria em predizer que, dentro de um tempo prudencial, o poder e a soberania cairiam necessariamente aos possuidores destas grandes vantagens". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", pp. 116, 293-4). "Agora devo dizer que me parece que a história do movimento Bábí deve ser de interesse em diferentes formas, principalmente àqueles que estão ocupados diretamente com o estudo do persa. O estudante do pensamento religioso terá muito material para suas reflexões, porque aqui pode contemplar personalidades tais que com o passar do tempo se transformam em heróis e semideuses ainda não obscurecidos sob o mito e a fábula; pode examinar sob a luz do testemunho atual e independente um daqueles estalidos estranhos de entusiasmo, fé, fervente devoção e de indomável heroísmo - ou fanatismo, se assim o preferirem - que estamos acostumados a associar com a história passada da raça humana; em uma palavra, pode atestar o nascimento de uma fé que não é impossível que chegue a conquistar um lugar entre as grandes religiões do mundo. Para o etnólogo também pode dar material para reflexionar no que se refere ao caráter das pessoas que, estigmatizadas, como o têm sido freqüentemente, como egoístas, mercenárias, orgulhosas, sórdidas e covardes, que no entanto são capazes de mostrar, sob a influência de um forte impulso religioso, um grau de devoção, desinteresse, generosidade, desprendimento, nobreza e valentia que pode ter paralelo na história porém que dificilmente pode ser sobrepujado. Para o político também a questão tem a sua importância; que trocas não poderiam ser feitas num país que agora se considera só um cifra no equilíbrio de forças nacionais, por uma religião capaz de evocar um espírito tão poderoso? Que aqueles que sabem o que Maomé fez com os árabes considerem bem o que o Báb pode todavia fazer com os persas". (E. G. Browne: Introdução a "A Traveller's Narrative", pp. 8-9). "É assim como fui instalado como um hóspede em Bahjí, no meio de tudo o que o Bábismo considera mais nobre e mais santo; e aqui passei cinco dos dias mais memoráveis durante os quais tive oportunidades inigualáveis e inesperadas de manter relações com aqueles que são a fonte desse poderoso e maravilhoso espírito que trabalha com força invisível porém sempre crescente para a transformação e vivificação de um povo que dorme um sono como a morte. Foi por certo uma experiência estranha e comovedora, porém da qual lastimo comunicar nada mais que as mais débeis impressões. Por certo, poderia descrever com maiores detalhes os rostos e formas que me rodeavam, as conversas que tive o privilégio de escutar, a leitura solene e melodiosa dos livros sagrados, a sensação geral de harmonia e contento que impregnava o lugar, e os fragrantes e sombreados jardins que freqüentávamos ao entardecer; porém tudo isto era como nada em comparação com a atmosfera espiritual que me rodeava. Os muçulmanos persas diriam que os Bábís efeitiçam ou dão drogas a seus convidados para que estes, impelidos por uma fascinação que não podem resistir, se vejam contagiados de igual maneira pelo que os muçulmanos consideram uma forma estranha e incompreensível de loucura. Ainda que esta crença seja tola e absurda, no entanto, apóia-se sobre bases de feitos mais fortes que o que lhes serve de fundamento para a maior parte de seus alegados contra esta gente. O espírito que impregna os Bábís é tal que apenas pode evitar de afetar poderosamente a todos os que se encontram sujeitos à sua influência. Pode ser chamativo e atrair; não se lhe pode ignorar nem descartar. Que aqueles que não o têm visto não me creiam se assim o desejam; porém se alguma vez se revela este espírito para eles, experimentam uma emoção que acham difícil de esquecer". (Idem, p. 38-9). "Nessa forma nota-se que, em sua organização externa, o Bábísmo tem sofrido mudanças radicais desde que apareceu como uma força proselitista há meio século. No entanto estas trocas não têm atuado como impedimento, mas ao contrário, parece haver estimulado sua propaganda já que tem progredido com uma rapidez inexplicável para aqueles que só podem ver nela uma forma crua de fermento político ou metafísico. Os cálculos mais baixos estimam que o número de Bábís na Pérsia é de meio milhão. Sinto-me inclinado a pensar, baseado em conversas com pessoas bem qualificadas para emitir um juízo, que o total está perto de um milhão. Pode-se encontrar em todas as ocupações, desde ministros e nobres da corte até lixeiros e cavalariços, e não é a menos importante esfera de sua atividade o sacerdórcio muçulmano mesmo. Nota-se que o movimento foi iniciado por siyyids, hájís e mullás, isto é, pessoas que, por linhagem, por tendência piedosa ou por profissão, estavam intimamente preocupadas com o credo muçulmano; é inclusive entre os devotos declarados da fé que seguem fazendo suas conversões. De muitos Bábís se sabe muito bem que o são, porém que enquanto procedem com circunspecção, não são objeto de intrusão ou perseguição. Entre os mais humildes no entanto, em geral se oculta o fato por temor a dar uma desculpa ao rancor de seus superiores. Em época recente os Bábís têm tido muito êxito no campo de outro inimigo, havendo conquistado muitos prosélitos entre a população judia dos povos persas. É sabido que durante o último ano foram feitas 150 conversões de judeus em Teerã, 100 em Hamadán, 50 em Káshán e os 75% dos judeus de Gulpáiyigán". (Lord Curzon: "Persia and the Persian Question", vol. 1, pp. 499-500). "Daquela raça sutil", escreve o Dr. J. Estlin Garpenter, "provém o movimento mais extraordinário que já produziu o maometanismo moderno... Discípulos o cercaram e o movimento não foi detido por sua prisão, encarceramento por cerca de seis anos e sua final execução em 1850... Também reclama ter um ensinamento universal; já tem seu nobre exército de mártires e seus livros sagrados; será que a Pérsia, em meio das suas misérias, deu nascimento a uma religião que dará a volta ao mundo?" ("Comparative Religion", p. 70-71). "Uma vez mais", escreve o Professor E. G. Browne, "no curso da história da humanidade, o Oriente tem reivindicado sua pretensão a ensinar religião ao Ocidente e a possuir no Mundo Espiritual aquela preeminência que os países do Ocidente possuem no material". (Introdução à obra de M. H. Phelp: "Life and Teachings of Abbás Effendi", p. 15). "Parece indubitável que desde o ponto de vista religioso e especialmente desde o moral, o Bábismo assinala um avanço sobre os ensinamentos do Islã, poderia se dizer como o Sr. Vambery (Academia Francesa, 12 de março de 1892) que seus dirigentes haviam expressado doutrinas dignas dos maiores pensadores... Em todo caso, o crescimento do Bábismo é um capítulo interessante na história das civilizações modernas. E nesta forma depois que se disse tudo, aqueles que o louvavam possivelmente estão com a razão; é possível que do Bábismo venha a regeneração do povo Persa, inclusive da totalidade do Islã que está muito necessitado dele. Desafortunadamente, raras vezes ocorre uma regeneração nacional sem abundante derramamento de sangue". (M. J. Balteau: "Le Bábisme", p. 28).

10 - Título de 'Abdu'l-Bahá.

11 - O Califato começou com a eleição de Abú-Bakr em 632 A. D. e durou até 1258 A. D. quando Hulagu Khán saqueou Bagdá e matou Mu'tasim-Bi'lláh. Durante quase três séculos depois desta catástrofe se perpetuou o título de Califa no Egito por descendentes da Casa de Abbás que viveram sob a proteção de seus governantes mamelucos, até que no ano de 1517 A. D. o Sultão Salím, o Osmanlí, depois de haver conquistado a dinastia mameluca, induziu ao infortunado Califa a tranferir a ele o título e insígnia". (P. M. Sykes: "A History of Persia", vol. 2, p. 25).


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