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A Paz Mundial através de uma Economia Mundial
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Jorge Luis Grespan : A Paz Mundial através de uma Economia Mundial
Associação de Estudos Bahá'ís
A PAZ MUNDIAL ATRAVÉS DE
UMA ECONOMIA MUNDIAL
Jorge Luis Grespan
Série:
ANO INTERNACIONAL DA PAZ
No. 3
P R E F Á C I O

A série ANO INTERNACIONAL DA PAZ é uma coleção dedicada às questões levantadas pela necessidade urgente do estabelecimento da PAZ MUNDIAL no mundo de hoje.

A sua finalidade é oferecer livros curtos, objetivos e precisos, destinados àqueles que sentem o desejo de ampliar a sua consciência de um dos grandes problemas mundiais: as guerras e a sua solução.

A sua visão do homem é global e visa abranger toda a sua realidade: econômica, social, religiosa, artística, científica e espiritual. Todos esses aspectos são analisados dentro da perspectiva da paz e de um mundo unido, sem barreiras políticas, de cor, credo ou classe social.

Têm como propósito apresentar um novo panorama, novos conhecimentos e novas bases para o pensamento humano e o grande desafio de afastar definitivamente da vida humana o espectro da guerra. Foram convidados autores profundamente envolvidos com o estudo, pesquisa e desenvolvimento dos conceitos de uma Nova Era para o mundo, a paz, sempre dentro das suas especialidades ou áreas de formação. Acreditamos que nada é tão importante nos dias atuais diante da designação pela ONU do Ano Internacional da Paz, que sejam trazidos ao público obras deste caráter.

Todos os autores residem no Brasil, e estão envolvidos pela realidade brasileira, e embora seja uma convicção corrente do brasileiro não incluir no rol das preocupações o problema da guerra mundial, a profundidade e as reflexões agudas e inteligentes que cada autor propõe parecem desmentir tal convicção, que torna a série ainda mais atraente.

Há certas questões da vida humana que têm recebido pouca atenção no atual turbilhão que a crise moral e ética da humanidade se envolveu. O desenvolvimento da ciência e a tecnologia colocaram à disposição meios de viver e também armamentos para os quais não estava ainda preparado espiritualmente.

Segundo o biólogo e Prêmio Nobel, Jean Rostand, "a ciência nos tornou deuses sem que antes tivéssemos merecido sermos homens". Entre estas questões se coloca, sem dúvida, o destino e o futuro da humanidade diante da atual potencialidade das armas nucleares.

A função de toda obra deve ser de aumentar o nosso conhecimento, não apenas para podermos melhor manipular o homem e a natureza, mas para fazer renascer a nossa fé e esperança na humanidade, e mostrando um novo caminho para a sua evolução.

E a evolução do homem hoje, obrigatoriamente, está direcionada na medida dos seus esforços pelo entendimento internacional e a criação de um mundo unido.

Os preconceitos, as tensões e os antagonismos não têm mais lugar na nova existência humana e devem ser relegados ao passado de imaturidade da humanidade.

Esta série, ANO INTERNACIONAL DA PAZ, visa a aprofundar a compreensão do sentido da vida do homem, o seu propósito e finalidade na face da terra e a sua posição na história.

Está sendo publicada baseada na convicção de que a atual geração pode realizar a grande tarefa de reorganização do relacionamento humano, do alargamento dos seus horizontes, da universalização dos seus objetivos, fazendo surgir uma consciência moral que leve à unidade e a fraternidade de todos os povos, raças, culturas, religiões e classes. Enfim, à planetização da humanidade. Uma só família humana. Uma só raça: a Grande Raça Humana.

As grandes conquistas da humanidade não são resultado da força e nem mesmo realizações puramente intelectuais: são realizações da totalidade do EU humano, nos seus múltiplos aspectos morais e espirituais.

Se servir para a sua reflexão e uma maior compreensão do mundo em que vive e para onde este mundo se dirige, prezado leitor, esta série terá cumprido a sua principal função.

A ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS Bahá'ís DO BRASIL
A PAZ MUNDIAL ATRAVÉS DE UMA
ECONOMIA MUNDIAL
Jorge Luis Grespan

Os repetidos apelos por uma "nova ordem econômica mundial", feitos por líderes e governantes de vários países em congressos e reuniões de organismos internacionais evidenciam o consenso a que se está chegando quanto a possibilidade de se resolverem os complexos problemas que as relações econômicas internacionais apresentam no quadro institucional presente. As soluções até agora encontradas têm-se mostrado ineficazes para resolver as dificuldades mais graves porque, mesmo quando colocadas em prática, geralmente não são amplas a ponto de proporem as alterações necessárias da estrutura da economia mundial, limitando-se a modificações parciais dentro da atual estrutura. Mas se, por outro lado, propostas mais abrangentes encontram grandes obstáculos de implantação, o agravante dos problemas econômicos mundiais faz com que elas sejam cada vez mais tomadas em consideração e discutidas.

E neste contexto que se torna oportuno e relevante apresentar também os princípios Bahá'ís relativos a este assunto, na medida em que eles constituem uma proposta séria e avançada para o estabelecimento da "nova ordem mundial", hoje tão desejada e debatida. Deste modo, embora os princípios da Comunidade Internacional Bahá'í tratem de múltiplos aspectos da vida social, este artigo se concentrará sobre os que conduzem ao estabelecimento de um sistema econômico realmente mundial e sua influência para a conquista de uma paz duradoura no planeta.

Unidade e Diversidade Internacional:

Talvez um dos fenômenos mais notáveis da história mundial nos últimos 5 séculos seja o desenvolvimento do comércio em escala mundial, através da expansão dos mercados e da gigantesca ampliação da capacidade produtiva de certos países que, criando mercadorias em crescente proporção, forçou o ininterrupto crescimento dos mercados consumidores. Esta expansão foi possível dentro do quadro institucional do "estado nacional" surgindo a partir do colapso da economia medieval. Nesta, do mesmo modo que na Antigüidade, a regulamentação da produção e do comércio era exercida por cidades-estado livres que, mesmo quando reunidas em confederações ou sob o domínio de Impérios, ainda mantinham uma independência relativamente grande no controle de seus territórios. O estado nacional, que se desenvolve depois do séc. XIV, elimina o poder particularizante dos senhores e das cidades-livres e integra em um novo território várias regiões antes separadas, uniformizando em seu interior o sistema de medidas, de moeda e crédito, e regulando as rotas de passagem das mercadorias. Neste novo contexto pode-se acumular capital comercial em escala sem precedentes, de modo a poder-se empregá-lo no aperfeiçoamento das técnicas da produção manufatureira, o que levou à própria Revolução Industrial no fim do séc. XVIII.

A economia mundial foi adquirindo, assim, o aspecto que ela apresenta atualmente: um sistema de relações entre distintas unidades políticas, no qual falta a homogeneidade institucional que cada unidade mantém dentro de seu território. A história de várias formas pelas quais passou tal sistema de relações internacionais revela os sucessivos arranjos através dos quais realidades institucionais diferentes e independentes se dispuseram para compor uma ordem. Mas a preservação desta independência de cada unidade nacional dentro dos sistemas econômicos mundiais, até hoje, tem sido justamente o elemento que os fragiliza e conduz à sua crise e superação.

O contato comercial cada vez mais freqüente entre as nações em diferentes regiões e a diversidade das condições naturais em cada uma estimulou a especialização da sua produção, fazendo que deixassem gradativamente de produzir aqueles bens que poderiam obter mais facilmente através das importações de outros países. O movimento internacional de riqueza na forma de mercadorias ou de metais preciosos contribuiu, assim, para uma crescente interdependência das várias economias nacionais em contato, ao mesmo tempo em que fornecia os meios para a constante expansão do comércio, com a incorporação de regiões antes inacessíveis ao mercado mundial.

Quando a Inglaterra assume o papel de centro das finanças do mundo, ao consolidar sua predominância industrial e comercial em meados do séc. XIX, as condições estão maduras para o estabelecimento de um sistema de comércio mundial. Neste período, até a 1a Guerra Mundial, os acordos comerciais entre os diversos países são realizados em Londres, onde se instalam as bolsas de mercadorias para os principais produtos mundiais e o centro bancário e financeiro por onde passam os empréstimos e os pagamentos de um país para outro. Pelo menos teoricamente, tal sistema funcionava através da fixação do valor das moedas nacionais em relação ao valor do ouro, instituindo o chamado "padrão-ouro". Deste modo, se um país importava mais do que exportava, deveria transferir parte do ouro que tivesse estocado para aqueles de quem tinha comprado mais do que vendido; mas como o ouro era a base do valor de sua moeda, a perda deste metal faria com que ele ficasse mais escasso em relação às mercadorias produzidas no país, de forma a reduzir o valor monetário destas, o preço. O nível de preços em geral cairia no país, tornando seus produtos mais atraentes no mercado internacional, o que estimularia suas exportações, e fazendo que os produtos estrangeiros ficassem menos atraentes em seu mercado interno, desestimulando as importações. O movimento internacional do ouro, provocado pelos déficits da balança comercial, faria com que tais déficits fossem eliminados num momento posterior, com o crescimento das exportações e a diminuição das importações. E o oposto movimento do ouro e dos níveis de preços ocorreria no caso dos países com superávit em sua balança comercial. Embora este mecanismo automático de equilíbrio funcionasse perfeitamente só na teoria econômica, a hegemonia industrial e financeira da Inglaterra permitia realmente que os pagamentos e acordos internacionais tivessem um centro e uma referência de valor única para se realizarem.

Após a 1a Guerra Mundial, porém, a correlação de forças econômicas havia mudado, com o indiscutível predomínio da economia norte-americana. A tendência dos Estados Unidos absorverem o outro mundial, como pagamento dos empréstimos de guerra e para reconstrução da Europa, e a instabilidade econômica das principais nações industrializadas deste continente tornava difícil o restabelecimento do padrão-ouro, que exigia a estabilidade do valor da moeda: se o ouro era constantemente transferido para os Estados Unidos, havia uma tendência permanente à queda dos preços nestas nações, que desestimulava os investimentos e a recuperação industrial. Estas dificuldades se agravaram ainda mais com a crise de 1929 e a Depressão dos anos 30. Neste período, a instabilidade geral dos preços e da produção impediu que houvesse uma referência única e universal para o câmbio das moedas nacionais, de modo que o comércio internacional passou a se realizar através de acordo bi-laterais.

E com a 2a Guerra Mundial, boa parte dos países beligerantes contraiu pesadas dívidas com os Estados Unidos, o que deu aos bancos e ao sistema financeiro deste país um papel central na ordem econômica que emergiria depois da guerra. Além disso, o produto nacional norte-americano passa a ter um peso enorme dentro da produção mundial. Esta nova situação exigia que se reorganizasse a estrutura do comércio e das finanças internacionais sobre bases diferentes das de antes da Guerra, realizando-se para isso a famosa Conferência de Bretton Woods, em julho de 1944. Ao invés de estabelecer um sistema mais internacional que o anterior, contudo, a Conferência preocupou-se excessivamente em resguardar a "soberania nacional" dos países participantes, talvez pelo receio do predomínio dos Estados Unidos na economia mundial.

Mas este predomínio não só se manteve, como foi até aumentado com o respeito pela autonomia nacional em assuntos econômicos. É interessante observar que alguns participantes de Bretton Woods, entre os quais principalmente o grande economista inglês John M. Keynes, perceberam o perigo que uma organização excessivamente nacionalista da economia mundial poderia representar no futuro. Keynes sugeriu por isso que se criasse um dinheiro internacional, chamado "bancor", que seria distribuído por um Banco Mundial aos Bancos nacionais conforme as necessidades e o fluxo do comércio e do crédito internacional, sem favorecer nenhuma nação em particular. Entretanto, outra proposta foi aprovada na Conferência: aceitava-se a criação do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, mas a distribuição dos recursos de financiamento seria feita de acordo com a contribuição de cada país, e não conforme suas necessidades, o que limitava muito a transferência de capital para os países em desenvolvimento fora do âmbito do sistema financeiro privado dos Estados Unidos; além disso, o dólar norte-americano passava a substituir o ouro como padrão internacional do valor das demais moedas nacionais. As autoridades dos Estados Unidos se comprometiam a manter uma relação fixa entre o dólar e o valor do ouro, de modo que os negócios internacionais teriam uma referência estável no valor daquela moeda.

Esta situação contornava o problema da tendência americana a absorver o ouro mundial, pois os demais países não precisariam manter estoques deste metal como antes. Mas ficava assegurada a hegemonia econômica dos Estados Unidos, na medida em que o volume do comércio e do crédito mundial dependia da disponibilidade de dólares, dependia do preço deste dinheiro, isto é, da taxa de juros do sistema financeiro americano. Os investimentos na recuperação das nações afetadas pela guerra ou no desenvolvimento dos países menos industrializados não corresponderiam às necessidades destes, mas à rentabilidade que eles proporcionassem ao capital que os realizou. A Ordem econômica do período pós-guerra, portanto, tendia a conservar a situação de predomínio dos países industrializados, sem resolver o grave problema que a desigualdade econômica entre as nações colocava para suas relações comerciais e financeiras.

Além disso, os anos seguintes veriam a confirmação das previsões de Keynes quanto às dificuldades que surgiriam com o uso do dólar como dinheiro mundial. Já a partir do início dos anos 60, a recuperação econômica do Japão e da Europa Ocidental faz diminuir o peso relativo da América do Norte na economia mundial e dá a ela fortes competidores no mercado internacional.

Esta renovação da concorrência entre as nações industrializadas criou basicamente dois problemas para o sistema instituído em Bretton Woods. Primeiro, foi a necessidade que mesmo os países desenvolvidos tiveram de resguardar seu mercado interno das importações estrangeiras mais baratas, através da imposição de taxas alfandegárias. Esta prática "protecionista", que vem aumentando nos últimos anos, contraria fundamentalmente o princípio de liberdade para o comércio internacional defendido pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). O segundo problema surgiu com o abandono do ouro como referência do valor do dólar pelo governo dos Estados Unidos, em 1971. A competição internacional só poderia ser enfrentada por este país com a maior emissão de sua moeda a fim de sustentar um volume maior de investimentos no exterior; mas a referência ao ouro limitava esta emissão, porque se a quantidade de dólares crescesse mais que a de ouro, a moeda se desvalorizaria e a emissão adicional seria inútil. A estrutura competitiva da economia mundial forçava cada nação a se defender contra as demais, e a posição central do dólar como moeda internacional passou a comprometer a valorização e a competitividade do produto norte-americano.

Acontece, porém, que a conversibilidade do dólar em ouro era fundamental para o funcionamento do sistema de Bretton Woods, pois a variação repentina do valor da moeda internacional desorienta o movimento mundial de riquezas, baseado na permanência dos valores intercambiados entre diferentes países. A continuação do uso do dólar como moeda internacional depois de 1971 iniciou um período de flutuação no valor relativo das outras moedas, no qual as valorizações e desvalorizações se determinam em função de fatores que tinham antes menos importância.

E uma conseqüência ainda mais grave da flutuação no valor relativo das moedas pode ser registrada no aspecto produtivo da economia. Com o desenvolvimento do sistema financeiro que acompanha a industrialização, a aplicação dos lucros das empresas em títulos negociados neste sistema aparece como uma opção cada vez mais segura e atraente ao investimento propriamente dito, ou seja, à aplicação dos lucros na ampliação da capacidade produtiva da empresa. Nas épocas em que o valor da produção total da sociedade cresce mais rapidamente que a capacidade de compra do mercado, o volume das vendas tende a cair, desestimulando os investimentos e fazendo das aplicações financeiras um meio de compensar a queda nos lucros das empresas. Mas a diminuição dos investimentos leva a uma diminuição ainda maior no nível de emprego de mão-de-obra e, conseqüentemente, a uma contração mais acentuada no volume de vendas; em tal contexto de crise econômica, as aplicações financeiras permitem a ilusão de que os lucros não estão caindo, de que tudo está bem, quando na realidade a produção de mercadorias diminui juntamente com o poder de compra dos consumidores.

A enorme emissão de dólares, possível com o fim de sua conversibilidade em ouro, possibilitou o fortalecimento do sistema financeiro dos Estados Unidos, responsável pela distribuição dos recursos e aplicações no mundo inteiro. Ao mesmo tempo, a abundância relativa de dinheiro permitiu que ele fosse oferecido com baixas taxas de juros, estimulando os países em desenvolvimento a tomarem empréstimos para investir no aumento de sua capacidade de produção. Se isto deu aos bancos norte-americanos grande participação e penetração na economia de muitos países, por outro lado também tornou a opção em aplicações financeiras mais atraentes que a em investimentos produtivos dentro de seu próprio país. Por causa disso, ao final dos anos 70 já se podia observar a queda nos níveis da produção e do emprego, e a contração da renda pessoal e do consumo que atingiam a economia dos Estados Unidos. Foi possível então a outras nações industrializadas ocupar, no mercado mundial, os espaços que a diminuição das exportações de mercadorias norte-americanas abria no comércio internacional e, com isso, fortalecerem ainda mais sua capacidade produtiva, sua posição na concorrência com os Estados Unidos e sua moeda em relação ao dólar.

Para inverter esta situação, alterou-se a política econômica norte-americana no início dos anos 80: conteve-se a emissão de dinheiro e permitiu-se que taxas de juros mais altas fossem estabelecidas no sistema financeiro. Se inicialmente estas medidas agravaram a contração da atividade produtiva, elas geraram logo em seguida novos movimentos no fluxo mundial de riqueza, de fundamental importância para se entender os acontecimentos mais recentes. As altas taxas de juros atraíram aos Estados Unidos lucros das empresas de outros países industrializados, porque proporcionavam uma rentabilidade maior ao dinheiro do que ele receberia se fosse aplicado em investimentos ou no sistema financeiro destes países; para estas aplicações, são comprados dólares com outras moedas, fazendo a moeda norte-americana valorizar-se em relação a elas. Assim se modificou a tendência à desvalorização do dólar e os Estados Unidos conseguiram obter os recursos necessários não só para ampliar ainda mais o volume de negócios financeiros como também para retomar o nível de investimentos e promover a recuperação da atividade produtiva.

Mas este movimento recente da economia mundial tem ainda outras conseqüências bem mais graves. As altas taxas de juros que permitiram a valorização do dólar frente às outras moedas não só atraíram lucros disponíveis de nações desenvolvidas mas também elevaram o valor dos empréstimos que os Estados Unidos haviam concedido em anos anteriores aos países em desenvolvimento. Daí surgiram sérios problemas de pagamento e tiveram de ser drasticamente cortados programas de investimento nestes países, de modo a paralisar o processo de implantação ou de modernização da sua indústria e forçá-los a dependerem mais uma vez da exportação de produtos agrícolas ou extrativos para poderem sustentar suas importações e pagar os juros de suas dívidas externas. Mas como estas exportações não são em geral suficientes para o pagamento dos juros e do empréstimo inicial, é preciso um constante refinanciamento da dívida, reproduzindo um círculo vicioso.

O nível da produção tende a ficar estagnado nas nações industrializadas e a cair nas demais, aumentando o abismo econômico que divide o mundo e dificultando, assim, o estabelecimento de relações comerciais e financeiras equilibradas e estáveis. A diversidade entre as nações se manifesta numa desigualdade de forças que impede a preservação de uma Ordem econômica mundial e transforma o intercâmbio em relações de conflito de interesses e confrontação.

O sistema criado em Bretton Woods mostra hoje seus pontos fracos: a moeda usada como padrão internacional de valor não pode ser simultaneamente a moeda de um país específico, sob pena de transferir para todo o mundo os efeitos de sua política econômica nacional e de dar a seu sistema financeiro um controle que ele não pode ter sobre as economias dos outros países; a distribuição dos recursos para investimento através do Fundo ou do Banco Mundial não deve corresponder ao valor da participação de cada país, pois desta forma não são eliminadas as desigualdades econômicas; e não parece ter sentido defender a liberdade de comércio internacional quando se preserva escrupulosamente o princípio da "soberania nacional", no qual cada país é livre para defender seus interesses e proteger sua própria indústria em épocas de acirramento da concorrência. Uma Ordem econômica mundial estável será sempre uma meta inatingível enquanto permanecer a atual contradição entre a interdependência econômica e a independência política entre as nações que a constituem, a partir da qual é impossível o estabelecimento de instituições mundiais econômicas e com poder suficiente para organizarem eficazmente as relações econômicas internacionais.

As bases econômicas para a paz mundial:

O Estado Nacional foi a unidade política na qual a concentração de riqueza atingiu uma escala que possibilitou a gradativa integração econômica de várias regiões do mundo em um mercado unificado. Uma vez alcançado certo grau de unidade, entretanto, estas mesmas instituições nacionais tornaram-se um obstáculo para a integração mais completa do comércio e finanças mundiais. A autonomia política das partes componentes da atual ordem econômica internacional tem impedido o estabelecimento de órgãos supra-nacionais com poder efetivo para imporem medidas que contrariem os interesses das nações mais poderosas, de modo a preservar e até intensificar a desigualdade crônica que é a grande barreira para a constituição de um sistema econômico mundial orgânico e harmônico.

Diferentemente da forma de unidade característica da ordem presente, a unidade preconizada por Bahá'u'lláh, fundador da Fé Bahá'í, implica no reconhecimento da necessidade de interdependência internacional também no aspecto político, como única maneira de solucionar problemas antigos e recentes nas relações econômicas entre os países. Embora mantendo autonomia para a administração de alguns assuntos, as nações de um mundo efetivamente unido, concebidas como membros de uma grande federação, devem ceder certos direitos a instituições internacionais com poder de executar uma política independente que vise a promoção do bem-estar conjunto dos povos da terra. Conforme palavras de Shoghi Effendi, bisneto de Bahá'u'lláh e Guardião da Fé entre 1921 e 1957, "Alguma forma de Super-estado mundial deve-se necessariamente desenvolver, a cujo favor todas as nações do mundo cederão espontaneamente toda a reivindicação de fazer guerra, certos direitos de impor tributos e todos os direitos de manter armamentos, exceto para fins de manutenção da ordem interna em seus respectivos domínios."(1)

Ao observador dos acontecimentos atuais, cético em relação às possibilidades contidas nesta previsão, deve ser lembrada a história das épocas de grande transição social, como a da Europa do séc. XIV, que abordamos no início da seção anterior. Ali também parecia impossível a superação do poder das ricas cidades medievais e dos senhores feudais para a formação de uma unidade política mais ampla, que as reunisse como partes constitutivas de um novo todo. E no entanto, as próprias forças engendradas dentro daquele contexto social conduziram à sua crise, quando fomes e epidemias assinalaram as limitações de sua capacidade de produção e minaram as bases econômicas de sustentação do poder das cidades e dos senhores, abrindo espaço para a centralização da autoridade e para o surgimento dos estados nacionais.

Mas não se deve interpretar erradamente o significado desta unidade mundial enunciada nos princípios Bahá'ís nem o caráter do estado destinado a corporificá-la. Sobre este ponto, Shoghi Effendi novamente esclarece que "... Seu propósito não é apagar a chama de um patriotismo são e inteligente dos corações dos homens, nem abolir o sistema de autonomia nacional tão essencial se os males de uma centralização excessiva têm de ser evitados. Ela não ignora, nem é sua intenção suprimir, a diversidade de origens étnicas, de clima, de história, de linguagem e tradição, de pensamento e de hábito que diferenciam os povos e nações do mundo. ... Ela insiste na subordinação de impulsos e interesses nacionais aos apelos imperativos de um mundo unificado. Ela repudia a excessiva centralização por um lado e recusa todas as tentativas de uniformidade, por outro."(2)

O estado mundial proposto pelos Bahá'ís não se define, portanto, pelo uso da força para suprimir as diferenças entre os homens e os povos; nele, estas diferenças são resguardadas e o poder é usado na administração da diversidade de interesses e capacidades das nações por ele reunidas. A incapacidade da Ordem econômica atual em realizar esta administração decorre de sua própria estrutura, na qual a independência política de seus membros faz que as diferentes capacidades resultem em desigualdade cada vez maiores e os diferentes interesses só possam gerar conflitos. Por isso, nela, as próprias relações internacionais criam forças que constantemente atuam no sentido de romper estas relações, de minar a unidade e coesão de suas partes.

Um poder maior deve ser estabelecido, como única forma de subordinar os interesses individuais aos do conjunto e, assim, poder eliminar as desigualdades e harmonizar as capacidades diversas. Apenas um estado mundial poderá redistribuir os recursos obtidos através de seu sistema tributário específico para as nações com menor capacidade de produção, equilibrando as potencialidades das várias regiões do mundo. Este problema é assim abordado por 'Abdu'l-Bahá, filho de Bahá'u'lláh: "Considerando a reciprocidade e cooperação: cada membro do corpo político deve viver no máximo conforto e bem-estar, porque cada membro individual da humanidade é um membro do corpo político... Embora o corpo político seja uma família, por falta de relações harmoniosas alguns membros estão em conforto e outros estão famintos, alguns estão satisfeitos e outros em extrema miséria... Por que? Porque nesta família falta a necessária reciprocidade e simetria."(3) A "simetria" é, deste modo, a base para o estabelecimento do equilíbrio e da "cooperação" nas relações entre os componentes de uma Ordem econômica harmoniosa.

No ajuste destas condições de "reciprocidade e cooperação", o governo mundial deverá elaborar e executar programas de transferência de recursos de áreas mais desenvolvidas para outras em desenvolvimento, a fim de equilibrar a produtividade agrícola e industrial e a capacidade de formação de capital nas várias regiões do mundo. Além do direito de estabelecer impostos, base para esta transferência internacional de recursos, outro direito fundamental do estado mundial deverá ser o de intervir na propriedade de um país das riquezas de seu sub-solo: se estes produtos continuarem sendo explorados e apropriados pelos países em que eles foram encontrados, estes terão uma grande vantagem no comércio com os demais, vantagem que poderá ser decisiva e prejudicial em certos momentos, como ficou evidente com a súbita elevação dos preços do petróleo em 1973. De acordo com os princípios Bahá'ís, portanto, os recursos do sub-solo serão basicamente considerados riqueza de propriedade internacional, sendo distribuídos conforme as necessidades da indústria de cada país que os utilizar.

Esta nivelação das condições de produção entre as várias nações é um dos requisitos essenciais para a adoção de outra medida importante para o estabelecimento de uma nova ordem econômica mundial: o uso de uma moeda diferente das moedas correntes em qualquer país, empregada inicialmente talvez só nos negócios internacionais, vindo a ser depois gradualmente adotada também dentro das economias nacionais. A importância deste princípio, aparentemente de natureza apenas técnica, pode ser entendida a partir das considerações feitas na seção anterior deste artigo, na qual foram analisadas as conseqüências para a economia mundial do emprego de uma moeda de um país específico como padrão internacional de valor. A transferência para o resto do mundo dos efeitos da política econômica deste país e o controle do fluxo internacional de riqueza por seu sistema financeiro privado só podem ser evitados, antes de mais nada, com a adoção de uma moeda mundial independente. Para isso existem consideráveis dificuldades técnicas cujo exame não cabe no presente trabalho. De qualquer forma, porém, pode-se dizer que esta medida depende do estabelecimento de instituições monetárias vinculadas ao estado mundial, com plena autonomia para executar uma política independente de interesses nacionais, e de um Banco mundial, através de quem a moeda internacional será distribuída conforme as necessidades do fluxo de comércio e crédito de cada país.

A principal objeção que poderia ser feita à viabilidade de tais medidas é sua dificuldade de realização. De fato, tanto no sistema do "padrão-ouro" quanto nos acordos de Bretton Woods o problema básico estava na tendência à absorção do ouro ou dos dólares do mundo pelas economias mais desenvolvidas, que proporcionam maiores oportunidades e rentabilidade aos investimentos, atraindo o dinheiro mundial. Com isso, desestimulam-se os investimentos nos outros países e aprofundam-se os desequilíbrios na capacidade de produção de diferentes nações, reforçando ainda mais a tendência mencionada. Caberia então perguntar por que o mesmo não poderia acontecer com a moeda mundial? Por que não seria ela também absorvida pelas economias mais fortes? Realmente, é muito provável que isso acontecesse, sendo este o problema básico da proposta de J. Keynes de criação do "bancor"; e mesmo que este fosse administrado por um banco também mundial e independente, como ele propunha, a questão não estaria resolvida, porque os países mais desenvolvidos teriam - como têm - uma quota maior de participação no capital deste banco e, assim, seu controle. Daí a necessidade de criação de um estado mundial soberano, a quem unicamente estivessem vinculadas as instituições e autoridades monetárias, responsáveis pela distribuição do dinheiro e do crédito mundial. Daí a necessidade de aplicar estes recursos no desenvolvimento dos países com menor capacidade de formação de capital, para corrigir as desigualdades que conduzem atualmente o dinheiro mundial às economias mais ricas, o que só poderia ser feito por órgãos supra-nacionais soberanos. Uma vez niveladas as condições de produção das diversas nações, nenhuma tenderia a concentrar e absorver o dinheiro mundial, eliminando-se as distorções no movimento internacional deste.

A dificuldade de criar tais mecanismos nos acordos internacionais do passado deveu-se principalmente à ausência de um poder supra-nacional que os controlasse. Ao contrário, a suposta preservação da independência nacional na organização do sistema econômico mundial fez com que, na verdade, as nações mais industrializadas pudessem determinar o movimento mundial de mercadorias e crédito, exercendo um domínio econômico sobre as menos desenvolvidas. Um estado mundial soberano seria o único meio de corrigir estas tendências e assegurar o funcionamento estável de um sistema monetário e financeiro mundial.

Nestas condições seria possível também a liberalização do comércio internacional, com a abolição das restrições e taxas impostas às importações pelos países que encontram nisso um dos principais meios de defender sua indústria nacional da competição com mercadorias estrangeiras mais baratas. Ao permitir a modernização da produção e o livre acesso à tecnologia mais recente a todos países, uma nova ordem mundial daria a todos a capacidade de produzirem com uma estrutura de custos semelhante, eliminando, assim, a necessidade de alguns estimularem sua indústria com "reservas de mercado" e impostos "protecionistas" às importações. Por outro lado, os problemas de câmbio entre as moedas nacionais atuais seriam superados com o emprego mundial de uma única moeda e uma política de crédito que tivesse por finalidade básica a manutenção do equilíbrio das forças no mercado internacional.

É preciso, contudo, determinar mais precisamente o significado deve princípio Bahá'í de liberalização do comércio mundial, para distingui-lo das teorias econômicas convencionais que já a 2 ou 3 séculos o defendem. A doutrina mais famosa sobre a liberdade de comércio internacional é chamado do "laissez-faire", devido ao lema francês "laissez-faire, laissez-passer" (deixai fazer, deixai passar). Embora ela tenha sido elaborada pelos liberais franceses e ingleses do séc. XVIII, com algumas modificações e adaptações ela tornou-se mais tarde a justificativa teórica do sistema do "padrão-ouro" e ainda hoje é o pressuposto dos acordos internacionais sobre comércio livre, como o GATT. Seu raciocínio se baseia nos movimentos do ouro e dos preços entre países que apresentam déficits e superávits em sua balança comercial, conforme já exposto na parte anterior deste artigo. As remessas e recebimentos de ouro (ou, atualmente, de dólares) de um país para outro geraria um movimento de redução ou aumento dos preços de suas mercadorias e, daí, uma correção automática dos desequilíbrios da balança comercial.

Mas este mecanismo de compensação só poderia funcionar perfeitamente entre nações que tivessem o mesmo nível de desenvolvimento da capacidade de produção. Caso houvesse um desnível acentuado, a simples redução dos preços no país deficitário não seria suficiente para estimular um crescimento substancial em sua indústria, pois para isso seria preciso um grande volume de investimentos para instalação e modernização do parque industrial e para o desenvolvimento de sua estrutura de transportes e comunicações. Além disso, há a já mencionada tendência das economias mais ricas absorverem o dinheiro mundial, concentrando ainda mais a riqueza e tornando crônicas as desigualdades internacionais.

A teoria econômica do "laissez-faire" servia de apoio para que uma ordem mundial composta de nações absolutamente independentes parecesse viável, isto é, para que parecesse possível a harmonização espontânea de capacidades bastante distintas e interesses conflitantes. De acordo com as idéias de Adam Smith, se cada um buscasse o melhor para si, sem levar em conta os demais, uma "mão invisível" - as forças livres do mercado - se encarregaria de alcançar o melhor para todos. Acontecimentos como a Depressão dos anos 30 já demonstraram a necessidade de uma coordenação dos assuntos econômicos a nível nacional pelo estado; as dificuldades recorrentes e cada vez maiores nas relações econômicas internacionais também indicam o fracasso das forças de mercado conseguirem sozinhas uma ordem mundial estável e harmoniosa. Daí o "protecionismo" praticado atualmente até por países industrializados, fazendo os acordos do GATT se tornarem quase letra morta.

Neste sentido, a liberalização do comércio mundial proposta nos princípios Bahá'ís difere bastante da que é defendida pela doutrina do "laissez-faire". Conforme palavras de Shoghi Effendi: "Os recursos econômicos do mundo serão organizados, suas fontes de matérias-primas serão melhor exploradas e plenamente utilizadas, seus mercados serão coordenados e desenvolvidos, e a distribuição de seus produtos será regulada eqüitativamente." (4) Ao contrário do que hoje é aceito como verdade sobre este assunto, por que não seria o abastecimento coordenado dos mercados internacionais a forma mais eficiente de desenvolvê-los simultânea e completamente? Ao invés de deixar o problema da distribuição mundial de riqueza para ser resolvido por forças econômicas cegas, não seria mais adequado introduzir aí um certo grau de planejamento e previsão? Sem dúvida, a coordenação a que se referem os princípios Bahá'ís não pode ser realizada dentro da ordem mundial presente. Por outro lado, porém, o sistema internacional do "laissez-faire" também se mostrou incapaz de solucionar os problemas de ajustamento de diferentes economias nacionais, permitindo o agravamento das tendências ao desequilíbrio na concentração e no movimento da riqueza mundial. Resulta daí a presente crise, de conseqüências imprevisíveis.

Conclui-se que o sistema hoje estabelecido, baseado na preservação da autonomia nacional, acabou levando a relações econômicas desiguais entre os paises e, assim, à impossibilidade de manter a liberdade de comércio internacional. Tal liberdade, por paradoxal que possa parecer, depende de instituições mundiais soberanas que eliminem os desequilíbrios econômicos, orientem os recursos do planeta para as regiões mais apropriadas e criem um sistema monetário e de financiamento independente dos interesses de qualquer nação em particular.

Mas a constituição de uma nova ordem mundial nestes moldes não tem como finalidade unicamente a superação de problemas de natureza econômica, sendo, muito mais do que isso, um passo fundamental para a solução duradoura dos conflitos internacionais, para a conquista da paz mundial. Talvez as guerras não tenham só causas econômicas; e talvez estas causas nem sejam as principais; os conflitos atuais adquiriram um grau de complexidade em que os vários aspectos da vida social dificilmente podem ser isolados para se estabelecer entre eles uma hierarquia ou causalidade qualquer. Porém, em um mundo no qual o desenvolvimento material possui inegável importância, não se pode pensar em paz sem que as graves injustiças e desigualdades tenham sido corrigidas. E não se trata aqui de uma questão simplesmente moral, mas de uma avaliação histórica das tremendas forças que estão hoje postas em ação, em um momento de transição social como talvez nunca antes se tenha vivido. A lembrança das condições de desintegração institucional da antiga cidade greco-romana e da cidade medieval pode somente ajudar o observador moderno a compreender a relevância dos acontecimentos por ele testemunhados. As transformações serão muito rápidas e críticas e o bem-estar de milhões de pessoas dependerá de cada decisão. Mas se existe alguma chance do estabelecimento de uma nova ordem mundial ainda no período de nossas vidas, é imperativo dedicarmos nossa atenção às necessidades de um mundo unido e aos instrumentos requeridos para instaurar uma sociedade mundial baseada na paz universal.


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