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'Abdu'l-Bahá : Tributo aos Fiéis
TRIBUTO AOS FIÉIS 'Abdu'l-Bahá
RELATOS SOBRE OS PRIMEIROS Bahá'ís DO ORIENTE
Título original: Memorials of the Faithful
Editora Bahá'í do Brasil

Tradução: Maria Claudia Barbosa de Oliveira Drummond

INTRODUÇÃO

Este é um livro sobre pessoas que tentaram entrar em uma prisão em vez de escapar dela, pois eram prisioneiros de um grande Amor. Este amor era por Bahá'u'lláh, a Quem o século XIX acorrentara e tentara silenciar, encerrando-O, finalmente, na fortaleza dos Cruzados em 'Akká. Como se fora o centro de uma tempestade, Ele é o foco desses relatos, porém pouco aparece - permanecendo, conforme descreve o Guardião sobre Ele: "transcendental em Sua majestade, sereno, imponente, inigualável em Sua glória."

O leitor haverá, provavelmente, de se encontrar nestas páginas, seja como o joalheiro de Bagdá, ou como um dos lavadores de pratos, ou como o professor que não mais suportava a arrogância de seus companheiros. Aqui está o místico, a feminista, o clérigo, o artesão, o príncipe mercador. Até mesmo o moderno jovem ocidental será aqui encontrado, por exemplo, no capítulo sobre os dervixes. Pois esta obra representa algo mais do que os breves anais dos primeiros discípulos Bahá'ís; trata-se, de alguma forma, de um livro de protótipos; uma espécie de testamento dos valores endossados e ligados a nós pelo Exemplo de Vida Bahá'í, valores hoje desprezados, mas indispensáveis à segurança do planeta e da humanidade. São relatos curtos e simples, mas que constituem um manual sobre como viver e a que morrer.

A tarefa de traduzir essas biografias para o inglês me foi dada pelo Guardião há muitos anos, quando me encontrava em uma peregrinação ao Centro Mundial Bahá'í em Haifa. Segundo registra a página inicial do original em persa, foi este o primeiro livro Bahá'í publicado em Haifa durante a Guardiania. A introdução em persa explica que 'Abdu'l-Bahá escreveu o livro em 1915, e outorgou permissão a M.A. Kahrubá'í para publicá-lo. O livro, datado de 1924, leva o selo da Assembléia Bahá'í de Haifa. A segunda página inicial, em inglês, descreve o trabalho como "Um relato, da pena de 'Abdu'l-Bahá, das vidas de alguns dos primeiros crentes Bahá'ís, que faleceram durante a Sua vida", embora o trabalho tenha sido, na verdade, registrado a partir de Seu relato verbal.

Aqui está, portanto, muitas décadas após o Seu passamento, um novo livro, oferecido ao mundo por 'Abdu'l-Bahá.

Imaginemos quantos de nós, ao final de tantos árduos e dolorosos anos, devotaríamos o nosso tempo remanescente, não às nossas próprias memórias, mas às vidas de aproximadamente setenta companheiros, muitos deles há tempos falecidos, para salvá-los do esquecimento. 'Abdu'l-Bahá esteve presente em muitos destes episódios, mantendo-Se entretanto sempre em segundo plano, de modo a poder focalizar algum de Seus companheiros, freqüentemente alguém tão humilde que o passar dos anos certamente lhe teria recusado qualquer menção na história da Fé. E, se para os cínicos, esses crentes parecem melhores do que os homens comuns, deveríamos nos lembrar de que a presença da Manifestação os fazia assim, e de que estão sendo observados pelo olhar do Mestre - Ele que disse que o olhar imperfeito enxerga imperfeições, e que é mais fácil satisfazer a Deus do que contentar as pessoas.

Portanto, este livro é mais uma prova da parcialidade de 'Abdu'l-Bahá em favor da raça humana. O amor nEle personificado não era cego, mas observador; nem impessoal, mas terno e caloroso; em uma permanente atitude de discreto cuidado. Um amor assim, provindo de um tal Ser, não termina ao fim de uma vida. Há meio século deixou Ele esse mundo. E a maior parte daqueles que O desejavam tanto, a ponto de serem chamados, por pessoas hostis, não de Bahá'ís, mas de 'Abdu'l-Bahá'ís, já desapareceram de nossa vista. Mas o Seu amor ainda está aqui, para que novos milhões O encontrem.

Mirzaeh Gail
Keene, New Hampshire,
dezembro de 1969
TRIBUTO AOS FIÉIS
[1] NABÍL-I AKBAR

Na cidade de Najaf havia, entre os discípulos do famoso mujtahid, Shaykh Murtadá, um homem sem par ou semelhante. Seu nome era Áqá Muhammad-i-Qá'iní, e mais tarde receberia, da Manifestação, o título de Nabíl-i-Akbar.1 Esta alma eminente tornara-se o membro mais importante do grupo de discípulos do mujtahid. Fora ele o único escolhido para receber o grau de mujtahid - uma vez que o falecido Shaykh Murtadá não tinha por hábito conferir esta honraria.

Superava ele a todos, não apenas em seu conhecimento de teologia, mas também no que dizia respeito a outros campos do conhecimento, tais como: humanidades, filosofia dos iluminados e os ensinamentos dos místicos e da escola Shaykhí. Era um homem universal, sendo ele próprio uma prova irrefutável de seu universalismo. Quando seus olhos se abriram para a luz da Guia Divina, e ele inalou as fragrâncias do Paraíso, tornou-se uma chama de Deus. Com o coração saltando no peito, em um êxtase de amor e alegria, ele rugiu como o leviatã nas profundezas do mar.

Sob uma chuva de louvores, recebeu do mujtahid seu novo grau. Deixou, então, Najaf e foi para Bagdá, onde teve a honra de encontrar-se com Bahá'u'lláh. Contemplou a luz que flamejou no Sinai na Árvore Sagrada. Em breve encontrou-se em um estado tal que não conseguiu descansar um só momento.

Um dia, enquanto ajoelhava-se o honrado Nabíl reverentemente na presença de Bahá'u'lláh sobre o piso dos apartamentos externos reservados aos homens, entrou Hájí Mirza Hasan-'Amú, companheiro de confiança dos mujtahids de Karbilá, acompanhado de Zaynu'l-'Ábidín Khán, o Fakhru'd-Dawlih. Ao observar a deferência e humildade com que se prostrava Nabíl, o Hájí ficou atônito.

-- Senhor, murmurou, o que fazes neste lugar?
Nabíl respondeu:
-- Vim aqui pela mesma razão pela qual vieste.

Os dois visitantes mal podiam recobrar-se da sua surpresa, pois sabia-se amplamente que aquele personagem desfrutava de posição especial entre os mujtahids, sendo o mais favorecido discípulo do renomado Shaykh Murtadá.

Mais tarde, Nabíl-i-Akbar dirigiu-se à Pérsia e seguiu viagem para Khurásán. O Amír de Qá'in - Mír 'Alam Khán - demonstrou-lhe cortesia a princípio, e valorizou sua companhia. Tanto era assim, que o sentimento geral era de que o Amír deixara-se cativar por ele. De fato, estava ele embevecido pela eloqüência, pelos conhecimentos, e pelas realizações daquele sábio. Pode-se depreender daí as honrarias ofertadas a Nabíl pelos demais, já que "os homens seguem a fé de seus soberanos".

Por algum tempo, Nabíl desfrutou de favores e estima, mas seu amor a Deus não podia ser ocultado. Explodia em seu coração, incendiava e consumia tudo que o podia encobrir.

De mil maneiras tentei
Esconder o meu amor
Mas como poderia, por sobre aquela pira ardente
Não arder em chamas?

Levou ele luz à região de Qá'in, convertendo um grande número de pessoas. E, quando se tornara amplamente conhecido, em locais longínquos, por este novo nome, o clero, invejoso e malevolente, levantou-se contra ele, enviando caluniosas informações a Teerã, despertando a ira de Násiri'd-Dín Sháh. Aterrorizado pelo Xá, o Amír atacou Nabíl com todo o seu poder. Dentro em breve, toda a cidade se levantara e a multidão, em fúria, voltara-se contra ele.

Aquele extasiado amante de Deus jamais recuou e, ao contrário, enfrentou-os a todos. Finalmente, aquele homem que via algo que os demais não enxergavam foi expulso e dirigiu-se a Teerã onde, na condição de fugitivo, não tinha onde morar.

Ali, os seus inimigos o atacaram novamente. Foi perseguido pelos sentinelas; os guardas o procuraram por todos os lados, perguntando por ele em todas as ruas e vielas, caçando-o de modo que pudessem agarrá-lo e torturá-lo. Ocultando-se, ele passava por eles como o suspiro dos oprimidos, subindo para as colinas; ou então, tal qual as lágrimas dos injustiçados, escorria para os vales. Não mais podia portar o turbante que denotava o seu grau hierárquico; disfarçava-se, usando um chapéu de leigo, de modo que não fosse reconhecido e que seus perseguidores o deixassem em paz.

Secretamente, com todas as suas forças continuou ele a divulgar a Fé e a apresentar suas provas, constituindo-se em uma luz de guia para muitas almas. Expunha-se continuamente ao perigo, sempre vigilante e alerta. Jamais deixara o governo de procurá-lo, e tampouco cessara a multidão de discutir o seu caso.

Foi-se então, para Bukhárá e 'Ishqábád, ensinando a Fé incessantemente naquelas regiões. Como uma vela, consumia ele a sua vida; mas a despeito de seus sofrimentos, jamais perdeu o ânimo: muito pelo contrário, a cada dia que passava aumentavam a sua alegria e seu ardor. Era um orador eloqüente; um hábil médico; um remédio para todos os males; um alívio para toda ferida. Guiava os teólogos por meio dos próprios princípios em que acreditavam aqueles filósofos, enquanto que com os místicos comprovava o Advento Divino em termos de "inspiração" e de "visão celestial". Seu convencimento dos líderes Shaykhí realizava-se pela citação das próprias palavras de seus Fundadores, Shaykh Ahmad e Siyyid Kázim, e a conversão dos teólogos islâmicos ele levava a cabo por meio de textos do Alcorão e das tradições dos Imames, guias da humanidade. Assim, era ele um remédio de efeito instantâneo para os moribundos e um rico presente para os pobres.

Em Bukhárá viveu na penúria e foi acossado por inúmeros sofrimentos, até que finalmente faleceu, distante de sua terra natal, apressando-se ao Reino onde não existe pobreza.

Nabíl-i-Akbar foi autor de um magistral ensaio demonstrando a verdade da Causa, mas os amigos não o têm em mãos neste momento. Espero que venha à luz, e que sirva de admoestação aos eruditos. É verdade que neste mundo fugaz ele foi alvo de incontáveis horrores; e ainda assim, todas aquelas gerações de clérigos poderosos, Shaykhs como Murtadá e Mirza Habíbu'-lláh e Áyatu'lláh-i-Khurásání e Mullá Asadu'lláh-i-Mázandarání - todos estes irão desaparecer sem deixar rastro. Não deixarão nome, sinal ou fruto. Palavra alguma será legada por qualquer um deles; homem algum falará deles jamais. Mas, por haver permanecido firme nessa sagrada Fé, por haver guiado almas e servido a esta Causa e disseminado sua fama, aquela estrela - Nabíl - brilhará para sempre no horizonte de imorredoura luz.

Está claro que qualquer glória conquistada fora da Causa de Deus transformar-se-á em humilhação no final; e o bem-estar e conforto conquistados fora do caminho de Deus tornam-se finalmente sofrimento e dor; e toda esta riqueza consiste em nada mais do que penúria.

Era ele um sinal de guia, um emblema do temor a Deus. Por esta Fé, ele renunciou à vida; e na morte triunfou. Desprezou o mundo e suas recompensas; fechou os olhos às riquezas e honrarias, desprendendo-se de todas estas correntes e amarras e deixou de lado todo pensamento mundano. Dotado de amplo conhecimento, a um só tempo filósofo, mujtahid e místico, desfrutando do dom da intuição, constituía-se, também, em reconhecido homem de letras e orador sem par. Tinha uma mente grandiosa, dotada de visão universalista.

Louvado seja Deus, pois ao final, foi ele transformado em um receptáculo da graça divina. Sobre ele recaia a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Que Deus envolva seu túmulo com o brilho do reino de Abhá. Que Deus o acolha no Paraíso da reunião, abrigando-o para sempre na moradia dos justos, submerso em um oceano de luz.

[2] ISMU'LLÁHU'L-ASDAQ

Entre as Mãos da Causa de Deus que partiram desta vida e ascenderam ao Supremo Horizonte estava Jináb-i-Ismu'lláhu'l-Asdaq. Outro foi Jináb-i-Nabíl-i-Akbar. Outros ainda foram Jináb-i-Mullá'Alí-Akbar e Jináb-i-Shaykh Muhammad-Ridáy-i-Yazdí. E ainda, entre outros, figurava o reverenciado mártir, Áqá Mirza Varqá.

Ismu'lláhu'l-Asdaq foi verdadeiramente um servo do Senhor desde o início de sua vida até o seu último suspiro. Quando jovem, juntara-se ao círculo do falecido Siyyid Kázim e tornara-se um de seus discípulos. Era famoso na Pérsia pela pureza de sua vida, tendo se tornado conhecido como Mullá Sádiq, o santo. Era um homem abençoado, realizado como indivíduo, culto e honrado. O povo de Khurásán o estimava muito, pois tratava-se de um grande erudito, e um dos mais incomparáveis e renomados teólogos. Como instrutor da Fé, falava com tal eloqüência e poder, que com grande facilidade conquistava os seus ouvintes.

Tendo se dirigido a Bagdá e vindo à presença de Bahá'u'lláh, encontrava-se um dia sentado no pátio dos apartamentos masculinos perto de um pequeno jardim. Eu me encontrava em um dos quartos exatamente acima, que dava para o pátio. Naquele momento, um príncipe persa, neto de Fath-'Alí Sháh, chegou à casa. Disse-lhe o príncipe:

-- Quem és tu?
Ismu'lláh respondeu:

-- Sou um servo desse Limiar. Sou um dos guardadores dessa porta.

E, enquanto eu escutava de cima, ele começou a ensinar a Fé. A princípio, o príncipe objetou violentamente, mas após um quarto de hora, falando de forma gentil e benevolente, Jináb-i-Ismu'lláh o havia apaziguado. Depois de negar terminantemente o que estava sendo dito, o rosto refletindo claramente a sua fúria, o príncipe transformara a sua raiva em sorrisos, e expressou a sua grande satisfação por haver encontrado Ismu'lláh e escutado o que lhe tinha a dizer.

Ismu'lláh sempre ensinava de forma alegre e jovial, e respondia com gentileza e bom humor, não se importando com a raiva apaixonada dirigida contra ele por seu interlocutor. Excelente era a sua maneira de ensinar. Ele era verdadeiramente Ismu'lláh, o Nome de Deus, não por sua fama, mas por se tratar de uma alma escolhida.

Ismu'lláh havia memorizado um grande número de tradições islâmicas, e dominava os ensinamentos de Shaykh Ahmad e de Siyyid Kázim. Tornara-se um devoto em Shíráz, nos primórdios da Fé, e em breve tornar-se-ia conhecido como tal. E como se pusesse a ensinar aberta e corajosamente, foi-lhe dependurada uma corda no pescoço e conduziram-no pelas ruas e bazares da cidade. Mesmo naquela condição, continuou a falar ao povo, sorridente e imperturbável. Ele não se rendia e nem se deixava silenciar. Quando o libertaram, deixou Shíráz e dirigiu-se a Khurásán, e também lá começou a disseminar a Fé, após o que prosseguiu, na companhia de Bábu'l- Báb, rumo ao Forte Tabarsí. Ali suportou intensos sacrifícios, fazendo parte do grupo daqueles que se deixaram imolar. Fizeram-no prisioneiro no Forte e o entregaram aos líderes de Mázindarán para que o fizessem desfilar e finalmente o matassem em um certo distrito daquela província. Quando, preso por correntes, Ismu'lláh foi trazido ao local designado. Entretanto, Deus colocou no coração de um homem o intento de libertá-lo da prisão no meio da noite, e guiá-lo a um local seguro. Em meio à agonia de todos estes testes, permaneceu firme e constante em sua fé.

Imaginemos, por exemplo, como havia o inimigo destruído completamente o Forte, com as balas chovendo dos canhões que o sitiavam. Os devotos, Ismu'lláh entre eles, permaneceram sem comida por dezoito dias. Alimentavam-se das solas dos sapatos. Estas foram logo consumidas, e nada mais havia, exceto água. Eles bebiam um gole a cada manhã, e jaziam exaustos e esfaimados em seu Forte. Quando atacados, entretanto, punham-se imediatamente de pé, e demonstravam ante o inimigo sua magnífica coragem e impressionante resistência, expulsando o exército de suas muralhas. A fome durou por dezoito dias. Foi terrível a provação. Para começar, encontravam-se distantes de casa, cercados e isolados pelo inimigo; passavam fome; e ainda havia os repentinos ataques do exército e a artilharia chovendo e explodindo no coração do Forte. Em tais circunstâncias, é extremamente difícil manter a fé e paciência sem vacilar, e um raro fenômeno suportar tão penosas aflições.2

Ismu'lláh não vacilou ante o fogo. Uma vez libertado, ensinou mais do que nunca. Consumiu cada alento chamando a todos para o Reino de Deus. No Iraque, alcançou a presença de Bahá'u'lláh, e mais uma vez, na Maior Prisão, dEle recebeu graças e bênçãos.

Era como um oceano encapelado, um falcão que alçava altos vôos. Seu rosto era cheio de brilho, sua língua, eloqüente, sua força e firmeza surpreendentes. Ao abrir os lábios para ensinar, deles saía uma torrente de provas; quando orava ou entoava as suas preces, seus olhos derramavam lágrimas como uma nuvem primaveril. Sua face era luminosa, sua vida espiritualizada, tinha conhecimentos, tanto os adquiridos como os inatos; celestiais eram o seu ardor, seu desprendimento do mundo, sua piedade, sua autocorreção e seu temor a Deus.

O túmulo de Ismu'lláh fica em Hamadán. Muitas Epístolas foram reveladas em sua honra pela Pena Suprema de Bahá'u'lláh, entre elas uma Epístola de Visitação especial após o seu falecimento. Foi um grande personagem, em tudo perfeito.

Estes seres perfeitos deixaram este mundo. Graças a Deus aqui não permaneceram para testemunhar as agonias que se seguiram à ascensão de Bahá'u'lláh - as aflições intensas, ante as quais as mais firmes montanhas estremecem e os mais elevados montes se prostram.

Era ele, verdadeiramente, Ismu'lláh, o Nome de Deus. Feliz é aquele que circula à volta daquele túmulo, e que se benze com o pó daquela sepultura. Que com ele estejam louvores e saudações no Reino de Abhá.

[3] MULLÁ 'ALÍ-AKBAR

Uma outra Mão da Causa foi o reverenciado Mullá 'Alí-Akbar, sobre ele repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Cedo na vida, este homem ilustrado freqüentou instituições de ensino superior e trabalhou diligentemente, noite e dia, até que passou a dominar de maneira completa os conhecimentos da época, os estudos seculares, a filosofia e a teologia. Freqüentava as reuniões de filósofos, místicos e Shaykhís; transitando, sempre pensativo, pelas áreas do conhecimento, da sabedoria intuitiva e da iluminação; entretanto encontrava-se sedento da água da verdade e faminto do pão celestial. Ainda que buscasse aperfeiçoar-se tanto quanto possível naquelas regiões da mente, jamais se dava por satisfeito; nunca atingia o objeto de seu desejo; seus lábios permaneciam ressequidos; sentia-se confuso e perplexo, percebendo haver se distanciado de seu caminho. A razão era que em nenhum daqueles círculos encontrara paixão, ou alegria, ou êxtase, ou o mais leve aroma de amor. E à medida que se aprofundava na essência daquelas crenças variadas, descobria que desde os dias do advento do Profeta Muhammad até os nossos tempos, surgiram inumeráveis seitas: crenças as mais divergentes; opiniões disparatadas; objetivos desencontrados; inumeráveis caminhos e formas. E percebeu que cada um deles, a pretexto de um ou outro argumento, dizia revelar uma verdade espiritual; cada uma acreditando ser a única a seguir o verdadeiro caminho - ainda que o oceano da revelação de Muhammad pudesse erguer-se em uma grande onda, e carregar todas aquelas seitas para o fundo do mar. "Vês, acaso, algum deles, ou ouves algum murmúrio deles?"3

Aquele que pondera sobre as lições da História aprenderá que este mar já levantou inúmeras ondas, no entanto, ao final, cada uma delas espargiu-se e desapareceu, como uma sombra evanescente que desliza. As ondas perecem, mas o mar continua vivo. Por isso, 'Alí Qabl-i-Akbar jamais conseguia saciar a sua sede, até o dia em que postou-se nas praias da Verdade e gritou:

Aqui está um mar cheio de tesouros até a borda;

Suas ondas lançam pérolas açoitadas pelo grande vento.

Arranca a túnica e mergulha, não tenta nadar,

Não te entrega ao orgulho de nadar - mergulha de cabeça.

Como uma fonte, seu coração vertia e jorrava; de seus lábios brotavam sentido e verdade, a fluir docemente, como águas cristalinas. A princípio, com humildade e modéstia espiritual, ele guardou a nova luz, para só depois adiantar-se e disseminá-la por toda parte. Pois muito acertadamente se diz:

Concederá a outros o fruto da vida

Aquele a quem desse fruto jamais coube um quinhão?

Um professor deve proceder da seguinte maneira: primeiro deve ensinar a si mesmo, para depois ensinar a outros. Se ele próprio ainda trilha o caminho dos apetites e desejos carnais, como poderá guiar um outro aos "sinais evidentes"4 de Deus?

Esse homem honrado logrou converter uma multidão. Por amor a Deus desfez-se de toda e qualquer precaução, enquanto se apressava nos caminhos do amor. Tomado de delírio, como um errante, parecia enlouquecido. Em razão de sua nova Fé, foi objeto de deboche em Teerã por parte tanto das altas cúpulas como dos humildes. Ao caminhar pelas ruas e bazares, apontavam-lhe o dedo, chamando-o de bahá'í. Sempre que eclodia um conflito, era ele o primeiro a ser preso. Mantinha-se, portanto, sempre pronto e na expectativa, sabendo já que sua prisão era inevitável.

Muitas e muitas vezes foi acorrentado, preso e ameaçado pela espada. A fotografia deste ser abençoado, juntamente àquela do grande Amín, ambos acorrentados, servirá como exemplo a todos aqueles que têm olhos para ver. Lá estão esses dois respeitados homens, presos por correntes, agrilhoados mas serenos, aquiescentes, imperturbáveis.

As coisas chegaram a um tal ponto que, finalmente, sempre que havia um distúrbio Mullá 'Alí punha seu turbante, envolvia-se em seu 'abá e esperava pelos inimigos que se levantavam contra ele, pelos "farráshes" que invadiam a sua casa e pelos guardas que o levavam para a prisão. Mas, vejam o poder de Deus! Apesar de tudo, ele continuou a salvo. "O sinal de um conhecedor e daquele que ama é que o encontrarás seco no mar." Assim era ele. Sua vida estava por um fio de um momento para outro; os maus o espreitavam; era conhecido em todos os lugares como Bahá'í - e mesmo assim, era protegido de todo mal. Manteve-se seco nas profundezas do mar, fresco e seguro no meio do fogo, até o dia de sua morte.

Após a ascensão de Bahá'u'lláh, Mullá Alí continuou leal ao Testamento da Luz do Mundo, firme no Convênio, ao qual servira e o qual anunciara. Durante a vida da Manifestação, seu anseio fez com que se apressasse para Bahá'u'lláh que o recebeu com graça e benevolência, derramando sobre ele copiosas bênçãos. Retornou então à Pérsia, onde devotaria todo o seu tempo ao serviço da Causa. Desafiava abertamente seus tirânicos opressores, indiferente às constantes ameaças. Jamais se deixou abater. Dizia aquilo que estimava necessário. Era uma das Mãos da Causa de Deus, firme, constante, inamovível.

Eu o amava muito, àquele companheiro sem par, cujas conversas me deliciavam. Uma noite, há não muito tempo, eu o vi no mundo dos sonhos. Embora de constituição avantajada, no sonho pareceu-me mais e mais corpulento do que nunca. Parecia haver retornado de uma viagem.

-- Jináb - lhe disse - estás forte e saudável!

-- Sim - respondeu - louvado seja Deus! Estive em lugares onde o ar era fresco e doce, e a água pura como cristal; lindas eram as paisagens que contemplei, e deliciosas eram as comidas. Tudo isso me deu prazer, com toda a certeza, e assim estou agora mais forte do que nunca, tendo recobrado o viço da juventude. O hálito do Todo-Glorioso soprava sobre mim e passei todo o meu tempo falando de Deus. Tenho mostrado as Suas provas, e ensinado a Sua Fé. (ensinar a Fé significa, no outro mundo, difundir os doces aromas da santidade; essa ação equivale ao ensino)

Conversamos um pouco mais; então chegaram algumas pessoas e ele desapareceu.

Seu último lugar de descanso fica em Teerã. Embora seu corpo esteja repousando sob a terra, o seu espírito puro continua vivo, "em uma assembléia da verdade, na presença de um Senhor Onipotente, Soberaníssimo".5 Desejo ardentemente visitar as sepulturas dos amigos de Deus, se fosse possível. São eles os servos da Abençoada Beleza; em Seu caminho sofreram; encontraram penas e dores; enfrentaram calúnias e maldades. Que com eles repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Que sobre eles recaiam saudações e louvores. Que com eles esteja a terna misericórdia de Deus e o Seu perdão.

[4] SHAYKH SALMÁN

Em 1266 aH6, o leal mensageiro, Shaykh Salmán, ouviu pela primeira vez o chamado de Deus, e seu coração pulou de alegria. Encontrava-se então em Hindíyán. Atraído irresistivelmente, caminhou até Teerã, onde, com amor ardente, secretamente juntou-se aos devotos. Certo dia passava pelo bazar com Áqá Muhammad Taqíy-i-Káshání, e os farráshes seguiram-no e descobriram onde morava. No dia seguinte, a polícia e os farráshes foram procurá-lo e levaram-no ao chefe de polícia.

-- Quem és tu? - perguntou o chefe.

-- Sou de Hindíyán - respondeu Salmán. Vim a Teerã e estou a caminho de Khurásán para uma peregrinação ao Santuário do Imám Ridá.

-- O que fazias ontem, ao lado daquele homem de túnica branca?

-- Eu lhe havia vendido um 'abá no dia anterior, e ontem ele ficara de pagar-me - Salmán respondeu.

-- És um estranho aqui, disse o chefe, como é que confiou nele?

-- Um cambista garantiu o pagamento - respondeu Salmán. Pensava ele no respeitado devoto Áqá Muhammad-i-Sarráf (cambista).

O chefe virou-se para um dos farráshes e disse:
-- Leva-o ao cambista e investiga.
Quando lá chegaram, o farrásh adiantou-se:

-- O que sabe sobre a venda de um 'abá e a garantia de pagamento que deste? Explica-te.

-- Nada sei sobre isso - replicou o cambista.

-- Vem - disse a Salmán o farrásh. Tudo está claro finalmente. Tu és um Bábí.

Aconteceu que o turbante que Salmán estava usando era semelhante àqueles usados em Shúshtar. Ao passarem por uma encruzilhada, um homem de Shúshtar saiu de sua loja. Abraçou Salmán e gritou:

-- Onde estiveste, Khájih Muhammad-'Álí? Quando chegaste? Sejas bem-vindo!

-- Vim aqui há alguns dias atrás - respondeu Salmán - e agora a polícia prendeu-me.

-- O que queres dele? - perguntou o mercador ao farrásh. O que procuras?

-- Ele é um Bábí - foi a resposta.

-- Deus me livre! - gritou o homem de Shúshtar. Eu o conheço bem. Khájih Muhammad-'Alí é um muçulmano temente a Deus, um Shí'ih, um devotado seguidor do Imám 'Alí.

Com essas palavras, deu uma soma de dinheiro ao farrásh e Salmán foi libertado. Entraram na loja e o mercador começou a perguntar a Salmán como ia. Disse-lhe Salmán:

-- Não sou Khájih Muhammad-'Alí.
O homem de Shúshtar ficou mudo de espanto.

-- Tu és exatamente como ele! - exclamou. Os dois são idênticos. Entretanto, como tu não és Khájih, devolve-me o dinheiro que paguei ao farrásh!

Salmán deu-lhe o dinheiro imediatamente, saiu rumo ao portão da cidade e dirigiu-se a Hindíyán.

Quando Bahá'u'lláh chegou ao Iraque, o primeiro mensageiro a atingir a Sua santa presença foi Salmán, que posteriormente retornou com Epístolas dirigidas aos amigos em Hindíyán. Uma vez a cada ano, esse ser abençoado caminhava a pé ao encontro de seu Bem-Amado, após o que refazia os seus passos, levando Epístolas enviadas a muitas cidades, como Isfáhán, Shíráz, Káshán, Teerã, e outras.

Desde o ano 69, até a ascensão de Bahá'u'lláh em 1309 a.H.7, Salmán vinha uma vez por ano, trazendo cartas, e retornava com as Epístolas, fielmente entregando cada uma ao seu destinatário. A cada ano ao longo desse extenso período, veio a pé da Pérsia ao Iraque, ou a Adrianópolis, ou à Maior Prisão em 'Akká; vinha com grande ansiedade e amor, e então retornava.

Tinha impressionante poder de resistência. Viajava à pé, como regra geral alimentado-se apenas de cebolas e pão; e durante todo esse tempo movimentava-se de uma tal maneira que nem mesmo uma vez foi detido e nem uma vez perdeu uma carta ou Epístola. Cada carta era entregue com segurança; cada Epístola chegava às mãos de seu destinatário. Foi submetido repetidamente em Isfahán a graves provações, mas permaneceu grato e paciente em todas as circunstâncias, recebendo de não-Bahá'ís o título de "Anjo Gabriel dos Bábís".

Durante toda a sua vida, prestou Salmán esse momentoso serviço à Causa de Deus, tornando-se instrumento de sua disseminação e contribuindo para a felicidade dos crentes, ao trazer anualmente as boas-novas Divinas às cidades e vilarejos da Pérsia. Estava próximo ao coração de Bahá'u'lláh, que o via com benevolência e graça especiais. Entre as Sagradas Escrituras, há Epístolas reveladas em seu nome.

Após a ascensão de Bahá'u'lláh, Salmán permaneceu fiel ao Convênio, servindo à Causa com toda a sua energia. Como antes, vinha à Maior Prisão anualmente, entregando as cartas dos crentes e retornando com as respostas para a Pérsia. Finalmente, em Shíráz, alçou vôo ao Reino da glória.

Desde o alvorecer da história até hoje, jamais houve um mensageiro tão merecedor de confiança; jamais houve um mensageiro comparável a Salmán. Deixou descendentes respeitados em Isfahán, que, devido aos problemas na Pérsia, encontram-se em difícil situação. Certamente os amigos haverão de atender às suas necessidades. Que sobre ele repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso; a ele saudações e louvor.

[5] Mirza MUHAMMAD-'ALÍ, O AFNÁN

No tempo de Bahá'u'lláh, durante o pior período na Maior Prisão, não se permitia que os amigos deixassem a Fortaleza ou aí entrassem. "Turbante Torto"8 e o Siyyid9 moravam perto do segundo portão da cidade, e ali montavam vigia, dia e noite. Sempre que surpreendiam um viajante Bahá'í corriam ao governador para contar-lhe que o viajante trazia cartas e levaria de volta as respostas. O governador prendia o viajante, tomava-lhe os documentos, aprisionava-o e o expulsava. Este costume durou muito tempo - na verdade, por nove anos, até que, aos poucos, a prática foi abandonada.

Foi nessa época que o Afnán, Hájí Mirza Muhammad-'Alí - o grande ramo da Árvore Sagrada10 viajou a 'Akká, procedente da Índia para o Egito, e do Egito para Marselha. Um dia, me encontrava no telhado dos alojamentos11. Havia alguns amigos comigo, e eu caminhava, indo e vindo. Era o pôr-do-sol. Naquele momento, contemplando a costa distante, observei que uma carruagem se aproximava.

-- Senhores - disse - sinto que naquela carruagem encontra-se um santo ser.

Essa estava ainda distante e muito pouco visível.

-- Vamos até o portão - eu lhes disse. Mesmo que não nos deixem passar, podemos nos postar ali até que ele chegue.

Levei uma ou duas pessoas comigo e fomos. Junto ao portão da cidade chamei o guarda, dei-lhe algo discretamente e disse:

-- Está vindo uma carruagem e acho que está trazendo um de nossos amigos. Ao chegar aqui, não a pare, e não encaminhe o assunto ao governador.

Ele colocou uma cadeira para mim, e ali me acomodei.

Nesse momento o sol já havia se posto. O portão principal já havia sido fechado, mas a portinhola permanecera aberta. O guarda ficara do lado de fora, a carruagem aproximou-se, o cavalheiro havia chegado. Que rosto radiante tinha! Era pura luz, dos pés à cabeça. Contemplar aquela face era o suficiente para fazer as pessoas felizes, tão confiante era, tão seguro, tão firme em sua fé, e sua expressão tão cheia de alegria. Tratava-se realmente de um ser abençoado. Progredia dia a dia, e acrescentava, a cada dia, à sua certeza e fé, sua luminosa qualidade, seu amor ardente. Fez extraordinário progresso durante os poucos dias que passou na Maior Prisão. O importante é que sua carruagem encontrava-se ainda a meio caminho entre Haifa e 'Akká, e já se podia perceber o seu espírito e sua luz.

Após receber as infindáveis graças que Bahá'u'lláh verteu sobre ele, foi-lhe dada permissão para retirar-se, e viajou para a China. Lá, por um considerável período de tempo, passou os seus dias com o pensamento em Deus e levou uma vida conforme a vontade Divina. Mais tarde foi para a Índia, onde faleceu.

Outro reverenciado Afnán e alguns amigos na Índia acharam aconselhável enviar seus abençoados restos mortais para o Iraque, aparentemente para Najaf, para serem enterrados perto da Cidade Santa, porquanto os muçulmanos haviam se recusado a permitir seu sepultamento em seu cemitério, e seu corpo havia sido guardado temporariamente em um local seguro. Áqá Siyyid Asadu'lláh, que estava em Bombaim naquela época, foi encarregado de transportar os restos mortais com toda a devida reverência para o Iraque. Havia alguns persas hostis no navio e essas pessoas, tendo chegado a Búshihr, denunciaram que o caixão de Mirza Muhammad-'Alí, o Bábí, estava sendo levado para Najaf para ser enterrado no Vale da Paz, perto dos locais sagrados adjacentes ao Santuário, e que tal coisa era intolerável. Tentaram retirar do navio os abençoados restos mortais, mas sem sucesso; eis o que os ocultos decretos Divinos podem realizar.

Seu corpo veio até Basra. E como naquela época os amigos tinham que viver escondidos, Siyyid Asadu'lláh foi obrigado a prosseguir como se fosse realizar o sepultamento em Najaf, mas esperando poder, de alguma maneira, levá-lo a cabo perto de Bagdá. Porque, embora Najaf seja - e sempre será - uma cidade santa, ainda assim os amigos haviam escolhido um outro local. Assim, Deus levantara os nossos inimigos para impedir o sepultamento em Najaf. A multidão atacou e invadiu o local da quarentena para seqüestrar o corpo e enterrá-lo em Basra ou lançá-lo ao mar ou nas areias do deserto.

O caso revestia-se de tal importância que, no final, tornou-se impossível trazer os restos mortais para Najaf, e Siyyid Asadu'lláh teve que levá-lo para Bagdá. Tampouco ali havia um local onde o corpo do Afnán ficasse a salvo de ser molestado por mãos inimigas. Finalmente, o Siyyid decidiu levá-lo para o santuário de Salmán12, o Puro, da Pérsia, aproximadamente cinco "farsakhs" de Bagdá, e enterrá-lo em Ctesiphon, perto do túmulo de Salmán, ao lado do palácio dos reis Sassânidas. O corpo foi levado até lá e aquele tesouro de Deus foi sepultado, com toda a reverência, em um local de repouso seguro, perto do palácio de Nawshíraván.

E assim estava escrito, que após um período de mil e trezentos anos, desde o tempo em que a cidade dos antigos reis persas fora destruída sem deixar traço, com exceção do cascalho e das colinas de areia, e no próprio teto do palácio havia rachaduras que o fizeram fender-se em dois, de sorte que metade dele tombara ao chão - esse edifício devesse recuperar a pompa real e o esplendor dos dias passados. Trata-se, realmente, de um impressionante arco. A largura da entrada é de cinqüenta e dois passos, sendo ele extremamente elevado.

Assim, a graça e a bênção de Deus envolveu os persas de uma era há muito passada, de modo que a sua capital em ruínas haverá de ser reconstruída e mais uma vez florescer. Para esse fim, com a ajuda de Deus, alguns episódios se passaram levando ao sepultamento do Afnán aqui; e não há dúvida de que uma orgulhosa cidade será erguida neste lugar. Escrevi muitas cartas sobre essa questão; até que, finalmente, o pó sagrado pôde encontrar repouso nesse lugar. Siyyid Asadu'lláh escrevia-me de Basra e eu lhe respondia. Um dos funcionários do governo daquele lugar nos era completamente devotado, e eu o orientei para que fizesse tudo que estivesse ao seu alcance. Siyyid Asadu'lláh informou-me de Bagdá que já não era mais capaz de encontrar uma solução, e que não tinha idéia de onde poderia sepultar o corpo.

-- Onde quer que o sepulte - escreveu - irão desenterrá-lo.

Finalmente, louvado seja Deus, foi ele enterrado no lugar exato onde muitas vezes passara a Abençoada Beleza; naquele local honrado por Suas pegadas, onde revelara suas Epístolas, onde Seus seguidores de Bagdá haviam estado em Sua companhia; aquele mesmo lugar onde o Maior Nome gostava de caminhar. Como terá isso acontecido? Foi resultado da pureza de coração do Afnán. Sem isso, jamais teria ocorrido esse conjunto de circunstâncias. Verdadeiramente, Deus é Quem movimenta os céus e a terra.

Eu amava muito o Afnán. Por causa dele, me alegrei. Escrevi uma longa Epístola de Visitação em sua honra e enviei-a para a Pérsia, junto com outros papéis. O local onde está sepultado é um dos lugares sagrados onde deverá ser erguido um magnífico Mashriqu'l-Adhkár e se possível, a atual arcada do palácio real deveria ser restaurada para abrigar uma Casa de Adoração. Os edifícios auxiliares da Casa de Adoração também deverão ser erguidos aqui: o hospital, as escolas, a universidade, a escola complementar e o asilo para pobres e indigentes; e também a creche para órfãos e inválidos e a pousada para os viajantes.

Deus cheio de graça! Aquele edifício real fora um dia esplendidamente decorado e limpo. Porém hoje, onde havia antes cortinas de brocado de ouro existem teias de aranha, e onde os tambores reais soavam e seus músicos tocavam, o único som são os estridentes gritos de papagaios e corvos. "Esta é, verdadeiramente, a capital do reino da coruja, onde não ouvirás qualquer som, salvo apenas o eco de seus repetidos chamados." Era assim o quartel, quando viemos ter em 'Akká. Havia algumas árvores dentro dos muros, e em seus galhos, assim como no topo dos edifícios, as corujas piavam durante toda a noite. Quão inquietante é o pio de uma coruja; como entristece o coração.

Desde o início de sua juventude até tornar-se velho e debilitado, aquele ramo sagrado da Árvore Santa, com seu rosto sorridente, brilhava como uma lâmpada, no meio dos demais. Então, saltou e elevou-se rumo à glória imperecível, mergulhando num oceano de luz. Que sobre ele bafeje o hálito de seu Senhor, o Todo-Misericordioso. Que ele, envolto nas águas da graça e do perdão, receba a misericórdia e a benevolência de Deus.

[6] HÁJÍ Mirza HASAN, O AFNÁN

Entre os mais eminentes daqueles que haviam deixado a sua terra natal para juntar-se a Bahá'u'lláh estava Mirza Hasan, o grande Afnán, que durante os últimos dias ganhara a honra de emigrar e de receber a benevolência e a companhia de seu Senhor. O Afnán, que tinha parentesco com o Báb, fora designado pela Pena Suprema especificamente como um descendente da Árvore Santa. Ainda criancinha, recebera do Báb a sua porção de bênçãos, e mostrara um apego extraordinário àquela Beleza deslumbrante. Antes da adolescência, já freqüentava a companhia dos eruditos, tendo iniciado os estudos das ciências e das artes. Refletia noite e dia sobre as mais obscuras das questões espirituais, e contemplava maravilhado os poderosos sinais de Deus conforme estavam escritos no Livro da Vida. Tornou-se versado até mesmo nas ciências exatas mais concretas, como a matemática, a geometria e a geografia; enfim, era conhecedor de muitas áreas, e totalmente familiarizado com o pensamento dos tempos antigos e modernos.

Mercador por profissão, pouco permanecia em sua loja, devotando a maior parte de seu tempo à pesquisa e ao debate. Era verdadeiramente um erudito, que conferia credibilidade à Causa de Deus, entre os mais reputados intelectuais. Com algumas poucas frases concisas, resolvia as mais difíceis questões. Embora conciso, seu discurso era por si só uma espécie de milagre.

Embora tenha acreditado ainda no tempo do Báb, foi nos dias de Bahá'u'lláh que seu coração ardeu em chamas. Nessa ocasião, seu amor por Deus queimou todos os véus obstrutores e todos os vãos pensamentos. Fez tudo o que estava ao seu alcance para difundir a Fé de Deus, tendo se tornado conhecido pelo seu amor ardente por Bahá'u'lláh.

Estou perdido, ó Amor, obcecado e aturdido,
Sou escravo do amor, em toda a terra.
Dizem que sou o primeiro entre os enlouquecidos,
Embora no passado eu tenha sido
o primeiro em inteligência e valor ...

Após a ascensão do Báb, teve ele a distinguida honra de servir e cuidar da reverenda e santa esposa do abençoado Senhor. Encontrava-se na Pérsia, lamentando sua separação de Bahá'u'lláh, quando seu ilustre filho tornou-se, pelo matrimônio, membro da Família Sagrada. O Afnán exultou ante essa notícia. Deixou a Pérsia e apressou-se rumo ao abrigo da benevolência de seu Bem-Amado. Era um homem de aparência impressionante, cujo semblante era tão luminoso que até mesmo aqueles que não eram devotos diziam que uma luz divina irradiava-se de sua fronte.

Por algum tempo ele se ausentou, e esteve em Beirute, onde se encontrou com o famoso acadêmico Khájih Findík. Esse personagem elogiou calorosamente a erudição do grande Afnán em vários círculos, afirmando ser raro existir, no Oriente, um indivíduo dotado de tão amplo e diverso saber. Mais tarde, o Afnán retornou para a Terra Santa, estabelecendo-se perto da mansão de Bahjí e dirigindo todos os seus pensamentos a aspectos da cultura humana. Muito do seu tempo era ocupado com a pesquisa dos segredos dos céus, contemplando em todos os seus detalhes os movimentos dos astros. Tinha um telescópio com o qual observava os céus todas as noites. Vivia uma vida feliz, sem cuidados especiais e com leveza de coração. Vizinho a Bahá'u'lláh, vivia dias abençoados, e suas noites eram radiantes como a primeira manhã de primavera.

Veio, então, a partida do Amado desse mundo. Fez-se em pedaços a paz do Afnán, sua alegria transformou-se em dor. A Aflição Suprema abatera-se sobre nós, a separação nos consumia, os dias antes radiosos tornaram-se negros como a noite, e todas as rosas de outros momentos eram agora pó e areia.

Viveu ainda por um curto período de tempo, o coração ardendo, os olhos em prantos. Mas não pôde mais suportar o desejo de estar perto de seu Bem-Amado, e pouco depois, sua alma deixou essa vida e alçou vôo para a vida eterna; entrou no Paraíso da Permanente Reunião, e imergiu em um oceano de luz. Que receba, durante o desenrolar de eras e ciclos, a maior misericórdia, abundante recompensa e toda bênção. Sua nobre sepultura está em 'Akká, no Manshíyyih.

[7] MUHAMMAD-'ALÍY-I-ISFÁHÁNÍ

Muhammad-'Alí de Isfáhán figura entre os primeiros adeptos guiados para a Fé desde seu início. Era um dos místicos; sua casa era um centro de reuniões para eles e para os filósofos. Nobre e de espírito elevado, era um dos cidadãos mais respeitados de Isfáhán, oferecendo refúgio e acolhida a todo forasteiro, rico ou pobre. Tinha verve, um excelente temperamento, era paciente, afável, generoso, um companheiro jovial. Toda a cidade sabia o quanto ele gostava de se divertir.

Foi, então, levado a abraçar a Fé e ardeu no fogo da Árvore do Sinai. Sua casa tornou-se um centro de ensino dedicado à glória de Deus. Ali acorriam devotos dia e noite, como se atraídos por uma lâmpada acesa pelo amor divino. Por um longo tempo foram os versos sagrados entoados naquela casa, e apresentadas provas irrefutáveis. Ainda que todo esse movimento fosse de conhecimento público, Muhammad-'Alí não era molestado, por ser parente do Imám-Jum'ih de Isfáhán. Mas, finalmente, as coisas chegaram a um tal ponto que o próprio Imám-Jum'ih fez com que saísse da cidade, dizendo-lhe:

-- Não posso mais proteger-te. Estás em grave perigo. O melhor que tens a fazer é saíres daqui e realizares uma viagem.

Deixou ele, então, a sua casa e dirigiu-se ao Iraque, entrando na presença do Desejado do Mundo. Lá passou algum tempo, progredindo a cada dia; vivia modestamente; estava, porém, feliz e contente. Dotado de excelente temperamento, era agradável a todos indistintamente, crentes ou não.

Quando Bahá'u'lláh e sua comitiva deixaram Bagdá rumo a Constantinopla, Muhammad-'Alí encontrava-se em Sua companhia, prosseguindo com Ele rumo à Terra do Mistério, Adrianópolis. Sempre constante, ele manteve sua característica imutável de humor. Não importava o que acontecesse, ele permanecia impassível. Assim, também, em Adrianópolis, seus dias transcorriam alegremente, sob a proteção de Bahá'u'lláh. Os pequenos serviços que desempenhava traziam-lhe resultados surpreendentemente abundantes.

De Adrianópolis, Muhammad-'Alí acompanhou Bahá'u'lláh à fortaleza da 'Akká, lá foi feito prisioneiro, integrando, para o resto de sua vida, o grupo de cativos que acompanhou Bahá'u'lláh, assim alcançando a maior das honrarias, a de estar na prisão com a Abençoada Beleza.

Passava os seus dias em puro êxtase. Também aqui, tinha um pequeno negócio, que o mantinha ocupado desde a manhã até o meio-dia. Todas as tardes, pegava seu samovar, embrulhava-o em um pano escuro, e rumava para algum jardim ou um vale, ou para o campo, para tomar seu chá. Às vezes era visto no sítio de Mazra'ih ou no Jardim de Ridvan; ou na Mansão, onde desfrutava da honra de servir Bahá'u'lláh.

Muhammad-'Alí meditava cuidadosamente sobre cada uma das bênçãos que recebia.

-- Como está delicioso o meu chá hoje! - comentava. Que perfume, que cor! Que lindo é esse vale, e que belas as cores das flores!

Ele costumava dizer que tudo, até mesmo a água e o ar, tinham cada um, uma fragrância especial. Para ele os dias passavam em um indescritível deleite. "Nem mesmo os reis são tão felizes quanto esse ancião" - diziam. "Ele está completamente desprendido deste mundo" - declaravam. "Ele vive imerso em alegria." Ocorre, também, que sua comida era da melhor qualidade, e sua casa situada na melhor parte de 'Akká. Meu Deus! Lá estava ele, um prisioneiro, e ainda assim experimentava conforto, paz e alegria.

Muhammad-'Alí tinha mais de oitenta anos quando, finalmente, partiu para a eterna luz. Muitas das Epístolas de Bahá'u'lláh lhe foram destinadas. Também recebeu graças infinitas, em todas as condições. Que sobre ele recaia a glória de Deus, o Mais Glorioso. Que receba miríades de bênçãos divinas; que Deus conceda-lhe alegria para todo o sempre. O seu túmulo luminoso encontra-se em 'Akká.

[8] 'ABDU'S-SÁLIH, O JARDINEIRO

Entre aqueles que emigraram e eram companheiros na Maior Prisão estava Áqá 'Abdu's-Sálih. Essa alma excelente, filho de um casal de antigos devotos, viera de Isfáhán. Seu pai, que tinha um nobre coração, falecera, e a criança crescera órfã. Não havia ninguém que cuidasse dele, e ele se tornara um alvo daqueles que queriam fazer-lhe mal. Finalmente, ao entrar na adolescência, partiu à procura de seu Bem-Amado. Emigrou para a Maior Prisão e aqui, no Ridvan, alcançou a honra de ser designado jardineiro. No que dizia respeito a esse ofício ele era o melhor. Também em sua fé era firme, leal, merecedor de confiança; quanto ao caráter, era a expressão do verso sagrado: "Porque és de nobilíssimo caráter"13*. Foi assim que ganhou a distinção de tornar-se jardineiro no Ridvan, dessa forma recebendo a maior de todas as graças: quase que diariamente, desfrutava da presença de Bahá'u'lláh.

*Segundo a tradução de Samir El Hayek, em http: //www.globalsites.com.br/mesquitaislamica/alcoraosagrado. (N.T.)

É fato que o Maior Nome fora mantido prisioneiro e confinado por nove anos na cidade fortaleza de 'Akká; e em todos os momentos, tanto na fortaleza como depois, do lado de fora da casa, a polícia e os "farráshes" O mantinham sob constante vigilância. A Abençoada Beleza vivia em uma casa muito pequena, e jamais pisara fora dela porque Seus opressores observavam constantemente a porta. Entretanto, quando nove anos haviam transcorrido, o período fixo e predeterminado de dias se escoara; e naquele momento, contra a vontade rancorosa do tirano, 'Abdu'l-Hamíd, e de todos os seus apaniguados, Bahá'u'lláh saiu da fortaleza com autoridade e poder, e fez de uma mansão principesca nos arredores da cidade Seu lar.

Embora a política do Sultão 'Abdu'l-Hamíd fosse mais severa do que nunca; embora insistisse constantemente no estrito confinamento - ainda assim a Abençoada Beleza vivia agora, como todos sabiam, com todo poder e glória. Bahá'u'lláh costumava passar algum tempo na Mansão, ou na vila rural de Mazra'ih; passava tempos em Haifa, e ocasionalmente Sua tenda era armada nas alturas do Monte Carmelo. Amigos vindos de todos os lugares apresentavam-se e eram recebidos em audiência. A população e as autoridades governamentais testemunhavam tudo isso, no entanto ninguém lograva dizer uma palavra. E esse foi um dos maiores milagres de Bahá'u'lláh: que Ele, um cativo, cercava-Se de autoridade e exercia poder. A prisão transformou-se em um palácio, a própria cela tornou-se um Jardim do Éden. Tal coisa jamais ocorreu antes na história; nenhuma outra era viu coisa parecida: que um homem confinado à prisão pudesse movimentar-se com tanto poder e autoridade; que um acorrentado lograsse levar a fama da Causa de Deus aos altos céus, ganhar esplêndidas vitórias tanto no Oriente quanto no Ocidente, e que pudesse, por meio de Sua toda poderosa pena, subjugar o mundo. É essa a característica distintiva dessa teofania suprema.

Um dia, os líderes governamentais, pilares do país, os 'ulamás da cidade, os mais importantes místicos e intelectuais, vieram à Mansão. A Abençoada Beleza não lhes deu qualquer atenção. Não foram admitidos à Sua presença, e tampouco Ele perguntou por qualquer um deles. Fiz-lhes companhia por algumas horas, depois do que retornaram para o lugar donde haviam vindo. Embora o farmán real tivesse decretado especificamente que Bahá'u'lláh deveria ser mantido em confinamento solitário dentro da fortaleza de 'Akká, em uma cela, sob vigilância perpétua; que Ele jamais deveria por os pés do lado de fora; que Ele jamais deveria avistar-se com qualquer dos crentes - apesar desse farmán, dessa ordem drástica, Sua tenda foi levantada majestosamente nas alturas do Monte Carmelo. Que outra demonstração de poder poderia haver maior do que essa, que dessa mesma prisão, a bandeira do Senhor fora içada, e ondulava à vista de todo o mundo! Louvado seja o Possuidor de tal majestade e poder; louvado seja Ele, armado de poder e de glória; louvado seja Ele que derrotou Seus inimigos quando era mantido no cativeiro, na prisão de 'Akká!

Retomando a narrativa: 'Abdu's-Sálih viveu sob a estrela da sorte, pois vinha regularmente à presença de Bahá'u'lláh. Desfrutou por muitos anos da distinção de servir como jardineiro, mostrando-se sempre leal, sincero, e firme na Fé. Era humilde na presença de todo e qualquer um dos crentes; durante todo o tempo jamais magoou ou ofendeu qualquer um deles. E finalmente deixou seu jardim, apressando-se à toda abrangente misericórdia de Deus.

A Antiga Beleza estava contente com 'Abdu's-Sálih tendo, após sua ascensão, revelado uma Epístola de Visitação em sua honra, e também proferido algumas palavras a seu respeito, que foram anotadas e publicadas juntamente com outras Escrituras.

Que sobre ele repouse a glória do Todo-Glorioso! Que sobre ele repouse a bondade e o favor divinos no Exaltado Reino.

[9] USTÁD ISMÁ'ÍL

Outro ainda, entre aquele grupo abençoado era Ustád Ismá'íl, o construtor. Era o encarregado de orientar as obras de Farrukh Khán (Amínu'd-Dawlih) em Teerã, e vivia de maneira próspera e feliz, homem de alta posição social, bem visto por todos. Entretanto, vendeu seu coração para a Fé, e foi seduzido por ela, até que essa santa paixão consumiu cada véu que se interpusesse. Então, desfez-se de toda precaução, tornando-se conhecido em toda Teerã como um pilar dos Bahá'ís.

No início, Farrukh Khán defendeu-o eficientemente. Mas, com o passar do tempo, chamou-o e disse:

-- Ustád, me és muito querido e te dei a minha proteção, tendo ficado do teu lado da melhor maneira possível. Mas o Xá descobriu sobre ti, e sabes que tirano sangrento ele é. Tenho medo de que ele te prenda sem aviso, e que te mande para a forca. O melhor que tens a fazer é realizares uma viagem. Deixai esse país, vai a algum outro lugar, e escapai desse perigo.

Tranqüilo e feliz, Ustád deixou seu trabalho, abandonou suas posses, e dirigiu-se ao Iraque, onde vivia na pobreza. Havia se casado recentemente, e amava infinitamente a sua esposa. Sua mãe chegou, e por meio de um subterfúgio, obteve permissão para levar a filha de volta a Teerã, aparentemente para uma visita. Ao alcançar Kirmánsháh, foi ao mujtahid e disse-lhe que, como seu genro havia abandonado sua religião, sua filha não poderia permanecer como sua esposa perante a lei. O mujtahid providenciou um divórcio, e casou a moça com outro homem. Quando as notícias chegaram até Bagdá, Ismá'íl, firme como sempre, apenas sorriu:

- Deus seja louvado - disse. Nada me é deixado nesse caminho. Perdi tudo, inclusive a minha esposa. Consegui dar-Lhe tudo o que possuía.

Quando Bahá'u'lláh partiu de Bagdá, e viajou para a Rumélia, os amigos não O acompanharam. Os habitantes de Bagdá levantaram-se, então, contra aqueles indefesos seguidores, enviando-os como prisioneiros para Mosul. Ustád estava velho e fraco, mas caminhou a pé, sem provisões para a viagem, cruzou montanhas e desertos, vales e colinas, alcançando finalmente a Maior Prisão. Em determinado momento, Bahá'u'lláh havia escrito para ele uma ode de Rúmí, dizendo-lhe que voltasse a face em direção ao Báb e que cantasse aquelas palavras em uma melodia. E assim, enquanto perambulava pelas longas noites escuras, Ustád cantava essas linhas:

Estou perdido, ó Amor, obcecado e aturdido,
Sou escravo do amor, em toda a terra.
Dizem que sou o primeiro entre os enlouquecidos,
Embora no passado eu tenha sido
o primeiro em inteligência e valor ...
Ó Amor, que a mim esse vinho vende,14
Ó Amor, por quem estou a arder e a sangrar,
Amor, por quem choro e anseio -
Tu o flautista, eu a vara de bambu.
Se queres que eu viva,
Por mim sopra Teu alento sagrado.
O toque de Jesus darás
A mim, que na morte jazia por uma era.
Tu, que és Fim e Origem,
Tu dentro e Tu fora
De todo olhar bem te ocultas,
E, ainda assim, em todo olhar habitas.

Ele era como um pássaro de asas partidas, mas tinha a canção que o impulsionava em direção ao seu único e verdadeiro amor. Furtivamente, aproximou-se da Fortaleza e ali entrou, fatigado até a exaustão. Ali permaneceu por alguns dias, e apresentou-se a Bahá'u'lláh, após o que foi orientado a buscar acomodação em Haifa. Lá não encontrou qualquer refúgio, nem ninho, nem mesmo um buraco, nem água ou mesmo um grão de milho. Finalmente, fez de uma caverna fora da cidade seu lar. Em uma pequena bandeja que conseguiu, ele colocou anéis de louça, dedais e outras quinquilharias. Todos os dias, da manhã até o meio-dia, ele caminhava, mascateando esses objetos. Em alguns dias conseguia juntar até vinte paras15, em outros dias, trinta; e nos melhores dias até quarenta. Então, ele voltava para a sua caverna e contentava-se com um pedaço de pão. Em voz alta, expressava sua gratidão, dizendo sempre: "Louvado seja Deus pois atingi tanto favor e graça; por estar separado de amigos e estranhos, e por haver me refugiado nessa caverna. Sou agora um daqueles que deram tudo o que possuíam, para poder comprar o Divino José no mercado. Que bênção maior poderia haver?"

Era essa a sua condição quando de sua morte. Muitas e muitas vezes, ouvia-se Bahá'u'lláh expressar a Sua satisfação com Ustád Ismá'íl. Bênçãos o envolviam, e o olhar de Deus estava sobre ele. Nós o saudamos e louvamos. Que sobre ele repouse a glória do Todo-Glorioso.

[10] NABÍL-I-ZARANDÍ

Outro seguidor a emigrar, deixando sua terra nativa para estar próximo a Bahá'u'lláh, foi o grande Nabíl.16 Na flor da juventude, despediu-se de sua família em Zarand e com a ajuda Divina começou a ensinar a Fé. Tornou-se como que um chefe de um exército de apaixonados, e em sua busca deixou o Iraque em direção à Mesopotâmia, não encontrando, entretanto, Aquele a quem buscava. Pois o Bem-Amado encontrava-se então no Curdistão, vivendo em uma caverna no Sar-Galú; e ali, inteiramente só naquela terra desolada, sem companheiros, sem amigo, sem qualquer alma que O escutasse, Ele comungava com a beleza que habitava em Seu próprio coração. Os contatos com Ele estavam cortados; o Iraque estava de luto e solitário.

Quando Nabíl descobriu que a chama que uma vez estivera acesa e cuidada parecia quase apagada, que os seguidores eram poucos, que Yahyá17 esgueirara-se para dentro de um buraco onde jazia entorpecido e inerte, e que o frio do inverno já dominava - viu-se obrigado a partir para Karbilá, lamentando amargamente. Ali permaneceu até que a Abençoada Beleza retornasse do Curdistão, encaminhando-se a Bagdá. Naquele momento houve alegria imensa; cada devoto naquele país voltou à vida; entre eles Nabíl, que se apressou à presença de Bahá'u'lláh, recebendo grandes graças. Passava agora os dias alegremente, a compor odes para celebrar o louvor ao seu Senhor. Era um poeta de talento, e tinha a língua extremamente eloqüente; um homem de brio, ardendo de amor apaixonado.

Passado algum tempo retornou a Karbilá, depois voltou a Bagdá e de lá encaminhou-se à Pérsia. Por ter se aproximado de Siyyid Muhammad, foi levado ao erro tendo passado por amargas aflições e provações; mas como um meteoro, tornou-se um míssil afastando idéias satânicas18, repeliu aqueles que murmuravam maldades e voltou a Bagdá, onde encontrou descanso à sombra da Árvore Sagrada. Mais tarde, foi orientado a dirigir-se a Kirmánsháh. Novamente voltou, e a cada viagem era-lhe dada a oportunidade de servir à Fé.

Acompanhado de sua comitiva, Bahá'u'lláh deixou Bagdá, a "Moradia da Paz", dirigindo-se a Constantinopla, a "Cidade do Islã". Após Sua partida, Nabíl vestiu-se de "dervixe", e a pé rumou para Constantinopla, alcançando o comboio ao longo do caminho. Em Constantinopla, foi orientado a retornar à Pérsia e ali ensinar a Causa de Deus. Viajou pelo país, transmitindo os acontecimentos aos adeptos nas cidades e vilas. Quando essa missão foi desempenhada, e os tambores de "Não sou Eu o teu Senhor?" soavam, pois era o "ano oitenta"19, Nabíl apressou-se a Adrianópolis, gritando: "Sim, verdadeiramente Tu és! Sim, verdadeiramente!" e "Senhor, Senhor, aqui estou!"

Ele entrou na presença de Bahá'u'lláh e bebeu do vinho tinto da fidelidade e da homenagem. Recebeu, então, ordens específicas para que viajasse por toda parte, e para que em cada região elevasse o chamado de que Deus agora tornara-Se manifesto: para que difundisse as abençoadas novas de que o Sol da Verdade despontara. Ardia ele verdadeiramente em chamas, impulsionado pela inquietude do amor. Com grande fervor atravessava países, trazendo essa que era a melhor das mensagens, e revivificando os corações. Ele ardia como uma tocha em todas as companhias, era a estrela de toda reunião, a todos os que vinham oferecia ele o cálice inebriante. Viajava como que ao ritmo de tambores, e finalmente alcançou a fortaleza de 'Akká.

Naqueles dias, as restrições eram excepcionalmente severas. Os portões estavam cerrados, as estradas fechadas. Usando um disfarce, Nabíl chegou aos portões de 'Akká. Siyyid Muhammad e seu perverso cúmplice imediatamente dirigiram-se à sede do governo e prestaram informações sobre o viajante.

-- Trata-se de um persa - relataram. Ele não é, como parece, de Bukhárá. Ele veio até aqui em busca de notícias de Bahá'u'lláh.

As autoridades o expulsaram imediatamente.

Desesperado, Nabíl retirou-se para a cidade de Safád. Mais tarde, dirigiu-se a Haifa, onde fez sua casa numa caverna do Monte Carmelo. Vivia igualmente distante de amigos e desconhecidos, lamentando noite e dia, gemendo e entoando orações. Lá permaneceu em reclusão, e esperou que as portas se abrissem. Ao findar o tempo predestinado de cativeiro, e ao serem os portões abertos de par em par, e ao aparecer o Injustiçado com toda a beleza, majestade e glória, Nabíl apressou-se à Sua presença com o coração cheio de alegria. Então, consumiu a si mesmo como uma vela, ardendo com o amor de Deus. Dia e noite cantava louvores ao Bem-Amado de ambos os mundos e àqueles em Seu limiar, escrevendo versos nos formatos de pentâmetro e hexâmetro, compondo poemas e longas odes. Diariamente era admitido à presença da Manifestação.20

Assim ocorreu até o dia da ascensão de Bahá'u'lláh. Em vista dessa suprema aflição, dessa perturbadora calamidade, Nabíl soluçava e tremia e clamava aos céus. Ele verificou que o valor numérico da palavra "shidád" - ano de tensão - era 309, e assim tornou-se evidente que Bahá'u'lláh predissera aquilo que viria a acontecer.21

Ficou absolutamente deprimido, desesperançado pela separação de Bahá'u'lláh, febril, derramando lágrimas, chegando a ser tão angustiado a ponto de desconcertar qualquer um que o visse. Embora lutasse, o único desejo que tinha era de entregar sua vida. Não agüentava mais sofrer; o desejo ardia em seu coração; não podia mais suportar a dor que o queimava. E assim, tornou-se o rei das cortes do amor, e lançou-se em direção ao mar.

Antes de se oferecer em holocausto, escrevera o ano da sua morte em uma palavra: "Afogado".22 Então, renunciou à vida pelo Bem-Amado, e, não mais dele isolado, libertou-se do desespero.

Este homem ilustre era um erudito, um sábio, e um orador eloqüente. Sua genialidade nata era pura inspiração, seu dom poético era como uma torrente cristalina.23 Sua ode "Bahá, Bahá!", em particular, foi escrita em puro êxtase. Durante toda a sua vida, desde a sua mais tenra juventude, até que se tornasse fraco e envelhecido, passou o tempo servindo e adorando o Senhor. Suportou dificuldades, passou por adversidades, sofreu provações. Dos lábios da Manifestação ouviu coisas maravilhosas. Foram-lhe mostradas as luzes do Paraíso; realizou seu mais caro desejo. E finalmente, quando a Sol do mundo havia se ocultado, ele nada mais pôde suportar, lançando-se ao mar. As águas do sacrifício fecharam-se sobre ele; afogou-se, vindo, finalmente, ao Mais Alto.

Que sobre ele caiam bênçãos abundantes; sobre ele esteja a terna misericórdia. Possa ele conquistar uma grande vitória, e uma graça manifesta no Reino de Deus.

[11] DARVÍSH SIDQ-'ALÍ

Áqá Sidq-'Ali foi mais um daqueles que deixou a terra natal, viajou até Bahá'u'lláh e foi encarcerado na Prisão. Era um "dervixe"; um homem que vivia livre e desapegado tanto de amigos como de estranhos. Pertencia ao mundo místico e era um homem de letras. Passara algum tempo usando a vestimenta da pobreza, bebendo o vinho da Lei e trilhando o Caminho,24 mas ao contrário dos outros sufis não devotava a sua vida ao alienante do hashísh; ao contrário, limpara-se das suas vãs imaginações, apenas buscando a Deus, falando de Deus, e trilhando o caminho de Deus.

Possuía um belo talento poético e escrevia odes para cantar os louvores Àquele a Quem o mundo rejeitara e injustiçara. Entre elas há um poema, escrito enquanto se encontrava aprisionado na fortaleza de 'Akká, cuja principal dupla de versos diz assim:

Cem corações Tuas cacheadas madeixas seduzem,
E chovem corações, quando Teus cabelos agitas.

Aquela alma livre e independente descobrira, em Bagdá, um sinal do insondável Bem-Amado. Testemunhara o alvorecer do Sol sobre o horizonte do Iraque, e recebera as graças daquele nascer. Deixou-se arrebatar pelo encanto de Bahá'u'lláh, seduzido por aquele terno Companheiro. Embora fosse um homem quieto e pacífico, seus membros assemelhavam-se a múltiplas línguas proclamando a sua mensagem. Quando a comitiva de Bahá'u'lláh preparava-se para deixar Bagdá, ele implorou permissão para acompanhá-la, na condição de cavalariço. Durante todo o dia caminhava ele junto à caravana, e à noite cuidava dos cavalos. Trabalhava com total dedicação, somente depois da meia-noite é que buscava o leito para o descanso; sua cama, entretanto, era seu manto, e o travesseiro, um tijolo ressecado pelo sol.

Enquanto viajava, repleto de ansioso amor, entoava poemas. Com isso alegrava imensamente os amigos. Nele, o nome do homem dava testemunho25: era pura candura e sinceridade; era o próprio amor; tinha um coração casto e enamorado por Bahá'u'lláh. Em sua alta condição, a de cavalariço, reinava como um rei; em verdade, a sua glória elevava-se acima dos soberanos da terra. Era assíduo no serviço a Bahá'u'lláh: em todas as coisas, era correto e verdadeiro.

A caravana dos amantes seguia em frente; alcançou Constantinopla; passou por Adrianópolis, e finalmente chegou à prisão de 'Akká. Sidq-'Alí esteve presente por todo o percurso, lealmente servindo o seu Comandante.

Enquanto se encontrava na prisão, Bahá'u'lláh escolheu uma noite especial para dedicar ao Darvísh Sidq-Alí. Escreveu que todos os anos, naquela mesma noite, os "dervixes" deveriam ornar um lugar em um jardim de flores, onde se reuniriam para fazer menção de Deus. Prosseguiu dizendo que "dervixe" não denota aquelas pessoas que perambulam, passando as suas noites e os seus dias em lutas e loucuras; ao contrário, disse Ele, o termo designa aqueles que estão completamente desprendidos de tudo exceto de Deus, que se mantêm fiéis às Suas leis, permanecem firmes em Sua Fé, leais ao Seu Convênio e constantes em Sua adoração. Não se trata de uma designação para aqueles que, como dizem os persas, vagabundeiam pelo mundo, confusos e com a mente perturbada, um fardo para os outros ou os seres mais rudes e grosseiros de toda a humanidade.

Esse eminente "dervixe" passou toda a sua vida abrigado à sombra do favor de Deus. Era completamente desprendido das coisas do mundo. Era diligente e servia aos devotos com todo o seu coração. Era um servo de todos os demais e leal ao Sagrado Limiar.

Veio, então, a hora em que, não distante do seu Senhor, ele despiu o manto da vida, e para os olhos físicos passou às sombras, mas para os olhos da mente elevou-se à claridade do dia; e ali sentou-se em um trono de duradoura glória. Escapou da prisão deste mundo, e armou sua tenda em uma terra espaçosa e ampla. Que Deus o mantenha sempre próximo e o abençoe naquele reino místico com a reunião perpétua e visão beatífica; possa ele estar envolto em camadas de luz. Que sobre ele esteja a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Sua sepultura fica em 'Akká.

[12] ÁQÁ Mirza MAHMÚD E ÁQÁ RIDÁ

Essas duas almas abençoadas, Mirza Mahmúd de Káshán e Áqá Ridá de Shíráz, eram como duas lâmpadas acesas com o amor de Deus pelo óleo de Seu conhecimento. Envoltos em favores Divinos desde a infância, conseguiram eles prestar todo tipo de serviço durante cinqüenta e cinco anos. Foram inúmeros os seus serviços, impossíveis de serem, todos eles, registrados.

Quando a comitiva de Bahá'u'lláh deixou Bagdá rumo a Constantinopla, ia acompanhada por uma grande multidão. Ao longo do caminho, enfrentaram condições de escassez de alimentos. Essas duas almas caminhavam a pé, à frente da montaria na qual seguia Bahá'u'lláh, cobrindo diariamente uma distância de sete ou oito farsakhs. Cansados e fracos, chegavam ao local de repouso da caravana; e mesmo fatigados como estavam, começavam imediatamente a preparar a refeição e a tomar providências para que os devotos, ao chegarem, tivessem algum conforto. Os esforços que faziam eram, verdadeiramente, mais do que o ser humano pode suportar. Havia ocasiões em que não dormiam mais do que duas ou três das vinte e quatro horas; porquanto tendo os amigos terminado a refeição, os dois se ocupavam em coletar e lavar os pratos e utensílios de cozinha; esse trabalho durava até a meia-noite, e só então repousavam. Ao alvorecer do dia acordavam, guardavam os pertences e seguiam novamente viagem, à frente da montaria de Bahá'u'lláh. Vejam como era vital o serviço que prestavam, e para que bênção foram escolhidos: do início da viagem, em Bagdá, até a chegada em Constantinopla, caminharam bem perto de Bahá'u'lláh; transmitiam alegria a cada um dos amigos; traziam conforto e repouso a todos; preparavam o que fosse que pedisse qualquer um dos amigos.

Áqá Ridá e Mirza Mahmud eram a própria essência do amor de Deus, totalmente desapegados de tudo, exceto de Deus. Durante todo aquele período, ninguém ouviu qualquer um deles levantar a voz. Nunca feriram ou ofenderam qualquer pessoa. Eram dignos de confiança, leais e verdadeiros. Bahá'u'lláh cobriu-os de bênçãos. Freqüentemente iam à Sua presença, e Ele expressava a Sua satisfação para com eles.

Mirza Mahmud era um jovem ao chegar a Bagdá, vindo de Káshán. Áqá Ridá tornara-se um crente em Bagdá. Era indescritível a condição espiritual dos dois. Havia em Bagdá um grupo de sete destacados devotos que, por serem pobres, moravam juntos em um quartinho. Mal conseguiam sobreviver, mas eram tão espirituais, tão felizes que pensavam estar no Céu. Às vezes, entoavam preces durante toda a noite, até o raiar do dia. Durante o dia, iam para o trabalho. Ao cair da noite, um deles tinha ganho dez paras, outro talvez vinte paras, em outros dias quarenta ou cinqüenta. Esse dinheiro era gasto com a refeição noturna. Um certo dia, um deles conseguiu vinte paras, enquanto que o outro nada ganhou. Aquele que ganhou algum dinheiro comprou umas poucas tâmaras, e compartilhou-as com os outros; foi esse o jantar para sete pessoas. Estavam perfeitamente contentes com a vida frugal que levavam; repletos da mais suprema felicidade.

Esses dois homens honrados devotavam os seus dias a tudo aquilo que de melhor há na vida humana: tinham olhos que viam; eram atentos e conscientes; tinham ouvidos que ouviam; eram justos nas palavras. Seu único desejo era agradar a Bahá'u'lláh. Para eles, nada mais constituía uma bênção, exceto o serviço em Seu Sagrado Limiar. Após a época da Suprema Aflição, consumiam-se de tristeza, como velas bruxuleantes; desejavam a morte, mas permaneceram firmes no Convênio, trabalhando com afinco pela propagação da Fé da Estrela Matinal. Eram eles companheiros íntimos deste Servo de Bahá ('Abdu'l-Bahá), de cuja confiança desfrutavam; neles podia-se confiar para todas as coisas. Eram sempre modestos, humildes, despretensiosos, evanescentes. Durante todo aquele longo período, jamais pronunciaram uma palavra que tivesse a ver com o ego.

E finalmente, durante minha ausência, alçaram vôo ao Reino de imorredoura glória. Muito me entristeci por não ter estado com eles quando de sua morte. Ainda que fisicamente ausente, lá estava meu coração, lamentando; mas para os olhos exteriores não lhes dei adeus; é isso que me aflige.

Que recebam ambos saudações e louvor; que recebam misericórdia e glória. Que Deus lhes ofereça um lar no Paraíso, sob a sombra da Árvore Celestial. Que estejam imersos em camadas de luz, junto ao seu Senhor, o Onisciente, o Todo-Poderoso.

[13] PIDAR-JÁN DE QAZVÍN

O falecido Pidar-Ján estava entre aqueles devotos que haviam emigrado para Bagdá. Era um velho homem voltado para Deus, enamorado do Bem-Amado; no jardim do amor Divino, era como uma rosa em flor. Chegou a Bagdá, e lá passava os seus dias e noites comungando com Deus e entoando preces; e embora caminhasse pela Terra, viajava pelos altos Céus.

Em obediência à lei de Deus, adotou uma profissão, pois nada possuía. Embrulhava alguns pares de meias debaixo do braço para vendê-las pelas ruas e bazares, e os ladrões costumavam roubar sua mercadoria. Finalmente, viu-se obrigado a estender as meias nas palmas das mãos, enquanto perambulava pelas ruas. Um dia pôs-se a entoar uma prece e surpreendeu-se ao descobrir que haviam-lhe roubado as meias, estendidas nas palmas das mãos, na frente de seus olhos. Sua consciência desse mundo era como que enevoada, pois viajava por um outro. Vivia em êxtase, embriagado e em deslumbramento.

Viveu assim por algum tempo no Iraque. Era admitido à presença de Bahá'u'lláh quase que diariamente. Seu nome era 'Abdu'lláh, mas seus amigos lhe haviam dado o título de Pidar-Ján - Pai Querido - pois era um pai amoroso para todos. Afinal, sob os protetores cuidados de Bahá'u'lláh, alçou vôo rumo à "assembléia da verdade, na presença de um Senhor Onipotente, Soberaníssimo".26

Que Deus perfume seu sepulcro com as chuvas de Sua misericórdia e lance sobre ele o olhar da compaixão Divina. A ele, saudações e louvor.

[14] SHAYKH SÁDIQ-I-YAZDÍ

Outro dos que haviam emigrado para Bagdá era Shaykh Sádiq de Yazd, um homem respeitado, e correto como seu nome, Sádiq.27 Era uma alta palmeira nos arvoredos do Paraíso, uma estrela flamejando nos céus do amor de Deus.

Foi durante o período no Iraque que ele apressou-se à presença de Bahá'u'lláh. Seu desprendimento das coisas desse mundo e seu apego à vida do espírito são indescritíveis. Era ele a personificação do amor e da ternura. Dia e noite celebrava a Deus. Totalmente inconsciente desse mundo e de tudo o que nele se encontra, seu pensamento detinha-se continuamente em Deus, permanecendo submerso em súplicas e orações. Lágrimas vertiam de seus olhos durante a maior parte do tempo. A Abençoada Beleza escolheu-o para objeto de Seu especial favor, e sempre que Sua atenção se voltava para Sádiq, era claramente visível Seu amoroso cuidado.

Certo dia, trouxeram a notícia de que Sádiq estava à morte. Dirigi-me à sua cabeceira e encontrei-o exalando seus últimos suspiros. Sofria ele do íleo, uma dor abdominal e inchaço. Apressei-me ao encontro de Bahá'u'lláh e descrevi seu estado.

-- Vá! - disse Ele. Coloque a mão sobre a área distendida e pronuncie as palavras: "Ó Tu, O que cura!"28

Retornei. Vi que a parte afetada estava inchada, do tamanho de uma maçã, mostrava-se dura como uma pedra, em constante movimento. E ele ficava retorcendo-se e enrolando-se sobre si mesmo como uma serpente. Pousei a mão sobre o inchaço; voltei-me para Deus e humildemente implorando, repeti as palavras: "Ó Tu, O que cura!" Imediatamente o doente ergueu-se. O íleo havia desaparecido; fora-se o inchaço.

Esse espírito personificado viveu satisfeito no Iraque até o dia em que a caravana de Bahá'u'lláh deixou Bagdá. Conforme o ordenado, Sádiq permaneceu naquela cidade. Mas o anseio pulsava tão apaixonadamente dentro dele que após a chegada de Bahá'u'lláh em Mosul, não pôde mais suportar a separação. Descalço, sem chapéu, ele correu junto ao mensageiro que se dirigia para Mosul; correu e correu até que, naquela planície inóspita, envolto em misericórdia, sucumbiu e descansou.

Que Deus lhe dê de beber "da taça um néctar mesclado com cânfora"29, e envie águas cristalinas à sua sepultura; que Deus perfume seu pó naquele lugar deserto com almíscar e faça ali descerem fileiras sobre fileiras de luz.

[15] SHÁH-MUHAMMAD-AMÍN

Sháh-Muhammad, que tinha o título de Amín, o Fidedigno, estava entre os primeiros crentes, era dos mais profundamente enamorados. Havia ele escutado os chamamentos Divinos na flor da sua juventude e voltado sua face para o Reino. Havia afastado para longe de seu olhar os véus das vãs suposições e tinha alcançado o desejo de seu coração; nem as fantasias em voga entre o povo e tampouco as censuras de que era objeto o fizeram voltar atrás. Inabalável, ele enfrentou um oceano de sofrimentos; firme pela força do dia do Advento, confrontou aqueles que tentaram frustrá-lo e bloquear seu caminho. Quanto mais tentavam instilar dúvidas em sua mente, mais forte se tornava; quanto mais o atormentavam, mais progresso fazia. Era um cativo da face de Deus, escravizado pela beleza do Todo-Glorioso; uma chama do amor de Deus, uma fonte de onde jorrava o conhecimento dEle.

O amor ardia em seu coração, tirando-lhe a paz; quando não pôde mais suportar a ausência do Amado, ele deixou a província de Yazd, sua terra natal. Sentia as areias do deserto como seda sob seus pés; leve como o sopro do vento, passou pelas montanhas e atravessou as infindáveis planícies, até que encontrou-se à porta de seu Amor. Havia se libertado da armadilha da separação, e no Iraque, chegou à presença de Bahá'u'lláh.

Terminada a sua jornada ao Bem-Amado da humanidade, sentiu-se esvaziado de todo pensamento, libertado de todo cuidado, e a ele foram destinadas ilimitadas bênçãos e graças. Passou alguns dias no Iraque e foi orientado a retornar à Pérsia. Ali permaneceu por algum tempo, freqüentando a companhia dos devotos; e a brisa pura de seu alento trouxe nova vida a cada um deles, que mais uma vez anelaram pela Fé, e puseram-se mais inquietos e impacientes do que antes.

Mais tarde chegou à Maior Prisão, acompanhado de Mirza Abu'l-Hasan, o segundo Amín. Ao longo da viagem, enfrentara inúmeras dificuldades, porquanto era extremamente difícil encontrar uma maneira de penetrar na prisão. Finalmente, foi recebido por Bahá'u'lláh nos banhos públicos. Tão tomado de emoção ante a magnética presença de seu Senhor ficou Mirza Abu'l-Hasan, que estremeceu, tropeçou e caiu ao chão; o sangue escorreu da ferida de sua cabeça.

Amín, isto é, Sháh-Muhammad, foi honrado com o título de "o Fidedigno", e muitas graças lhe foram concedidas. Cheio de ansiedade e de amor, portando Epístolas de Bahá'u'lláh, apressou-se de volta à Pérsia, onde, sempre fazendo jus à maior confiança, trabalhou pela Causa. Seus serviços foram notáveis, e ele foi um consolo para os corações dos devotos. Nenhum deles se comparava a ele em energia, entusiasmo e zelo, e os serviços de nenhum outro homem poderiam se equiparar aos dele. Era um porto seguro para todos, conhecido em todos os lugares por sua devoção ao Sagrado Limiar, amplamente admirado pelos amigos.

Jamais descansava por um momento que fosse. Nem uma noite passou em uma cama confortável, e nunca repousou a cabeça na maciez de um travesseiro. Estava continuamente em movimento, voando como os pássaros, correndo como um cervo, um conviva no deserto da unidade, solitário e ligeiro. Trazia alegria a todos os devotos; para todos, a sua chegada era uma boa-nova; para todo buscador, ele era um sinal e um símbolo. Estava enamorado de Deus, e vagava no deserto do amor de Deus. Como o vento, viajava sobre as planícies, e impacientava-se no alto das montanhas. A cada dia estava em um país diferente, e em ainda uma outra terra ao cair da noite. Nunca descansou, e nunca parou. Estava sempre se levantando para servir.

Porém, foi aprisionado no Azerbaijão, na cidade de Míyándu'áb. Caiu na armadilha de alguns cruéis curdos, um bando hostil que não fazia perguntas a homens inocentes e indefesos. Pensando que esse estranho, como outros estrangeiros, quisesse fazer mal ao povo curdo, e tomando-o por um imprestável, eles o mataram.

Quando a notícia de seu martírio chegou à Prisão, os cativos lamentaram, e derramaram lágrimas por ele, indefeso e entregue a Deus que estava em seus últimos momentos. Até mesmo na fisionomia de Bahá'u'lláh eram visíveis os sinais de tristeza. Uma Epístola, infinitamente terna, foi revelada pela Pena Suprema, celebrando o homem que morrera naquela calamitosa planície, e muitas outras Epístolas a seu respeito vieram.

Hoje, sob a sombra da misericórdia divina, ele mora nos radiosos Céus. Comunga com os pássaros da santidade, imerso em luz, na assembléia de esplendores. A sua memória e os louvores a ele permanecerão, até o final dos dias, nas páginas dos livros, e nas línguas e nos lábios dos homens.

A ele, saudações e louvor; com ele esteja a glória do Todo-Glorioso; com ele esteja a máxima misericórdia de Deus.

[16] MASHHADÍ FATTÁH

Mashhadí Fattáh era o espírito personificado. Era a própria devoção. Irmão de Hájí Alí-'Askar - da mesma linhagem pura - através dele abraçou a Fé. Como os gêmeos Castor e Pollux, ficavam sempre juntos, no mesmo lugar, e eram ambos iluminados pelo brilho da fé.

Em todas as coisas eram unidos como um par; compartilhavam da mesma certeza e fé, da mesma consciência, e abandonaram o Azerbaijão rumo a Adrianópolis, emigrando ao mesmo tempo. Em todas as circunstâncias de sua vida, viveram como se fossem um só; sua disposição, seus objetivos, sua religião, caráter, comportamento, fé, certeza, conhecimento - eram uma coisa só. Até mesmo na Maior Prisão, estavam constantemente juntos.

Mashhadí Fattáh possuía algumas mercadorias; era tudo o que tinha nesse mundo. Ele havia confiado esses objetos a algumas pessoas em Adrianópolis, e mais tarde essas pessoas desonestas desfizeram-se desses bens. Assim, no caminho de Deus, perdeu tudo o que possuía. Passava os seus dias, perfeitamente contente, na Maior Prisão. Era totalmente desprendido; dele jamais alguém ouvira uma só sílaba que indicasse sua existência. Postava-se sempre em um determinado canto da prisão, meditando em silêncio, ocupado com a lembrança de Deus; em todos os momentos, espiritualmente alerta e consciente, em estado de súplica.

Veio então a Aflição Suprema. Ele não pôde tolerar a separação de Bahá'u'lláh, e após Seu passamento, sucumbiu ao pesar. Abençoado seja ele; mais uma vez, abençoado seja ele. Para ele, boas-novas; uma vez mais, boas-novas para ele. Com ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[17] NABÍL DE QÁ'IN

Esse homem ilustre, Mullá Muhammad-'Alí,30 foi um daqueles cujo coração foi atraído para Bahá'u'lláh antes da Declaração do Báb; foi então que ele bebeu o vinho tinto do conhecimento das mãos do Dispensador de graças. Aconteceu que um príncipe, filho do Mír Asadu'lláh Khán, príncipe de Qá'in, recebeu ordem de permanecer como refém político em Teerã. Era jovem, distante de seu amoroso pai, sendo Mullá Muhammad-'Alí seu tutor e guardião. Como o jovem era um forasteiro em Teerã, a Abençoada Beleza tratou-o com especial carinho. Por muitas noites, o jovem príncipe foi o convidado de Bahá'u'lláh na mansão, e Mullá Muhammad-'Alí o acompanhava. Isso se passou antes da Declaração do Báb.

Foi nessa ocasião que este renomado Mullá, dentre todos os leais amigos, foi cativado por Bahá'u'lláh, e aonde ia, difundia amoroso louvor a Ele. Em conformidade com os hábitos do islã, também costumava relatar os milagres de Bahá'u'lláh que ele testemunhara, e também as maravilhas de que ouvira falar. Estava em êxtase, ardendo de amor. Nesse estado, retornou para Qá'in com o príncipe.

Mais tarde, aquele acadêmico eminente, Áqá Muhammad de Qá'in (cujo título era Nabíl-i-Akbar), foi designado mujtahid, isso é, doutor em direito religioso, pelo falecido Shaykh Murtadá; partiu então para Bagdá, tornou-se um ardente seguidor de Bahá'u'lláh, e apressou-se à Pérsia. Os mais destacados teólogos e mujtahids estavam conscientes e reconheciam as suas vastas realizações acadêmicas, a amplidão de seus conhecimentos e seu alto nível. Ao chegar a Qá'in, ele começou a divulgar abertamente a nova Fé. No mesmo momento em que Mullá Muhammad-'Alí ouviu o nome da Abençoada Beleza, ele aceitou imediatamente o Báb:

- Tive a honra - disse - de conhecer a Abençoada Beleza em Teerã. No momento em que O vi, tornei-me Seu escravo.

Em sua vila, a Sar-Cháh, esse homem cheio de qualidades, e de espírito elevado, começou a ensinar a Fé. Guiou sua família e também muitos outros, trazendo uma grande multidão para a lei do amor de Deus, conduzindo cada um ao caminho da salvação.

Até aquele momento, ele havia sido sempre companheiro íntimo do Mír 'Alam Khán, governador de Qá'in, e prestara-lhe importantes serviços, tendo desfrutado do respeito e da confiança do governador. Agora aquele cínico príncipe voltava-se contra ele furiosamente por causa de sua religião, confiscando-lhe os bens e saqueando sua propriedade; porquanto o Amír tinha pavor de Násiri'd-Dín Sháh. Baniu Nabíl-i-Akbar e arruinou Nabíl de Qá'in. Depois de aprisioná-lo e submetê-lo a tortura, ele o expulsou como um errante sem lar.

Para Nabíl, a repentina calamidade foi uma bênção; o confisco de seus bens terrenos, a expulsão para o deserto, foram uma coroa real, e o maior favor que Deus lhe poderia conceder. Por algum tempo, permaneceu em Teerã - na aparência um miserável sem morada, no seu íntimo, um homem que exultava; esta é a característica de toda alma que é firme no Convênio.

Tinha ele acesso à companhia dos poderosos e conhecia a condição dos vários príncipes. Portanto, costumava conviver com alguns deles e transmitir-lhes a mensagem. Era um consolo para os corações dos devotos e como que uma espada desembainhada para os inimigos de Bahá'u'lláh. Era um daqueles de quem lemos no Alcorão: "combaterão pela causa de Deus e não temerão censura de ninguém."31 Dia e noite trabalhou na promoção da Fé, com todas as suas forças para divulgar no estrangeiro os claros sinais de Deus. Ele bebia e bebia novamente do vinho do amor de Deus, clamoroso como as nuvens tempestuosas, irrequieto como as ondas do mar.

Veio, então, a permissão para que ele visitasse a Maior Prisão, pois em Teerã, devoto que era de Bahá'u'lláh, tornara-se um homem marcado. Todos sabiam de sua conversão; não tomava precauções, não tinha paciência e nem reservas; não queria saber de reticências e nem de dissimulações. Corria o maior perigo e não tinha qualquer medo.

Quando chegou à Maior Prisão, os vigias hostis o expulsaram, e por mais que tentasse, ele não conseguia entrar. Foi obrigado a dirigir-se a Nazaré, onde viveu por algum tempo como um forasteiro, sozinho com seus dois filhos, Áqá Qulám-Husayn e Áqá 'Alí-Akbar, lamentando-se e rezando. Finalmente, um plano foi elaborado para que adentrasse na fortaleza, quando foi levado à prisão onde estavam encarcerados os inocentes. Admitido à presença de Bahá'u'lláh, foi tomado de êxtase indescritível. Ao entrar e erguer os olhos para a Abençoada Beleza, estremeceu e caiu ao chão, sem sentidos. Bahá'u'lláh dirigiu-lhe com palavras cheias de amoroso cuidado, e ele se reergueu. Passou alguns dias escondido nos alojamentos, depois do que retornou a Nazaré.

Os habitantes de Nazaré tinham muita curiosidade sobre ele. Diziam uns aos outros que se tratava obviamente de um grande e ilustre homem em seu próprio país, notável e de alto nível; e se perguntavam por que haveria ele de ter escolhido um lugar tão remoto como Nazaré e como poderia ele viver contente em tal pobreza e dificuldade.

Quando, em cumprimento à promessa do Maior Nome, os portões da Prisão foram abertos, e todos os amigos e viajantes puderam entrar e sair da fortaleza em paz e desfrutando do respeito dos guardas, Nabíl de Qá'in passou a viajar todos os meses para ver Bahá'u'lláh. Entretanto, obedecendo à Sua ordem, ele continuou morando em Nazaré, onde converteu alguns cristãos à Fé; lá chorava dia e noite as injustiças cometidas contra Bahá'u'lláh.

Vivia da sociedade que estabelecera comigo. Isso é, forneci-lhe um capital de três krans32, com o qual comprou agulhas, e esse era o produto que vendia. As mulheres de Nazaré davam-lhe ovos em troca de agulhas, e dessa maneira ele conseguia obter de trinta a quarenta ovos por dia: eram três agulhas por ovo. Ele, então, vendia os ovos e vivia do que obtinha. Como havia uma caravana diária entre 'Akká e Nazaré, ele procurava Áqá Ridá todos os dias, em busca de mais agulhas. Deus seja glorificado! Ele sobreviveu por dois anos com aquele capital empregado inicialmente, e em todos os momentos agradecia. Um exemplo de seu desprendimento das coisas deste mundo é o seguinte fato: diziam os nazarenos que estava claro, pelo comportamento e pelas maneiras daquele velho homem, que ele era muito rico, e que se vivia tão modestamente, era por ser um forasteiro morando em um lugar estranho; estava ocultando a sua riqueza, fingindo-se de mascate de agulhas.

Sempre que ia à presença de Bahá'u'lláh, recebia cada vez mais provas de proteção e amor. Era para mim um amigo e companheiro de todas as horas. Quando aflições me atacavam, eu mandava chamá-lo, e me alegrava simplesmente ao revê-lo. Como eram maravilhosas as suas palavras, e quão atraente a sua companhia! Tinha a face radiante; o coração livre; desprendido de todo vínculo terreno, sempre a voar. Ao final, instalou-se na Maior Prisão, e todos os dias ia à presença de Bahá'u'lláh.

Um dia, ao caminhar pelo bazar com os amigos, encontrou um coveiro de nome Hájí Ahmad. Embora gozando de ótima saúde, dirigiu-se ao coveiro e, sorridente, disse-lhe:

-- Vem comigo.

Acompanhado dos devotos e do coveiro, ele se dirigiu a Nabíyu'lláh Sálih. Aí disse-lhe:

-- Ó Hájí Ahmad, tenho um pedido a te fazer: quando me for desse mundo para o próximo, cave aqui a minha sepultura, ao lado do Ramo Mais Puro.33 Esse é o favor que te peço.

Assim dizendo, ofereceu ao homem um presente em dinheiro.

Naquela mesma noite, pouco depois do pôr-do-sol, veio a notícia de que Nabíl de Qá'in estava doente. Fui imediatamente à sua casa. Ele estava sentado, conversando. Mostrava-se radiante, rindo, brincando, mas por alguma razão, um suor abundante escorria de sua face. Com exceção disto, nada mais tinha. O suor continuava, e, enfraquecido, ele se recolheu ao leito. Perto do amanhecer, faleceu.

Bahá'u'lláh sempre se referia a ele com carinhoso cuidado, e revelou um certo número de Epístolas em seu nome. A Abençoada Beleza costumava, após o falecimento de Nabíl, relembrar o seu ardor, o poder daquela fé, e comentava que ali estava um homem que O reconhecera, antes mesmo do advento do Báb.

Que todos o saúdem por essa fabulosa graça. " A bem-aventurança o espera em um formoso lar... E Deus escolherá para sua mercê qualquer um que Ele queira."34

[18] SIYYID MUHAMMAD-TAQÍ MANSHÁDÍ

Muhammad-Taqí era originário da vila de Manshád. Ainda jovem, aprendeu a Fé de Deus. Em sagrado êxtase, sua mente voltou-se para os céus e seu coração inundou-se de luz. A graça divina desceu sobre ele. O chamado de Deus tanto o empolgou que ele jogou ao ar a paz que tinha em Manshád. Deixando a família e filhos, dirigiu-se a montanhas e planícies desertas, passou de uma pousada a outra, veio à costa, cruzou o mar e finalmente alcançou a cidade de Haifa. Dali apressou-se a 'Akká e chegou à presença de Bahá'u'lláh.

Nos primeiros dias, abriu uma pequena loja em Haifa, dirigindo um negócio sem importância. Mas as bênçãos de Deus jorraram sobre ele, pois ele prosperou. Aquele pequeno canto transformou-se no refúgio dos peregrinos. Quando chegavam, e mais tarde quando partiam, eram hóspedes do sábio e generoso Muhammad-Taqí. Ele ainda ajudava a administrar os interesses dos crentes, e organizava os meios para viajar. Mostrou-se absolutamente honesto, leal e fidedigno. Eventualmente, tornou-se também a pessoa por cujo intermédio as Epístolas eram enviadas e as cartas dos devotos chegavam até 'Akká. Desempenhava essa tarefa com perfeita segurança, realizando-a com toda boa vontade, escrupulosamente despachando e recebendo a correspondência de forma permanente. Objeto da confiança de todos, tornou-se conhecido em muitas partes do mundo, e recebeu inúmeras graças de Bahá'u'lláh. Era um tesouro de justiça e correção, inteiramente livre de apego às coisas desse mundo. Havia se acostumado com uma vida muito simples, sem se importar com comida ou sono, conforto ou paz. Vivia sozinho em um quarto, passava as noites em um colchão de folhas de palmeira, e dormia em um canto. Mas para os viajantes, era uma fonte no deserto; para eles, oferecia o mais macio dos travesseiros e as melhores refeições que pudesse oferecer. Tinha um rosto risonho e era, por natureza, espiritual e sereno.

Depois que o Sol da Assembléia Suprema se pusera, Siyyid Manshádí permaneceu leal ao Convênio, como uma espada afiada a confrontar os rompedores. Esses tentaram todos os ardis, todos os artifícios, os expedientes mais sutis; estão além da imaginação os favores com que o inundaram, as honras com que o distinguiram, as festas que prepararam, os prazeres que lhe ofereceram, tudo para conseguirem quebrar a sua fé. Ainda assim, a cada dia ele se fortalecia, continuava firme e verdadeiro, livre de qualquer pensamento censurável, evitando tudo o que fosse contrário ao Convênio de Deus. Quando, finalmente, desistiram de abalar a sua determinação, eles lhe causaram toda sorte de dificuldades, e planejaram provocar a sua ruína financeira. Ele permaneceu, entretanto, a quintessência da constância e da fidedignidade.

Quando 'Abdu'l-Hámíd começou a opor-se a mim, instigado pelos rompedores, fui obrigado a mandar Manshádí para Port Said, pois ele era bastante conhecido como distribuidor de nossa correspondência. Tive então de enviar-lhe as cartas por meio de intermediários que não eram conhecidos, para que ele as encaminhasse, como fazia antes. Dessa maneira os traiçoeiros e hostis não podiam apoderar-se da correspondência. Durante os últimos dias de 'Abdu'l-Hámíd, quando uma comissão de investigação apareceu, e estimulado por familiares-transformados-em-estranhos, planejou arrancar a Árvore Sagrada pela raiz quando decidiram jogar-me nas profundezas do mar ou banir-me para o Fezzan, sendo esse seu objetivo, a comissão falhou, mesmo ele tentando obter de todas as maneiras algum documento. Em meio a todo aquele tumulto, com todas as pressões e cerceamentos, e os infames ataques de pessoas impiedosas como Yazíd35, ainda assim a correspondência seguia.

Por muitos longos anos, Siyyid Manshádí desempenhou corretamente a sua tarefa em Port Said. Todos os amigos estavam satisfeitos com ele. Naquela cidade recebia a gratidão dos viajantes, colocava os emigrantes em sua conta, trazia alegria aos devotos locais. Então, o forte calor do Egito mostrou-se demasiado para ele; recolheu-se ao leito, e em conseqüência de uma forte febre, desfez-se das vestes da vida. Abandonou Port Said rumo ao Reino dos Céus e elevou-se às mansões do Senhor.

Siyyid Manshádí era a essência da virtude e do intelecto. Suas qualidades e realizações eram capazes de maravilhar as mais sofisticadas mentes. Ele não tinha outro pensamento senão Deus, nenhum outro desejo senão ganhar a aprovação divina. Era a personificação de "Faz de todos os meus cânticos louvores a Ti, faz-me para sempre fiel em Teu serviço."

Que Deus refresque as suas dores febris com a graça da reunião no Reino, e cure a sua doença com o bálsamo da Sua proximidade, no domínio do Todo-Harmonioso. Com ele esteja a glória de Deus, o Mais Glorioso.

[19] MUHAMMAD-'ALÍ SABBÁQ DE YAZD

Cedo na juventude, ainda no Iraque, Muhammad-'Alí Sabbáq tornara-se um devoto. Rasgara os véus e as dúvidas que o impediam de enxergar, escapara das ilusões, e apressara-se ao abrigo acolhedor do Senhor dos Senhores. Um homem aparentemente sem educação, pois não sabia ler nem escrever, tinha uma inteligência arguta e era um amigo fidedigno. Por intermédio de um dos crentes, foi levado à presença de Bahá'u'lláh, e tornou-se logo amplamente conhecido entre o público como um dos discípulos. Tendo encontrado um canto onde viver, bem ao lado da casa da Abençoada Beleza, vinha à presença de Bahá'u'lláh todas as manhãs e todas as tardes. Por algum tempo foi extremamente feliz.

Quando Bahá'u'lláh e sua comitiva deixaram Bagdá rumo a Constantinopla, Áqá Muhammad-'Alí estava naquele grupo, e ardia de amor a Deus. Chegamos a Constantinopla; e como o governo obrigara-nos a ficar em Adrianópolis, deixamos Muhammad-'Alí na capital turca para ajudar aos devotos quando esses passassem por aquela cidade. Rumamos então para Adrianópolis. Este homem permaneceu só e sofreu imenso desgosto, pois não tinha qualquer amigo ou companheiro, ou qualquer pessoa que lhe fizesse companhia.

Dois anos depois, ele seguiu para Adrianópolis, buscando refúgio no amoroso cuidado de Bahá'u'lláh. Trabalhou como mascate, e quando a grande rebelião36 começou, e os opressores levaram os amigos à mais extrema adversidade, figurava ele, também, entre os prisioneiros exilados conosco para a fortaleza de 'Akká.

Passou bastante tempo na Maior Prisão, depois do que Bahá'u'lláh desejou que se dirigisse a Sidon, onde dedicou-se ao comércio. Algumas vezes retornou e foi recebido por Bahá'u'lláh, mas de maneira geral permanecia em Sidon. Viveu gozando do respeito e da confiança de todos; para todos um exemplo. Quando fomos assolados pela Suprema Aflição, ele voltou para 'Akká e passou o resto de seus dias junto ao Sepulcro Sagrado.

Os amigos, todos eles, estavam satisfeitos com ele, era muito querido no Sagrado Limiar; nesse estado, elevou-se à glória permanente, deixando os amigos de luto. Era um homem generoso e excelente: contentava-se com a vontade de Deus, qualquer que ela fosse; era grato, um homem de dignidade, um homem que suportava sofrimentos. Com ele esteja a glória do Todo-Glorioso. Que Deus faça descer sobre o seu túmulo perfumado em 'Akká, camadas de luz celestial.

[20] 'ABDU'L-GHAFFÁR DE ISFÁHÁN

Outro dos que deixaram a sua terra natal para tornarem-se nossos vizinhos e companheiros de prisão foi 'Abdu'l-Ghaffár de Isfáhán. Era um indivíduo de muita percepção, que como comerciante havia, por muitos anos, viajado pela Ásia Menor. Viajou ao Iraque, onde Áqá Muhammad-'Alí de Sád (Isfáhán) trouxera-o para o abrigo da Fé. Logo livrou-se dos véus das ilusões que lhe haviam cegado os olhos até então, e levantou-se, apressando-se à salvação no Paraíso do amor Divino. Nele o véu havia sido diáfano, quase transparente, e foi por isso que, ao som da primeira palavra que lhe fora oferecida, foi imediatamente liberto do mundo das vãs imaginações ligando-se Àquele que Se vê claramente.

Durante a viagem do Iraque à Grande Cidade, Constantinopla, 'Abdu'l-Ghaffár foi um companheiro íntimo e agradável. Serviu de intérprete para todo o grupo, porquanto falava excelente turco, idioma do qual nenhum dos amigos tinha grande conhecimento. A viagem chegou tranqüilamente ao final, e então, na Grande Cidade, ele continuou conosco, um companheiro e amigo. O mesmo se passou em Adrianópolis e também quando, como um dos prisioneiros, ele acompanhou-nos à cidade de Haifa.

Aqui, os opressores decidiram enviá-lo a Chipre. Aterrorizado, ele clamou por socorro, pois queria estar conosco na Maior Prisão.37 Quando tentaram detê-lo à força, ele jogou-se ao mar do alto do navio. Nem isso comoveu os brutais oficiais. Depois de retirá-lo da água, mantiveram-no prisioneiro no navio, contendo-o de forma cruel e levando-o à força para Chipre. Foi aprisionado em Famagusta, mas finalmente conseguiu escapar e apressou-se a 'Akká. Aqui, para proteger-se da malevolência dos nossos opressores, mudou seu nome para 'Abdu'lláh. Abrigado sob os amorosos cuidados de Bahá'u'lláh, ele passou seus dias feliz e em paz.

Mas quando a grande Luz do mundo se pôs para brilhar para sempre no Horizonte Todo-Luminoso, 'Abdu'l-Ghaffár ficou fora de si e tornou-se uma vítima da angústia. Ele não tinha mais um lar. Foi para Damasco e ali passou algum tempo, curvado à dor, lamentando-se dia e noite. Tornou-se cada vez mais fraco. Para lá enviamos Hájí 'Abbás, para cuidar e tratar dele, e dar-me notícias todos os dias. Mas 'Abdu'l-Ghaffár nada mais fazia a não ser falar, incessantemente, a toda hora, com seu enfermeiro, e dizer-lhe o quanto desejava ir-se embora para a região misteriosa do além. E finalmente, longe de casa, exilado de seu Amor, ele partiu rumo ao Sagrado Limiar de Bahá'u'lláh.

Foi verdadeiramente um resignado, um benigno; um homem de bom caráter, bondosos atos, e palavras bondosas. Saudações e louvor a ele, e a ele a glória do Todo-Glorioso. Seu túmulo, docemente perfumado, está em Damasco.

[21] 'ALÍ NAJAF-ÁBÁDÍ

Entre os emigrantes e vizinhos havia também Áqá 'Alí Najaf-Ábádí. Quando esse jovem, voltado para as coisas espirituais, ouviu pela primeira vez o chamado de Deus, levou aos lábios a taça sagrada e contemplou a glória do Orador da Montanha. E quando, pela graça da luz, alcançou conhecimento positivo, ele viajou para a Maior Prisão, onde testemunhou a própria essência do saber e atingiu a elevada posição da verdade indubitável.

Por muito tempo permaneceu na cidade sagrada; tornou-se Habíbu'lláh, o Mercador, e passava seus dias entregue a Deus, em súplica e oração. Era manso, tranqüilo, resignado, firme; em tudo amável e digno de louvor. Ganhou a aprovação dos amigos e foi aceito e bem-vindo ao Sagrado Limiar. Durante os seus últimos dias, quando sentiu que um feliz fim lhe estava reservado, ele mais uma vez apresentou-se na cidade sagrada da Maior Prisão. Na sua chegada sentiu-se doente, fraco, e passava as horas em súplica a Deus. O sopro da vida cessou nele, os portões do vôo para o Reino supremo abriram-se de par em par, ele afastou o olhar desse mundo de pó e elevou-se ao Lugar Sagrado.

'Alí Najaf-Ábádí tinha um coração terno e sensível, em todos os momentos temente a Deus e voltado para Ele e, ao final da vida, continuava desprendido, imaculado, livre do contágio desse mundo. Docemente, deixou seu cantinho nessa terra, e armou sua tenda nas terras do além. Que Deus lhe mande os puros aromas do perdão, abrilhante-lhe os olhos com a visão da Beleza Divina no Reino dos Esplendores, e refresque seu espírito com as brisas almiscaradas que sopram do Reino de Abhá. A ele saudações e louvor. Seu pó, doce e santo, está em 'Akká.

[22] MASHHADÍ HUSAYN E MASHHADÍ MUHAMMAD-I-ADHIRBÁYJÁNÍ

Mashhadí Husayn e Mashhadí Muhammad eram ambos da província de Azerbaijão. Eram almas puras que haviam dado o grande passo em seu país de origem: libertaram-se tanto dos amigos como dos inimigos, desvencilharam-se das superstições que os haviam cegado, fortaleceram a sua determinação, e curvaram-se à graça de Deus, o Senhor da Vida. Eram almas abençoadas, leais, imaculadas em sua fé; evanescentes, submissas, pobres, contentes com a vontade de Deus, apaixonadas pela luz de Sua guia, alegrando-se pela grande mensagem. Deixaram sua província e dirigiram-se a Adrianópolis. Ali, perto da cidade santa, viveram por um bom tempo no vilarejo de Qumruq-Kilísá. Durante o dia, suplicavam a Deus e comungavam com Ele; à noite, choravam, lamentando as aflições dAquele a Quem o mundo injustiçara.

Quando o exílio para 'Akká aconteceu, não estavam presentes na cidade e portanto não foram aprisionados. Com o coração pesado, permaneceram naquela área, derramando as suas lágrimas. Logo que obtiveram um aval definitivo, deixaram a Rumélia e se dirigiram para 'Akká: duas almas excelentes, leais servos da Abençoada Beleza. Impossível dizer quão translúcidos eram seus corações, quão firmes em sua fé.

Moravam fora de Ákká em Bágh-i-Firdaws, trabalhavam como agricultores, e passavam os seus dias dando graças a Deus, pois haviam, mais uma vez, conseguido trilhar o caminho rumo à proximidade da graça e do amor. Entretanto, eram originários do Azerbaijão, acostumados ao frio, e não puderam suportar o calor local. Ademais, isso aconteceu durante os nossos primeiros dias em 'Akká, época em que o ar era nocivo, e a água extremamente insalubre. Ambos adoeceram, com uma febre alta e crônica. Suportaram-na alegremente, com surpreendente paciência. Durante os dias da doença, apesar de atacados pela febre, pela violência da enfermidade, pela sede furiosa, pela inquietação, mantinham-se em paz interiormente, regozijando-se com as boas-novas Divinas. E num momento em que juntos, ofereciam graças com todo o seu coração, apressaram-se para longe desse mundo e entraram no outro; escaparam dessa gaiola, libertos no jardim da imortalidade. Com eles esteja a misericórdia de Deus, e a Sua aprovação. Com eles estejam saudações e louvor. Que Deus os traga ao Reino da eternidade, para que possam deliciar-se na reunião com Ele; para que possam aquecer-se no Reino dos Esplendores. Os seus dois túmulos luminosos estão em 'Akká.

[23[ HÁJÍ 'ABDU'R-RAHÍM-I-YAZDÍ

Hájí 'Abdu'r-Rahím de Yazd era uma alma preciosa, virtuosa e temente a Deus desde a infância. Era conhecido entre o povo como um homem santo, inigualável na observação de suas obrigações religiosas, cuidadoso quanto aos seus atos. Sua forte fé religiosa era um fato incontestável. Ele servia e adorava a Deus dia e noite, era íntegro, meigo e piedoso e um amigo leal.

Por estar completamente preparado, no exato momento em que ouviu o Chamado do Horizonte Supremo - escutou o rufar dos tambores de: "Não sou Eu o seu Senhor?" E exclamou ele: "Sim, verdadeiramente!" Com todo seu ser, enamorou-se dos esplendores derramados pela Luz do Mundo. Aberta e corajosamente, começou a confirmar sua família e amigos. Esse fato logo se tornou conhecido por toda a cidade; aos olhos dos maldosos 'ulamás, era ele agora objeto de ódio e desprezo. Vítima do seu ódio, foi desprezado por essas criaturas presas de suas próprias paixões inferiores. Foi ferido e hospitalizado; os habitantes se revoltaram, e os malvados 'ulamás conspiraram, planejando sua morte. As autoridades governamentais voltaram-se também contra ele, perseguiram-no e sujeitaram-no a torturas. Bateram-lhe com paus e açoitaram-no. E assim foi, dia e noite.

Foi, então, forçado a abandonar seu lar e deixar a cidade, vagando pelas montanhas que escalava, cruzando as planícies, até que veio ter à Terra Santa. Encontrava-se, entretanto, tão fraco e desgastado, que todos que o viam pensavam estar ele à beira de seu último suspiro. Ao alcançar Haifa, Nabíl de Qá'in apressou-se a 'Akká, desejando que eu mandasse buscar o Hájí imediatamente, porquanto encontrava-se na agonia da morte e enfraquecia rapidamente.

-- Vou à Mansão - eu disse - pedir permissão.

-- Demoraria demasiado - respondeu. E assim, 'Abdu'r-Rahím jamais verá 'Akká. Desejo muito que ele alcance essa graça; que possa finalmente ver Ákká antes de morrer. Eu suplico, manda buscá-lo imediatamente!

Satisfazendo seu desejo, mandei buscar 'Abdu'r-Rahím. Quando chegou, mal consegui detectar nele um sopro de vida. Às vezes abria os olhos, mas não falava uma palavra. Entretanto, os doces eflúvios da Maior Prisão restauraram a centelha vital, e seu desejo de avistar-se com Bahá'u'lláh lhe infundiu vida novamente. Procurei-o na manhã seguinte e encontrei-o alegre e descansado. Ele pediu permissão para servir a Bahá'u'lláh.

-- Tudo depende - respondi - da permissão dEle. Se Deus quiser, serás escolhido para receber esse desejado presente.

Alguns dias mais tarde, veio a autorização, e ele apressou-se à presença de Bahá'u'lláh. Quando 'Abdu'r-Rahím lá entrou, o espírito da vida soprou sobre ele. Quando de sua volta, tornou-se claro que esse Hájí havia se tornado um Hájí inteiramente diferente: estava na flor da saúde. Perplexo, Nabíl disse:

-- Como esse ar da prisão é capaz de infundir vida em um verdadeiro devoto!

Por algum tempo, 'Abdu'r-Rahím viveu nas redondezas. Passava as horas lembrando e louvando a Deus; entoava orações, e com todo o cuidado, cumpria os seus deveres religiosos. Portanto via pouca gente. Esse servo dava atenção especial às suas necessidades, e providenciou uma dieta leve para ele. Mas tudo isso acabou por ocasião da Suprema Aflição, a Ascensão de Bahá'u'lláh. Havia angústia naquele momento e grande lamentação. Com o coração ardendo, lágrimas rolando dos olhos, ele lutou com as poucas forças que lhe restavam para seguir em frente. Assim passava os seus dias, sempre desejando abandonar esse amontoado de disparates - o mundo. Afinal, livrando-se do tormento de sua perda, apressou-se ao Reino de Deus, e veio à Assembléia de Divino Esplendor no reino de Luzes.

Com ele estejam saudações e louvor, e inefável misericórdia. Que Deus espalhe em seu leito de repouso raios do Reino de mistério.

[24] HÁJÍ 'ABDU'LLÁH NAJAF-ÁBÁDÍ

Tendo se tornado um dos devotos, Hájí 'Abdu'lláh deixara a Pérsia, a sua terra de origem, apressara-se à Terra Santa, e abrigado pela graça de Bahá'u'lláh, encontrara a paz interior. Era um homem firme, decidido e confiante; certo das muitas bênçãos de Deus; tinha excelente temperamento e caráter.

Passou os seus dias como amistoso companheiro dos demais devotos. Então, dirigiu-se a Ghawr, perto de Tiberias, onde tornou-se agricultor, trabalhando o solo e devotando grande parte do tempo à súplica e à comunhão com Deus. Era um homem excelente; de espírito elevado e puro.

Mais tarde, retornou de Ghawr, estabeleceu-se perto de Bahá'u'lláh em Junayna, quando vinha com freqüência à Sua presença. Seus olhos fixavam-se no Reino de Abhá; algumas vezes derramava lágrimas e se lamentava, outras vezes alegrava-se, feliz por haver realizado seu supremo desejo. Era completamente desprendido de tudo exceto de Deus, feliz na graça divina. Mantinha-se em vigília a maior parte da noite, permanecendo em estado de oração. Então, sobreveio-lhe a morte na hora determinada, e à sombra dos cuidados de Bahá'u'lláh ele ascendeu, apressou-se para longe desse mundo do pó, e rumo ao alto Firmamento, voou para a terra secreta. Com ele estejam saudações, misericórdia e louvor, na proximidade de seu exaltado Senhor.

[25] MUHAMMAD-HÁDÍY-I-SAHHÁF

Outro ainda entre os que emigraram e vieram estabelecer-se perto de Bahá'u'lláh foi o encadernador de livros Muhammad-Hádí. Esse notável homem era de Isfáhán, e como encadernador e autor de iluminuras nos livros, não tinha quem com ele rivalizasse. Quando se entregou ao amor de Deus, estava atento ao caminho e destemido. Abandonou seu lar e começou uma terrível jornada, passando com extremo sofrimento de um país a outro até que atingiu a Terra Santa, onde foi aprisionado. Manteve-se junto ao Sagrado Limiar, varrendo-o com cuidado e mantendo vigília. Por meio de seus esforços constantes, a praça em frente à casa de Bahá'u'lláh estava sempre varrida, lavada e imaculada.

Freqüentemente Bahá'u'lláh contemplava aquele pedaço de terreno, sorria e dizia:

-- Muhammad-Hádí transformou a praça em frente a essa prisão no caramanchão nupcial de um palácio. Alegrou a todos os vizinhos e mereceu sua gratidão.

Ao terminar de varrer, lavar e limpar, ele retomava o trabalho, encadernando e desenhando as iluminuras de vários livros e Epístolas. Assim passava os seus dias, o coração feliz na presença do Amado da humanidade. Era uma excelente alma: correto, verdadeiro, merecedor da graça de estar unido ao seu Senhor, e livre do contágio do mundo.

Um dia veio a mim e queixou-se de um desconforto crônico.

-- Venho sofrendo de febre e calafrios há dois anos - disse - os médicos receitaram um purgante e quinino. A febre pára por alguns dias; e então retorna. Dão-me mais quinino, mas mesmo assim a febre retorna. Estou cansado dessa vida, e não mais posso fazer o meu trabalho. Salva-me!

-- De que tipo de alimento mais gostas? - perguntei - Que comida comerias com grande apetite?

-- Não sei - respondeu.

Brincando, fui citando os diferentes pratos. Quando falei em sopa de cevada com coalhada seca, ele disse:

-- Muito bem! Mas com a condição de que haja alho cozido nela.

Instruí para que esse prato fosse preparado para ele, e saí. No dia seguinte ele veio a mim e disse:

-- Tomei um prato inteiro da sopa. Depois deitei a cabeça no travesseiro e dormi em paz até de manhã.

Para resumir, desde aquela época, pelos próximos dois anos, ele esteve perfeitamente bem.

Um dia um dos devotos veio a mim e disse:

-- Muhammad-Hádí está queimando em febre. Corri para a sua cabeceira e encontrei-o com uma febre de 42° centígrados, quase inconsciente.

-- O que ele fez? - perguntei.

-- Quando ele ficou com febre - foi a resposta - ele disse saber pela própria experiência o que devia fazer. Então tomou um prato de sopa de cevada com coalhada seca e alho cozido e esse foi o resultado.

Fiquei estupefato com as obras do destino. Disse-lhes:

-- Há dois anos atrás, ele tinha sido totalmente curado e seu organismo estava limpo, pois como ele tinha um bom apetite e sua moléstia consistia de febre e calafrios, receitei-lhe uma sopa de cevada. Mas dessa vez, com os diferentes alimentos que ele havia ingerido, sem apetite, e especialmente com uma febre alta, não havia razão para diagnosticar o mal crônico anterior. Como foi ele tomar tal sopa!

Responderam:

-- Foi o destino! As coisas tinham ido longe demais; Muhammad-Hádí não mais poderia ser salvo.

Tinha ele estatura baixa, mas posição e mente sublimes. Seu coração era puro, sua alma luminosa. Durante todos aqueles dias em que serviu ao Sagrado Limiar, foi amado pelos amigos e favorecido por Deus. De tempos em tempos, com um sorriso nos lábios, a Abençoada Beleza falava com ele, expressando-lhe generosidade e graça.

Muhammad-Hádí foi sempre leal, e para ele todas as outras coisas que não fossem a satisfação dos desejos de Deus não passavam de ficção e fábulas - nada mais. Abençoado seja ele, por esse dom a ele conferido! Jubiloso esteja pelas boas-novas sobre o lugar ao qual vai ser conduzido. Que lhe faça bem esse cálice de vinho temperado na fonte canforada, e que todos os seus esforços encontrem gratidão e sejam aceitáveis a Deus.38

[26] Mirza MUHAMMAD-QULÍ

Jináb-i-Mirza Muhammad-Qulí39 foi um irmão leal da Abençoada Beleza. Esse grande homem tornara-se conhecido ainda em sua infância pela sua nobreza de alma. Era um recém-nascido quando seu ilustre pai faleceu, e assim aconteceu que do início ao fim de seus dias, ele passou a vida nos braços protetores de Bahá'u'lláh. Era desprendido de qualquer pensamento egoísta, avesso a qualquer outra menção que não fosse a algo concernente à Sagrada Causa. Fora educado na Pérsia aos cuidados de Bahá'u'lláh, e também no Iraque fora especialmente favorecido por Ele. Na presença de Bahá'u'lláh, era ele quem servia o chá; ajudava o "Irmão" em todos os momentos, durante o dia e à noite. Estava sempre em silêncio. Voltava-se decididamente para o Convênio de: "Não sou Eu o teu Senhor?" Estava cercado por amorosa bondade e graça; dia e noite tinha acesso à presença de Bahá'u'lláh; era invariavelmente paciente e resignado, até que no final atingiu as mais elevadas alturas do favor divino e aceitação.

Manteve-se sempre fiel à sua própria maneira de ser. Viajava na companhia de Bahá'u'lláh; do Iraque a Constantinopla, seguia ele com o comboio e nos lugares das paradas era o encarregado de armar as tendas. Servia com a maior diligência, não sabendo o significado de letargia e de fadiga. Também, em Constantinopla, e mais tarde na Terra do Mistério, Adrianópolis, ele continuou, na mesma e invariável disposição.

Com seu inigualável Senhor, foi então exilado para a fortaleza de 'Akká, condenado por ordem do Sultão à prisão perpétua.40 Entretanto, aceitava no mesmo espírito tudo o que lhe acontecia - conforto e tormento, sofrimento e alívio, doença e saúde; eloqüentemente, agradecia à Abençoada Beleza por todas as Suas graças, expressando louvor com o coração em liberdade e a face brilhante como o sol. A cada manhã e todas as noites ele servia a Bahá'u'lláh, deleitando-se com a Sua presença e nela se apoiando; e a maior parte do tempo mantinha-se em silêncio.

Quando o Amado de toda a humanidade ascendeu ao Reino dos Esplendores, Mirza Muhammad-Qulí permaneceu firme no Convênio, esquivando-se da astúcia, da malícia e da hipocrisia que então apareceram, devotando-se inteiramente a Deus, suplicando e orando. Àqueles que o ouviam deu ele sábios conselhos; relembrava os dias da Abençoada Beleza e lamentava o fato de ainda viver. Após a partida de Bahá'u'lláh, nenhuma vez relaxou; não buscava a companhia de ninguém, permanecendo só a maior parte do tempo em seu pequeno refúgio, ardendo com o fogo da separação. Dia a dia tornou-se mais fraco, mais desamparado, até que finalmente ascendeu ao mundo de Deus. Sobre ele repouse a paz; sobre ele repousem louvor e misericórdia, nos jardins do Paraíso. Sua sepultura luminosa está em Naqíb, perto de Tiberias.

[27] USTÁD BÁQIR E USTÁD AHMAD

E mais uma vez, entre aqueles que deixaram a sua pátria, havia dois carpinteiros, Ustád Báqir e Ustád Ahmad. Eram dois irmãos, de pura linhagem, e nativos de Káshán. Desde o momento em que ambos se tornaram seguidores da Fé, seguraram-se um ao outro em um abraço. Atenderam à voz de Deus, e ao Seu chamado de: "Não sou Eu o teu Senhor?" E responderam: "Sim, verdadeiramente!"

Por algum tempo permaneceram em seu próprio país, ocupados com a lembrança de Deus, distinguindo-se pela fé e pelo conhecimento, respeitados de igual modo por amigos e estranhos, conhecidos de todos por sua correção e fidedignidade, pela sua austeridade de vida e temor a Deus. Quando o opressor estendeu as mãos contra eles, atormentando-os além do suportável, emigraram para o Iraque, para os cuidados protetores de Bahá'u'lláh. Eram duas almas muito abençoadas. Por algum tempo permaneceram no Iraque, orando na maior humildade e suplicando a Deus.

Então, Ustád Ahmad partiu para Adrianópolis, enquanto Ustád Báqir permanecia no Iraque, tendo sido feito prisioneiro e levado para Mosul. Ustád Ahmad seguiu com o grupo de Bahá'u'lláh para a Maior Prisão, e Ustád Báqir emigrou de Mosul para 'Akká. Ambos os irmãos estavam sob a proteção de Deus e livres de qualquer apego terreno. Na prisão trabalhavam em seu ofício, isolados e distantes igualmente de amigos e estranhos. Tranqüilos, dignos, confiantes e fortes em sua fé, abrigados pelo Todo-Misericordioso, alegremente passaram os seus dias. Ustád Báqir foi o primeiro a morrer, e algum tempo depois seu irmão o seguiu.

Esses dois foram firmes seguidores, leais, pacientes, gratos em todos os momentos, em todos os momentos suplicando humildemente a Deus, com suas faces voltadas em Sua direção. Durante a longa permanência na prisão nunca negligenciaram seus deveres, nunca deixaram de cumpri-los. Estavam constantemente alegres, pois haviam bebido profundamente do cálice sagrado; e quando ascenderam às alturas, para fora desse mundo, os amigos choraram sua partida, e pediram que pela graça de Bahá'u'lláh fossem favorecidos e perdoados. Esses dois estavam envoltos nas bênçãos e apoio divinos, e a Abençoada Beleza mostrava-se contente com ambos; munidos com essa bagagem para sua jornada, encaminharam-se ao mundo vindouro. Que sobre eles dois repouse a glória de Deus, o Todo-Glorioso; que para cada um haja um assento da verdade41 no Reino dos Esplendores.

[28] MUHAMMAD HANÁ-SÁB

Esse homem de dignidade e elevada estatura social, Áqá Muhammad, foi mais um entre aqueles que abandonaram seus lares, e um dos primeiros a crer. Desde os primeiros sinais da Alvorada, tornou-se amplamente conhecido como um amante da Maior Luz. Encontrava-se ele então em Isfáhán, e fechando os olhos a esse mundo e também ao vindouro42, abriu-os para a beleza dAquele que incorpora tudo aquilo que é digno de ser amado.43

Áqá Muhammad não pôde mais encontrar repouso, pois havia sido revivificado pelo hálito almiscarado de Deus; seu coração estava aceso; inalava a fragrância sagrada, tinha olhos para ver e ouvidos para ouvir. Guiou um certo número de almas, permanecendo sincero e leal para com a grande Causa. Suportou terríveis perseguições e tormentos, mas nunca fraquejou. Foi então favorecido pelo Rei dos Mártires, tendo se tornado um servidor de confiança do Amado dos Mártires44, servindo-os por muitos anos. Recebeu confirmações em seu trabalho, e em muitas ocasiões o Rei dos Mártires expressou-lhe a sua satisfação, dizendo:

- Esse homem é uma daquelas almas que estão em paz; está contente com seu Senhor, e a Ele dá contentamento.45 Sua fé é genuína, ele ama a Deus, tem um bom caráter e leva uma vida correta. É também um companheiro agradável e eloqüente.

Depois da execução do Rei dos Mártires, Áqá Muhammad permaneceu por algum tempo em Isfáhán, consumido pelo luto. Finalmente emigrou rumo à Maior Prisão, onde foi recebido por Bahá'u'lláh, recebendo a alta honraria de varrer o chão junto ao Limiar. Era paciente, resignado, um verdadeiro amigo e companheiro. Então assolou-nos a Aflição Suprema, e Áqá Muhammad foi tomado de tal angústia que não conseguia repousar por um momento sequer. Todas as manhãs, ao alvorecer, levantava-se e varria o terreno em volta da casa de Bahá'u'lláh, as lágrimas escorrendo copiosamente como a chuva, enquanto entoava orações.

Como era santo, que grande homem era! Sem poder suportar a separação por muito tempo, ele faleceu, apressando-se ao mundo de luzes, à Assembléia onde a beleza de Deus é desvelada. Que Deus derrame sobre sua sepultura raios vindos dos domínios da misericórdia, e embale seu espírito no coração do Paraíso. Que Deus exalte sua posição nos jardins do alto. Seu brilhante túmulo está em 'Akká.

[29] HÁJÍ FARAJU'LLÁH TAFRÍSHÍ

Outro ainda a deixar a sua terra natal para viver nas cercanias de Bahá'u'lláh foi Faraju'lláh Tafríshí. Esse abençoado ser foi, desde a sua juventude, um servo de Bahá'u'lláh, e junto com seu respeitado pai, Áqá Lutfu'lláh, emigrou da Pérsia para Adrianópolis. Áqá Lutfu'lláh era um firme seguidor, amorosamente devotado à Abençoada Beleza. Paciente, resignado, completamente indiferente a esse mundo e às suas vaidades, vivia ele contente nas vizinhanças de Bahá'u'lláh; e então humildemente junto ao Limiar, com o coração contrito, abandonou esta vida passageira e elevou-se para os ilimitados domínios do além. Seus almiscarados restos mortais estão em Adrianópolis.

Quanto a Hájí Faraju'lláh, continuou a viver naquela cidade, até o dia em que opressores sem misericórdia baniram Bahá'u'lláh para Ákká, e em Sua companhia o Hájí veio aqui, à Maior Prisão. Mais tarde, quando as privações transformaram-se em tranqüilidade, ele se dedicou ao comércio, tornando-se sócio de Muhammad-'Alí de Isfáhán. Por algum tempo viveu próspero e foi feliz. Recebeu, então, autorização para ir-se, e viajou para a Índia, onde permaneceu por um longo período até que alçasse vôo rumo aos jardins do perdão, entrando nos recintos da inefável misericórdia.

Esse servo da Abençoada Beleza estava unido aos devotos em suas aflições e calamidades, e a ele coube uma parcela desta angústia. Os favores de Bahá'u'lláh o circundavam, e ele se alegrava em meio à graça ilimitada. Estava entre os companheiros, associava-se estreitamente aos amigos, e tinha um coração dócil. Embora seu corpo estivesse magro e doente, ele era grato, aceitava sua condição, era paciente, e suportava as provações no caminho a Deus. Com ele estejam saudações e louvor; possa ele receber dádivas e bênçãos divinas; com ele esteja a glória de Deus, o Todo-Glorioso. Seu puro sepulcro fica em Bombaim, na Índia.

[30] ÁQÁ IBRÁHÍM-I-ISFÁHÁNÍ E SEUS IRMÃOS

E entre aqueles que emigraram e vieram a estabelecer-se na Terra Santa encontrava-se Áqá Ibráhím, um dos quatro honrados irmãos: Muhammad-Sádiq; Muhammad-Ibráhím; Áqá Habíbu'lláh; e Muhammad-'Alí. Esses quatro viviam em Bagdá com seu tio paterno, Áqá Muhammad-Ridá, conhecido por 'Aríd. Todos viviam na mesma casa, e ficavam juntos dia e noite. Como passarinhos, compartilhavam o mesmo ninho; sempre cheios de encanto e frescor, como as flores de um canteiro.

Quando a Antiga Beleza chegou ao Iraque, Sua casa era vizinha à deles, e assim desfrutavam eles da alegria de vê-Lo ir e vir. Pouco a pouco as maneiras do Senhor dos corações - o que fazia e o que deixava de fazer e a visão de Sua amorosa face - produziram seus efeitos; tornaram-se sedentos da Fé e passaram a buscar a Sua graça e favor. Apresentaram-se à porta de Sua casa, como se fossem flores ali desabrochando; e em pouco tempo estavam enamorados da luz que irradiava de Seu semblante; cativos da beleza dAquele querido Companheiro. Não precisaram, então, de professor; por si próprios, enxergaram através dos véus que os havia cegado antes, e atingiram o supremo desejo de seus corações.

Conforme ordenado pela Abençoada Beleza, Mirza Javád, de Turshíz, foi à casa deles uma noite. Mirza Javád pouco havia falado, antes que eles aceitassem a Fé. Não hesitaram por nem um instante, sendo a sua receptividade surpreendente. É esse o significado do verso do Alcorão: "...cujo azeite brilha, ainda que não lhe toque o fogo. É luz sobre luz!"46 Isto é, esse azeite foi tão bem preparado, está tão pronto para ser aceso, que quase pega fogo por si só, embora não haja qualquer chama por perto; o que significa que a capacidade para a fé, e o seu merecimento, pode ser tão grande, que sem que se comunique uma simples palavra, a luz é capaz de brilhar. Dessa maneira aconteceu com esses homens de coração puro; verdadeiramente eram leais, firmes e devotados a Deus.

O irmão mais velho, Muhammad-Sádiq, acompanhou Bahá'u'lláh do Iraque a Constantinopla, e dali a Adrianópolis, onde viveu feliz por algum tempo, perto de seu Senhor. Era humilde, suportador de sofrimentos, grato; havia sempre um sorriso em seus lábios; tinha o coração leve e sua alma estava apaixonada por Bahá'u'lláh. Mais tarde foi autorizado a retornar ao Iraque, pois lá estava sua família, tendo permanecido naquela cidade por algum tempo, sonhando e relembrando.

Então uma grande calamidade ocorreu no Iraque, e os quatro irmãos foram aprisionados junto com seu nobre tio. Perseguidos, feitos cativos, foram levados a Mosul. O tio, Áqá Muhammad-Ridá, era um homem idoso, de mente iluminada, de coração espiritualizado, um homem desapegado de todas as coisas mundanas. Havia sido extremamente rico no Iraque, desfrutando de confortos e prazeres, mas agora em Hadbá - Mosul - tornara-se a principal vítima entre os prisioneiros, e passava por terríveis necessidades. Ainda que destituído, conservava-se digno, paciente, contente, grato. Mantinha-se discretamente isolado, e louvava a Deus dia e noite, até a sua morte. Entregou seu coração ao seu Amor, livrou-se dos grilhões desse mundo inconstante e ascendeu ao Reino que dura para sempre. Possa Deus imergi-lo nas águas do perdão, fazê-lo entrar no jardim de Sua compaixão e favor, e conservá-lo no Paraíso até o final dos tempos.

Quanto a Muhammad-Sádiq, também ele, em Mosul, foi submetido a sofrimentos no caminho de Deus. Ele era, também, uma alma tranqüila, contente com seu Senhor e pronto a contentá-Lo. No final, também ele respondeu à voz do Rei da Glória: "Senhor, aqui estou!" - vindo a cumprir os versos: "Ó tu alma em paz, retorna ao teu Senhor, satisfeita (com Ele) e Ele satisfeito (contigo). Entra no número dos Meus servos; e entra no Meu Jardim."47

E Muhammad-'Alí, uma vez livre do cativeiro, apressou-se a deixar Mosul rumo à Terra Santa, aos recintos da graça inexaurível. Aqui ele ainda vive. Embora passe por privações, seu coração está em paz. Quanto a seu irmão Ibráhím, a quem nos referimos acima, também ele veio de Mosul para 'Akká, para uma região vizinha. Lá, com paciência, calma, contentamento, mas dificuldade, dedicou-se ao comércio. Porém, dia e noite, chorava a ascensão de Bahá'u'lláh. Humilde e contrito, com a face voltada para os misteriosos domínios de Deus, ele consumiu a sua vida. Ao final, desgastado pelos anos, mau podendo movimentar-se, veio para Haifa, onde encontrou um lugar para morar num abrigo para viajantes, e passou o seu tempo humildemente invocando a Deus, implorando-Lhe e oferecendo-Lhe louvor. Pouco a pouco, consumido pela idade, iniciou-se a dissolução de sua pessoa, e ao final ele despiu as vestes da carne, e com o espírito despojado, alçou vôo aos domínios do Todo-Misericordioso. Foi transportado para fora dessa vida sombria para os ares brilhantes e mergulhado em um mar de Luz. Que Deus ilumine a sua sepultura com raios difusos, e acalente seu espírito com os sopros da compaixão divina. Que sobre ele esteja a misericórdia de Deus e o Seu favor.

Quanto a Áqá Habíbu' lláh, também ele foi feito cativo no Iraque e banido para Mosul. Por muito tempo, viveu naquela cidade, passando por dificuldades, mas permaneceu contente, com sua fé aumentando dia a dia. Quando a fome chegou a Mosul, a vida tornou-se mais difícil para os forasteiros, mas na lembrança de Deus seus corações encontravam paz,48 e suas almas comiam do alimento do Paraíso. Assim, suportaram tudo com impressionante paciência, e o povo se perguntava quem eram esses forasteiros em seu meio, que não se mostravam desesperados e nem aterrorizados como estavam os outros, e que continuavam, dia e noite, a oferecer-Lhe louvor. "Que surpreendente confiança" - diziam - "têm em Deus!"

Habíb era um homem dotado de extrema paciência e um coração cheio de alegria. Acostumara-se ao exílio e vivia em um estado de enternecido amor. Após a partida de Bagdá, os prisioneiros de Mosul eram constantemente objeto de menção por Bahá'u'lláh; com relação a eles, expressou Ele Seu infinito favor. Alguns anos mais tarde, Habíb apressou-se à envolvente misericórdia de Deus, e encontrou um ninho e refúgio nos ramos da Árvore Celestial. Lá, no Paraíso de todas as delícias, com maravilhosas canções, ele derramou louvores ao Senhor generoso.

[31] ÁQÁ MUHAMMAD-IBRÁHÍM

Muhammad-Ibráhím, que tinha o título de Mansúr - Vitorioso - era um artesão em cobre. Esse homem de Deus, outro ainda entre os emigrantes e colonizadores, era nativo de Káshán. No florescer de sua juventude ele reconheceu a recém-nascida Luz e bebeu profundamente do cálice sagrado que é "temperado na fonte canforada".49 Era um homem de temperamento agradável, cheio de prazer e alegria de viver. Tão logo a chama da fé foi acesa em seu coração, deixou Káshán, viajou a Bagdá, e foi honrado a comparecer à presença de Bahá'u'lláh.

Áqá Muhammad era dono de um belo dom poético e criava versos como um fio de pérolas. Em Zawrá - ou seja, Bagdá, a Morada da Paz - era amigo de todos, tanto estranhos e como conhecidos, sempre procurando mostrar amorosa generosidade a todos. Trouxe seus irmãos da Pérsia para Bagdá, e abriu uma loja de artes e artesanatos, dedicando-se ao bem-estar de outros. Também ele foi aprisionado e exilado de Bagdá para Mosul, depois do que viajou para Haifa onde, dia e noite, humilde e modesto, entoava orações e súplicas e concentrava seus pensamentos em Deus.

Permaneceu em Haifa por um longo tempo, ali servindo com sucesso aos crentes, e humilde e discretamente atendendo as necessidades dos viajantes. Ele se casou naquela cidade, e foi pai de lindas crianças. Para ele cada dia era uma nova vida e uma nova alegria, e todo e qualquer dinheiro que ganhava gastava com estranhos e amigos. Após a execução do Rei dos Mártires, ele escreveu uma elegia em homenagem àquele que havia tombado nos campos da angústia, e recitou a sua ode na presença de Bahá'u'lláh; as linhas eram extremamente tocantes, e todos os que ali estavam derramaram lágrimas, e vozes se levantaram em pesar.

Áqá Muhammad continuou a viver a sua vida com objetivos elevados, sempre com a mesma disposição interna, com fervor e amor. Então deu as boas-vindas à morte, rindo como uma rosa que desabrochasse de repente, e clamando: "Aqui estou!" Assim ele deixou Haifa, trocando-a pelo mundo do alto. Dessa estreita faixa de terra apressou-se ele aos céus para o Bem-Amado, elevou-se desta pilha de pó para armar a sua tenda em um lugar lindo e radiante. Abençoado seja, e que tenha um bom lar.50 Que Deus o envolva em Sua misericórdia; que repouse sob os tabernáculos do perdão e possa ser conduzido aos jardins do Paraíso.

[32] ZAYNU'L-'ÁBIDÍN YAZDÍ

Um dos emigrantes que faleceu enquanto dirigia-se para a Terra Santa foi Zaynu'l-'Ábidín, de Yazd. Quando, em Manshád, esse homem devotado ouviu pela primeira vez o grito de Deus, foi despertado para uma vida desassossegada. Uma paixão sagrada o sacudia, sua alma era renovada. A luz da guia flamejava na lâmpada do seu coração; o amor de Deus acendera a faísca de uma revolução no país de seu eu interior. Levado pelo amor pela beleza do Bem-Amado, ele deixou o lar que lhe era querido e rumou para a Terra Santa.

Enquanto viajava com seus dois filhos, contente com a esperança do encontro que seria seu, pausava em cada topo de montanha, em cada planície, vila e aldeia para visitar os amigos. Porém, a grande distância que se estendia à sua frente transformou-se em um mar de dificuldades, e embora seu espírito ansiasse, seu corpo se enfraquecia, e no final caiu doente e perdeu as forças; tudo isso tendo se passado quando ele nem mesmo tinha casa.

Doente como estava, ele não renunciou à viagem, nem fraquejou em sua decisão; tinha espantosa força de vontade, e estava determinado a prosseguir; mas a doença piorava a cada dia, até que finalmente ele alçou vôo rumo à misericórdia de Deus, e entregou sua alma em meio a um desejo insatisfeito.

Embora seus olhos exteriores nunca tenham esvaziado a taça do encontro, nunca fitado a beleza de Bahá'u'lláh, ainda assim alcançou a própria essência da comunhão espiritual; é considerado como um daqueles que alcançaram a Presença, e para ele a recompensa daqueles que alcançaram a Presença está fixada e determinada. Era uma alma sem mancha, leal, devotada e verdadeira. Nunca respirou a não ser em honestidade, e seu único desejo era adorar o seu Senhor. Caminhava pelos caminhos do amor; era conhecido por todos pela inabalável lealdade e pura intenção. Que Deus lhe encha a taça da reunião no país da justiça, faça-o entrar no Reino eterno, e console seus olhos com a contemplação das luzes daquele misterioso Domínio.

[33] HÁJÍ MULLÁ MIHDÍY-I-YAZDÍ

Ainda outro a deixar a sua terra natal foi Mullá Mihdí, de Yazd. Embora aparentemente esse excelente homem não pertencesse à classe dos eruditos, era um especialista no campo das tradições sagradas islâmicas e um intérprete eloqüente dos textos oralmente transmitidos. Perseverando em suas devoções, conhecido pelas práticas sagradas e comunhões e vigílias noturnas, seu coração era iluminado, e era espiritualizado tanto na mente como na alma. Passava a maior parte do tempo repetindo palavras sagradas, fazendo as orações obrigatórias, confessando as suas faltas e suplicando a Deus. Era daqueles que conseguem penetrar nos mistérios, um confidente dos retos. Como instrutor da Causa nunca lhe faltavam palavras, esquecendo-se, enquanto ensinava, de todas as reservas, deixando jorrar, um após o outro, os textos e tradições sagrados.

Quando as notícias sobre ele espalharam-se pela cidade, e por toda parte acusaram-no, tanto príncipes como mendigos, por estar portando esse novo nome, ele livremente declarou a sua adesão e por esse motivo caiu em desgraça. Então os cruéis 'ulamás de Yazd levantaram-se, emitindo um decreto que determinava sua morte. Como o mujtahid, Mullá Báqir de Ardikán, se recusasse a confirmar a sentença daqueles sombrios sacerdotes, Mullá Mihdí sobreviveu, mas foi forçado a deixar sua terra natal. Com seus dois filhos, um deles o grande futuro mártir Jináb-i-Varqá, e o outro Jináb-i-Husayn, dirigiu-se ao país onde estava seu Bem-Amado. Em toda cidade ou vila ao longo do caminho, ele, de maneira magistral, difundiu a Fé, apresentando argumentos e provas claras, citando e interpretando as tradições sagradas e sinais evidentes.51 Não descansou por um momento; por toda a parte ele irradiou o perfume do amor de Deus, e difundiu o doce hálito da santidade. Inspirava os amigos, fazendo-os, por sua vez, ansiosos por ensinar a outros e por sobressaírem por seu conhecimento.

Era uma alma eminente, com um coração que se fixava na beleza de Deus. Desde o dia em que foi criado e em que veio a esse mundo, seu propósito foi o de devotar todos os seus esforços à aquisição de graças para o dia em que nascesse para o próximo.52 Seu coração era iluminado, sua mente espiritual, sua alma anelante, seu destino o Paraíso. Foi preso em meio à sua jornada, e à medida que cruzava os desertos e subia e descia as encostas das montanhas suportou terríveis, inumeráveis provações. Entretanto, a luz da fé brilhava em seu semblante e em seu peito flamejava o anseio, e assim ele com alegria e júbilo atravessou as fronteiras, até que finalmente veio ter em Beirute. Naquela cidade, doente, irrequieto, desassossegado, permaneceu por alguns dias. Sua ansiedade crescia, e sua agitação era tanta que, fraco e doente como estava, ele não pôde esperar mais.

Saiu a pé rumo à casa de Bahá'u'lláh. Como não tinha sapatos adequados para a viagem, seus pés estavam feridos e dilacerados; sua doença piorava; quase não podia se mover, mas mesmo assim seguia em frente; conseguiu alcançar a vila de Mazra'ih e aqui, perto da Mansão, faleceu. Seu coração encontrou o Bem-Amado, quando não mais suportava a separação. Que essa estória sirva de admoestação para os amantes; que saibam como arriscou ele a sua vida em seu anelo pela Luz do Mundo. Que Deus lhe dê de beber de uma taça transbordante nos jardins eternos; na Assembléia Suprema, que Deus derrame sobre seu semblante raios de luz. Que com ele esteja a glória do Senhor. Seu túmulo santificado está em Mazra'ih, ao lado de 'Akká.

[34] SUA EMINÊNCIA KALÍM (Mirza MÚSÁ)

Jináb-i-Mirza Músá era um verdadeiro irmão de Bahá'u'lláh, e desde a mais tenra infância fora educado nos braços protetores do Maior Nome. Bebeu do amor de Deus junto com o leite de sua mãe; ainda bebê, mostrava um extraordinário apego à Abençoada Beleza. Em todos os momentos era objeto da graça Divina, de Seu favor e amorosa generosidade. Depois da morte de seu ilustre pai, Mirza Músá fora educado por Bahá'u'lláh, crescendo para a maturidade no abrigo de Seus cuidados. Dia a dia, cresciam a servitude e devoção deste jovem. Em todas as coisas, ele vivia de acordo com os mandamentos, e era inteiramente desligado de todo e qualquer pensamento deste mundo.

Como uma lâmpada brilhante, ele cintilava naquela Residência. Não queria posição e nem função, e não tinha quaisquer objetivos mundanos. Seu único e supremo desejo era o de servir a Bahá'u'lláh, e por esse motivo nunca se separou da presença do Irmão. Independentemente dos tormentos infligidos pelos outros, a sua lealdade igualava-se à crueldade do resto, pois havia bebido do vinho do amor genuíno.

Então, ouviu-se a voz clamando de Shíráz, e com uma única palavra de Bahá'u'lláh seu coração enchera-se de luz, e de uma única lufada de vento que soprara sobre os jardins da fé, ele sentiu a fragrância. Imediatamente, começou a servir aos amigos. Tinha um apego extraordinário a mim, e estava continuamente preocupado com o meu bem-estar. Em Teerã, ocupou-se dia e noite da propagação da Fé e gradualmente tornou-se conhecido por todos; habitualmente passava seu tempo na companhia de almas abençoadas.

Bahá'u'lláh, então, deixou Teerã, viajou ao Iraque, e dentre Seus irmãos, os dois que estavam em Sua companhia eram Áqáy-i-Kalím53 e Mirza Muhammad-Qulí. Voltaram as faces para longe da Pérsia e dos persas, e fecharam os olhos ao conforto e à paz; no caminho do Bem-Amado escolheram, com todo o coração, suportar qualquer calamidade que lhes fosse destinada.

Então, chegaram ao Iraque. Durante os dias em que Bahá'u'lláh desaparecera, isto é, quando estava na viagem para o Curdistão, Áqáy-i-Kalím vivera à beira de um abismo; sua vida corria constante perigo, e cada dia que passava era pior do que o anterior; no entanto, ele tudo suportara, desconhecendo o medo. Quando finalmente a Abençoada Beleza retornou do Curdistão, Áqáy-i-Kalím retomou seu posto no Sagrado Limiar, prestando-Lhe todos os serviços que podia. Por isso tornou-se famoso por toda a região. Quando Bahá'u'lláh deixou Bagdá rumo a Constantinopla, Áqáy-i-Kalím estava com Ele e continuou a servi-Lo ao longo do caminho, assim como fez na viagem de Constantinopla a Adrianópolis.

Foi durante a estada nessa última cidade que detectou em Mirza Yahyá o odor da rebelião. Dia e noite tentou fazer com que ele corrigisse suas atitudes, mas tudo foi inútil. Ao contrário, era espantoso como, tal e qual um veneno mortal, as tentações e satânicas sugestões de Siyyid Muhammad influenciavam Mirza Yahyá, de modo que Áqáy-i-Kalím finalmente abandonou a esperança. Mesmo assim ele nunca deixou de tentar, pensando que de alguma maneira, talvez, pudesse acalmar a tempestade e salvar Mirza Yahyá do abismo. Seu coração estava desgastado pelo desespero e tristeza. Tentou tudo o que sabia. Finalmente, teve de admitir a verdade dessas palavras de Sana'í:

Se para o idiota fosse trazer o meu saber,
Ou pensasse poderem os meus segredos
Serem ditos àquele que não é sábio
Então para o surdo vai dedilhar a harpa e cantar
Ou colocar ante o cego e segurar
Um espelho diante de seus olhos.

Quando toda a esperança se fora, ele deu por terminada a relação dizendo: "Ó, meu irmão, se outros têm dúvidas quanto a esse assunto, tu e eu sabemos a verdade. Tu esqueceste da amorosa ternura de Bahá'u'lláh, e como Ele educou a nós ambos? Do cuidado que tomava com as tuas lições e com a tua grafia; como constantemente corrigia a tua ortografia e redação, como te encorajou a praticar os diferentes estilos caligráficos; até mesmo guiou a tua cópia com os Seus próprios dedos abençoados. Quem não saberá como derramou Ele bênçãos sobre ti, como te criou no refúgio do Seu abraço. É assim que Lhe agradeces por toda a Sua ternura - conspirando com Siyyid Muhammad e desertando do abrigo de Bahá'u'lláh? É essa a tua lealdade? É essa a maneira correta de retribuir o Seu amor?" As palavras, entretanto, não produziam qualquer efeito; ao contrário, a cada dia que passava Mirza Yahyá revelava mais e mais as suas intenções secretas. Então, finalmente, deu-se a ruptura final.

De Adrianópolis, Áqáy-i-Kalím seguiu com a escolta de Bahá'u'lláh, rumo à fortaleza de 'Akká. Seu nome estava especificamente mencionado no decreto do Sultão, e ele estava condenado ao banimento perpétuo.54 Devotou todo o seu tempo a servir Bahá'u'lláh na Maior Prisão, e teve a honra de estar continuamente na presença do Irmão. Também, ajudava recebendo os devotos; até que finalmente deixou esse mundo de pó e apressou-se ao mundo sagrado no alto, morrendo com humildade e contrição, conforme suplicara ao seu Senhor.

Aconteceu que durante o período em Bagdá, o famoso Ílkhání, filho de Músá Khán-i-Qazvíní, recebeu por meio de Siyyd Javád-i-Tabátabá'í uma audiência com Bahá'u'lláh. Siyyid Javád naquela ocasião fez um apelo em favor do Ílkhání, dizendo: "Esse Ílkhání, 'Alí-Qulí Khán, embora pecador e por toda a vida um escravo de suas paixões, agora arrependeu-se. Ele está postado diante de Ti, lamentando os seus dias passados, e deste dia em diante ele nem mesmo respirará se tal for contrário à Tua vontade. Eu Te suplico, aceita o seu arrependimento; faze-o objeto de Tua graça e favor."

Bahá'u'lláh respondeu: "Por haver ele escolhido a ti como intercessor, ocultarei seus pecados, e tomarei as providências para trazer-lhe conforto e paz de espírito."

O Ílkhání fora um homem de riqueza ilimitada, mas havia dissipado tudo nos desejos da carne. Estava agora destituído, a tal ponto que não tinha coragem de nem aventurar-se para fora da casa, por causa dos credores que ali esperavam para jogarem-se sobre ele.

Bahá'u'lláh orientou-o a dirigir-se a 'Umar Páshá, governador de Damasco, e dele conseguir uma carta de recomendação para Constantinopla. O Ílkhání anuiu, e recebeu toda a assistência do governador de Bagdá. Depois do completo desespero, ele começara a ter esperanças de novo, e seguiu para Constantinopla. Ao chegar a Díyárbakr55 escreveu uma carta em favor de dois mercadores armênios. "Esses dois estão prestes a seguir para Bagdá" - dizia a carta. "Eles me demonstraram toda a cortesia, e também me pediram uma carta de apresentação. Eles não têm refúgio e nem abrigo, a não ser a Tua graça; assim suplico-Te que lhes mostre boa vontade." O envelope estava sobrescrito da seguinte maneira: "Á Sua Eminência Bahá'u'lláh, Líder dos Bábís." Os mercadores apresentaram essa carta a Bahá'u'lláh à entrada da ponte, e quando Ele lhes perguntou como a obtiveram, a resposta foi: "Em Díyárbakr, o Ílkhání deu-nos detalhes desta Causa." Então, acompanharam-No à Sua casa.

Quando Bahá'u'lláh entrou nos aposentos da família, Áqáy-i-Kalím lá estava para encontrá-Lo. Bahá'u'lláh gritou: "Kalím, Kalím! A fama da Causa de Deus alcançou Díyárbakr!" E sorria, cheio de júbilo.

Mirza Músá foi realmente um verdadeiro irmão para a Abençoada Beleza; por isso permaneceu firme, sob todas as condições, até o fim. Receba ele louvores e saudações, e o sopro da vida e da glória; sobre ele estejam misericórdia e graça.

[35] HÁJÍ MUHAMMAD KHÁN

Outro ainda que deixou a sua casa e veio a estabelecer-se ao redor de Bahá'u'lláh foi Hájí Muhammad Khán. Esse homem ilustre, natural de Sístán, era um Balúch. Ainda muito jovem, se inflamou e tornou-se um místico - um 'áríf, ou adepto. Como um dervixe errante, completamente desapegado, deixou seu lar e, seguindo as regras dos dervixes, viajou por várias regiões em busca de seu murshid, seu líder perfeito, pois ansiava, como diriam os dervixes Qalandar, descobrir o "sacerdote dos Magos", ou guia espiritual.

Por todas as partes levou a sua busca. Falava com todos aqueles a quem encontrava. Entretanto, o objeto de seus anseios era o doce perfume do amor de Deus, e isso não conseguia em ninguém detectar, fosse gnóstico ou filósofo, ou membro da seita Shaykhí. Tudo o que conseguia enxergar nos dervixes eram os seus tufos de barba e sua religião de mendicância, de mãos estendidas. Eram "dervishes" - pobres em tudo salvo em Deus - apenas no nome; tudo que lhes interessava, parecia-lhe, era o que vinha parar em suas mãos. Tampouco encontrou iluminação entre os "Illuminati",56 nada tendo ouvido deles exceto fúteis discussões. Observou que sua grandiloqüência não era eloqüência, e que as suas sutilezas nada mais eram que fugazes figuras de linguagem. Não estava ali a verdade; o âmago do significado interior estava ausente. Porquanto a filosofia verdadeira é aquela que produz recompensas de excelência, e entre esses eruditos não se podia encontrar tal fruto; no apogeu de sua erudição, tornavam-se escravos do vício, viviam uma vida displicente e adquiriam características pessoais desonrosas. Para ele, estavam destituídos de tudo aquilo que poderia constituir as características mais elevadas e distintivas da humanidade.

Quanto ao grupo Shaykhí, sua essência não existia mais, a sua semente desaparecera, deixando para trás apenas a casca; a maior parte de sua dialética eram tolices e superficialidades.

Portanto, no momento em que ouviu o chamado do Reino de Deus, ele gritou: "Sim, verdadeiramente!" e partiu como o vento do deserto. Viajou por vastas distâncias, chegou à Maior Prisão e atingiu a presença de Bahá'u'lláh. Quando os seus olhos pousaram nAquele Semblante radiante, ele foi imediatamente capturado. Retornou à Pérsia de maneira que pudesse encontrar as pessoas que professavam estar seguindo o Caminho, aqueles amigos de outros tempos que buscavam a Verdade, e lidar com eles da maneira exigida por sua lealdade e seu dever.

Tanto na ida como na volta, o Hájí foi a cada um de seus amigos, reuniu-se com eles, e fez com que cada um deles ouvisse a nova canção do Céu. Chegando à sua terra natal, colocou em ordem os negócios da família, deixando o necessário para todos, cuidando da segurança, felicidade e conforto de cada um. Depois disso, despediu-se de todos. Aos parentes, à sua mulher, filhos e familiares, disse: "Não me procurem novamente; não esperem pelo meu retorno."

Tomou um cajado e afastou-se; cruzou montanhas e planícies procurando e encontrando os místicos, seus amigos. Em sua primeira viagem, foi até o falecido Mirza Yúsuf Khán (Mustawfíyu'l-Mamálik), em Teerã. Depois que terminou de falar, Yúsuf Khán expressou um desejo, e declarou que se tal desejo fosse atendido, ele acreditaria; o desejo era o de ter um filho. Caso tal bênção fosse sua, Yúsuf Khán estaria ganho. O Hájí relatou essa estória a Bahá'u'lláh, e como resposta recebeu uma promessa firme. Assim, quando o Hájí encontrou-se com Yúsuf Khán em sua segunda viagem, viu-o com uma criança nos braços. "Mirza" - gritou o Hájí - "louvado seja Deus! Teu teste demonstrou a verdade. Apanhaste o teu pássaro da alegria."

Hájí Muhammad foi então ao ditoso futuro mártir, o Rei dos Mártires, e pediu-lhe que intercedesse, de modo que ele, o Hájí, pudesse ser autorizado a manter vigilância à porta de Bahá'u'lláh. O Rei dos Mártires enviou essa solicitação por carta, depois do que Hájí Khán chegou à Maior Prisão e fez o seu lar na vizinhança de seu amoroso Amigo. Desfrutou dessa honra por um longo tempo, e mais tarde, também no jardim de Mazra'ih, estava ele freqüentemente na presença de Bahá'u'lláh. Depois da ascensão do Bem-Amado, Hájí Khán permaneceu leal ao Convênio e ao Testamento, afastando os hipócritas. Finalmente, enquanto este servo que vos relata estava ausente viajando à Europa e à América, o Hájí encaminhou-se à hospedaria para viajantes no Haziratu'l-Quds; e aqui, junto ao Santuário do Báb, alçou vôo para o mundo do alto.

Que Deus refresque seu espírito com o ar almiscarado do Reino de Abhá, e os doces aromas da santidade que sopram do mais alto Paraíso. Com ele estejam saudações e louvor. Seu brilhante túmulo está em Haifa.

[36] ÁQÁ MUHAMMAD-IBRÁHÍM AMÍR

Muhammad-Ibráhím Amír veio de Nayríz. Era uma pessoa abençoada como uma taça cheia com o vinho tinto da fé. À época em que se deixou cativar pelo suave Amado, estava na flor da sua juventude. Cairia como uma presa na armadilha de seus opressores, quando, em seguida ao levante em Nayríz e a todo aquele sofrimento, seus perseguidores o capturaram. Três farráshes imobilizaram-lhe os braços e amarraram-lhe as mãos nas costas, mas o Amír, com toda a sua força, rompeu as cordas que o prendiam, tomou de um punhal que estava na cintura de um dos farráshes, salvou-se e escapou para o Iraque. Naquelas terras, pôs-se a escrever os versos sagrados e mais tarde ganhou a honra de servir no Sagrado Limiar. Firme e constante, permanecia a postos dia e noite. Durante a viagem de Bagdá a Constantinopla, e depois a Adrianópolis, culminando na Maior Prisão, estava sempre pronto a servir. Casou-se com Habíbih, uma serva de Deus que também servia no Limiar, e sua filha Badí'ih tornar-se-ia a esposa do falecido Husayn-Áqá Qahvih-chí.

Assim o Amír foi constante no serviço por toda a sua vida; mas após a ascensão de Bahá'u'lláh sua saúde piorou rapidamente, e finalmente ele deixou esse mundo do pó e apressou-se ao mundo puro do Alto. Que Deus ilumine o seu lugar de descanso com raios dos domínios do Alto. Com ele estejam saudações e louvor. Seu brilhante santuário fica em 'Akká.

[37] Mirza MIHDÍY-I-KÁSHANÍ

Esse homem honrado, Mirza Mihdí, era de Káshán. No início de sua juventude, sob a tutela do pai, estudara as ciências e as artes, e havia se tornado exímio compositor em prosa e verso, assim como na caligrafia conhecida por shikastih57. Ele se destacava dos companheiros, estando bem acima deles. Ainda criança, aprendera sobre o Advento do Senhor, ardera por este amor, e tornara-se um dos que "deram tudo o que tinham para comprar José". Era chefe dos buscadores, ansioso, senhor dos amantes; eloqüentemente começou a ensinar a Fé para provar a validade da Manifestação.

Converteu alguns; e porque ansiava por Deus, tornou-se objeto de risos em Káshán, desprezado por amigos e por desconhecidos, exposto ao escárnio de seus incrédulos companheiros. Um deles dizia:

-- Ele perdeu a razão.
E outro:

-- Ele é uma desgraça pública. A sorte voltou-se contra ele. Está acabado.

Os fanfarrões zombavam dele, e não o poupavam. Quando a vida tornou-se insuportável e, no final, uma guerra aberta irrompeu-se contra ele, deixou sua terra natal e viajou para o Iraque, o centro focal da nova Luz, onde ganhou a presença do Amado de toda a humanidade.

Ali, passou algum tempo, na companhia dos amigos, compondo versos que cantavam os louvores a Bahá'u'lláh. Mais tarde foi autorizado a voltar para casa, e voltou para viver por algum tempo em Káshán. Mas novamente foi perseguido pelo anelo do amor, e não mais pôde suportar a separação. Voltou então a Bagdá, trazendo com ele sua respeitável irmã, a terceira consorte de Bahá'u'lláh.

Lá permaneceu, sob a abençoada proteção de Bahá'u'lláh, até que a escolta deixou o Iraque rumo à Constantinopla, quando Mirza Mihdí foi orientado a permanecer e guardar a Residência Sagrada. Desassossegado, consumido pelo anseio, ele ficou. Quando os amigos foram banidos de Bagdá para Mosul, ele estava entre os prisioneiros, vitimado como os demais. Em meio a grandes dificuldades chegou a Mosul, mas ali novas calamidades o esperavam; esteve doente a maior parte do tempo, era um marginal, um destituído. Ainda assim suportou tudo por um considerável período de tempo, foi paciente, manteve a dignidade, e constantemente dava graças a Deus. Finalmente não mais conseguiu suportar a ausência de Bahá'u'lláh. Pediu permissão e a obteve para dirigir-se à Maior Prisão.

Como o caminho era longo e difícil, sofrendo cruelmente durante a viagem, ao chegar à prisão de 'Akká estava esgotado e exausto. Isso foi durante o tempo em que a Abençoada Beleza esteve aprisionado dentro da cidadela, no centro dos alojamentos. Apesar das terríveis dificuldades, Mirza Mihdí aí passou alguns dias, com grande alegria. Para ele, as calamidades eram favores, as atribulações eram a Providência Divina, os castigos eram bênçãos abundantes, pois suportava tudo isso no caminho de Deus, buscando satisfazer a Sua vontade. Sua doença piorou, dia a dia enfraquecia. Então, finalmente, sob o abrigo da graça, alçou vôo para a inexaurível misericórdia de Deus.

Este nobre personagem fora honrado entre os homens, mas por amar à Deus perdera o nome e a fama. Suportou todo o tipo de desdito sem jamais reclamar. Estava contente com o decreto divino, caminhando pelos caminhos da resignação. O olhar misericordioso de Bahá'u'lláh estava sobre ele, pois encontrava-se próximo ao Sagrado Limiar. Assim, desde o início de sua vida até o fim, permaneceu em um único e constante estado interior: imerso em um oceano de submissão e consentimento. "Ó, meu Senhor, leva-me, leva-me!" - gritava - até que finalmente ascendeu ao mundo que nenhum homem vê.

Possa Deus fazê-lo inalar o doce aroma da santidade no mais alto Paraíso, e refrescá-lo com a taça de vinho cristalino, temperado na fonte canforada.58 Com ele estejam saudações e louvor. Seu túmulo perfumado está em 'Akká.

[38] MISHKÍN-QALAM

Entre os exilados, vizinhos, e prisioneiros, havia também um segundo Mír 'Imád59, o eminente calígrafo, Mishkín-Qalam60. Ele empunhava uma pena negra e almiscarada, e a fé brilhava em seu semblante. Era um dos mais notáveis místicos, pois tinha uma mente sutil e espirituosa. A fama desse viajante do caminho espiritual alcançava todas as terras. Era o principal calígrafo da Pérsia e conhecido por todos os grandes nomes do país. Desfrutava de uma posição especial entre os ministros da corte de Teerã, entre os quais sua fama encontrava-se solidamente estabelecida.61 Era afamado em toda a Ásia Menor, pois sua pena maravilhava a todos os calígrafos, sabendo utilizar todos os estilos de caligrafia. Era, ademais, um hábil astrônomo.

Esse homem altamente talentoso ouvira falar da Causa de Deus pela primeira vez em Isfáhán, e o resultado foi que partiu em busca de Bahá'u'lláh. Cruzou grandes distâncias e muitas milhas subindo as montanhas, atravessando desertos e o mar, até que finalmente veio a ter em Adrianópolis. Ali atingiu as alturas da fé e da certeza, bebendo do vinho da convicção. Respondeu aos chamados de Deus e atingiu a presença de Bahá'u'lláh, onde elevou-se ao apogeu, sendo recebido e aceito. Cambaleava agora como um bêbado, em seu amor a Deus, e por causa de seu violento desejo e anseio, sua mente parecia divagar. Tinha momentos em que parecia despertar, para abater-se em seguida; dava a impressão de um enlouquecido. Passou algum tempo abrigado pela graça de Bahá'u'lláh, e todos os dia novas bênçãos eram derramadas sobre ele. Enquanto isso, produzia a sua esplêndida caligrafia; escrevia o Maior Nome, Yá Bahá'u'l-Abhá (Ó Tu Glória do Todo-Glorioso), com maravilhosa habilidade, de muitas formas diferentes, e os enviava por toda a parte.62

Foi então orientado a seguir viagem para Constantinopla, e partiu com Jináb-i-Sayyáh. Ao chegar àquela Grande Cidade, os líderes turcos e persas receberam-no a princípio com todas as honras, e foram cativados pela sua arte caligráfica de azeviche. Entremente, ele começou a ensinar a Fé, com eloqüência e coragem. Foi que o embaixador persa preparou-lhe uma emboscada, dirigindo-se aos vizires do Sultão, caluniando Mishkín-Qalam. "Esse homem é um agitador" - disse-lhes o embaixador - "enviado aqui por Bahá'u'lláh para promover agitações e fazer intrigas nessa Grande Cidade. Ele já conquistou um grande número de adeptos, e pretende arregimentar ainda mais. Esses Bahá'ís viraram a Pérsia de cabeça para baixo, agora começarão a fazer o mesmo na capital da Turquia. O governo persa executou 20.000 deles, esperando, por meio dessa tática, amainar os fogos da sedição. Vós deveríeis despertar para o perigo. Dentro em breve, essa coisa perversa irá arder também aqui. Consumirá a colheita da vossa vida; queimará todo o mundo. E, então, nada podereis fazer, pois será tarde demais."

Na verdade, aquele homem suave e submisso, naquela monárquica cidade da Ásia Menor, ocupava-se apenas de sua caligrafia e em adorar a Deus. Buscava trazer não a sedição, mas fraternidade e paz. Procurava reconciliar os seguidores das diferentes fés, e não separá-los ainda mais. Prestava serviços aos estranhos e ajudava a educar o povo do lugar. Era um refúgio para os desafortunados e um clarim de prosperidade para os pobres. Convidava a todos para a unidade da humanidade; expulsava a hostilidade e a malícia.

O embaixador persa, entretanto, detinha enorme poder, e havia cultivado estreitos vínculos com os ministros por um longo tempo. Ele persuadiu algumas pessoas a insinuarem-se em várias reuniões e ali lançarem todos os tipos de falsas acusações contra os crentes. Em obediência às ordens dos opressores, os espiões começaram a cercar Mishkín-Qalam. Então, conforme as instruções do embaixador, levaram alguns relatórios ao primeiro-ministro, dizendo que a pessoa em questão promovia intrigas noite e dia, que era um agitador, rebelde e criminoso. O resultado foi que o prenderam e o levaram para Galípoli, onde juntou-se ao nosso grupo de perseguidos. Enviaram-no, então, a Chipre, e depois para a prisão de 'Akká. Na ilha de Chipre, Jináb-i-Mishkín foi aprisionado na cidadela de Famagusta, e naquela cidade permaneceu cativo, de 1885 a 1894.

Quando Chipre escapou do domínio turco, Mishkín-Qalam foi solto e dirigiu-se ao seu Bem-Amado na cidade de 'Akká, e aqui viveu circundado pela misericórdia de Bahá'u'lláh, produzindo sua maravilhosa caligrafia e enviando os escritos para toda a parte. Tinha sempre o espírito alegre, aceso pelo amor de Deus, como uma vela consumindo a si própria; era um consolo para os crentes.

Depois da ascensão de Bahá'u'lláh, Mishkín-Qalam permaneceu leal, solidamente estabelecido no Convênio. Enfrentava os rompedores como se fora uma espada pronta para o golpe. Jamais contemporizava ante eles; a ninguém temia exceto a Deus; nem por um momento hesitou, e nunca falhou no serviço à Fé.

Depois da Ascensão de Bahá'u'lláh, fez uma viagem à Índia, onde associou-se aos amantes da Verdade. Passou ali algum tempo, fazendo novos esforços todos os dias. Quando eu soube que estava debilitado, mandei buscá-lo imediatamente e ele voltou para essa Maior Prisão, para a alegria dos crentes, que se sentiram abençoados em tê-lo aqui de volta. Foi para mim, em todos os momentos, um companheiro muito próximo. Tinha espantosa vivacidade e amor intenso. Era um compêndio de perfeições: devoto, cheio de confiança, sereno, desprendido do mundo, um companheiro sem par, espirituoso - e seu caráter era como uma rosa em flor. Por amor a Deus, deixou todas as boas coisas, fechou os olhos ao sucesso, não queria conforto ou descanso, não buscava riqueza, queria apenas estar livre da corrupção desse mundo. Não tinha apego a essa vida, e passava os dias e as noites suplicando e comungando com Deus. Estava sempre sorrindo, caloroso; era a personificação do espírito e do amor. Ninguém se rivalizava com ele em matéria de sinceridade e lealdade, ou em paciência e calma interior. Era o próprio desprendimento, vivendo nos sopros do espírito.

Não estivesse ele apaixonado pela Abençoada Beleza, não tivesse ele colocado seu coração no Domínio da Glória, todos os prazeres do mundo poderiam ter sido seus. Onde quer que fosse, seus variados estilos caligráficos constituíam um capital substancial, e seu grande talento o haviam tornado respeitado e admirado por ricos e pobres. Mas ele se achava perdidamente enamorado do único Amor verdadeiro, estando assim livre de todos os outros grilhões, podendo dessa maneira flutuar e elevar-se no infinito firmamento do espírito.

Finalmente, na minha ausência, deixou esse mundo sombrio e limitado, e apressou-se à terra das Luzes. Lá, no refúgio da ilimitada misericórdia divina, encontrou recompensa infinita. Com ele estejam louvor e saudações, e a terna misericórdia do Supremo Companheiro.

[39] USTÁD 'ALÍ-AKBAR-I-NAJJÁR

Ustád 'Alí-Akbar, o Marceneiro63, era um dos justos, um príncipe dos corretos. Fora um dos primeiros fiéis da Pérsia, e um dos mais importantes membros desse grupo inicial. Um leal confidente desde o início da Causa, sua língua se fez eloqüente para proclamar a Fé. Informou-se quanto às provas, e aprofundou-se nas Escrituras. Era também um talentoso poeta, escrevendo odes em homenagem a Bahá'u'lláh.

Excepcionalmente hábil em seu ofício, Ustád produzia artefatos altamente elaborados, trabalhando a madeira de forma tão precisa e detalhada que parecia uma peça revestida de mosaicos. Também, era especialista em matemática, solucionando e explicando problemas difíceis.

De Yazd, este respeitável homem viajou para o Iraque, onde alcançou a honra de ir à presença de Bahá'u'lláh, de Quem recebeu abundantes graças. A Abençoada Beleza derramou bênçãos sobre Ustád 'Alí, que ia à Sua presença quase todos os dias. Era um dos que haviam sido exilados de Bagdá para Mosul, onde suportara grandes privações. Permaneceu em Mosul por um longo tempo, passando por grandes dificuldades financeiras, mas resignado à vontade de Deus, sempre mergulhado em orações e súplicas, expressando somente gratidão.

Finalmente, veio de Mosul para o Santuário Sagrado, e aqui, junto ao túmulo de Bahá'u'lláh, ele costumava rezar e meditar. Na escuridão da noite, impaciente e desassossegado, lamentava e bradava. Quando suplicava a Deus, seu coração ardia dentro dele, seus olhos derramavam lágrimas, e ele erguia a voz e entoava orações. Ficava completamente desligado desse monte de pó, desse mundo mortal. Esquivava-se dele, e pedia apenas uma coisa - ascender ao mundo do alto. Ele esperava a vinda da recompensa prometida. Não conseguia suportar o desaparecimento da Luz do Mundo, e o que buscava era o paraíso da reunião com Ele, e o que seus olhos ansiavam por contemplar era a glória do Domínio de Abhá. Finalmente, suas orações foram atendidas e ele ascendeu ao mundo de Deus, para o local da reunião dos esplendores do Senhor dos Senhores.

Sobre ele estejam a bênção e o louvor de Deus, que Deus o traga à morada da paz, conforme escreveu em Seu livro: "Obterão a morada de paz junto ao seu Senhor"64, e, "Deus vos exorta a dEle vos lembrardes, porque para Ele será o retorno."65

[40] SHAYKH 'ALÍ-AKBAR-I-MÁZGÁNÍ

Este chefe das almas libertas, das que vagam procurando o amor de Deus, era somente uma criança quando, em Mázgán, foi nutrido diretamente do peito da misericórdia. Era filho do eminente erudito, Shaykh-i-Mázgání. Este nobre pai era um dos líderes de Qamsar, cidade próxima a Káshán, sendo que por ser piedoso, santo e temente a Deus, ninguém o rivalizava; era a personificação de todas as qualidades dignas de louvor, mais ainda, suas maneiras eram cordiais, voltado ao bem, era uma excelente companhia, e por tudo isto, era muito bem conhecido. Quando ele parou de se reprimir e publicamente se declarou um crente, um homem de fé, tanto amigos como estranhos, deram às costas a ele e imploraram por sua morte. Porém, continuou a perscrutar a Causa, a alertar os corações humanos, e dar boas-vindas aos que se achegavam, mais generoso do que nunca. Entremeio, em Káshán, a fama de sua inabalável fé alcançou a altura da via-láctea. Então, os impiedosos agressores se levantaram, tomaram suas posses e o mataram.

'Alí-Akbar, cujo pai havia dado sua vida no caminho de Deus, não poderia viver mais naquele lugar. Tivesse ele o feito, tal como seu pai, na espada teria sido seu fim. Ele ficou um tempo no Iraque, e recebeu a honra de estar na presença de Bahá'u'lláh. Então, voltou à Pérsia, entretanto sua saudade por Bahá'u'lláh o fez mais uma vez estar perto dEle, e com sua esposa atravessou desertos e montanhas - às vezes cavalgando, em outras a pé - contando as milhas, passando de uma praia a outra, alcançou, finalmente, o Lugar Sagrado, e sob a sombra da Árvore Divina, se aninhou em paz e segurança.

Quando a beleza dAquele que é o Desejado esvaneceu-Se deste mundo, 'Alí-Akbar permaneceu fiel ao Convênio e prosperou através das graças de Deus. Pela sua índole e o intenso amor em seu coração, ansiou por fazer poesias e criar odes e ghazals, se atendo sempre à rima métrica:

Planejei um poema, mas meu Amado disse-me:

"Planeje somente isto - que teus olhos fixem os Meus."

Com arrebatadora saudade, seu coração desejou os reinos de seu Senhor compassivo. Consumido por um amor ardente, deixou, finalmente, este mundo, e fez sua tenda nos mundos do além. Possa Deus descer sobre ele sua misericórdia do Reino de Seu perdão. Que seja abençoado por uma grande vitória através de uma forte chuva66 de graças, e lhe conceda piedade, lhe abraçando e o envolvendo no retiro das Alturas.

[41] Mirza MUHAMMAD, O SERVO DA POUSADA DOS VIAJANTES

Esse jovem de Deus era oriundo de Isfáhán, e desde tenra idade fora conhecido pelos principais teólogos do lugar por sua mente excelente. Nascera de uma nobre estirpe, de família conhecida e respeitada, e era um talentoso acadêmico. Havia aprendido, com louvor, filosofia e história, ciências e artes, mas estava sedento do segredo da Realidade, e ansiava pelo conhecimento de Deus. Sua sede febril não era mitigada pelas artes e ciências, não importando quão límpidas fossem essas águas. Continuava procurando, procurando, realizando debates em reuniões de eruditos, até que, enfim, descobriu o significado de seu sonho ansioso, e o enigma, o segredo inviolável, abriu-se à sua frente. De repente, sentiu o perfume de flores frescas dos jardins do esplendor de Deus, e seu coração iluminou-se com o raio do Sol da Verdade. Enquanto antes ele era como um peixe retirado da água, agora havia chegado ao manancial da vida eterna. Antes, era uma mariposa que buscava, agora encontrara a chama da vela. Um verdadeiro buscador da verdade, fora instantaneamente revivificado pelas supremas Boas-Novas; os olhos de seu coração fizeram-se mais brilhantes pela nova alvorada de guia. Tão ofuscante era o fogo do amor Divino que ele afastou a face de sua própria vida, a sua paz, as bênçãos, e partiu para a Maior Prisão.

Em Isfáhán, havia desfrutado de todo o conforto, e o mundo fora bom para ele. Agora, a sua ânsia por Bahá'u'lláh livrara-o de todos os outros grilhões. Viajou por muitas e muitas milhas, sofreu intensas provações, trocou um palácio por uma prisão, e na fortaleza de 'Akká, deu assistência aos fiéis e serviu e ajudou a Bahá'u'lláh. Aquele que havia sido servido, agora servia a outros; aquele que um dia fora um líder, era agora um cativo. Não tinha descanso e nem distração, nem de dia ou de noite. Para os viajantes era um refúgio fiel; para os que ali se estabeleciam era um companheiro sem rival. Serviu além das suas forças, pois estava cheio do amor dos amigos. Os viajantes lhe eram devotados, e os que ali se fixavam lhe eram gratos. E, como estava sempre ocupado, era silente em todos os momentos.

Então, a Suprema Aflição ascendeu e não conseguíamos suportar a ausência de Bahá'u'lláh. Mirza Muhammad inquietou-se, ardendo dia e noite. Definhou como uma vela que queima; a angústia incandescente inflamou o seu fígado e coração, e seu corpo não mais suportou. Chorava e suplicava dia e noite, ansiando ascender àquele país desconhecido. "Senhor, livra-me, livra-me dessa ausência" - bradava - "deixa-me beber da taça da reunião, encontra uma morada para mim no abrigo de Tua mercê, Senhor dos Senhores!"

Finalmente, ele deixou esse monte de pó, de terra, e alçou vôo para o mundo que não tem fim. Que lhe faça bem a taça transbordante das graças de Deus, que deguste com infindável prazer daquele alimento que dá vida ao coração e à alma. Que Deus o guie rumo ao fim daquela feliz jornada, e lhe dê uma parcela abundante dos dons que serão então conferidos.67

[42] Mirza MUHAMMAD-I-VAKÍL

Um dos cativos enviados de Bagdá a Mosul foi Mirza Muhammad-i-Vakíl. Essa alma correta estava entre aqueles que haviam se tornado fiéis em Bagdá. Foi ali que sorveu a taça da resignação à vontade de Deus e buscou seu descanso à sombra da Árvore celestial. Era um homem de mente elevada e digno de confiança. Era, também, um administrador capaz e dinâmico, realizando importantes negócios, era famoso no Iraque por seus sábios conselhos. Depois que se tornou um dos fiéis, foi distinguido com o título de Vakíl - deputado. Assim aconteceu:

Havia um eminente homem em Bagdá cujo nome era Hájí Mirza Hádí, o joalheiro. Tinha um ilustre filho, Áqá Mirza Músá, que havia recebido de Bahá'u'lláh o título de "Letra da Eternidade". Esse filho havia se tornado um firme devoto. Quanto ao seu pai, o Hájí, era um indivíduo principesco conhecido por sua generosa prodigalidade não apenas na Pérsia e no Iraque como também na longínqua Índia. Para começar, ele havia sido um vizir persa, mas quando viu como o falecido Fath-'Alí Sháh olhava as riquezas do mundo, particularmente as riquezas materiais dos vizires persas, e como se apropriava de tudo o que haviam acumulado, e como, não contente em confiscar suas custosas vaidades e quinquilharias, ele os punia e torturava por toda a parte. Chamando a isso de sentença, o Hájí temia que também ele poderia ser lançado ao abismo. Ele abandonou a sua posição como vizir, assim como sua mansão, e fugiu para Bagdá. Fath-'Alí Sháh exigiu que o governador de Bagdá, Dávúd Páshá, o enviasse de volta, mas o Páshá era um homem de coragem e o Hájí era muito conhecido por sua mente ágil. Sendo assim, o Páshá o respeitava e ajudava e deixou o Hájí abrir um negócio de jóias. Vivia com pompa e esplendor, como um grande príncipe. Era um dos homens mais notáveis de seu tempo, pois dentro de seu palácio levava uma vida de prazeres e opulência, mas deixara para trás a pompa, o luxo e o séqüito, e se ocupava de seus negócios, que lhe rendiam grandes lucros.

A porta de sua casa estava sempre aberta. Turcos e persas, vizinhos, estrangeiros vindos de lugares longínquos, todos eram distinguidos com a sua hospitalidade. A maioria dos grandes da Pérsia, quando vinha em peregrinação aos Santuários Sagrados parava em sua casa, onde encontrava um banquete sobre a mesa, e todos os confortos ao alcance deles. O Hájí era, realmente, mais ilustre do que o grão-vizir da Pérsia; superava todos os vizires em magnificência, e à medida que os dias passavam ele oferecia ainda maiores dádivas àqueles que iam e vinham. Era o orgulho dos persas em todo o Iraque, a glória de seus compatriotas. Até mesmo aos vizires e ministros turcos e aos homens eminentes de Bagdá outorgava ele presentes e honrarias. Em matéria de inteligência e percepção não havia quem lhe igualasse.

Por causa da idade avançada do Hájí, ao final da sua vida seus negócios declinaram. Entretanto, em nada mudou seu estilo de vida. Exatamente como antes, ele continuou a viver com elegância. Os proeminentes pediam-lhe grandes quantias de dinheiro em empréstimo, e jamais lhe pagavam. Um deles, a mãe de Áqá Khán Mahallátí, pediu-lhe emprestados 100,000 túmáns68 e não devolveu um centavo, pois faleceu logo em seguida. O Íl-Khán, 'Alí-Qulí Khán, era outro devedor; outro era Sayfu'd-Dawlih, um filho de Fath-'Alí Sháh; outra, Válíyyih, uma filha de Fath-'Alí Sháh; estes são apenas alguns exemplos, entre muitos, dentre os amírs turcos e os grandes da Pérsia e do Iraque. Todas essas dívidas ficaram sem pagamento e irrecuperáveis. Não obstante, aquele homem eminente e principesco continuou a viver exatamente como antes.

Perto do fim de sua vida, concebeu um notável amor por Bahá'u'lláh, e humildemente veio à Sua presença. Lembro-me dele dizendo um dia à Abençoada Beleza, que no ano de 1250 ou um pouco depois, Mirza Mawkab, o famoso astrólogo, visitara os Santuários. "Um dia ele me disse" - continuou o Hájí - "Mirza, vejo uma estranha, singular conjunção de astros. Nunca ocorreu antes. Ela prova que um momentoso evento está prestes a ocorrer, e estou certo de que esse evento não pode ser nada menos do que o Advento do Qá'im."

Era tal a situação daquele ilustre príncipe ao falecer, deixando como herdeiros um filho e duas filhas, que supondo-o rico como sempre fora, as pessoas acreditaram que seus herdeiros herdariam milhões, pois todos conheciam o seu estilo de vida. O representante diplomático persa, os modernos mujtahids, e o juiz infiel, todos eles afiaram as garras. Eles começaram uma briga entre os herdeiros, de maneira que no conflito que daí resultou, eles próprios obteriam ganhos substanciais. Com esse objetivo fizeram todo o possível para arruinar os herdeiros, a quem queriam deixar sem nada, enquanto o diplomata persa, os mujtahids, e o juiz acumulariam os espólios.

Mirza Músá era um firme devoto; suas irmãs, entretanto, vinham de uma mãe diferente, e nada sabiam da Causa. Um dia as duas irmãs, acompanhadas do genro do falecido, Mirza Siyyid Ridá, vieram à casa de Bahá'u'lláh. As duas irmãs entraram nos aposentos da família, enquanto o genro instalou-se na recepção. As duas moças disseram então a Bahá'u'lláh: "O enviado persa, o juiz, e os mujtahids infiéis nos destruíram. Ao fim de sua vida, o falecido Hájí em ninguém mais confiava exceto em Vós. Nós mesmas fomos descuidadas, pois deveríamos ter buscado antes a Vossa proteção; entretanto vimos agora para implorar o Vosso perdão e ajuda. Nossa esperança é de que Vós não nos envieis embora em desespero, e que por meio do Vosso favor e apoio sejamos salvas. Dignai-vos, então, a considerar esse assunto, e a desconsiderar os nossos erros passados."

Em resposta, a Abençoada Beleza declarou de maneira categórica que a intervenção em assuntos desse tipo era algo para Ele abominável. Entretanto, continuaram a implorar. Permaneceram por toda uma semana nos apartamentos da família, clamando todas as manhãs e noites por favor e graça. "Não vamos levantar as nossas cabeças desse Limiar" - disseram. "Buscaremos asilo aqui nessa casa; permaneceremos aqui, à porta dAquele que guarda os anjos, até que Ele se digne considerar as nossas preocupações e salvar-nos de nossos opressores."

Todos os dias, Bahá'u'lláh as aconselhava, dizendo: "Assuntos deste tipo estão nas mãos dos mujtahids e das autoridades governamentais. Não interferimos em tais questões." Mas elas continuaram a importunar, insistindo, clamando, implorando ajuda. Acontece que a casa de Bahá'u'lláh era desprovida de bens materiais, e essas senhoras, acostumadas a tudo do melhor, mal se satisfaziam com pão e água. Então, tiveram que comprar alimentos para elas a crédito. Dentro de pouco tempo, de todas as direções surgiram problemas.

Finalmente, um dia Bahá'u'lláh chamou-me à Sua presença: "Essas estimadas senhoras" - disse - "com todas as suas exigências, trouxeram-Nos grandes inconvenientes. Não há outra solução - terás que cuidar desse caso. Mas terás de solucionar todo esse assunto complicado em um só dia."

Na manhã seguinte, acompanhado por Áqáy-i-Kalím, dirigi-me à casa do falecido Hájí. Chamamos avaliadores que coletaram todas as jóias em um dos apartamentos do andar de cima; os livros contábeis que tinham relação com as propriedades foram colocados em um segundo aposento; os móveis caros e objetos de arte da casa em um terceiro. Alguns joalheiros iniciaram, então, o trabalho e determinaram um valor para as pedras. Outros especialistas avaliaram a casa, as lojas, os jardins, os banhos. Tão logo começaram o trabalho eu saí e coloquei alguém em cada cômodo de modo que os avaliadores pudessem completar suas tarefas adequadamente. Nesse momento já era quase meio-dia, e fomos almoçar, depois do que os avaliadores foram orientados a dividir tudo em duas partes iguais, de maneira que se pudesse tirar a sorte; uma parte seria das filhas, e a outra do filho, Mirza Músá.69 Fui então deitar-me, pois estava doente. À tarde levantei-me, tomei chá, e dirigi-me aos apartamentos da família na mansão. Ali observei que os bens haviam sido divididos em três partes. Disse-lhes: "Minhas instruções eram de que tudo fosse dividido em duas partes. Como é que há três?" Os herdeiros e outros parentes responderam em uníssono: "Uma terceira parte deve certamente ser separada. Por isso que dividimos tudo em três. Uma parte é para Mirza Músá, uma para as duas filhas, e a terceira colocamos à Vossa disposição; essa terceira é a porção do falecido e Vós deveis utilizá-la da maneira que estimais adequada."

Muito perturbado, disse-lhes: "Tal coisa está fora de questão. Não deveis fazer essa exigência, pois não podemos cumpri-la. Demos a nossa palavra a Bahá'u'lláh de que nem mesmo uma moeda de cobre seria aceita." Mas, também, eles juraram que tudo deveria se passar conforme desejavam, pois não concordariam com outra coisa. Esse servo respondeu: "Vamos deixar essa questão por enquanto. Há alguma outra discordância entre vós?" "Sim" - disse Mirza Musa - "o que aconteceu com o dinheiro deixado?" Indagado sobre o montante, respondeu: "Trezentos mil túmáns." As filhas disseram: "Há duas possibilidades: ou esse dinheiro está aqui nessa casa, em algum cofre, ou enterrado em algum lugar - ou então está nas mãos de outros. Daremos a casa e tudo que ela contém a Mirza Músá. Nós duas sairemos da casa, sem nada exceto os nossos véus. Se alguma coisa aparecer a partir de agora, nós livremente o concedemos a ele. Se o dinheiro estiver em outro lugar, foi sem dúvida confiado aos cuidados de alguém; e aquela pessoa, consciente de haver faltado à nossa confiança, dificilmente aparecerá para negociar de maneira honesta conosco e devolver o dinheiro - ao contrário, essa pessoa desaparecerá com toda a quantia. Mirza Músá deverá comprovar de maneira satisfatória o que diz; sua pretensão apenas não constitui prova." Mirza Músá respondeu: "Toda a propriedade estava nas mãos delas; eu nada sabia do que estava acontecendo - nem tinha qualquer idéia do que se passava. Elas fizeram o que bem entenderam."

Em resumo, Mirza Músá não tinha qualquer prova clara de suas alegações. Ele apenas perguntava: "Será possível que o falecido Hájí não tivesse qualquer dinheiro em espécie?" Como a sua reivindicação não tinha comprovação, senti que se a levasse adiante haveria um escândalo e nada de valor apareceria. Portanto eu lhes ordenei: "Sorteiem as partes." Quanto à terceira parte, mandei-lhes que a pusessem em outro aposento, o fechassem e lacrassem a porta. Então, levei a chave para Bahá'u'lláh. "A tarefa está feita." - disse-Lhe. "Foi concluída graças às Vossas confirmações. Em caso contrário, não teria sido finalizada nem em um ano. Entretanto, apareceu uma dificuldade." Descrevi em detalhes a pretensão de Mirza Músá e a ausência de qualquer prova. Então, eu disse: "Mirza Músá está pesadamente endividado. Mesmo que ele vendesse tudo o que tem, ainda assim não poderia pagar os seus credores. É melhor, portanto, que Vós mesmos aceite o pedido dos herdeiros, já que insistem em sua oferenda, e outorgue aquela parte a Mirza Músá. Então ele poderia pelo menos livrar-se das dívidas e ainda lhe sobraria alguma coisa."

No dia seguinte os herdeiros apareceram e imploraram à Abençoada Beleza que me autorizasse a aceitar a terceira parte. "Está fora de questão." -- Ele lhes respondeu. Eles então suplicaram e rogaram-Lhe que aceitasse aquela parte Ele próprio, e que a utilizasse para fins assistenciais de Sua própria escolha. Ele respondeu: "Só há uma finalidade na qual eu gastaria aquela soma de dinheiro." Eles disseram: "Isso não nos concerne, ainda que Vós ordenásseis que tudo fosse jogado ao mar. Não deixaremos de nos segurar à fímbria de Vosso manto, e não cessaremos de insistir até que Vós aceiteis o nosso pedido." Ele, então, lhes disse: "Aceito essa terceira parte; e a outorgo a Mirza Músá, vosso irmão, mas com a condição de que a partir deste dia ele não mais fale de qualquer reivindicação contra vós." Os herdeiros agradeceram profusamente. E assim esse difícil e pesado caso foi decidido em um único dia, sem deixar quaisquer resíduos de reclamações, nem escândalos, ou outras brigas.

[43] HÁJÍ MUHAMMAD-RIDÁY-I-SHÍRÁZÍ

Hájí Muhammad-Ridá era de Shíráz. Era um homem espiritualizado, humilde, contrito, a personificação da serenidade e da fé. Quando se ergueu o chamado de Deus, aquela alma sedenta apressou-se ao abrigo da graça celestial. Tão logo ouviu o chamado: "Não sou Eu o Teu Senhor?" - ele bradou - "Sim, verdadeiramente!"70 - e tornou-se como uma lâmpada para os que passavam.

Durante muito tempo serviu o Afnán, Hájí Mirza Muhammad-'Alí, e era seu íntimo e leal companheiro, digno de confiança para o que quer que fosse. Mais tarde, após uma viagem a países distantes, foi ter à Terra Santa, e lá, em total submissão e humildade, curvou a cabeça perante o Sagrado Limiar e foi honrado a alcançar a presença de Bahá'u'lláh, onde bebeu, com as mãos em concha de infindáveis graças. Por muito tempo lá permaneceu, prestando serviços a Bahá'u'lláh quase todos os dias, cercado do favor e graça sagrados. Seu caráter se destacava, e ele vivia de acordo com os mandamentos de Deus: tranqüilo e sofredor em sua entrega à vontade de Deus, era o desapego personificado. Não tinha quaisquer metas pessoais, e nem qualquer sentimento de apego a esse mundo passageiro. Seu único desejo era agradar ao Senhor, e sua única esperança, a de caminhar pela senda sagrada.

Prosseguiu viagem então para Beirute, servindo o ilustre Afnán naquela cidade. Por um longo tempo permaneceu ele nessa rotina, voltando muitas vezes para a presença de Bahá'u'lláh, para contemplar aquela Maior Beleza. Mais tarde, em Sidon, ele adoeceu. Impossibilitado de fazer a viagem para 'Akká, em perfeita aquiescência e contentamento, ascendeu para o Reino de Abhá, e mergulhou no oceano de luzes. Pela Pena Suprema, infindáveis bênçãos foram derramadas sobre a sua memória. Era realmente um dos fiéis, dos firmes, um sólido pilar de servitude a Bahá'u'lláh. Muitas e muitas vezes ouvimos, dos lábios da Abençoada Beleza, louvores a ele.

Com ele fiquem saudações e louvor, e a glória do Todo-Glorioso. Sobre ele estejam compaixão e a maior misericórdia do Senhor dos Altos Paraísos. Sua sepultura fulgurante está em Sidon, perto do lugar chamado Estação de João, o Santo.

[44] HUSAYN EFFENDI TABRÍZÍ

Esse jovem vinha de Tabríz, e estava cheio de amor a Deus, como uma taça transbordante de vinho tinto. Na flor da sua juventude deixou a Pérsia para viajar à Grécia, lá trabalhando como mercador. Um dia, guiado pela graça divina, dirigiu-se da Grécia para Esmirna, e lá recebeu a boa notícia de que havia uma nova Manifestação sobre a terra. Gritou ruidosamente, arrebatado, embriagado pela música da nova mensagem. Findou seus débitos, e deixando seus créditos, partiu para encontrar o Senhor do seu coração, e alcançou a presença de Bahá'u'lláh. Por algum tempo, como servo e companheiro leal, prestou serviços à Abençoada Beleza. Foi depois orientado a procurar acomodação na cidade de Haifa.

Aqui ele servia fielmente aos devotos, e seu lar era uma pousada para viajantes Bahá'ís. Tinha uma excelente natureza, um maravilhoso caráter e objetivos elevados e espirituais. Relacionava-se com amigos e desconhecidos sem distinção; era generoso com as pessoas de todas as proveniências e lhes queria bem.

Quando a Maior Luz ascendeu à Assembléia do Alto, Husayn Effendi permaneceu fiel a Ele, firme e inabalável; e como antes, continuou sendo amigo leal de todos os amigos. Assim viveu por um bom tempo, sentindo-se melhor do que os reis da Terra. Tornou-se genro de Mirza Muhammad-Qulí, irmão da Abençoada Beleza, e viveu sereno e em paz por algum tempo. Evitava cuidadosamente qualquer ocasião em que pudesse ser induzido ao erro, pois temia que a tempestade das aflições pudesse elevar-se em fúria, encapelar-se ainda mais, e varrer muitas almas ao abismo insondável.71 Ele suspirava e lamentava, pois esse medo estava nele em todos os momentos. Finalmente, não pôde mais suportar esse mundo, e com as suas próprias mãos despiu as vestimentas desta vida.

Louvores estejam com ele, e saudações, e a misericórdia de Deus e a aceitação Divina. Que Deus o perdoe e o faça entrar no mais alto Céu, o Paraíso que se eleva acima de todos os outros. Sua perfumada sepultura está em Haifa.

[45] JAMSHÍD-I-GURJÍ

Outro ainda entre os emigrantes e aqueles que fixaram residência nesta região foi o valente Jamshíd-i-Gurjí, que veio da Geórgia, mas cresceu na cidade de Káshán. Era um belo jovem, fiel, leal, com elevado senso de honra. Quando ouviu falar da alvorada de uma nova Fé, despertando para a notícia de que o Sol da Verdade se erguera nos horizontes da Pérsia, encheu-se de sagrado êxtase, ansiando-O e amando-O. O novo fogo queimou aqueles véus da incerteza e dúvida que o cobriam e a luz da Verdade irradiando os seus raios, fez com que a lâmpada da guia ardesse perante ele.

Permaneceu na Pérsia por algum tempo, e então partiu para a Romélia, que era território otomano, e na Terra do Mistério, Adrianópolis, recebeu a honra de vir à presença de Bahá'u'lláh; foi ali que ocorreu o encontro. Sua alegria e fervor eram ilimitados. Mais tarde, por ordem de Bahá'u'lláh, empreendeu uma viagem a Constantinopla, com Áqá Muhammad-Báqir e Áqá 'Abdu'l-Ghaffár. Naquela cidade, o tirano aprisionou-o e colocou-o em ferros.

O embaixador persa prestou informações contra Jamshíd e Ustád Muhammad-'Alí-i-Dallák acusando-os de serem líderes e guerreiros inimigos. Descreveu Jamshíd como um Rustam72 moderno, enquanto que Muhammad-'Alí, de acordo com o enviado, era um voraz leão. Esses dois homens respeitáveis foram primeiro presos e enjaulados, então foram expulsos do território turco, e escoltados à fronteira persa. Deveriam ser entregues ao governo persa e crucificados, e os guardas haviam sido ameaçados com uma terrível punição caso relaxassem a vigilância e deixassem que os prisioneiros escapassem. Por essa razão, em todas as paradas as vítimas eram mantidas em algum local inacessível. Uma vez, foram jogados em um buraco, um tipo de poço, e sofreram agonias durante toda a noite. Na manhã seguinte, Jamshíd bradou:

-- Ó vós que nos oprimirdes! Somos nós José, o Profeta, para sermos jogados em um poço? Lembrai-vos como se ergueu Ele do fundo do poço, elevando-se tanto quanto a lua cheia? Nós também andamos pelos caminhos de Deus, nós também estamos aqui por amor a Ele, e sabemos que essas profundezas são as alturas do Senhor.

Ao chegar à fronteira persa, Jamshíd e Muhammad-'Alí foram entregues a chefes curdos para serem enviados a Teerã. Os chefes curdos viram que os prisioneiros eram homens inocentes, bondosos e de boa natureza, que haviam caído nas garras de seus inimigos. Ao invés de enviá-los à capital, eles os libertaram. Alegremente, os dois apressaram-se, a pé, para Bahá'u'lláh, e perto dEle encontraram um lar na Maior Prisão.

Jamshíd passou algum tempo em puro êxtase, recebendo a graça e o favor de Bahá'u'lláh, sendo de tempos em tempos admitido à Sua presença. Estava tranqüilo e em paz. Os devotos estavam contentes com ele, e ele estava contente com Deus. Foi nessa condição que ele atendeu ao chamado celestial:

-- Ó tu, alma em paz, retorna ao teu Senhor, contente com Ele, e Ele contente contigo.73

E ao brado de Deus: "Retorna!" E ele respondeu: "Sim, verdadeiramente!" Ascendeu ele da Maior Prisão para o mais elevado Paraíso; ergueu-se rumo a um puro e fulgurante Reino, fora deste mundo do pó. Que Deus o ajude na companhia celestial,74 traga-o ao Paraíso dos Esplendores e, seguro nos jardins Divinos, faça-o viver para sempre.

Saudações e louvor a ele. Seu túmulo, doce como o almíscar, está em 'Akká.

[46] HÁJÍ JA'FAR-I-TABRÍZÍ E SEUS IRMÃOS

Havia três irmãos, todos de Tabríz: Hájí Hasan, Hájí Ja'far e Hájí Taqí. Esses três eram como águias pairando; eram três estrelas da Fé, pulsando com a luz do amor de Deus.

Hájí Hasan era daqueles devotos de primeira linha; acreditou desde os primórdios na aurora do novo Luminar. Era repleto de ardor, e tinha a mente perspicaz. Após a sua conversão, viajou por toda a parte às cidades e vilarejos da Pérsia. Seu sopro movia os corações das almas ansiosas. Então, ele partiu para o Iraque, por ocasião da primeira viagem do Amado, ali apresentando-se à Sua presença. Uma vez tendo contemplado aquela formosa Luz, foi arrastado ao Reino dos Esplendores; incandescente, tornou-se um escravo do terno e anelante Amor. Nessa época, foi orientado a dirigir-se à Pérsia. Era mascate, vendedor de pequenas utilidades, viajando de cidade em cidade.

Na segunda viagem de Bahá'u'lláh para o Iraque, Hájí Hasan desejava veementemente contemplá-Lo novamente, e lá, em Bagdá, deslumbrou-se mais uma vez pela Sua presença. Freqüentemente viajava à Pérsia e voltava, com os pensamentos concentrados em ensinar e promover a Causa. Porém, seus negócios foram por água abaixo. Os ladrões roubaram sua mercadoria, e assim, como ele mesmo dizia, seu fardo lhe foi tirado - estava livre. Fugia de tudo que o prendesse ao mundo material. Estava atraído como que por um imã; perdido e loucamente apaixonado pelo suave Companheiro, por Aquele que é o Bem-Amado de ambos os mundos. Era conhecido em toda a parte pelo êxtase que o possuía, e passava por estranhos estados de espírito; algumas vezes, com a maior eloqüência, ensinava a Fé, aduzindo como provas muitos versos e tradições sagrados, e trazendo à luz sólidos argumentos. Nessas ocasiões, aqueles que o ouviam costumavam comentar sobre o poder de sua mente, sua sabedoria e autocontrole. Mas havia outros momentos quando o amor de repente flamejava dentro de seu peito, e aí não conseguia permanecer quieto um só instante. Nesses momentos, ele pulava, dançava, ou, em altos brados, gritava um verso dos poetas, ou uma canção. Já no fim de seus dias tornou-se amigo íntimo de Jináb-i-Muníb; os dois trocaram muitas e íntimas confidências, e cada um deles continha muitas melodias no coração.

Por ocasião da última viagem dos amigos, ele seguiu para o Azerbaijão, e ali, jogando para os ares toda a precaução, gritou o Maior Nome: "Yá Bahá'u'l-Abha!" Os infiéis do lugar juntaram forças com seus parentes e atraíram aquele homem, inocente em seu êxtase, para um jardim. Aqui, primeiro fizeram-lhe perguntas e ouviram as suas respostas. Ele falou abertamente. Expôs as verdades secretas da Fé e apresentou provas conclusivas de que o Advento havia verdadeiramente chegado. Recitou versos do Alcorão, e tradições legadas pelo Profeta Muhammad e pelos Santos Imáms. Em seguida, em um frenesi de amor e anelante enlevo, começou a cantar. Cantava uma melodia shahnáz; as palavras vinham dos poetas, e diziam que o Senhor viera. Eles o mataram; derramaram-lhe o sangue. Arrancaram e cortaram-lhe os membros e esconderam seu corpo sob a terra.

Quanto a Hájí Muhammad Ja'far, a cortesia em pessoa - também ele, a exemplo de seu irmão, sentia-se atraído pela Abençoada Beleza. Foi no Iraque que ele chegou à presença da Luz do Mundo, e também ele incendiou-se com o amor Divino e foi arrebatado pelas suaves brisas de Deus. Como seu irmão, era vendedor de pequenas utilidades, sempre viajando de um lugar a outro. Quando Bahá'u'lláh deixou Bagdá rumo à capital do Islã, Hájí Já'far encontrava-se na Pérsia, e quando a Abençoada Beleza e seu séqüito fizeram uma parada em Adrianópolis, Ja'far e Hájí Taqí, seu irmão, lá chegaram, procedentes do Azerbaijão. Encontraram um canto onde instalar-se, e lá ficaram. Nossos opressores, então, estenderam as mãos arrogantes para enviar Bahá'u'lláh para a Maior Prisão, e proibiram os devotos de acompanhar o verdadeiro Amado, pois era seu objetivo trazer a Abençoada Beleza a essa prisão com apenas alguns poucos de Seus seguidores. Quando Hájí Ja'far viu que havia sido excluído do grupo de exilados, tomou de uma navalha e cortou a garganta.75 A multidão expressou tristeza e horror, e as autoridades então permitiram que todos os devotos seguissem viagem em companhia de Bahá'u'lláh - isso em conseqüência da bênção advinda do ato de amor perpetrado por Ja'far .

Costuraram-lhe o ferimento, mas ninguém supôs que fosse sobreviver. Disseram-lhe:

-- Por enquanto, terás que permanecer onde estás. Se tua garganta ficar curada, serás enviado para junto dos outros, assim como teu irmão. Estejas certo disso.

Bahá'u'lláh, também, ordenou que assim fosse feito. Portanto, deixamos Já'far no hospital e seguimos para a prisão de 'Akká. Dois meses mais tarde, ele e seu irmão Hájí Taqí chegaram à fortaleza, juntando-se aos outros prisioneiros. O Hájí, tendo chegado são e salvo, tornava-se mais carinhoso e mais ardente a cada dia que passava. Desde o anoitecer até a aurora ficava acordado, entoando orações e derramando lágrimas. Então, uma noite ele caiu do telhado do caravanserai e ascendeu ao Reino dos milagres e sinais.

Hájí Taqí, que nascera sob o signo de uma boa estrela, era em todos os sentidos um verdadeiro irmão do Hájí Já'far. Vivia na mesma condição espiritual, mas era mais calmo. Depois da morte do Hájí Já'far, ele se deixava ficar sozinho em um aposento. Era a personificação do silêncio. Ali sentava, completamente só, de forma polida e cortês, mesmo durante a noite. Uma noite, à meia-noite, subiu para o telhado para entoar orações. Na manhã seguinte foi encontrado onde havia caído, no chão perto da parede. Estava inconsciente, e não se sabia se fora um acidente ou se ele havia se jogado. Ao voltar a si, disse:

-- Eu estava cansado desta vida, e tentei morrer. Nem por um momento desejo permanecer neste mundo. Rezai para que eu me vá.

Essa é, portanto, a história da vida desses três irmãos. Todos os três eram almas em paz; todos os três contentes com Seu Senhor e Ele, contente com eles.76 Eram chamas; cativos da Fé; eram puros e santos. E assim, desvinculados do mundo, voltando as faces para o Maior Reino, eles ascenderam. Que Deus os envolva na vestimenta de Sua graça nos Domínios do perdão, e os faça imergirem nas águas da Sua misericórdia, para todo o sempre. Saudações e louvor estejam com eles.

[47] HÁJÍ Mirza MUHAMMAD-TAQÍ, O AFNÁN

Entre aquelas almas corretas, que são luminosas entidades e reflexos Divinos, havia Jináb-i-Muhammad-Taqí, o Afnán77. Seu título era Vakílu'd-Dawlih. Esse eminente Ramo era um galho da Árvore Sagrada; nele um excelente caráter aliava-se a uma nobre linhagem. Seu parentesco era verdadeiro. Estava entre aquelas almas que, após terem lido uma vez o Livro de Íqán, haviam se tornado crentes, enfeitiçados pelos doces aromas de Deus, alegrando-se ante a recitação de Seus versos. Sua agitação era tal que gritava: "Senhor, Senhor, aqui estou!" Alegremente, deixou a Pérsia e apressou-se rumo ao Iraque. Por estar repleto de anelante amor, ele percorreu velozmente as montanhas, cruzando os desertos, sem pausa para descanso, até que chegou a Bagdá.

Veio à presença de Bahá'u'lláh, e recebeu a Sua aprovação. Que êxtase sagrado o invadia, que fervor, que desapego do mundo! Era indescritível. Seu rosto abençoado era tão formoso, tão luminoso, que os amigos no Iraque deram-lhe um nome: chamaram-no "o Afnán de todos os deleites". Era verdadeiramente uma alma abençoada, um homem que merecia ser reverenciado. Jamais faltara às suas obrigações desde o começo da vida até o seu último suspiro. Logo no início de seus dias, enamorara-se das suaves fragrâncias de Deus, e ao final, prestara um supremo serviço à Causa de Deus. Sua vida era correta, sua fala agradável, seus atos valorosos. Nunca deixou de servir, ou vacilou em sua devoção, e lançava-se a qualquer grande projeto com entusiasmo e alegria. Sua vida, seu comportamento, tudo o que fazia, e o que deixava de fazer, seus negócios com outros - eram formas de ensinar a Fé, e isso servia de exemplo e de admoestação para os demais.

Depois de receber a honra, em Bagdá, de se encontrar com Bahá'u'lláh, retornou para a Pérsia, onde seguiu ensinando a Fé com sua eloqüente língua. E é assim que se deve ensinar: com uma língua eloqüente, uma pena à mão, um bom caráter, palavras agradáveis, e maneiras e atos corretos. Até mesmo os inimigos prestavam testemunho de seu espírito elevado e de suas qualidades espirituais, dizendo:

-- Não há ninguém que se compare a este homem, seja em palavras e atos, ou em seu caráter, lealdade e fé inabalável; em tudo ele é singular; que pena que seja bahá'í!

Ou seja:

-- Que pena que não seja como nós, perversos, descuidados, pecadores, mergulhados em sensualidade, filhos das paixões!

Santo Deus! Eles viram com seus próprios olhos que, no momento em que ouvira falar da Fé, ele foi transformado, desligado desse mundo, e começou a irradiar raios do Sol da Verdade; e ainda assim, deixaram de aproveitar o exemplo dado por ele.

Durante os seus dias em Yazd ele se dedicava, exteriormente, às atividades comerciais, mas na verdade, ensinava a Fé. Seu único objetivo era exaltar a palavra de Deus, seu único desejo, propagar as doces fragrâncias Divinas, seu único pensamento, aproximar-se mais e mais das mansões do Senhor. Era uma personificação da satisfação de Bahá'u'lláh; a alvorada das graças do Maior Nome. Muitas e muitas vezes, Bahá'u'lláh expressou àqueles que O cercavam Sua extrema satisfação com o Afnán; e conseqüentemente, todos estavam convictos de que no futuro ele ficaria encarregado de levar a cabo alguma tarefa altamente importante.

Após a ascensão de Bahá'u'lláh, o Afnán, leal e firme no Convênio, prestou ainda mais serviços do que antes; isso apesar dos muitos obstáculos, e de uma esmagadora quantidade de trabalho, e ainda de uma variedade infinita de assuntos, todos ele reclamando a sua atenção. Renunciou ao conforto, aos seus negócios, suas propriedades, bens, terras, partiu para 'Ishqábád e pôs-se a construir o Mashriqu'l-Adhkár; era esse um serviço de grande magnitude, e dessa maneira tornou-se o primeiro indivíduo a erigir uma Casa de Adoração Bahá'í, o primeiro construtor de uma Casa destinada a unificar o homem. Com a ajuda dos devotos de 'Ishqábád, ele conseguiu desincumbir-se da tarefa. Por um longo período em 'Ishqábád, ele não teve descanso. Dia e noite, estimulava os devotos a se apressarem. Eles, então, se esforçaram e fizeram sacrifícios acima e além do seu poder; e o edifício de Deus elevou-se, e rumores sobre ele espalharam-se pelo Oriente e Ocidente. O Afnán gastou tudo quanto possuía nessa construção, ficando com apenas uma pequena soma de dinheiro. É isso que significa fazer sacrifício. Esse é o significado de ser fiel.

Depois viajou para a Terra Santa, e ali, junto do lugar circundado pelos anjos escolhidos, ao abrigo do Santuário do Báb, passou os seus dias, santo e puro, suplicando e rogando ao Senhor. O louvor de Deus estava sempre em seus lábios, e entoava orações, tanto com a língua como com o coração. Era maravilhosamente espiritual, singularmente iluminado. Era uma dessas almas que antes mesmo do rufar dos tambores de "Não é verdade que sou o vosso Senhor?", reboava em resposta: " Sim, testemunhamo-lo!"78 Foi no período do Iraque, durante os anos das décadas de setenta e oitenta da Hijra, que ele pela primeira vez ardeu de amor pela Luz do Mundo, contemplou o alvorecer da glória em Bahá'u'lláh e testemunhou o cumprimento das palavras: "Eu sou Aquele que vive no Reino da Glória de Abha!"

O Afnán era um homem excepcionalmente feliz. Sempre que me sentia triste, ia encontrar-me com ele, e a alegria retornava imediatamente. Deus seja louvado, pois finalmente, junto ao Santuário do Báb, ele apressou-se na luz rumo ao Reino de Abhá. Esta perda entristeceu-me profundamente.

Seu brilhante sepulcro está em Haifa, ao lado do Hazíratu'l-Quds, perto da gruta de Elijah. Um túmulo deve ser lá construído, sólido e bem feito. Que Deus derrame sobre o seu local de repouso raios do Paraíso dos Esplendores, e banhe aquela terra santa com as chuvas que caem dos refúgios do Companheiro Exaltado. Que sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[48] 'ABDU'LLÁH BAGHDÁDÍ

Na sua juventude, 'Abdu'lláh Baghdádí era considerado um libertino, devotado inteiramente aos prazeres da vida. Era visto como um aficionado dos desejos desordenados, atolado nas paixões físicas. Porém, no momento em que se tornou um dos devotos, foi levado pelas doces fragrâncias de Deus, e transformado em uma nova criação. Entregou-se como um estranho enlevo, e mudou completamente. Havia sido desse mundo, agora era de Deus; vivera da carne, agora vivia do espírito; caminhara na escuridão, agora caminhava na luz. Fora escravo dos sentidos, agora era um servo de Deus. Antes fora argila e barro, agora era uma dispendiosa pérola; antes uma pedra opaca e sem brilho, agora um rubi brilhante.

Mesmo aqueles que não eram devotos surpreendiam-se ante sua transformação.

-- O que teria se passado com esse jovem? - queriam saber. Como poderia ter acontecido que, de repente, ele se tornara desapegado do mundo, ávido pelos ensinamentos espirituais, e um devoto?

-- Era pecador, corrompido - diziam - hoje é abstêmio e casto. Estava mergulhado nos seus apetites, mas é agora a alma da pureza, e leva uma vida correta. Deixou o mundo para trás. Interrompeu a orgia, despediu os farristas e retirou a toalha do banquete. Sua mente está entontecida de amor.

Em resumo, ele se desvencilhou dos prazeres e posses, e viajou a pé até 'Akká. Sua face se tornara tão brilhante, sua natureza tão luminosa que era uma alegria contemplá-lo. Eu costumava lhe dizer:

-- Áqá 'Abdu'lláh, em que condição estás?
E ele assim respondia:

-- Eu estava na escuridão, agora, graças à Abençoada Beleza, estou na luz. Eu era um monte de pó, Ele me transformou em terra fértil. Eu vivia em constante tormento, agora estou em paz. Eu estava apaixonado pelos meus grilhões, Ele os quebrou. Eu vivia ávido por isso e aquilo, agora seguro-me ao Senhor. Eu era um pássaro na gaiola, Ele libertou-me. Hoje, embora viva no deserto, e tenha o chão duro como cama e travesseiro, sinto tudo isso como se fosse seda. Nos velhos tempos, minha coberta era de cetim, e minha alma estava em tormento. Agora não tenho casa, e estou feliz.

Constantemente seu coração ardente partia-se quando via toda a perseguição a Bahá'u'lláh, e O quão pacientemente sofria. 'Abdu'lláh anelava morrer por Ele. E assim aconteceu que ele ofereceu sua vida por seu terno Companheiro, e apressou-se para longe deste mundo sombrio, rumo ao país da Luz. Seu túmulo luminoso está em 'Akká. Que sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso, que sobre ele esteja a misericórdia vinda das graças do Senhor.

[49] MUHAMMAD-MUSTAFÁ BAGHDÁDÍ

Muhammad-Mustafá era uma luz resplandecente. Filho do famoso sábio Shaykh Muhammad-i-Shibl, morava no Iraque, e desde o início da sua juventude mostrara-se claramente diferente e além de qualquer comparação com os demais jovens; sábio, corajoso, merecedor em todos os sentidos, era famoso por toda parte. Desde a infância, guiado pelo pai, ele havia acendido a luz da fé na capela de seu coração. Havia se livrado do estorvo dos véus da ilusão, olhado à sua volta com olhos perceptivos, testemunhado grandes e novos sinais de Deus e, sem se importar com as conseqüências, havia bradado: "E a terra resplandecerá com a luz do seu Senhor!"79

Deus, Todo-Piedoso! A oposição era poderosa, a pena óbvia, os amigos, todos eles, aterrorizados, escondidos em algum canto, dissimulando a sua crença; em um tal momento esta intrépida personalidade destemidamente ocupava-se de seus negócios, e como um homem, enfrentava qualquer tirano. O único indivíduo que, no ano setenta, era afamado no Iraque por seu amor a Bahá'u'lláh, era essa pessoa honrada. Algumas outras almas, na época em Bagdá e redondezas, haviam se arrastado para dentro de algum esconderijo ou fresta e, aprisionados em sua própria letargia, ali haviam permanecido. Mas esse admirável Muhammad-Mustafá ia e vinha bravamente, como um homem, e os hostis, por causa de sua força física e de sua coragem, temiam atacá-lo.

Após o retorno de Bahá'u'lláh de Sua viagem ao Curdistão, a força e o porte viril daquele galante indivíduo foram ainda mais acentuados. Sempre que lhe era permitido, ele prestava serviços a Bahá'u'lláh, e ouvia de Seus lábios expressões de favor e graças. Ele era o líder de todos os amigos no Iraque, e depois da grande separação, quando o séqüito do Amado partiu para Constantinopla, ele permaneceu firme e leal, e enfrentou o inimigo. Preparou-se para o serviço, e abertamente, publicamente, observado por todos, ensinava a Fé.

Tão logo a declaração de Bahá'u'lláh de que Ele era "Aquele que Deus tornará Manifesto"80 ficou conhecida por toda a parte, Muhammad-Mustafá - estando entre aquelas almas que haviam se tornado devotas antes dessa Declaração - bradou:

- Verdadeiramente, acreditamos!

Porque, mesmo antes dessa Declaração, a luz, por si só, atravessara os véus que envolviam os povos do mundo, de maneira que todo olhar capaz de enxergar, contemplara o esplendor, e toda alma anelante pôde ver seu Bem-Amado.

Com todo seu vigor, portanto, Muhammad-Mustafá levantou-se para servir à Causa. Ele não descansava nem à noite, nem de dia. Depois da partida da Antiga Beleza para a Maior Prisão; depois que os amigos haviam sido aprisionados em Bagdá e enviados a Mosul; depois da hostilidade de importantes inimigos e a oposição do populacho de Bagdá, ele não fraquejou, mas continuou a defender a sua posição. Um longo tempo passou dessa maneira. Mas, como a sua ansiedade por ver Bahá'u'lláh gerou um tumulto tal em seu coração, ele partiu sozinho rumo à Maior Prisão. Lá chegou em um período de grandes restrições, e teve a honra de ir à presença de Bahá'u'lláh.

Pediu, então, autorização para buscar acomodação em algum local nas vizinhanças de 'Akká, sendo-lhe permitido residir em Beirute. Para lá se dirigiu e fielmente serviu à Causa, assistindo a todos os peregrinos quando chegavam e partiam. Era para eles um excelente servo, um anfitrião generoso e bondoso, e se sacrificava para cuidar de suas necessidades enquanto passavam por ali.

Quando o Sol da Verdade se pusera e a Luz da Assembléia no alto ascendera, Muhammad-Mustafá permaneceu leal ao Convênio. Manteve-se tão firme contra os vacilantes que eles não ousavam respirar. Era como um meteoro, um míssil lançado contra os demônios;81 contra os violadores, uma espada de vingança. Nenhum dos rompedores ousava nem mesmo passar pela rua onde morava, e se por acaso o encontravam, eram como aqueles descritos no Alcorão: "São surdos, mudos, cegos e não se retraem (do erro).82 Era ele a própria personificação de: 'A culpa do acusador não o desviará do caminho de Deus, e a terrível força do vilipendiador não o estremecerá.'"

Vivendo como sempre o fizera, ele servia os devotos com a mente livre e intenção pura. Com todo o seu coração, ele ajudava os viajantes que se dirigiam à Terra Santa, aqueles que haviam vindo para circular aquele lugar que é circundado pela Assembléia no Alto. Mais tarde, mudou-se de Beirute para Iskandarún, e lá passou algum tempo, até que, atraído como que por um imã para o Senhor, desprendido de tudo salvo dEle, regozijando-se pelas Suas boas-novas, segurando-se firmemente à corda que ninguém pode romper - ele ascendeu nas asas do espírito para seu Exaltado Companheiro.

Que Deus o eleve ao mais alto Paraíso, para os companheiros da glória.83 Que Deus o traga para a terra das Luzes, o Reino misterioso, a assembléia dos esplendores do potente Senhor Todo-Poderoso. Sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[50] SULAYMÁN KHÁN-I-TUNUKÁBÁNÍ

Sulaymán Khán era um emigrante e residente na Terra Santa a quem havia sido dado o título de Jamáli'd-Dín. Nascera em Tunukábán, em uma antiga família daquela região. Fora criado em meio à riqueza e ao conforto; educado em um ambiente luxuoso. Desde a primeira infância alimentava altas ambições e nobres objetivos; era a personificação da honra e da aspiração. Inicialmente, planejara ultrapassar todos os seus colegas e alcançar altas funções. Por essa razão, deixara sua terra e fora à capital, Teerã, onde esperava se tornar um líder, excedendo a todos os demais de sua geração.

Entretanto, em Teerã, a fragrância de Deus atravessou-lhe o caminho, e ele ouviu o chamado do Bem-Amado. Foi salvo dos tumultos das altas funções, de todo o alarido e perturbação, de toda glória e pompa dos palácios do mundo, esse monte de pó. Livrou-se das correntes, e pela graça de Deus, descobriu a paz. Para ele, o assento de honra não era diferente do lugar à porta onde as pessoas removem os sapatos, e os altos postos eram algo que rapidamente desapareciam e eram esquecidos. Foi purificado da mancha de estar vivo para a matéria. Seu coração tornou-se leve, pois rompera as algemas que o amarravam a essa vida presente.

Vestido como um peregrino, partiu em busca de seu amoroso Amigo, vindo ter à Maior Prisão. Aqui descansou por algum tempo, sob a proteção da Antiga Beleza; aqui recebeu a honra de apresentar-se diante de Bahá'u'lláh, e de Seus santos lábios ouviu momentosos ensinamentos. Depois de respirar o ar perfumado, de ter os olhos iluminados, e os ouvidos afinados com as palavras do Senhor, foi autorizado a fazer uma viagem à Índia, e orientado a ensinar àqueles que verdadeiramente buscavam a Verdade.

Repousando seu coração em Deus, apaixonado pelas suaves fragrâncias de Deus, seguiu para a Índia. Lá perambulou, e sempre que chegava a alguma cidade, erguia o chamado do Grande Reino e dava as boas-novas de que viera o Orador do Monte. Tornou-se um dos agricultores de Deus, espalhando a semente sagrada dos Ensinamentos. A semeadura foi frutífera. Por intermédio dele, um número considerável de pessoas encontrou seu caminho para a Arca da Salvação. A luz da guia Divina foi derramada sobre essas almas, e seus olhos iluminados com a visão dos poderosos sinais de Deus. Tornou-se o ponto focal de qualquer reunião, sendo o convidado de honra. Até o dia de hoje, na Índia, os resultados de sua presença auspiciosa são claramente visíveis, e aqueles a quem ele ensinou estão agora, por seu turno, guiando outros para a Fé.

Logo após a sua viagem à Índia, Sulaymán Khán retornou para perto de Bahá'u'lláh, mas ao chegar a ascensão já havia ocorrido. Continuamente ele derramou lágrimas, e seu coração transformou-se em um turíbulo de dor. Mas conservou-se leal ao Convênio, profundamente enraizado no Paraíso.

Não muito antes de Seu passamento, Bahá'u'lláh havia dito:

-- Caso alguém vá à Pérsia, deve conseguir transmitir essa mensagem. Ela deve ser entregue a Amínu's-Sultán84: " Vós tomastes iniciativas para ajudar os prisioneiros; vós livremente lhes prestastes um condigno serviço; esse serviço não será esquecido. Estejais seguro de que Ele vos trará honra e uma bênção para todos os vossos negócios. Ó Amínu's-Sultán! Toda casa construída cairá um dia na ruína, exceto a Casa de Deus; esta crescerá em solidez, e a cada dia estará melhor protegida. Então, sirvais à Corte de Deus com todas as vossas forças, de maneira que possais descobrir o caminho para um lar no Paraíso e fundar um edifício que resista para sempre."

Depois da partida de Bahá'u'lláh, essa mensagem foi encaminhada a Amínu's-Sultán.

No Azerbaijão, os clérigos turcos haviam humilhado Áqá Siyyid Asadu'lláh, perseguindo-o em Ardabíl e conspirando para derramar seu sangue; mas o governador, por meio de um ardil, conseguiu salvá-lo da tortura e da morte; enviou a vítima acorrentada para Tabríz, e de lá ordenou que o conduzissem a Teerã. Amínu's-Sultán veio em auxílio do prisioneiro e, em seu próprio gabinete, forneceu um refúgio para Asadu'lláh. Um dia, estando doente o primeiro-ministro, Násiri'd-Dín Sháh veio visitá-lo. O ministro explicou então a situação, e não poupou louvores a seu cativo; tanto assim que o Xá, ao sair, mostrou grande bondade para com Asadu'lláh, proferindo palavras de consolo. Isso quando pouco tempo antes, o cativo teria sido imediatamente amarrado para servir de adorno a alguma árvore utilizada como forca, e baleado.

Passado algum tempo, Amínu's-Sultán perdeu as boas-graças do Soberano. Odiado e em desgraça, foi banido para a cidade de Qum. Em vista disso, este servo enviou Sulaymán Khán para a Pérsia, levando uma oração e uma missiva escrita por mim. A oração pedia a ajuda de Deus e bênçãos e auxílio para o ministro destituído, de maneira que pudesse, das profundezas do esquecimento, ser reconduzido às boas-graças do soberano. Na carta afirmávamos claramente: "Preparai-vos para retornar a Teerã. Dentro em pouco chegará a ajuda de Deus; a luz da misericórdia brilhará novamente sobre vós; com autoridade absoluta, vos encontrareis livre, e serás o primeiro-ministro. Essa é a vossa recompensa pelos esforços que fizestes em favor de um oprimido." Aquela carta e aquela oração estão hoje em poder da família de Amínu's-Sultán.

De Teerã, Sulaymán Khán viajou a Qum, e de acordo com as instruções, passou a viver em um cubículo no santuário da Imaculada.85 Os parentes de Amínu's-Sultán vieram em visita ao santuário; Sulaymán Khán perguntou pelo ministro destituído e expressou o desejo de encontrá-lo. Quando o ministro tomou conhecimento desse fato, mandou buscar Sulaymán Khán. Colocando toda sua confiança em Deus, Sulaymán Khán apressou-se à residência do ministro, e em audiência particular com ele, apresentou-lhe a carta deste Servo de Bahá ('Abdu'l-Bahá). O ministro levantou-se e recebeu a carta com extremo respeito. Então, dirigindo-se ao Khán, disse:

-- Eu havia perdido todas as esperanças. Se esse desejo for atendido, me levantarei para servir; preservarei e defenderei os amigos de Deus.

Ele então expressou sua gratidão, reconhecimento e alegria, e acrescentou:

-- Louvado seja Deus! Volto a ter esperanças; sinto que por meio de Sua ajuda, meu sonho tornar-se-á realidade.

Em suma, o ministro prometeu servir os amigos, e Sulaymán Khán retirou-se. O ministro quis, então, dar-lhe uma quantia em dinheiro para custear as despesas da viagem, mas Sulaymán Khán recusou, e a despeito da insistência do ministro, nada aceitou. O Khán não havia ainda alcançado a Terra Santa em sua viagem de volta quando Amínu's-Sultán foi chamado de volta do exílio e imediatamente designado mais uma vez, primeiro-ministro. Assumiu a posição e desfrutou da mais completa autoridade. Inicialmente, ele de fato apoiou os adeptos, mas mais no final, no caso dos mártires de Yazd, foi negligente. Não ajudou e nem protegeu as vítimas de qualquer modo, nem ouvia aos seus repetidos apelos, até que todos foram executados. Conseqüentemente, também ele perdeu seu cargo, tornando-se um homem arruinado; a bandeira que fora tão orgulhosamente desfraldada estava agora ao avesso, e aquele coração cheio de expectativas desesperou-se.

Sulaymán Khán continuou vivendo na Terra Santa, perto do Santuário, em volta do qual circula a Assembléia Exaltada. Esteve sempre próximo dos devotos até o dia da morte inescapável, quando partiu para as mansões dAquele que vive e não morre. Voltou as costas a esse monte de pó - o mundo - e apressou-se à região da luz. Rompeu a gaiola do ser contingente e elevou-se ao Domínio sem fim e sem lugar. Que Deus o envolva nas águas da Sua misericórdia, faça com que Seu perdão chova copiosamente sobre ele, e lhe conceda as maravilhas de abundantes graças. Saudações e louvor estejam sobre ele.

[51] 'ABDU'R-RAHMÁN, O ARTESÃO EM COBRE

Esse era um homem paciente e sofredor, oriundo de Káshán. Fora um dos primeiros devotos. A alvorada ainda não alcançara a sua face quando bebera do amor de Deus, vira com seus próprios olhos a mesa paradisíaca preparada, e recebera a sua fé e a sua porção de abundantes graças.

Em pouco tempo, deixou a sua casa e partiu para o jardim de rosas que era Bagdá, onde alcançou a honra de apresentar-se perante Bahá'u'lláh. Passou algum tempo no Iraque, e ganhou uma coroa de infindáveis bênçãos: ia à presença de Bahá'u'lláh, e muitas vezes O acompanhou a pé até o Santuário dos dois Kázims; esse era seu maior prazer.

'Abdu'r-Rahmán estava entre os prisioneiros exilados para Mosul, e mais tarde conseguiu arrastar-se até a fortaleza de 'Akká. Aqui viveu, abençoado por Bahá'u'lláh. Tinha um pequeno negócio, insignificante, mas estava contente com ele, feliz e em paz. Assim, caminhando pela senda da virtude, viveu até os oitenta anos, quando, serenamente e pacientemente, elevou-se ao Limiar de Deus. Que ali o Senhor o envolva com as Suas bênçãos e compaixão, e o adorne com as vestimentas do perdão. Sua luminosa sepultura está em 'Akká.

[52] MUHAMMAD-IBRÁHÍM-I-TABRÍZÍ

Esse homem, nobre e de espírito elevado, era filho do respeitado 'Abdu'l-Fattáh, que se encontrava na prisão de 'Akká. Sabendo que seu pai estava ali aprisionado, veio rapidamente para a fortaleza de maneira que, também ele, pudesse participar daquelas terríveis aflições. Era um homem sábio e compreensivo, em tumulto após haver bebido do vinho do amor de Deus, mas basicamente era dono de maravilhosa serenidade e calma.

Havia herdado a natureza do pai, e exemplificava o ditado segundo o qual uma criança é a essência secreta de seu antepassado. Por essa razão, durante um longo período deleitou-se com a proximidade da Presença Divina, desfrutando da mais pura paz. Durante o dia trabalhava em seu ofício, e à noite vinha apressadamente à porta de Sua casa, para estar com os amigos. Era próximo de todos aqueles que eram firmes e leais; era cheio de coragem, grato a Deus, abstêmio e casto, esperançoso e confiante nas bênçãos e graças do Senhor. Fez com que a lâmpada de seu pai brilhasse, iluminou a casa de 'Abdu'l-Fattáh, e deixou descendentes que fossem seus sucessores nesse mundo passageiro.

Sempre fazia tudo o que podia para trazer felicidade aos devotos; sempre se preocupava com o seu bem-estar. Era sagaz, sério, e firme. Por pura misericórdia de Deus, conservou-se leal até o fim, e firme na Fé. Que Deus lhe dê de beber da taça do perdão; que sorva da fonte da graça e do favor Divinos; que Deus o eleve às alturas da dádiva Divina. Seu perfumado túmulo está em 'Akká.

[53] MUHAMMAD-'ALÍY-I-ARDIKÁNÍ

Na flor da doce juventude, Muhammad-'Alí, o iluminado, ouviu o chamado de Deus, e entregou o coração à graça celestial. Passou a servir o Afnán, descendente da Árvore Sagrada, e viveu feliz e contente. Foi assim que ele veio ter à cidade de 'Akká, e por um longo tempo esteve presente no Sagrado Limiar, recebendo uma coroa de glória duradoura. O olhar da graça e da benevolência de Bahá'u'lláh estava sobre ele. Ele serviu com um coração leal. Tinha uma natureza feliz, um belo semblante; era um homem de fé, que buscava; fora testado e passara por provações.

Durante os dias de Bahá'u'lláh, Muhammad-'Alí permaneceu firme, e depois da Suprema Aflição, seu coração não lhe faltou, porquanto havia bebido o vinho do Convênio e seus pensamentos estavam fixados nas bênçãos de Deus. Mudou-se para Haifa e viveu, como um firme devoto, perto do Hazíratu'l Quds, ao lado do Santuário Sagrado no Monte Carmelo, até o seu suspiro final, quando lhe sobreveio a morte, tendo sido enrolado e guardado o tapete de sua vida terrena.

Esse homem foi um servo sincero do Limiar, um bom amigo para os devotos. Todos estavam felizes com ele, nele encontrando um excelente companheiro, gentil e suave. Que Deus o socorra em Seu Reino exaltado, e lhe conceda um lar no Reino de Abhá, e lhe envie abundante graça dos jardins do Paraíso - o lugar do encontro, o lugar da contemplação mística de Deus. O pó de seus restos mortais, perfumado como o âmbar, está em Haifa.

[54] HÁJÍ ÁQÁY-I-TABRÍZÍ

Cedo em sua juventude, esse homem espiritualizado, oriundo de Tabríz, intuíra o conhecimento místico e bebera do estonteante vinho de Deus, tendo, nos anos de idade avançada, se conservado firme na Fé como sempre fora.

Morou por algum tempo no Azerbaijão, enamorado do Senhor. Quando se tornou conhecido nas redondezas como alguém que dava testemunho do nome de Deus, o povo arruinou-lhe a vida. Seus parentes e amigos voltaram-se contra ele, encontrando, a cada dia, uma nova desculpa para persegui-lo. Finalmente, ele desmontou a casa, deu tudo à família e fugiu para Adrianópolis. Lá chegou no final do período de Adrianópolis, e foi aprisionado pelos opressores.

Junto conosco, que perambulávamos, sem pátria, e sob a proteção da Antiga Beleza, veio à Maior Prisão. Era um confidente e companheiro, compartilhando conosco as calamidades e atribulações, sempre humilde e suportando sofrimentos. Mais tarde, após haverem abrandado um pouco as restrições, ele dedicou-se ao comércio, e pelas graças de Bahá'u'lláh, sentiu-se confortável e em paz. Mas seu corpo se debilitara por causa das provações anteriores e de todo o sofrimento que lhe sucedera; suas faculdades deterioravam-se, até que finalmente ele adoeceu gravemente, sem esperanças de cura. Não muito longe de Bahá'u'lláh, na sombra de Sua proteção, ele apressou-se em deixar esse mundo insignificante rumo aos altos Paraísos, rumando desse lugar sombrio para a terra das luzes. Possa Deus imergi-lo nas águas do perdão; que o faça entrar nos jardins do Paraíso, e lá o mantenha a salvo para todo o sempre. O pó dos seus puros restos mortais repousa em 'Akká.

[55] QULÁM-'ALÍY-I-NAJJÁR

Esse homem, carpinteiro e artesão, era oriundo de Káshán. Em matéria de fé e de certeza, era como uma espada desembainhada. Era conhecido em sua cidade como um homem correto, verdadeiro e digno de confiança. Tinha o espírito elevado, era abstêmio e casto. Quando se tornou um devoto, seu ansioso desejo de ir ao encontro de Bahá'u'lláh era incontrolável. Cheio de amor exultante, ele deixou a terra de Káf (Káshán) e viajou para o Iraque, onde contemplou o esplendor do Sol nascente.

Era um homem suave, paciente, tranqüilo, contrito. Em Bagdá, trabalhava em seus artesanatos, sempre em contato com os amigos e apoiado pela presença de Bahá'u'lláh. Por algum tempo, viveu em completa paz e felicidade. Então, aqueles que haviam sido aprisionados foram enviados para Mosul, e ele estava entre as vítimas, e como todos, exposto à ira dos opressores. Foi mantido no cativeiro por muito tempo, e quando posto em liberdade, dirigiu-se a 'Akká. Aqui também era amigo dos prisioneiros e na Fortaleza continuou a praticar essa sua habilidade. Como sempre, era inclinado à solidão, apto a viver longe de amigos ou estranhos, e passava sozinho a maior parte do tempo.

Então, a provação suprema, a grande desolação, abateu-se sobre nós. Qulám-'Alí encarregou-se dos trabalhos de carpintaria do Túmulo Sagrado, pondo em prática todas as suas indubitáveis habilidades. Até hoje, o telhado de vidro que cobre o pátio interno do Santuário de Bahá'u'lláh lá permanece, sendo um produto de sua arte. Era um homem de coração transparente como um cristal. Seu semblante brilhava; sua disposição era sempre a mesma; em nenhum momento mostrava-se inconstante ou instável. Foi firme, amoroso e sincero até o último suspiro.

Após alguns anos nessa vizinhança, ele ascendeu às cercanias da envolvente misericórdia de Deus, e tornou-se um amigo daqueles que moram nos altos Paraísos. Teve a honra de avistar-se com Bahá'u'lláh em ambos os mundos. É esse o mais precioso privilégio, o mais caro de todos os presentes. Receba ele, saudações e louvor. Seu túmulo brilhante está em 'Akká.

[56] JINÁB-I-MUNÍB, QUE SOBRE ELE ESTEJA A GLÓRIA DO TODO-GLORIOSO

Seu nome era Mirza Áqá e ele era o próprio espírito. Era oriundo de Káshán. Nos dias do Báb, fora atraído pelas suaves fragrâncias de Deus; foi nesse momento que ardeu em chamas. Era um ótimo jovem, belo, cheio de charme e graça. Era um inigualável calígrafo, um poeta, dono ademais de uma notável voz. Era sábio e perceptivo; firme na fé de Deus; uma chama do amor Divino, desapegado de tudo, salvo de Deus.

Durante os anos em que Bahá'u'lláh residiu no Iraque, Jináb-i-Muníb deixou Kashán e apressou-se à Sua presença. Foi viver em uma casa pequena e humilde, conseguindo sobreviver com dificuldade, e pôs-se a escrever as palavras de Deus. Em seu semblante estavam claramente refletidas as graças concedidas pela Manifestação. Nesse mundo mortal, ele só tinha uma coisa: sua filha, a quem ele havia deixado na Pérsia, ao partir apressadamente do Iraque. No momento em que, com toda pompa e cerimônia, Bahá'u'lláh e Seu séqüito partiam de Bagdá, Jináb-i-Muníb acompanhou o grupo a pé. Esse jovem ficara conhecido na Pérsia por sua vida confortável e agradável e pelo amor ao prazer; e também por ter uma constituição um pouco frágil e delicada, e por estar acostumado a fazer o que bem queria. Não é difícil imaginar o que uma pessoa desse tipo suportou, caminhando de Bagdá até Constantinopla. Mesmo assim, alegremente ia contando as milhas do deserto, e passava os dias e noites entoando orações, comungando com Deus e invocando Seu nome.

Foi meu bom companheiro naquela viagem. Havia noites em que caminhávamos, cada um num dos lados do howdah86 de Bahá'u'lláh, e a alegria que experimentávamos era indescritível. Em algumas dessas noites ele entoava poemas; entre estes entoava as odes de Háfiz, como a que assim se inicia: "Venham, vamos espalhar estas rosas, vamos servir este vinho,"87 e ainda aquele outro:

Embora curvando os joelhos para o nosso Rei,
somos reis da estrela da manhã.
Não somos feitos de cores cambiantes;
Leões vermelhos, dragões negros, é o que somos!

À época de Sua partida para Constantinopla, a Abençoada Beleza orientou Jináb-i-Muníb a retornar à Pérsia e propagar a Fé. Conseqüentemente, ele para lá voltou, e durante muito tempo prestou importantes serviços à Fé, especialmente em Teerã. Então veio mais uma vez da Pérsia a Adrianópolis, apresentando-se a Bahá'u'lláh, desfrutando do privilégio de servi-Lo. Quando ocorreu a maior catástrofe, isto é, o exílio para 'Akká, foi ele aprisionado e nesse Caminho viajou, agora, frágil e doente, com o grupo de Bahá'u'lláh.

Havia sido vitimado por uma grave moléstia e estava deploravelmente enfraquecido. Entretanto, não concordava em permanecer em Adrianópolis, onde poderia receber tratamento, porque queria sacrificar a sua vida e cair aos pés de seu Senhor. Seguimos viagem até que alcançamos a costa. Ele estava agora tão fraco que eram necessários três homens para carregá-lo para dentro do barco. Já a bordo, seu estado piorou tanto que o capitão insistiu que o tirássemos do navio, mas por causa de nossos insistentes pedidos ele esperou, até que chegamos a Esmirna. Em Esmirna, o capitão dirigiu-se ao coronel 'Umar Bayk, o agente do governo que nos acompanhava, e disse-lhe:

-- Se não o desembarcares, eu o farei pela força, porque o navio não pode aceitar passageiros nestas condições.

Fomos obrigados, então, a levar Jináb-i-Muníb ao hospital em Esmirna. Fraco como se encontrava, incapaz de murmurar uma palavra sequer, ele arrastou-se até Bahá'u'lláh, prostrou-se aos Seus pés, e chorou. Havia também dor intensa no semblante de Bahá'u'lláh.

Carregamos Jináb-i-Muníb até o hospital, mas os funcionários não nos deixaram ficar mais do que uma hora. Nós o colocamos na cama; deitamos sua bela cabeça sobre o travesseiro; o abraçamos e beijamos muita vezes. Então, eles nos forçaram a sair. Está claro como nos sentimos. Sempre que penso naquele momento, as lágrimas me vêm; meu coração pesa e busco reunir as lembranças de quem ele era. Um grande homem; infinitamente sábio, firme, modesto e sério; e não havia outro como ele na fé e na certeza. Nele, estavam juntas as perfeições internas e externas, espirituais e físicas. Por isso lhe seria dado receber infinitas bênçãos e graças.

Seu túmulo fica em Esmirna, mas está isolado e deserto. Sempre que possível, os amigos deverão procurá-lo, e aquele pó negligenciado deverá ser transformado em um santuário freqüentado, de maneira que os peregrinos que o visitarem possam respirar a doce fragrância de seu último lugar de repouso.

[57] Mirza MUSTAFÁ NARÁQÍ

Entre o grupo de almas puras e boas estava Mirza Mustafá Naráqí, importante cidadão de Naráq e um dos primeiros devotos. Seu semblante brilhava com o amor de Deus. Sua mente estava voltada para as anêmonas dos significados místicos, bela como prados e canteiros de flores.

Foi nos dias do Báb que ele pela primeira vez levou aos lábios a taça intoxicante da verdade espiritual, e sua mente estava tomada por um estranho tumulto, um vigoroso anelo de seu coração. No caminho de Deus ele renunciou a tudo que possuía; abriu mão de tudo, deixou sua casa, sua família, seu bem-estar físico, sua paz de espírito. Como um peixe na areia, lutava para alcançar a água da vida. Veio ao Iraque, reuniu-se aos amigos de sua alma, e apresentou-se diante de Bahá'u'lláh. Por algum tempo viveu ali, feliz e contente, recebendo infinitas bênçãos. Então, foi enviado de volta à Pérsia, onde serviu à Fé ao máximo de sua capacidade. Era um homem íntegro e talentoso, firme, solidamente enraizado como as montanhas, sério e digno de confiança. Para ele, em meio a todo aquele tumulto e pânico, os uivos dos cães selvagens não passavam de zumbidos das moscas; os testes e provações repousavam a sua mente; quando lançado ao mar de aflições que irrompeu-se, provou ser feito de ouro faiscante.

No dia em que o séqüito de Bahá'u'lláh partia de Constantinopla rumo a Adrianópolis, Mirza Mustafá chegou da Pérsia. Não havia oportunidade para que ele alcançasse Bahá'u'lláh, exceto uma; portanto foi orientado a retornar para a Pérsia. Naquele momento, teve a honra de ser recebido.

Quando Mirza Mustafá chegou ao Azerbaijão, começou a propagar a Fé. Dia e noite permanecia em estado de oração, e ali em Tabríz sorveu da taça transbordante. Seu fervor cresceu e seu ensino causou um tumulto. Então, o eminente erudito, o renomado Shaykh Ahmad-i-Khurásání, veio ao Azerbaijão e os dois juntaram forças. O resultado foi um fogo espiritual tão avassalador que ensinaram a Fé publicamente e abertamente e o povo de Tabríz levantou-se irado.

Os "farráshes" os caçaram, e pegaram Mirza Mustafá. Entretanto, os opressores disseram:

-- Mirza Mustafá tinha dois longos cachos de cabelo. Esse não pode ser o homem certo.

Imediatamente, Mirza Mustafá tirou o chapéu deixando que caíssem os cachos.

-- Vejam! - disse-lhes. Sou eu o homem!

Foi aprisionado ali mesmo. Torturaram-no e ao Shaykh Ahmad, até que, finalmente, em Tabríz, esses dois grandes homens esvaziaram a taça da morte e, martirizados, apressaram-se ao Horizonte Supremo.

No lugar onde seriam executados, Mirza Mustafá gritou:

-- Mata-me primeiro, mata-me antes do Shaykh Ahmad, para que eu não o veja derramar seu sangue!

Sua grandeza foi registrada para todo o sempre nas Escrituras de Bahá'u'lláh. Receberam eles muitas de Suas Epístolas, e depois de sua morte, Ele descreveu, com Sua pena exaltada, a angústia que suportaram nesta vida.

Desde a juventude até a velhice esse homem ilustre, Mirza Mustafá, devotou toda sua vida ao serviço no caminho de Deus. Hoje mora no Domínio todo-glorioso, nas proximidades da inefável misericórdia de Deus, e ele se alegra com imensa felicidade, e celebra o louvor de Seu Senhor. Que receba bênçãos, e uma formosa morada.88 Que a ele sejam levadas novas de grande alegria, do Senhor dos Senhores. Que Deus lhe conceda uma exaltada posição naquela elevada Assembléia.

[58] ZAYNU'L-MUQARRIBÍN

Esse homem ilustre foi um dos maiores entre os companheiros do Báb e entre os amados de Bahá'u'lláh. Enquanto vivia como muçulmano, já era afamado por sua pureza e pela santidade da sua vida. Era talentoso e dono de muitos dons, em vários aspectos. Era líder e o exemplo espiritual para toda a população de Najaf-Ábád, e as pessoas eminentes daquela área demonstravam-lhe ilimitado respeito. Quando falava, sempre lhe cabia a opinião decisiva; quando emitia algum julgamento, esse era implementado; era conhecido por todos como o padrão e a autoridade de última instância.

Logo que ouviu falar da Declaração do Báb, bradou do fundo do coração: "Ó, nosso Senhor! Realmente ouvimos a voz dAquele que chamou. Ele nos chamou para a Fé - 'Crê tu em teu Senhor' - e cremos."89 Livrou-se de todos os véus que lhe velavam a vista; suas dúvidas se desfizeram; e ele começou a exortar e glorificar a Beleza prometida de outrora. Em seu próprio lar, em Isfáhán, tornou-se famoso por declarar para todos os ventos que o advento dAquele há muito desejado havia ocorrido. Para os hipócritas, era alvo de zombarias, amaldiçoado e atormentado. Quanto ao povo, "a massa, como uma serpente na grama", que antes o adorara, agora se levantava para fazer-lhe mal. Cada dia trazia uma nova crueldade, um novo tormento de seus opressores. Suportou tudo, e continuou a ensinar com grande eloqüência. Permanecia firme, impassível, enquanto a ira dos perseguidores crescia. Em suas mãos oferecia uma taça cheia das boas-novas Divinas, oferecendo a todos os que se aproximavam aquela intoxicante bebida do conhecimento de Deus. Não tinha medo algum, não se incomodava com o perigo, e velozmente seguia o sagrado caminho de Deus.

Após o atentado contra a vida do Xá, entretanto, não havia abrigo em lugar algum; não havia noite ou manhã sem aflição intensa. E como sua permanência em Najaf-Ábád, em tal momento, implicava em grande perigo para os devotos, ele deixou aquele lugar e partiu para o Iraque. Foi durante o período em que a Abençoada Beleza estava no Curdistão, quando havia se retirado para a caverna de Sar-Galú, que Jináb-i-Zayn chegou em Bagdá. Suas esperanças foram frustradas, seu coração estava aflito, pois tudo era silêncio: não se falava da Causa de Deus, não se referiam a ela e nem era afamada; não havia reuniões, e tampouco se levantava o Chamado. Yahyá, tomado de terror, havia desaparecido, refugiando-se em algum escuro esconderijo. Torpe e fraco, tornara-se invisível. Embora procurasse muito, Jináb-i-Zayn não encontrou uma só alma. Encontrou-se uma única vez com sua eminência, o Kalím. Mas foi um período durante o qual grandes precauções estavam sendo adotadas pelos devotos, e ele prosseguiu em seu caminho para Karbilá. Lá ele passou algum tempo, ocupando-se em copiar as Escrituras, após o que, retornou para sua casa em Najaf-Ábád. Ali as cruéis perseguições e ataques de seus incansáveis inimigos eram insuportáveis.

Todavia, quando a Trombeta soou pela segunda vez90, a vida lhe foi devolvida. Às novas do advento de Bahá'u'lláh, sua alma respondeu; ao rufar dos tambores: "Não sou o Teu Senhor?" Seu coração batia em resposta: "Sim, verdadeiramente!"91 Eloqüentemente, ele ensinou de novo, utilizando provas tanto históricas como racionais para mostrar que Aquele que Deus tornará Manifesto - o Prometido do Báb - havia realmente aparecido. Ele era como água refrescante para os sedentos, e para os que buscavam, uma resposta clara da Assembléia do Alto. Em seus escritos e suas palavras era o primeiro entre os corretos, em suas explicações e comentários, um poderoso sinal de Deus.

Na Pérsia, sua vida corria perigo iminente, e como a sua permanência em Najaf-Ábád teria provocado os agitadores e causado tumulto, ele se apressou a Adrianópolis, buscando refúgio com Deus e bradando, enquanto avançava: "Senhor, Senhor, eis-me aqui!" Vestido com o traje do amante da peregrinação, ele alcançou a Meca de seus desejos. Por algum tempo lá permaneceu, na presença de Bahá'u'lláh, depois do que recebeu ordens para partir com Jináb-i-Mirza Já'far-i-Yazdí, e disseminar a Fé. Voltou à Pérsia e começou a ensinar eloqüentemente, de modo que as boas-novas do advento do Senhor ressoaram nos altos céus. Em companhia de Mirza Ja'far ele viajou por todos os lados, atravessando cidades que desabrochavam e outras arruinadas, disseminando as boas-novas de que a Abençoada Beleza estava agora manifesta.

Mais uma vez retornou ao Iraque, onde era o centro de todas as reuniões, e alegrava os seus ouvintes. Em todos os momentos deu sábios conselhos; em todos os momentos era consumido pelo amor a Deus.

Quando os devotos foram aprisionados no Iraque e banidos para Mosul, Jináb-i-Zayn tornou-se seu líder. Permaneceu por algum tempo em Mosul, sendo um consolo para os demais, trabalhando para solucionar os seus inúmeros problemas. Despertava o amor no coração das pessoas, tornando-os bondosos uns para com os outros. Mais tarde, solicitou permissão para servir a Bahá'u'lláh. Quando recebeu a autorização, chegou à Prisão e teve a honra de apresentar-se a seu Bem-Amado. Dedicou-se então a escrever os versos sagrados e a estimular os amigos. Era o próprio amor para os emigrantes, e aquecia os corações dos viajantes. Jamais descansava por um minuto sequer, e recebia novas graças e bênçãos todos os dias, enquanto anotava as Escrituras Bahá'ís com escrupuloso cuidado.

Desde a sua juventude até o seu último suspiro, esse homem eminente jamais falhou no serviço à Manifestação. Após a Ascensão, foi consumido por tal tristeza, por tantas e tão constantes lágrimas e tal angústia, que com o passar dos dias, ele definhou. Permaneceu fiel ao Convênio, e foi um íntimo companheiro desse servo da Luz do Mundo, mas desejava retirar-se dessa vida, e aguardava a sua partida a cada dia. Finalmente, sereno e feliz, alegrando-se pelas novas do Reino, ele ascendeu àquela terra misteriosa. Lá foi libertado de toda tristeza, e no lugar da reunião dos esplendores, foi imerso em luz.

Com ele estejam saudações e louvor do Reino luminoso, e a glória do Todo-Glorioso da Assembléia no Alto. Grande seja sua alegria de estar naquele Reino eterno. Que Deus lhe conceda uma exaltada posição no Paraíso de Abhá.

[59] 'AZÍM-I-TAFRÍSHÍ

Esse homem de Deus veio do distrito de Tafrísh. Era desapegado do mundo, destemido, independente tanto de amigos como de estranhos. Foi um dos primeiros devotos, e pertencia ao grupo dos leais. Foi na Pérsia que foi agraciado com a honra do dom da fé, e começou a dar assistência aos amigos; era um servo para todos os devotos, e um ajudante fidedigno para todo viajante. Com Músáy-i-Qumí, sobre ele esteja a glória de Deus, ele veio ao Iraque, recebeu seu quinhão de bênçãos da Luz do Mundo, e teve a honra de apresentar-se a Bahá'u'lláh, a Ele servindo e tornando-se objeto de benefícios e graças.

Depois de algum tempo, 'Azím e Hájí Mirza Músá voltaram para a Pérsia, onde continuaram a prestar serviços aos amigos, exclusivamente pelo amor de Deus. Sem salário ou remuneração, ele serviu a Mirza Nasru'lláh de Tafrísh por um certo número de anos, sua fé e certeza crescendo a cada dia. Mirza Nasru'lláh, então, deixou a Pérsia rumo a Adrianópolis, e em sua companhia veio Jináb-i-'Azím, e apresentou-se a Bahá'u'lláh. Continuou servindo com amor e lealdade, puramente por amor a Deus, e quando a comitiva partiu de Ákká, 'Azím recebeu a distinção de acompanhar Bahá'u'lláh, e entrou na Maior Prisão.

Na prisão foi escolhido para servir à Residência; tornou-se carregador de água tanto no interior da casa como fora dela. Levou a cabo muitas tarefas difíceis nos alojamentos. Não tinha qualquer descanso, nem de dia e nem de noite. 'Azím, "o grande, o magnífico" - era magnífico no que dizia respeito ao caráter. Era paciente, suportava os sofrimentos, resignado, evitando as máculas desta terra. E como era o carregador de água da família, teve a honra de apresentar-se perante Bahá'u'lláh todos os dias.

Era um bom companheiro para todos os amigos, um consolo para seus corações; trouxe alegria a todos, tanto aos presentes como aos ausentes. Muitas e muitas vezes, Bahá'u'lláh foi ouvido a expressar a Sua aprovação desse homem. Ele sempre manteve a mesma condição interior: era constante e nunca sujeito a mudanças. Tinha sempre uma fisionomia alegre. Não conhecia o cansaço. Nunca desanimou. Quando qualquer pessoa lhe pedia um serviço, ele o realizava imediatamente. Era firme e sólido em sua fé, uma árvore a crescer no jardim perfumado da ternura Divina.

Depois de servir no Sagrado Limiar por muitos e longos anos, ele apressou-se, tranqüilo e sereno, alegrando-se com as boas-novas do Reino, para longe dessa vida evanescente rumo ao mundo imortal. Todos os amigos lamentaram seu falecimento, mas a Abençoada Beleza tranqüilizou seus corações, condescendendo graças e louvores àquele que se fora.

Que a misericórdia do Reino da compaixão Divina esteja com 'Azím; que a glória de Deus esteja sobre ele, à noite e ao alvorecer.

[60] Mirza JÁ'FAR-I-YAZDÍ

Esse cavaleiro dos campos de batalha era um dos mais eruditos, dos que buscavam a verdade e bem versado em muitas esferas do conhecimento. Durante muito tempo esteve em diferentes escolas, especializando-se nos fundamentos da religião e da jurisprudência religiosa, realizando pesquisas em filosofia e metafísica, lógica e história, as ciências contemplativas e narradas.92 Começou, entretanto, a notar que seus companheiros eram arrogantes e vaidosos, e isso o afastou. Foi, então, que ouviu o grito da Assembléia Suprema, e sem um só momento de hesitação, levantou a voz e bradou: "Sim, verdadeiramente!" E repetiu as palavras: " Ó nosso Senhor! Ouvimos a voz que nos chamou. Ele nos chamou para a Fé - 'Crê em teu Senhor' e nós cremos."93

Ao ver o grande tumulto e os levantes em Yazd, ele deixou a sua terra natal e partiu para Najaf, a cidade nobre. Ali, em nome de sua própria segurança, misturou-se aos estudiosos da religião, tornando-se famoso entre eles pela amplitude de seu conhecimento. Então, ouvindo a voz que vinha de Bagdá, para lá se apressou, mudando a sua maneira de vestir, isto é, passou a usar um chapéu de leigo na cabeça, e foi trabalhar como carpinteiro para ganhar a vida. Viajou uma vez para Teerã, e no retorno, foi abrigado pela graça de Bahá'u'lláh, sendo paciente e alegre, contente com sua vestimenta de pobreza. Apesar de seus vastos conhecimentos, era humilde, modesto e discreto. Mantinha-se sempre em silêncio, e era uma boa companhia para qualquer tipo de homem.

Durante a viagem do Iraque para Constantinopla, Mirza Já'far fazia parte da comitiva de Bahá'u'lláh, e era companheiro deste servo no atendimento às necessidades dos amigos. Quando chegávamos a uma parada, os devotos, exaustos pelas longas horas de viagem, descansavam ou dormiam, enquanto Mirza Já'far e eu íamos aqui e ali pelos vilarejos próximos em busca de aveia, palha e outras provisões para a caravana.94 Como houve uma grande escassez de alimentos naquela região, acontecia às vezes de ficarmos perambulando de aldeia em aldeia desde o meio-dia até a noite para conseguir somente metade do necessário. Da melhor maneira que podíamos, comprávamos o que estivesse disponível, para então retornarmos ao comboio. Mirza Já'far era paciente e resignado, um fiel servidor ao Sagrado Limiar. Era servo de todos os amigos, e trabalhava dia e noite. Era um homem tranqüilo, de poucas palavras, para todas as coisas apoiava-se inteiramente em Deus. Continuou a servir em Adrianópolis até a ocasião do banimento para 'Akká, quando, também, ele caiu prisioneiro. Era grato por isso, e continuamente oferecia agradecimentos, dizendo: "Deus seja louvado! Estou na Arca carregada!" 95 A Prisão era para ele um jardim de rosas, e sua cela estreita, um lugar amplo e perfumado. Enquanto estávamos na fortaleza, ele caiu gravemente doente e ficou confinado à cama. Seu estado de saúde passou por muitas complicações, até que o médico finalmente desistiu dele e não mais o visitou. Então, o enfermo deu seu último suspiro. Mirza Áqá Ján correu para Bahá'u'lláh, para dar a notícia da morte. Não apenas havia o paciente cessado de respirar, como o corpo perdera todas as forças. Sua família estava reunida à sua volta, lamentando e vertendo lágrimas amargas. A Abençoada Beleza me disse:

-- Vá, entoe a oração de Yá Sháfí - Ó Tu, O que cura - e Mirza Já'far reviverá. Muito rapidamente, ele estará bem como sempre.

Cheguei à sua cabeceira. Seu corpo estava frio e todos os sinais da morte estavam presentes. Vagarosamente, ele começou a se mexer; logo podia mover os membros, e antes que se passasse uma hora levantou a cabeça, sentou-se e começou a rir e a contar anedotas.

Viveu por muito tempo depois disso, sempre ocupado servindo os amigos. Servir era um motivo de orgulho para ele; para todos era um servo. Era sempre modesto e humilde, invocando a Deus, e no mais alto grau, cheio de esperança e fé. Finalmente, enquanto ainda na Maior Prisão, ele abandonou essa vida terrena e alçou vôo para a vida do além.

Saudações e louvor estejam sobre ele; sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso, e os olhares favoráveis do Senhor. Seu túmulo luminoso está em 'Akká.

[61] HUSAYN-ÁQÁY-I-TABRÍZÍ

Esse homem, próximo do Limiar Divino, era o respeitável filho de 'Alí-'Askar-i-Tabrízí. Cheio de ansioso amor, veio com seu pai de Tabríz a Adrianópolis, e por sua própria vontade prosseguiu com alegria e esperança para a Maior Prisão. Desde o dia de sua chegada à fortaleza de 'Akká, ele se encarregou do serviço do café, e servia aos amigos. Esse homem cheio de qualidades era tão paciente, tão dócil, que durante um período de mais de quarenta anos, apesar de extremas dificuldades (pois dia e noite, amigos e estranhos comprimiam-se nas portas), ele servia a cada um dos que vinham, a todos ajudando fielmente. Durante todo aquele tempo Husayn-Áqá nunca ofendeu a nenhuma alma, nem qualquer pessoa deixou escapar qualquer reclamação em relação a ele. Era um verdadeiro milagre, e ninguém mais poderia ter estabelecido um melhor registro de dedicação. Estava sempre sorrindo, atento às tarefas que lhe eram atribuídas, conhecido como um homem em quem se podia confiar. Era firme na Causa de Deus, com orgulho disto e fidedigno; em tempos de calamidade era paciente e resignado.

Após a ascensão de Bahá'u'lláh, ergueram-se os fogos dos testes e um turbilhão de transgressões golpeou o edifício da Causa. Esse devoto, apesar de um estreito vínculo de parentesco com os infiéis, permaneceu leal, demonstrando tal força e firmeza que manifestou as palavras: "Na Causa de Deus, à censura do que censura, ele não temerá."96 Nem por um momento hesitou, ou vacilou em sua fé, mas manteve-se firme como uma montanha, orgulhoso como uma cidadela inexpugnável, e profundamente enraizado.

Os rompedores do Convênio levaram sua mãe à casa deles, pois lá se encontrava sua filha. Fizeram tudo o que puderam para enfraquecer a sua fé. A um ponto inimaginável, cumularam-na de favores, encheram-na de gentilezas, escondendo o fato de haverem violado o Convênio. Finalmente, entretanto, aquela respeitável serva de Bahá'u'lláh detectou o odor da violação, quando, então, ela imediatamente deixou a Mansão de Bahjí e apressou-se a 'Akká.

-- Sou a serva da Abençoada Beleza - disse - e leal a Seu Convênio e Testamento. Mesmo que meu genro fosse um príncipe do reino, que vantagem teria eu? Não me ganharão por parentesco e demonstrações de afeição. Não me preocupo com as demonstrações exteriores de amizade daqueles que são a incorporação do desejo egoísta. Apoio o Convênio e mantenho-me firme a favor do Testamento." Ela não consentiu em encontrar-se novamente com os rompedores do Convênio; libertou-se completamente deles, e voltou a face a Deus.

Quanto a Husayn-Áqá, ele nunca se separou deste Servo de Bahá ('Abdu'l-Bahá). Tinha a maior consideração por mim e era meu companheiro constante, e por isso seu falecimento foi para mim um golpe terrível. Ainda hoje, sempre que ele me vem à mente me entristeço e lamento sua perda. Mas Deus seja louvado, pois esse homem de Deus, nos dias da Abençoada Beleza, manteve-se sempre em estreita proximidade de Sua Residência, e era objeto de Sua aprovação. Muitas vezes, Bahá'u'lláh foi ouvido comentando que Husayn-Áqá fora criado para realizar esse serviço.

Depois de quarenta anos de serviço, ele abandonou esse mundo passageiro e ascendeu aos domínios de Deus. Saudações e louvores estejam com ele, e também a misericórdia de seu generoso Senhor. Que seu túmulo seja cercado de luzes, jorrando do exaltado Companheiro. Seu lugar de repouso fica em 'Akká.

[62] HÁJÍ 'ALÍ-'ASKAR-I-TABRÍZÍ

O ilustre 'Alí-'Askar era um mercador de Tabríz. Era muito respeitado no Azerbaijão por todos aqueles que o conheciam, e reconhecido pela devoção e fidedignidade, pela piedade e grande fé. O povo de Tabríz, sem exceção alguma, reconhecia a sua excelência e louvava seu caráter e modo de vida, suas qualidades e talentos. Fora um dos primeiros devotos, e um dos mais notáveis.

Quando a Trombeta soou pela primeira vez, ele perdeu os sentidos, e ao segundo estrondo, foi acordado para uma nova vida.97 Tornou-se uma vela queimando pelo amor a Deus, uma árvore do bem nos jardins de Abhá. Guiou toda sua família, seus outros parentes e seus amigos para a Fé, e prestou muitos serviços com sucesso. Mas, a tirania dos perversos trouxe-o a uma angustiante situação, e era acossado por novas aflições todos os dias. Entretanto, ele não cedeu e nem desanimou; ao contrário, sua fé, sua certeza e abnegação aumentaram. Finalmente, não mais pôde suportar sua terra natal. Acompanhado por sua família, chegou a Adrianópolis, e ali passou dias ainda com limitações financeiras, mas contente, com dignidade, paciência, aquiescência e rendendo louvores. Então, partiu à cidade de Jum'ih-Bázár para ganhar a vida. O que tinha consigo era uma ninharia, e mesmo assim ladrões o roubaram. Quando o cônsul persa soube disso apresentou um documento ao governo indicando uma enorme soma de dinheiro como o valor dos bens roubados. Por acaso, os ladrões foram aprisionados e mostraram estar na posse de fundos consideráveis. Decidiu-se então investigar o caso. O cônsul chamou Hájí 'Alí-'Askar e disse-lhe:

-- Esses ladrões são muito ricos. Em meu relatório para o governo escrevi que o montante do roubo foi alto. Portanto, você deverá comparecer ao julgamento e testemunhar em conformidade com o que escrevi.

O Hájí respondeu:

-- Vossa Excelência Khán, os bens roubados tinham muito pouco valor. Como posso testemunhar algo que não é verdade? Quando me perguntarem, darei os fatos exatamente como são. Isso é o que considero ser meu dever, e somente isso.

- Hájí - disse o cônsul - temos aqui uma oportunidade de ouro. Você e eu podemos lucrar com ela. Não deixe que uma oportunidade única como essa lhe escape das mãos.

O Hájí respondeu:

-- Khán, como justificar isso perante Deus? Deixa-me. Direi a verdade e nada mais do que a verdade.

O cônsul estava enraivecido. Começou a ameaçar e a espancar 'Alí-Askar.

-- Queres me fazer passar por mentiroso? - gritou. Queres fazer de mim um objeto de escárnio? Mandar-te-ei para a prisão; farei com que sejas banido; não te pouparei nenhum tormento. Nesse mesmo instante eu te entregarei à polícia, e direi a eles que és um inimigo do Estado, e que deves ser algemado e levado à fronteira persa.

O Hájí apenas sorriu.

-- Jináb-i-Khán - disse - eu renunciei à minha vida pela verdade. Nada mais tenho. Estás me dizendo que minta e preste falso testemunho. Faças de mim o que quiseres; não voltarei as costas ao que é certo.

Quando o cônsul viu que não havia meios de fazer com que 'Alí-Askar prestasse falso testemunho, disse:

-- É melhor, então, que deixes esse lugar, de modo que eu possa informar o governo que o proprietário da mercadoria não está mais disponível e que partiu. De outra maneira, cairei em desgraça.

O Hájí retornou a Adrianópolis e nada disse sobre os bens roubados, mas o assunto tornou-se de domínio público e causou considerável surpresa.

Aquele velho homem, puro e raro, foi feito prisioneiro em Adrianópolis juntamente com os demais, e acompanhou a Abençoada Beleza para a fortaleza de 'Akká, a casa-prisão de tristezas. Com toda sua família, ele foi aprisionado no caminho de Deus por um período de anos. Estava sempre agradecendo, porquanto a prisão era para ele um palácio e o cativeiro era razão de alegria. Em todos aqueles anos, dele nunca se ouvira outras palavras, exceto expressões de gratidão e louvor. Quanto maior era a tirania dos opressores, mais feliz ficava. Muitas vezes ouviu-se Bahá'u'lláh falar dele com amorosa bondade, dizendo: "Estou satisfeito com ele." Esse homem, a personificação do espírito, manteve-se constante, verdadeiro, e feliz até o fim. Passados alguns anos, ele trocou esse mundo do pó pelo Reino inviolado, deixando influências poderosas.

Via de regra, era um íntimo companheiro deste Servo de Bahá ('Abdu'l-Bahá). Um dia, no início de nosso período na Prisão, me apressei ao local da fortaleza onde ele morava - a cela que era seu pobre ninho. Estava ali deitado, com uma febre alta, e delirava. Do seu lado direito jazia sua esposa, tremendo com calafrios. À sua esquerda encontrava-se sua filha, Fátimih, queimando com tifo. Mais além estava seu filho, Husayn-Áqá, vítima da escarlatina; ele havia esquecido o idioma persa, e gritava em turco:

-- Minhas entranhas estão queimando!

Aos pés do pai jazia a outra filha, profundamente doente, e junto à parede estava seu irmão, Mashhadí Fattáh, também delirante. Nessas condições, os lábios de 'Alí-'Askar movimentavam-se - enviava agradecimentos a Deus e expressava alegria.

Louvado seja Deus! Ele faleceu na Maior Prisão, sempre paciente e grato, sempre com dignidade e firme em sua fé. Ele ascendeu aos retiros do Senhor compassivo. Sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso; para ele vão saudações e louvor: sobre ele estejam a misericórdia e o perdão para todo o sempre.

[63] ÁQÁ 'ALÍY-I-QAZVÍNÍ

Esse eminente homem tinha altas ambições e objetivos. Era constante, leal, e firmemente enraizado em sua fé num grau supremo. Figurava entre os primeiros e maiores dos devotos. Ainda na alvorada do novo Dia de Guia enamorou-se do Báb e começou a ensinar. Desde a manhã até a noite ele trabalhava em seu ofício, e quase toda noite recebia os amigos para jantar. Dessa forma, sendo anfitrião para os amigos no espírito, ele guiou muitos buscadores para a Fé, atraindo-os com a melodia do amor de Deus. Era surpreendentemente constante, vigoroso e perseverante.

Então, o ar carregado de perfume começou a mover-se dos jardins do Todo-Glorioso, e incendiou-se em conseqüência da chama recentemente ateada. Suas ilusões e fantasias foram queimadas e ele se levantou para proclamar a Causa de Bahá'u'lláh. Todas as noites havia uma reunião, um encontro, que rivalizava com as flores dos canteiros. Eram lidos os versos, entoadas as canções e compartilhada a notícia do maior dos Adventos. Ele passava a maior parte do tempo mostrando bondade igualmente a amigos e estranhos; era um ser magnânimo, de mãos e coração abertos.

Chegou o dia em que partiu para a Maior Prisão, e chegou com sua família à fortaleza de 'Akká. Havia sido afligido por muitas provações durante a viagem, mas o seu desejo de ver Bahá'u'lláh era tal que a ele as calamidades pareciam fáceis de suportar. Pacientemente procurava um lar no abrigo da graça de Deus.

No início, possuía meios e a vida era confortável e agradável. Mais tarde, entretanto, ficou sem nada e sujeito a terríveis provações. Na maior parte do tempo o seu alimento era pão, e nada mais; no lugar de chá, bebia água de um riacho. Ainda assim, permanecia feliz e contente. Sua grande alegria era a perspectiva de chegar à presença de Bahá'u'lláh; a reunião com seu Amado era graça suficiente; seu alimento era contemplar a beleza da Manifestação; seu vinho, estar com Bahá'u'lláh. Estava sempre sorrindo, sempre silente; mas ao mesmo tempo seu coração cantava, pulava e dançava.

Muito freqüentemente, ficava na companhia deste Servo de Bahá ('Abdu'l-Bahá). Era um excelente amigo e camarada, feliz, agradável; estimado por Bahá'u'lláh, respeitado pelos amigos, afastava-se do mundo e confiava em Deus. Não havia hesitação nele; sua condição interna era sempre a mesma: estável, constante e firmemente enraizada como as montanhas.

Sempre que evoco a sua imagem e me lembro daquela paciência e serenidade, aquela lealdade, aquele contentamento, involuntariamente me descubro pedindo a Deus que derrame as Suas bênçãos sobre Áqá 'Alí. Provações e calamidades estavam sempre recaindo sobre aquele estimável homem. Estava sempre doente, continuamente sujeito a inúmeras moléstias. A razão era que quando ainda na terra natal e servindo a Fé em Qazvín, fora preso pelos malevolentes que lhe bateram tão brutalmente na cabeça que os efeitos perduraram até o momento de sua morte. Eles o maltrataram e o atormentaram de muitas maneiras e se permitiram infligir-lhe todo tipo de crueldade; no entanto seu único crime fora o de tornar-se um dos devotos, e seu único pecado, ter amado a Deus. Como escreveu o poeta, em linhas que ilustram a angústia de Áqá 'Alí:

Por corujas o falcão real é cercado.

Despedaçam suas asas, embora ele esteja livre de pecado.

"Por que" - assim escarnecem - "lembras ainda
aquele pulso real, aquele palácio onde estavas?"

É um pássaro soberano: esse crime sim, ele cometeu.

Com exceção da beleza, qual terá sido o pecado de José?

Resumindo, aquele grande homem passou seu tempo na prisão de 'Akká, orando, suplicando, voltando a face para Deus. Graça infinita o envolveu; desfrutava dos favores de Bahá'u'lláh, muitas vezes admitido em Sua presença e inundado de infinitas bênçãos. Era essa a sua alegria e seu deleite, sua grande felicidade, seu mais caro desejo.

Então, chegou a hora fixada para ele, o alvorecer de suas esperanças, e veio a sua hora de ascender ao reino invisível. Abrigado sob a proteção de Bahá'u'lláh, ele rapidamente adiantou-se rumo àquela terra misteriosa. Para ele vão saudações e louvor e misericórdia do Senhor desse mundo e do mundo vindouro. Que Deus ilumine seu lugar de repouso com raios da Assembléia do Alto.

[64] ÁQÁ MUHAMMAD-BÁQIR E ÁQÁ MUHAMMAD-ISMÁ'ÍL, O ALFAIATE

Estes eram dois irmãos que, no caminho de Deus, cativos juntamente com os outros, foram aprisionados na fortaleza de 'Akká. Eram irmãos do falecido Pahlaván Ridá. Deixaram a Pérsia e emigraram para Adrianópolis, apressando-se para a amorosa bondade de Bahá'u'lláh, e sob a Sua proteção, vieram para 'Akká.

Pahlaván Ridá - que a misericórdia, as bênçãos e os esplendores de Deus estejam sobre ele; louvor e saudações estejam com ele. Era um homem aparentemente sem instrução e sem estudo, mas fez-se comerciante, e como os outros que vieram no início, ele se desfez de tudo pelo amor de Deus, alcançando de uma vez os mais altos níveis de conhecimento. Dos primórdios foi um dos primeiros. Tão eloqüente ficou de repente que o povo de Káshán surpreendeu-se. Por exemplo, esse homem aparentemente sem instrução, dirigiu-se ao Hájí Muhammad-Karím Khán em Káshán e propôs a seguinte questão:

-- És o Senhor o Quarto Pilar? Sou um homem sedento da verdade espiritual e anseio por saber sobre o Quarto Pilar.98

Já que um certo número de líderes políticos e espirituais encontravam-se presentes, o Hájí respondeu:

-- Deus me livre de tal pensamento! Rejeito todos aqueles que me consideram o Quarto Pilar. Jamais fiz tal reivindicação. Quem quer que diga que tenha feito está falando uma inverdade; que a maldição de Deus caia sobre ele!

Alguns dias depois, Pahlaván Ridá mais uma vez procurou o Hájí e disse-lhe:

-- Senhor, terminei de ler agora o teu livro Irshádu'l-'Avam (Guia para o Ignorante); o li do princípio ao fim; nele dizes que todas as pessoas são obrigadas a conhecer o Quarto Pilar ou o Quarto Suporte; na verdade, tu o consideras como um companheiro do Senhor da Era.99 Portanto, anseio por reconhecê-lo e vê-lo. Estou certo de que tu estás informado sobre ele. Mostra-o a mim, eu te imploro.

O Hájí ficou enraivecido. Disse:

-- O Quarto Pilar não é uma ficção. É um ser perfeitamente visível para todos. Como eu, ele tem um turbante na cabeça, usa um 'abá, e leva consigo um bastão.

Pahlaván Ridá lhe sorriu:

-- Sem querer ser descortês - disse - há então uma contradição nos ensinamentos de Vossa Excelência. Primeiro vós dizeis uma coisa, depois outra.

Furioso, o Hájí respondeu:

-- Estou ocupado agora. Vamos discutir esse assunto uma outra hora. Hoje peço-lhe que me desculpe.

O fato é que Ridá, um homem considerado iletrado, foi capaz, em um debate, de superar um "Quarto Pilar" tão erudito. Para usar as palavras de 'Allámiy-i-Hillí, ele o humilhou com o Quarto Suporte.100

Sempre que aquele corajoso defensor do conhecimento começava a falar, seus ouvintes se maravilhavam; e ele continuou a ser, até o último suspiro, o protetor e a ajuda para todos aqueles que buscavam a verdade. Finalmente, ele se tornou amplamente conhecido como bahá'í, transformou-se em um nômade, e ascendeu ao Reino de Abhá.

Quanto a seus dois irmãos - pela graça da Abençoada Beleza - após serem aprisionados pelos tiranos, foram encarcerados na Maior Prisão, onde compartilharam o destino destes errantes sem lar. Aqui, durante os primeiros dias em 'Akká, com total desprendimento, com amor ardente, eles se apressaram rumo aos todo-gloriosos Domínios. Pois, os nossos impiedosos opressores, tão logo chegamos, aprisionaram-nos dentro da fortaleza nos alojamentos dos soldados, e trancaram todas as saídas, de maneira que ninguém saía e nem entrava. Naquela época, o ar de 'Akká era venenoso, e todos os forasteiros, logo após sua chegada, adoeciam. Muhammad-Báqir e Muhammad-Ismá'íl foram acometidos de uma violenta moléstia e não havia nem médico e nem remédios, e essas duas luzes incorporadas morreram na mesma noite, envolvidos nos braços um do outro. Eles ascenderam ao Reino imortal, deixando os amigos que para sempre lamentaram a sua ausência. Ninguém houve que não chorasse naquela noite.

Ao amanhecer queríamos levar os corpos santificados. Os opressores nos disseram:

-- Estais proibidos de deixar a fortaleza. Deveis entregar-nos os cadáveres. Nós os lavaremos, vestiremos e os enterraremos. Mas, antes, deveis pagar por esse serviço.

Acontece que não tínhamos qualquer dinheiro. Todavia, Bahá'u'lláh tinha um tapete de oração que estava colocado sob Seus pés. Ele o tomou e disse-me:

-- Vendei-o e dai o dinheiro aos guardas.

O tapete de orações foi vendido por 170 piastras101 e aquela soma foi entregue aos guardas. Mas os dois jamais foram lavados para o enterro ou envolvidos em mortalhas. Os guardas apenas cavaram um buraco na terra e os lançaram ali, da maneira como estavam, com as roupas que usavam; de maneira que até hoje as suas sepulturas são uma só. Tal como seus corpos que estão juntos aqui, sob a terra, um envolvendo o outro em um abraço apertado, estão suas almas no Reino de Abhá.

A Abençoada Beleza cumulou de bênçãos esses dois irmãos. Durante a vida haviam sido cercados por Sua graça e favor; na morte foram imortalizados em Suas Epístolas. Seu túmulo está em 'Akká. A eles saudações e louvor. Que a glória do Todo-Glorioso esteja sobre eles, e a misericórdia de Deus e Sua bênção.

[65] ABU'L-QÁSIM DE SULTÁN-ÁBÁD

Outro entre os prisioneiros era Abu'l-Qásim de Sultán-Ábád, o companheiro de viagem de Áqá Faraj. Esses dois eram despretensiosos, leais e firmes. Uma vez que as suas almas haviam sido revivificadas pelos sopros do Espírito Santo, eles se apressaram a sair da Pérsia rumo a Adrianópolis, pois tal era a implacável crueldade dos malévolos que não puderam mais permanecer em sua terra natal. A pé, livres de todo vínculo, dirigiram-se às planícies e montanhas, buscando o caminho através das águas e areias dos desertos sem trilhas. Quantas noites não puderam dormir, permanecendo ao relento, sem terem onde descansar a cabeça; sem nada para comer ou beber, sem cama exceto a terra nua, sem alimento exceto as plantas do deserto. De alguma maneira conseguiram arrastar-se até atingir Adrianópolis. Acontece que chegaram nos últimos dias em que estávamos naquela cidade, e foram aprisionados com o resto, e na companhia de Bahá'u'lláh viajaram à Maior Prisão.

Abu'l-Qásim ficou violentamente doente, de tifo. Faleceu mais ou menos na mesma época que aqueles dois irmãos, Áqá Muhammad-Báqir e Áqá Muhammad-Ismá'íl. Seu imaculado resto mortal foi enterrado do lado de fora de 'Akká. A Abençoada Beleza expressou a Sua aprovação dos seus atos, e os amigos, todos eles, choraram e lamentaram pelas aflições que passou. Que sobre ele esteja a glória do Todo-Glorioso.

[66] ÁQÁ FARAJ

Em todas essas dificuldades estava Áqá Faraj, o companheiro de Abu'l-Qásim. Quando, no Iraque, ouviu pela primeira vez o estrondo causado pelo Advento da Maior Luz, ele estremeceu e agitou-se; bateu palmas; gritou de júbilo e apressou-se rumo ao Iraque. Tomado de êxtase, apresentou-se ao seu santo Senhor. Foi acolhido pela amorosa fraternidade, e prazerosamente recebeu a honra de assistir a Bahá'u'lláh. Então retornou, trazendo boas-novas a Sultán-Ábád.

Ali os malévolos esperavam em tocaia, e tumultos irromperam, tendo resultado que o santo Mullá-Báshí e alguns outros devotos que não tinham quem os defendesse foram presos e condenados à morte. Áqá Faraj e Abu'l-Qásim, que haviam estado escondidos, apressaram-se em tomar o caminho de Adrianópolis para caírem, finalmente, juntamente com os demais e com seu Bem-Amado, na prisão de 'Akká.

Áqá Faraj recebeu, então, a honra de servir a Antiga Beleza. Serviu o Sagrado Limiar em todos os momentos, e era um conforto para os amigos. Durante os dias de Bahá'u'lláh era Seu leal servidor, e um companheiro inseparável para os devotos, e assim continuou após a partida de Bahá'u'lláh - permaneceu fiel ao Convênio. Nos domínios do serviço era como uma palmeira elevada; um homem nobre, superior, paciente na mais terrível adversidade, contente em todas as condições.

Forte na fé, na devoção, deixou essa vida e voltou a face para o Reino de Deus, para tornar-se objeto de infinita graça. Que estejam sobre ele o prazer e a misericórdia de Deus em Seu Paraíso. E, também, saudações e louvor a ele nas planícies do Paraíso.

[67] FÁTIMIH BEGUM, A CONSORTE DO REI DOS MÁRTIRES

Entre as mulheres que deixaram a sua terra natal estava a tristonha Fátimih102 Begum, viúva do Rei dos Mártires. Ela era uma folha santa da Árvore de Deus. Desde a sua mais tenra juventude, fora submetida a incontáveis provações. Primeiro, fora o desastre que colhera seu nobre pai nas redondezas de Badasht, quando, após terríveis sofrimentos, ele faleceu em um caravanserai no deserto, da maneira mais difícil - sozinho e longe de casa.

A criança ficou órfã de pai e em desespero, até que, pela graça de Deus, tornou-se esposa do Rei dos Mártires. Mas, como ele era conhecido por toda parte como bahá'í, um apaixonado por Bahá'u'lláh, um homem aturdido, enlevado, e como Násiri'd-Dín Sháh tinha sede de sangue, colocou os hostis que espreitavam para emboscá-lo. Todos os dias davam informações sobre ele e o caluniavam, começando um novo clamor e dando início a novas intrigas. Por esse motivo sua família jamais estava certa, por um momento que fosse, de sua segurança. Viveram momento a momento em angústia, prevendo e temendo a hora de seu martírio. Ali estava a família, conhecida como Bahá'í em toda parte; seus inimigos, tiranos de coração empedernido; seu governo, inflexível e permanentemente contra eles; e o Soberano reinante, fanático por sangue.

É óbvio que tipo de vida teria uma família assim. Todos os dias havia um novo incidente, mais tumultos, outro alvoroço, e eles não podiam respirar em paz. Então, ele foi martirizado. O governo se mostrou tão brutal e selvagem que toda a raça humana gritou e estremeceu. Todas as suas propriedades lhe foram tomadas e pilhadas, e à sua família faltava até mesmo o pão de cada dia.

Fátimih passava as noites chorando; até o romper da alvorada sua única companhia eram as lágrimas. Sempre que contemplava os filhos ela suspirava, consumindo-se, como uma vela, em dor devoradora. Todavia, ela agradecia a Deus, e dizia:

-- Louvado seja o Senhor, essas agonias, esses destinos despedaçados são por Bahá'u'lláh, por Sua querida Causa.

Ela relembrava a família indefesa do martirizado Husayn, e as calamidades que tiveram o privilégio de suportar no caminho de Deus. E enquanto refletia sobre esses eventos, seu coração saltava e ela gritava:

-- Louvado seja Deus! Também nós nos tornamos companheiros da Família do Profeta.103

Estando a família em tal dificuldade, Bahá'u'lláh orientou-os a virem para a Maior Prisão de modo que, abrigada nos recintos das graças abundantes, poderiam ser compensados por tudo que havia acontecido. Aqui por algum tempo ela viveu, alegre, grata e louvando a Deus. E embora o filho do Rei dos Mártires, Mirza 'Abdu'l Husayn, morrera na prisão, ainda assim sua mãe, Fátimih, aceitou esse fato, resignou-se à vontade de Deus, não suspirou ou chorou, e não se enlutou. Nenhuma palavra deixou escapar para expressar a sua dor.

Essa serva de Deus era infinitamente paciente, digna e reservada, e grata em todas as ocasiões. Mas então Bahá'u'lláh deixou o mundo, e foi essa a aflição suprema, a maior angústia, e ela não mais pôde suportar. O choque e o impacto foram tais que, como um peixe retirado da água, ela contorceu-se no chão, tremeu e agitou-se como se todo o seu ser estremecesse, até que afinal, despediu-se dos filhos e faleceu. Ela ascendeu à sombra da misericórdia divina e foi mergulhada em um oceano de luz. À ela, saudações e louvor, compaixão e glória. Que Deus torne doce seu lugar de repouso com as chuvas de Sua divina misericórdia. À sombra da Árvore Divina104, Ele honre a sua morada.

ORAÇÃO REVELADA POR 'Abdu'l-Bahá À FÁTIMIH BEGUM,
A VIÚVA DO REI DOS MÁRTIRES
Ele é Deus!

Tu vês, Ó meu Senhor, a assembléia de Teus amados, a companhia de Teus amigos, reunida nas dependências de Teu Santuário suficiente e nas vizinhanças de Teu exaltado jardim, em um dia entre os dias de Tua Festa do Ridvan, aquela hora abençoada de Tua alvorada no mundo, irradiando as luzes de Tua santidade; disseminando os brilhantes raios de Tua unicidade. Partiste de Bagdá com uma majestade e poder que abrangeram toda a humanidade, com uma glória que fez com que todos se prostrassem diante de Ti, todas as cabeças abaixadas, todos os pescoços curvados, e o olhar de todo homem voltado para baixo. Eles estão voltando o pensamento para Ti e fazendo menção de Ti, seus corações contentes pela luz de Tuas graças, suas almas restauradas pelas evidências de Tuas dádivas, mencionando o Teu louvor, voltando as suas faces em direção ao Teu Reino, humildemente suplicando aos Teus sublimes Domínios.

Estão reunidos aqui para celebrar Tua santa e brilhante serva, uma folha de Tua verde Árvore do Paraíso, uma realidade luminosa, uma essência espiritual, que continuamente implora Tua terna compaixão. Ela nasceu nos braços da sabedoria Divina, e foi amamentada pelo seio da certeza; desabrochou no berço de fé e alegrou-se no peito de Teu amor, Ó misericordioso, Ó Senhor compassivo! Cresceu e tornou-se mulher em uma casa da qual as suaves fragrâncias da unicidade eram disseminadas. Mas quando ainda era menina, sobreveio-lhe o infortúnio em Teu caminho, e a desgraça a assolou, Ó Tu que concedes, e em sua indefesa juventude, por amor à Tua beleza, bebeu dos cálices da tristeza e da dor, Ó Tu que perdoas.

Tu sabes, Ó meu Deus, as calamidades que ela alegremente suportou em Teu caminho, as provas que enfrentou em Teu amor, com um semblante irradiando deleite. Quantas noites, enquanto outros deitavam em suas camas em suave repouso, estava ela acordada, humildemente suplicando ao Teu Reino celestial. Quantos dias Teu povo passou em segurança na cidadela de Teu cuidado protetor enquanto o seu coração era assolado pelo que havia sobrevindo aos seus santos.

Ó meu Senhor, seus dias e anos passaram, e sempre que via a luz da manhã ela chorava pelas tristezas de Teus servos, e quando caíam as sombras da noite, ela chorava e clamava e ardia em angústia abrasadora pelo que havia acontecido aos Teus servos. E ela se ergueu com toda a sua força para servir-Te, para implorar o paraíso de Tua misericórdia, e humildemente rogar e repousar seu coração em Ti. E apareceu vestida com o véu da santidade, suas vestes imaculadas pela natureza de Teu povo, e casou-se com Teu servo a quem confiaste Tuas mais ricas dádivas, e em quem revelaste as insígnias de Tua infinita misericórdia, e cuja face, em Teu Reino todo-glorioso, fizeste brilhar com luz imorredoura. Ela se casou com aquele a quem colocaste na assembléia da reunião, uno com a Assembléia do alto; aquele que fizeste comer de todos os alimentos divinos, aquele sobre quem derramaste as Tuas bênçãos, a quem concedeste o título: Rei dos Mártires.

E habitou por alguns anos sob a proteção daquela Luz manifesta, e com toda a alma serviu em Teu Limiar, santa e luminosa; preparando alimentos e um lugar de repouso e camas para todos os Teus amados que vinham, e não tinha qualquer outra alegria exceto esta. Era humilde e modesta ante cada uma de Tuas servas, condescendente para com cada uma, servindo a cada uma com todo seu coração, toda sua alma e todo o seu ser, tudo por amor à Tua beleza, e procurando ganhar o Teu agrado. Até que sua casa tornou-se conhecida pelo Teu nome, e a fama de seu marido retumbou por toda parte, como aquele que pertence a Ti, e a Terra de Sád (Isfáhán) estremeceu e exultou de alegria, pelas contínuas bênçãos desse Teu poderoso paladino; e as ervas perfumadas de Teu conhecimento e as rosas de Tua graça começaram a germinar, e uma grande multidão foi levada às águas de Tua mercê.

Então os ignóbeis e ignorantes entre as Tuas criaturas levantaram-se contra ele, e com tirania e malícia decretaram sua morte; e injustamente, na cruel opressão, derramaram seu sangue imaculado. Sob espada brilhante aquela nobre personagem bradou a Ti: "Louvado seja Tu, Ó meu Deus, que no Dia Prometido ajudaste-me a alcançar essa graça manifesta; que tingiste o pó com o meu sangue, derramado em Teu caminho, de forma a que ele produza flores escarlates. Tuas são a mercê e graça, por me concederes essa dádiva pela qual mais ansiei em todo o mundo. Graças sejam dadas a Ti por me haveres socorrido e confirmado, e por me haveres dado de beber dessa taça temperada na montanha canforada105, no Dia da Manifestação, das mãos dAquele que detém o cálice do martírio na assembléia de deleites. És, verdadeiramente, Aquele cheio de graça, o Generoso, Aquele que concede."

E depois de matarem-no, invadiram sua casa principesca. Atacaram como lobos à espreita da presa, e tal como leões em caça, saquearam, pilharam e espoliaram, levando o rico mobiliário, os ornamentos e jóias. Corria ela grave perigo; estava só, tendo somente os fragmentos de seu coração partido. Esse ataque violento teve lugar quando a notícia do martírio espalhou-se, e as crianças choravam com pânico em seus corações; gemiam e derramavam lágrimas, e os sons da lamentação ergueram-se daquela esplêndida casa, mas não havia ninguém que chorasse por eles, ou para apiedar-se deles. Ao contrário, a noite da tirania aprofundou-se sobre eles, e o Inferno flamejante da injustiça inflamou-se, fervendo ainda mais do que antes; não havia tormento ou agonia que os malévolos não lhes infligissem. E essa folha sagrada permaneceu, ela e sua família, na mãos dos opressores, enfrentando a malícia dos negligentes, sem ninguém para ser o seu escudo.

E os dias passavam, quando as lágrimas eram sua única companhia, e os gritos, seus camaradas; a angústia era sua companheira, e nenhum outro amigo tinha, exceto a dor. E, ainda assim, nesses sofrimentos, ó meu Senhor, ela jamais cessou de Te amar; jamais Te abandonou, ó meu Bem-Amado, nessas abrasadoras provações. Embora viessem calamidades, uma após a outra, embora as atribulações a circundassem, tudo ela suportou, para ela eram Tuas dádivas e favores, e em toda a sua tremenda agonia - ó Tu, Senhor dos mais belos nomes - o Teu louvor estava em seus lábios.

Então, ela abandonou a sua terra natal, seu repouso, refúgio e abrigo, e tomando dos pequenos, como os pássaros ela voou para essa Terra santa e radiante - para que ali pudesse fazer o seu ninho e cantar o Teu louvor como o fazem os pássaros, e ocupar-se de Teu amor com todos os seus poderes, e servir-Te com todo o seu ser, toda sua alma e seu coração. Era modesta perante todas as Tuas servas, humilde perante cada folha do jardim de Tua Causa, ocupada com Tua lembrança, desprendida de tudo exceto de Ti.

E seus lamentos elevavam-se ao amanhecer, e os doces sons que entoava eram ouvidos à noite e à luz do meio-dia, até que retornou a Ti, e alçou vôo rumo ao Teu Reino; buscou o abrigo de Teu limiar e ascendeu ao Teu eterno céu. Ó meu Senhor, recompensa-a com a contemplação de Tua beleza, alimenta-a à mesa de Tua eternidade, dá-lhe um lar em Tua proximidade, confirma-a nos jardins de Tua santidade, conforme a Tua vontade e Teu agrado; abençoa sua morada, mantem-na segura à sombra de Tua árvore do Paraíso; guia-a, Ó Senhor, aos pavilhões de Tua divindade, faze-a um de Teus sinais, uma de Tuas luzes.

Verdadeiramente, és o Generoso, O que concede graças, O que perdoa, o Todo-Misericordioso.

[68] SHAMS-I-DUHÁ

Khurshíd Begum, que recebera o título de Shams-i-Duhá106, o Sol da Manhã, era sogra do Rei dos Mártires. Essa eloqüente, ardente serva de Deus era prima, pelo lado paterno, do famoso Muhammad-Báqir de Isfáhán, amplamente celebrado como chefe dos 'ulamás naquela cidade. Ainda criança perdera ambos os pais, e fora criada pela avó na casa daquele afamado e erudito mujtahid, sendo bem treinada em vários ramos do saber: em teologia, nas ciências e nas artes.

Quando cresceu, casaram-na com Mirza Hádíy-Nahrí, e como ela e seu marido foram fortemente atraídos para os ensinamentos místicos daquele grande luminar, o excelente e ilustre Siyyid Kázim-i-Rashtí107, partiram para Karbilá, acompanhados pelo irmão de Mirza Hádí, Mirza Muhammad-'Alíy-i-Nahrí.108 Ali costumavam freqüentar as aulas do Siyyid, absorvendo seu conhecimento de tal forma que essa serva recebeu todas as informações sobre assuntos concernentes à teologia, sobre as Escrituras e seus significados profundos. Tiveram um casal de filhos. Ao menino chamaram Siyyid 'Alí e à filha Fátimih Begum, aquela que, ao alcançar a adolescência, casou-se com o Rei dos Mártires.

Shams-i-Duhá estava em Karbilá quando o brado do exaltado Senhor foi elevado em Shíráz, e ela respondeu: "Sim, verdadeiramente!" Quanto ao seu marido e o irmão, estes partiram imediatamente para Shíráz, pois ambos, ao visitar o Santuário do Imám Husayn, haviam contemplado a beleza do Ponto Primaz, o Báb. Ambos ficaram atônitos com o que viram em Sua face resplandecente, naquelas maneiras e atributos divinos, e haviam concordado em que Alguém como Ele era mesmo um grande Ser. Conseqüentemente, no momento em que souberam de Seu Divino chamado, responderam: "Sim, verdadeiramente!", e incendiaram-se por um ansioso amor a Deus. Além disso, tinham estado presentes todos os dias naquele lugar sagrado onde o falecido Siyyid ensinava, e haviam-no ouvido dizer claramente:

-- O Advento está próximo; um acontecimento altamente sutil, dificilmente identificável. É preciso que cada um procure e indague, pois pode ser que o Prometido esteja até mesmo agora presente entre os homens, visível, enquanto todos à Sua volta estão desatentos, descuidados, com uma venda nos olhos, como foi predito nas tradições sagradas.

Quando os dois irmãos chegaram à Pérsia, ouviram dizer que o Báb foi em peregrinação a Meca. Siyyid Muhammad-'Alí partiu, portanto, para Isfáhán e Mirza Hádí voltou para Karbilá. Entrementes, Shams-i-Duhá havia feito amizade com a "Folha do Paraíso", irmã de Mullá Husayn, o Bábu'l- Báb.109 Por meio daquela senhora, ela conheceu Táhirih, Qurratu'l-'Ayn,110 e começou a passar a maior parte do tempo em sua companhia, ocupada em ensinar a Fé. Como isso se passou no período inicial da Causa, as pessoas ainda não se mostravam atemorizadas com a Fé. Shams beneficiou-se imensuravelmente da companhia de Táhirih e ardia mais do que nunca em fogo pela Fé. Passou três anos em íntima amizade com Táhirih em Karbilá. Dia e noite, era sacudida como o mar pelos ventos do Todo-Misericordioso, e ensinava com língua eloqüente.

À medida que Táhirih era celebrada por toda Karbilá, bem como a Causa de Sua Santidade Suprema, o Báb, espalhava-se por toda a Pérsia, os 'ulamás da época levantaram-se para negá-la, desprezá-la e destruí-la. Emitiram um fatvá, ou julgamento, que convocava um massacre geral. Táhirih fora uma das pessoas designadas pelos cruéis 'ulamás da cidade como uma infiel, e eles erradamente supuseram que ela estivesse na casa de Shams-i-Duhá. Invadiram a casa de Shams, prenderam-na ali, maltrataram-na e bateram nela, lhe infligindo graves danos físicos. Arrastaram-na para fora da casa pelas ruas até o bazar; bateram-lhe com clavas; apedrejaram-na; denunciaram-na em linguagem baixa, agredindo-a repetidamente. Enquanto isso acontecia, Hájí Siyyid Mihdí, pai de seu ilustre marido, chegou ao local da cena.

-- Essa mulher não é Táhirih - gritou-lhes.

Mas como não houvesse testemunhas para comprová-lo,111 os farráshes, a polícia e a multidão não desistiram. Então, em meio a todo o alvoroço, uma voz gritou:

-- Prenderam Qurratu'l-'Ayn!
Ao ouvir isso, a multidão abandonou Shams-i-Duhá.

Foram colocados guardas à porta da casa de Táhirih e ninguém tinha autorização para entrar ou sair, enquanto as autoridades esperavam instruções de Bagdá e Constantinopla. Como o período de espera se prolongou, Táhirih pediu permissão para ir para Bagdá.

-- Deixai-nos ir até lá - disse-lhes - estamos resignadas a qualquer coisa. Qualquer coisa que aconteça conosco será o melhor e o mais certo.

Com a permissão do governo, Táhirih, a Folha do Paraíso, sua mãe e Shams-i-Duhá partiram de Karbilá rumo a Bagdá, mas a massa do populacho, como uma serpente, acompanhou-as por algum tempo, apedrejando-as de uma certa distância.

Quando chegaram a Bagdá, foram morar na casa do Shaykh Muhammad-i-Shibl, pai de Muhammad-Mustafá. Como muitas pessoas comprimiam-se à porta, houve um tumulto em todo o bairro, de maneira que Táhirih transferiu sua residência para outro lugar, um alojamento onde ensinava a Fé incessantemente e proclamava a Palavra de Deus. Ali os 'ulamás, os shaykhs e outros vinham para ouvi-la, fazendo perguntas e recebendo respostas, e ela rapidamente ficou notavelmente conhecida em toda Bagdá, expondo os mais recônditos e sutis temas teológicos.

Ao tomar conhecimento disso, as autoridades governaentais enviaram Táhirih, Shams-i-Duhá e o Rouxinol para a casa do Muftí, e ali permaneceram por três meses até que chegaram notícias de Constantinopla concernentes ao seu caso. Durante a permanência de Táhirih na residência do Muftí, ela passava grande parte do tempo em conversa com ele, mostrando provas convincentes concernentes aos Ensinamentos, analisando e explicando questões relativas ao Senhor Deus, discorrendo sobre o Dia da Ressurreição, sobre a Balança e a Avaliação112, desvelando as complexidades das verdades secretas.

Um dia, o pai do Muftí veio e por um longo tempo agrediu-as com violentas invectivas. Esse acontecimento deixou o Muftí desconcertado, fazendo-o desculpar-se pelo pai. Ele, então, disse:

-- Sua resposta chegou de Constantinopla. O soberano as libertou, mas com a condição de que deixem seus domínios.

Na manhã seguinte, deixaram a casa do Muftí e dirigiram-se aos banhos públicos. Enquanto isso, o Shaykh Muhammad-i-Shibl e o Shaykh Sultán-i-'Arab fizeram os preparativos necessários para a viagem, e após haverem transcorrido três dias, elas deixaram Bagdá; isto é, Táhirih, Shams-i-Duhá, o Rouxinol do Paraíso, a mãe de Mirza Hádí, e um certo número de Siyyids de Yazd partiram para a Pérsia. As despesas com a viagem foram todas cobertas por Shaykh Muhammad.

Chegaram em Kirmánsháh, onde as mulheres passaram a residir em uma casa, os homens em outra. O trabalho de ensino prosseguia em todos os momentos, e tão logo ficaram os 'ulamás sabendo disso, ordenaram a expulsão do grupo. Com isso, o chefe distrital, com uma multidão, invadiu a casa e levou os seus pertences; eles então colocaram as viajantes em assentos abertos sobre o lombo de animais e as conduziram para fora da cidade. Ao chegarem ao campo, os arrieiros puseram-nas no chão e partiram, levando embora os animais e assentos, deixando-as sem alimentos ou bagagem, e sem um teto sobre suas cabeças.

Em vista disso, Táhirih escreveu uma carta ao governador de Kirmánsháh:

- Éramos viajantes, hóspedes em vossa cidade. "Honra teu hóspede" - diz o Profeta - "ainda que ele seja um infiel." Está certo que um hóspede seja desprezado e saqueado dessa maneira?

O governador ordenou que os bens roubados fossem restituídos às proprietárias. Da mesma maneira, os arrieiros também vieram, colocaram as viajantes nos assentos novamente, e prosseguiram viagem para Hamadán. As senhoras de Hamadán, até mesmo as princesas, vinham todos os dias encontrar-se com Táhirih, que permaneceu naquela cidade durante dois meses.113 Ali ela dispensou alguns de seus companheiros de viagem, para que pudessem voltar para Bagdá; outros, entretanto, acompanharam-na a Qazvín.

Á medida que viajavam, alguns cavaleiros, parentes de Táhirih, isto é, seus irmãos, aproximaram-se.

-- Viemos - disseram - por ordem de nosso pai, para levá-la embora, sozinha.

Mas Táhirih recusou, e assim o grupo permaneceu junto até chegarem a Qazvín. Ali, Táhirih foi para a casa de seus amigos e os pais, que haviam viajado com ela, armaram um caravanserai. Mirza Hádí, marido de Shams-i-Duhá, havia ido a Máh-Kú, em busca do Báb. Ao retornar, ele esperou pela chegada de Shams em Qazvín, depois do que o casal seguiu para Isfahán, e quando lá chegaram, Mirza Hádí continuou para Badasht. Naquele forte e em suas vizinhanças foi atacado, atormentado e apedrejado, e foi submetido a tais provações que finalmente, em um caravanserai destruído, ele faleceu. Seu irmão, Mirza Muhammad-'Alí, enterrou-o ali, à beira da estrada.

Shams-i-Duhá permaneceu em Isfáhán. Ela passava os dias e noites na lembrança de Deus e ensinando a Sua Causa às mulheres daquela cidade. Tinha o dom da eloqüência; seu discurso era maravilhoso de se ouvir. As mulheres mais importantes de Isfáhán a honravam sobremaneira, celebravam a sua piedade pela sua santidade e pela pureza de sua vida. Era a personificação da castidade; todas as suas horas eram passadas na recitação das Escrituras Sagradas, ou expondo os Textos, ou desvelando os mais complexos dos temas espirituais, ou difundindo os doces aromas de Deus.

Foi por essas razões que o Rei dos Mártires casou-se com sua respeitada filha e tornou-se seu genro. E quando Shams foi viver em sua principesca casa, dia e noite as pessoas amontoavam-se à porta, pois as mulheres mais importantes da cidade, amigas ou estranhas, próximas a ela ou não, iam e vinham. Ela era um fogo aceso pelo amor de Deus, e proclamava a Palavra de Deus com grande ardor e vivacidade, tendo ficado conhecida entre os não-crentes como Fátimih, a Senhora de Luz dos Bahá'ís.114

E então o tempo passou, até o dia em que a "Serpente" e o "Lobo" conspiraram juntos e emitiram um decreto, um fatvá, que condenava o Rei dos Mártires. Conspiraram, também, com o governador da cidade de modo que, entre eles, pudessem saquear, pilhar e carregar todo o vasto tesouro que possuíam. Então, o Xá juntou forças com aqueles dois animais selvagens; e ordenou que o sangue dos dois irmãos, o Rei dos Mártires e o Amado dos Mártires, fosse derramado. Sem avisar, aqueles homens cruéis: a Serpente, o Lobo, e seus brutais farráshes e policiais - atacaram; acorrentaram os dois irmãos e levaram-nos à prisão, saquearam suas casas ricamente mobiliadas, arrebataram-lhes todas as propriedades, sem poupar ninguém, nem mesmo as crianças de peito. Torturaram, amaldiçoaram, injuriaram, zombaram e ininterruptamente surraram os parentes e outros moradores na residência das vítimas.

Em Paris, Zillu's-Sultán115 relatou o seguinte, jurando a verdade do relato:

-- Muitas e muitas vezes eu alertei aqueles dois descendentes da Casa do Profeta, mas sem resultado. Finalmente, eu os chamei uma noite, e com extrema urgência disse-lhes essas palavras: "Senhores, o Sháh condenou-vos por três vezes à morte. Seus farmáns continuam vindo. O decreto é definitivo e só há um caminho aberto para vós agora: vós deveis, na presença dos ulamás, limpar-vos e amaldiçoar a vossa Fé." Sua resposta foi: "Yá Bahá'u'l-Abha! Ó Tu, Glória do Todo-Glorioso! Possam nossas vidas ser oferecidas!" Finalmente, concordei que não amaldiçoassem a Fé. Disse-lhes que tudo o que tinham que dizer era: "Não somos Bahá'ís." Apenas aquelas poucas palavras, disse-lhes, serão suficientes; poderei então escrever o meu relatório para o Xá, e sereis salvos. "Isso é impossível" - disseram - "porque nós somos Bahá'ís. Ó Tu Glória do Todo-Glorioso, nossos corações anseiam pelo martírio! Yá Bahá'u'l-Abha!" Então fiquei enraivecido, e tentei ser áspero com eles, forçando-os a renunciar à sua Fé, mas sem resultado. O decreto da Serpente e do Lobo vorazes, e a ordem do Xá, foram executados.

Depois que aqueles dois foram martirizados, Shams-i-Duhá foi perseguida, e teve que buscar esconderijo na casa de seu irmão. Ainda que não fosse um dos devotos, ele era conhecido em Isfáhán como um homem honrado, piedoso e crente, um homem de conhecimentos, um asceta que, como um eremita, mantinha-se só, e por essas razões era altamente admirado e desfrutava da confiança de todos. Ela ficou ali com ele, mas o governo não abandonou sua busca, finalmente descobriu onde ela estava e mandou que se apresentasse; os cruéis 'ulamás tomaram parte em tudo isso, unindo forças com as autoridades civis. Seu irmão foi, portanto, obrigado a acompanhar Shams-i-Duhá à casa do governador. Ele permaneceu do lado de fora, enquanto sua irmã era mandada para os aposentos das mulheres. O governador foi lá, até a porta, e chutou-a e pisoteou-a de maneira tão selvagem que ela desmaiou. Então, o governador gritou para sua mulher:

-- Princesa! Princesa! Venha até aqui e veja a Senhora da Luz dos Bahá'ís!

As mulheres a ergueram e a puseram em um dos quartos. Enquanto isso, seu irmão, atônito, esperava do lado de fora da mansão. Finalmente, tentando implorar-lhe, ele disse ao governador:

-- Essa minha irmã foi espancada tão duramente que está prestes a morrer. Por que razão mantê-la aqui? Não há esperanças para ela. Com vossa permissão, poderei levá-la de volta para casa. Seria melhor que ela morresse lá, e não aqui, pois afinal ela é descendente do Profeta, é da nobre linhagem de Muhammad, e não fez nada de mal. Nada há contra ela exceto o seu parentesco com o genro.

O governador respondeu:

-- Ela é uma grande líder e heroína dos Bahá'ís. Ela simplesmente causará outro tumulto.

O irmão disse:

-- Prometo-vos que ela não dirá uma palavra. É certo que daqui a alguns dias ela nem mesmo estará viva. Seu corpo é frágil, fraco, está quase sem vida, e ela sofreu terrível dano.

Uma vez que o irmão era imensamente respeitado e digno da confiança tanto dos elevados como dos humildes, o governador entregou Shams-i-Duhá à sua custódia, e deixou-a ir. Ela viveu em sua casa por algum tempo, chorando, lamentando-se, derramando lágrimas, enlutada por seus mortos. Nem estava o irmão em paz, e nem deixavam-nos em paz os hostis. Havia todos os dias um novo tumulto e clamor público. O irmão, finalmente, achou melhor levar Shams em peregrinação a Mashhad, esperando que morresse o fogo das desordens civis. Foram para Mashhad e estabeleceram-se em uma casa vazia próxima ao Santuário do Imám Ridá.116

Por ser um homem tão piedoso, o irmão costumava sair todas as manhãs para visitar o Santuário, e ali ficava, ocupado com suas devoções, até quase o meio-dia. Também à tarde, ele sempre se apressava para o Lugar Sagrado, para rezar até a noite. Com a casa vazia, Shams-i-Duhá conseguiu entrar em contato com várias mulheres devotas e começou a associar-se a elas; e porque o amor de Deus ardia tão brilhantemente em seu coração, ela não conseguia manter-se em silêncio, de modo que durante aquelas horas em que seu irmão estava ausente, o lugar animava-se. As mulheres Bahá'ís encontravam-se ali e absorviam seu discurso lúcido e eloqüente.

Naqueles dias, a vida em Mashhad era difícil para os devotos, com os malevolentes sempre em alerta; se havia meras suspeitas contra um indivíduo, eles o assassinavam. Não havia qualquer tipo de segurança, não havia paz. Mas Shams-i-Duhá não podia evitar: apesar de todas as terríveis provações que havia suportado, ela ignorava o medo, e era capaz de lançar-se às chamas, ou ao mar. Como seu irmão não freqüentava nenhum círculo social, não sabia do que se passava. Dia e noite, ele ia da casa para o Santuário, e do Santuário para casa; era um recluso, não tinha amigos, e nem ao menos falava com outras pessoas. Entretanto, chegou o dia em que viu que havia tumulto na cidade, e sabia que terminaria em sério dano. Era um homem tão calmo e silencioso que não repreendeu a irmã; simplesmente levou-a embora de Mashhad sem aviso, e voltaram para Isfahán. Ali, ele a enviou à sua filha, a viúva do Rei dos Mártires, pois não mais a abrigaria sob seu teto.

Assim, Shams-i-Duhá estava de volta a Isfahán, corajosamente ensinando a Fé e disseminando as doces fragrâncias de Deus. Tão veemente era o amor que ardia em seu coração, que a compelia a falar sempre que encontrava alguém que a ouvisse. E quando observou-se que mais uma vez a casa do Rei dos Mártires estava a ponto de ser tomada por calamidades, e que elas estavam suportando severas aflições em Isfáhán, Bahá'u'lláh desejou que viessem para a Maior Prisão. Shams-i-Duhá, com sua filha, a viúva do Rei dos Mártires e as crianças, chegaram à Terra Santa. Aqui passavam alegremente os seus dias, quando o filho do Rei dos Mártires, Mirza 'Abdu'l-Husayn, em conseqüência do terrível sofrimento a que havia sido sujeitado em Isfáhán, foi vitimado por tuberculose e faleceu em 'Akká.

O coração de Shams-i-Duhá ficou pesaroso. Ela chorava a ausência de seu neto, definhava com saudades dele, e tudo se tornou muito mais difícil, porquanto fomos assolados pela Suprema Aflição, a angústia a tudo coroou. A base de sua vida estava minada; como uma vela, ela se consumiu de tristeza. Tornou-se tão fraca que passou a ficar de cama, incapaz de mover-se. Ainda assim, não descansava, e nem ficava silenciosa por um só momento. Ela costumava contar a respeito dos dias há muito passados, de coisas acontecidas na Causa, ou recitava o Livro Sagrado, ou erguia súplicas e entoava as suas orações - até que, da Maior Prisão, ascendeu para o mundo de Deus. Apressou-se desse golfo do pó da perdição para uma região imaculada; preparou sua bagagem e viajou para a terra das Luzes. Com ela estejam saudações, louvor e a maior misericórdia, abrigada na compaixão de seu Senhor onipotente.

[69] TÁHIRIH

Mulher santa e casta; sinal e símbolo de incomparável beleza; marca ardente do amor de Deus; uma lâmpada do Seu favor - esta era Jináb-i-Táhirih.117 Chamada de Umm-Salmá, era filha de Hájí Mullá Sálih, um mujtahid de Qazvín. Seu tio pelo lado paterno era Mullá Taqí, o Imám-Jum'ih ou líder das orações na mesquita central daquela cidade. Eles a casaram com Mullá Muhammad, filho de Mullá Taqí, com quem teve três filhos, dois homens e uma mulher; todos os três privados da graça que circundou sua mãe, pois todos deixaram de reconhecer a verdade da Causa.

Quando era ainda criança, seu pai escolheu um professor para ela, com quem ela estudou vários ramos do conhecimento e das artes, alcançando uma extraordinária habilidade para a criação literária. Era tal seu grau de erudição e de talento que seu pai freqüentemente expressava seu pesar dizendo:

-- Ela deveria ter sido um menino, pois ele teria iluminado minha casa, e teria sido meu sucessor!118

Um dia, foi convidada para a casa de Mullá Javád, um primo pelo lado de sua mãe, e ali na biblioteca de seu primo, ela encontrou os escritos do Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í.119 Encantada com o que diziam, Táhirih pediu emprestado os escritos para que pudesse levá-los para casa. Mullá Javád objetou violentamente, dizendo-lhe:

-- Teu pai é inimigo das Luminosas Luzes Gêmeas, Shaykh Ahmad e Siyyid Kázim. Se ele por acaso sonhar que quaisquer palavras daqueles dois grandes seres, qualquer fragrância do jardim daquelas realidades, tenha cruzado teu caminho, ele tentaria matar-me, e tu, também, te tornarias objeto de sua ira.

Táhirih respondeu:

-- Há muito que tenho sede dessas palavras. Tenho esperado ansiosamente por essas explicações, essas verdades interiores. Dá-me tudo o que tiveres desses livros. Não importa se tal coisa despertará a ira de meu pai.

Assim, Mullá Javád enviou os escritos do Shaykh e do Siyyid.

Uma noite, Táhirih procurou seu pai na biblioteca, e começou a falar dos ensinamentos de Shaykh Ahmad. No mesmo momento em que soube que sua filha conhecia as doutrinas do Shaykh, as denúncias de Mullá Sálih começaram, e ele gritou:

-- Javád fez de ti uma alma perdida!
Táhirih respondeu:

-- O falecido Shaykh era um verdadeiro estudioso em Deus, e aprendi uma infinidade de verdades espirituais lendo os seus livros. Ademais, ele baseia tudo o que diz nas tradições dos Santos Imáms. Tu te consideras um místico e um homem de Deus, consideras teu respeitável tio também como um erudito, e extremamente piedoso - entretanto em nenhum dos dois encontro qualquer traço dessas qualidades!

Por algum tempo, discutiu veementemente com o pai, debatendo questões como a Ressurreição e o Dia do Julgamento, a Ascensão Noturna de Muhammád ao Paraíso, a Promessa e a Ameaça, e o Advento do Prometido.120 Sem ter argumentos, seu pai recorria às maldições e à violência. Então uma noite, para fundamentar a sua afirmativa, Táhirih citou uma tradição sagrada do Imám Já'far-i-Sádiq;121 e como esta confirmava o que dizia, seu pai começou a rir, fazendo troça da tradição. Táhirih disse:

-- Ó meu pai, estas são as palavras do Santo Imám. Como podes fazer troça delas e as negar?

A partir daquele momento, ela cessou de debater e de discutir com o pai. Entrementes, iniciou uma correspondência secreta com Siyyid Kázim, concernente à solução de complexas questões teológicas, e assim aconteceu que o Siyyid conferiu-lhe o nome "Consolo dos Olhos" (Qurratu'l-'Ayn); quanto ao título Táhirih (A Pura), foi inicialmente associado a ela em Badasht, tendo sido subseqüentemente aprovado pelo Báb, e registrado em Suas Epístolas.

Táhirih se incendiara. Partiu para Karbilá, esperando encontrar Siyyid Kázim, mas chegou tarde demais: dez dias antes que alcançasse aquela cidade, ele falecera. Não muito antes de sua morte, o Siyyid havia compartilhado com seus discípulos as boas-novas de que o Advento prometido estava próximo.

-- Adiantai-vos - ele repetidamente lhes dizia - e buscai o vosso Senhor.

Assim, os mais ilustres de seus discípulos juntaram-se para retiro e orações, para jejum e vigílias, no Masjid-i-Kúfih, enquanto alguns esperaram pelo Advento em Karbilá. Entre esses estava Táhirih, jejuando durante o dia, praticando disciplinas religiosas, passando a noite em vigília e entoando orações. Uma noite, perto do alvorecer, ela repousou a cabeça no travesseiro, perdeu toda a consciência dessa vida terrena e sonhou; em sua visão um jovem, um Siyyid, portando um manto negro e um turbante verde, apareceu-lhe nos céus; estava no ar, recitando versículos e orando com as mãos erguidas. Imediatamente ela decorou um desses versículos, e anotou-o em seu caderno ao despertar. Um certo dia, depois que o Báb havia declarado Sua missão e Seu primeiro livro "A Melhor das Estórias"122 começou a circular, Táhirih estava lendo um trecho do texto e deparou-se com o mesmo versículo que havia anotado do sonho. Oferecendo graças, ela caiu de joelhos e levou a testa ao chão, convencida da verdade da mensagem do Báb.

Essas boas-novas a alcançaram em Karbilá, e ela imediatamente começou a ensinar. Traduziu e expôs "A Melhor das Estórias", escrevendo em persa e árabe, compondo odes e poemas, humildemente praticando as suas devoções, até mesmo aquelas que eram opcionais e não obrigatórias. Quando os cruéis 'ulamás em Karbilá ouviram falar de tudo isso, e ficaram sabendo que uma mulher estava convocando o povo a abraçar uma nova religião e que já havia exercido influência sobre um número considerável de pessoas, foram ao governador e apresentaram uma reclamação. Resumindo, suas acusações levaram a violentos ataques contra Táhirih, que ela aceitou e pelos quais ofereceu louvores e graças. Quando as autoridades vieram em busca dela, primeiro atacaram Shams-i-Duhá, tomando-a por Táhirih. Tão logo, entretanto, ouviram falar que Táhirih havia sido presa, soltaram Shams - pois Táhirih havia enviado uma mensagem ao governador dizendo: "Estou à vossa disposição. Não façais mal a qualquer outra."

O governador colocou guardas vigiando a sua casa, e lá a prendeu, escrevendo a Bagdá para pedir instruções quanto a que deveria fazer. Por três meses ela viveu sitiada, completamente isolada, com os guardas cercando sua casa. Como as autoridades ainda não tivessem recebido reposta de Bagdá, Táhirih levou seu caso ao governador, dizendo:

-- Nada veio de Bagdá ou de Constantinopla. Assim, iremos nós mesmas para Bagdá e lá esperaremos pela resposta.

O governador deu-lhe permissão para ir-se, e ela partiu, acompanhada por Shams-i-Duhá, pelo Rouxinol do Paraíso (irmã de Mullá Husayn) e sua mãe. Em Bagdá permaneceu primeiro na casa do Shaykh Muhammad, o ilustre pai de Áqá Muhammad-Mustafá. Mas, tão grande era a multidão à volta dela, que transferiu residência para outro bairro, ocupada dia e noite em disseminar a Fé, e associando-se livremente aos habitantes de Bagdá. Tornou-se assim celebrada em toda a cidade, e houve um grande tumulto.

Táhirih mantinha, também, correspondência com os 'ulamás de Kázimayn, apresentou-lhes inúmeras provas irrefutáveis, e quando um ou outro vinha ter com ela, ela lhe oferecia convincentes argumentos. Finalmente, enviou uma mensagem para os teólogos xiitas, dizendo-lhes:

-- Se não estão satisfeitos com essas provas conclusivas, eu os desafio a um julgamento por prova.123

Houve então um grande protesto por parte dos teólogos, e o governador foi obrigado a enviar Táhirih e suas companheiras para a casa de Ibn-i-Álúsí, que era o Muftí de Bagdá. Ali, ela permaneceu por mais ou menos três meses, esperando pela orientação de Constantinopla. Ibn-i-Álúsí costumava manter com ela diálogos de grande erudição, apresentando-lhe perguntas e dela recebendo respostas, sem que ele negasse o que ela tinha a dizer.

Certo dia o Muftí contou-lhe um de seus sonhos, e pediu-lhe que dissesse o que significava. Disse ele:

-- Em meu sonho vi os 'ulamás xiitas chegando ao túmulo sagrado do Imám Husayn, o Príncipe dos Mártires. Eles tiravam a barreira que cerca o túmulo, arrombavam a resplandecente sepultura, de modo que o corpo imaculado revelava-se ao seu olhar. Tentavam levantar a forma sagrada, então me lancei sobre o cadáver e os repeli.

Táhirih respondeu:

- Esse é o significado de teu sonho: estás próximo de livrar-me das mãos dos teólogos xiitas.

- Também eu o havia interpretado dessa maneira.

Como ele havia descoberto que ela era versada em questões eruditas e nos sagrados comentários e nos Textos, os dois freqüentemente realizavam debates; ela falava sobre temas como o Dia da Ressurreição, a Balança e a Sirát124, e ele não se esquivava.

Houve então uma noite em que o pai de Ibn-i-Álúsí veio à casa do filho. Teve um encontro com Táhirih e abruptamente, sem fazer qualquer pergunta, começou a amaldiçoá-la, fazer troça dela, e insultá-la. Envergonhado pelo comportamento do pai, Ibn-i-Álúsí pediu desculpas. Disse então:

-- A resposta chegou de Constantinopla. O Rei mandou que sejas libertada, mas apenas com a condição de que deixes o seu reino. Vai, então, amanhã, faz os preparativos para a viagem e apressa-te em sair desta terra.

Assim Táhirih, com as suas companheiras, deixaram a casa do Muftí, fizeram os preparativos para a viagem e deixaram Bagdá. Quando deixaram a cidade, um certo número de devotos árabes, portando armas, caminharam ao lado do comboio. Entre eles estavam Shaykh Sultán, Shaykh Muhammad e seu ilustre filho Muhammad-Mustafá, e Shaykh Sálih, todos a cavalo. Foi Shaykh Muhammad quem custeou as despesas da viagem.

Ao alcançarem Kirmánsháh as mulheres hospedaram-se em uma casa, e os homens em outra, e os habitantes chegaram em uma torrente contínua em busca de informação sobre a nova Fé. Ali, como nos outros lugares, os 'ulamás logo puseram-se em um estado de fúria, e deram ordens no sentido de que os recém-chegados fossem expulsos. Conseqüentemente o Kad-khudá, ou oficial chefe daquele bairro, acompanhado de um grupo de pessoas, cercou a casa onde estava Táhirih, e saqueou-a. Então, colocaram Táhirih e suas companheiras em um howdah descoberto, e as levaram até um campo aberto, onde deixaram as cativas. Então os condutores levaram seus animais e retornaram à cidade. As vítimas foram deixadas no campo, sem alimento, sem abrigo, e sem meios de prosseguirem viagem.

Imediatamente Táhirih escreveu uma carta ao príncipe daquele território, onde dizia-lhe: "O vós, justo governador! Éramos convidados em vossa cidade. É essa a maneira pela qual tratais os vossos hóspedes?"

Quando a carta foi entregue ao governador de Kirmánsháh, ele disse:

-- Eu nada sabia dessa injustiça. Essa maldade foi incitada pelos clérigos.

Ele imediatamente ordenou que o Kad-khudá devolvesse todos os pertences dos viajantes. O oficial devolveu os bens roubados, conforme lhe fora ordenado, os condutores com seus animais vieram da cidade, os viajantes tomaram os seus lugares e retomaram a viagem.

Chegaram a Hamadán e ali sua estadia foi feliz. As mais ilustres senhoras daquela cidade, até mesmo as princesas, vinham visitá-la, buscando os benefícios dos ensinamentos de Táhirih. Em Hamadán ela dispensou uma parte de seus acompanhantes, enviando-os de volta a Bagdá, e por outro trazendo alguns deles, inclusive Shams-i-Duhá e Shaykh-Sálih, para irem com ela para Qazvín.

Enquanto viajavam, alguns cavaleiros adiantaram-se para encontrá-los; eram parentes de Táhirih, de Qazvín, que queriam levá-la sozinha, sem os demais, para a casa de seu pai. Táhirih recusou, dizendo:

-- Esses são meus companheiros.

Dessa maneira entraram em Qazvín. Táhirih encaminhou-se à casa de seu pai, enquanto que os árabes que a haviam acompanhado dirigiram-se a um caravanserai. Táhirih logo deixou o pai e foi viver com o irmão, e lá as grandes senhoras da cidade vinham visitá-la; isso até o assassinato de Mullá Taqí,125 quando todos os Bábís de Qazvín foram feitos prisioneiros. Alguns foram enviados para Teerã e depois devolvidos a Qazvín e martirizados.

O assassinato do Mullá Taqí aconteceu da seguinte maneira: um dia, quando aquele tirano enlouquecido havia subido ao púlpito, começou a zombar e a insultar o grande Shaykh Ahmad-i-Ahsá'í. Sem qualquer vergonha, com vulgaridade, gritando obscenidades, ele bradou:

-- Aquele Shaykh foi quem desencadeou esse fogo do mal, a todos sujeitando essas provações!

Havia um curioso entre os ouvintes, um nativo de Shíráz. Para ele o escárnio, a chacota, e as indecências foram mais do que ele podia suportar. Protegido pela escuridão, ele se dirigiu à mesquita, mergulhou uma lança entre os lábios do Mullá Taqí e fugiu. Na manhã seguinte, prenderam indefesos devotos e os submeteram a agoniante tortura, embora fossem todos inocentes e nada soubessem do que acontecera. Jamais se pensou em investigar o caso; os devotos declararam repetidamente a sua inocência mas ninguém prestou-lhes a mínima atenção. Depois de alguns dias, o assassino entregou-se; confessou às autoridades que havia perpetrado o crime, porque o Mullá Taqí insultara Shaykh Ahmad.

-- Entrego-me às vossas mãos - disse-lhes - para que soltem esses inocentes.

Foi também preso, acorrentado e torturado, e enviado, junto com os demais, para Teerã.

Uma vez lá, observou que, apesar da confissão, os outros ainda não haviam sido libertados. À noite, fugiu da prisão e dirigiu-se à casa de Ridá Khán - aquele homem raro e precioso, aquela estrela do sacrifício entre os amantes de Deus - filho de Muhammad Khán, Mestre do Cavalariço de Muhammad Sháh. Ele permaneceu ali por algum tempo, depois do que, em companhia de Ridá Khán, secretamente, dirigiram-se ao Forte de Shaykh Tabarsí em Mázindarán.126 Muhammad Khán enviou forças ao seu encalço, mas depois de muito procurarem, não conseguiram localizá-los. Aqueles dois cavaleiros chegaram ao Forte de Tabarsí, onde ambos tiveram a morte dos mártires. Quanto aos outros amigos que estavam na prisão em Teerã, alguns deles foram enviados para Qazvín e, também, eles sofreram o martírio.

Um dia, o administrador das finanças, Mirza Shafí', chamou o assassino e dirigiu-se a ele, dizendo:

-- Jináb, pertences a alguma ordem dos dervixes, ou segues a Lei? Se és um seguidor da Lei, por que desfechaste um golpe fatal e cruel na boca daquele erudito mujtahid? Se és um dervixe e se segues o Caminho, uma das normas do Caminho é não fazer mal a nenhum homem. Como, então, pudeste assassinar aquele zeloso clérigo?

-- Senhor - respondeu ele - além da Lei, e além do Caminho, temos também a Verdade. Foi servindo a Verdade que eu o fiz pagar por sua ação.127

Essas coisas se passaram antes que a realidade dessa Causa fosse revelada e tudo ficasse claro. Pois, naqueles dias, ninguém sabia que a Manifestação do Báb culminaria na Manifestação da Abençoada Beleza e que a lei da retaliação seria suprimida, e que o princípio fundamental da Lei de Deus seria esse: "é melhor ser morto do que matar"; que a discórdia e o conflito cessariam, e que o império da guerra e do morticínio seriam eliminados. Mas louvado seja Deus, com o advento da Abençoada Beleza brilhou um tal esplendor de harmonia e paz, um tal espírito de doçura e resignação, que quando em Yazd homens, mulheres e crianças foram alvos da artilharia inimiga ou foram trespassados pela espada, quando os líderes e os cruéis 'ulamás e seus seguidores juntaram-se e atacaram aquelas vítimas indefesas derramando seu sangue, talhando e abrindo os corpos de mulheres castas, com suas adagas golpeando as gargantas de crianças a quem tinham tornado órfãs, e logo após lançando ao fogo os membros arrancados e dilacerados - nenhum dos amigos de Deus levantou um dedo contra eles. De fato, entre aqueles mártires, verdadeiros companheiros dos que morreram, há muito tempo, em Karbilá, havia um homem que, ao ver a espada levantada contra si, jogou um torrão de açúcar na boca de seu inimigo, enquanto gritava:

-- Com um doce sabor em teus lábios, mata-me, pois me trazes o martírio, meu mais caro desejo!

Voltemos ao nosso assunto. Após o assassinato de seu impiedoso tio, Mullá Taqí, em Qazvín, Táhirih mergulhou em terríveis dificuldades. Estava prisioneira e se angustiava, lamentando os dolorosos eventos que haviam ocorrido. Era vigiada de todos os lados: por empregados, pelos guardas, pelos farráshes e pelos inimigos. Enquanto Táhirih assim definhava, Bahá'u'lláh enviou Hádíy-i-Qazvíní, marido da celebrada Khátún-Ján da capital, e conseguiram, por meio de um estratagema, libertá-la e enviá-la para Teerã durante a noite. Ela chegou à mansão de Bahá'u'lláh e ficou alojada em um dos apartamentos superiores.

Quando essa notícia espalhou-se em Teerã, o governo procurou-a por toda a parte. No entanto, os amigos continuaram chegando para vê-la, e como que numa torrente estendendo-se continuamente, prosseguia Táhirih sentada atrás de uma cortina, conversando com eles. Um dia, o grande Siyyid Yahyá, chamado Vahíd, estava presente. Táhirih o ouvia, por trás do véu, enquanto ele se sentava do outro lado. Eu era criança naquela época, e estava sentado no colo dela. Com eloqüência e fervor, Vahíd discursava sobre os sinais e versículos que testemunhavam o advento da nova Manifestação. Ela o interrompeu repentinamente e, levantando a voz, declarou veementemente:

-- Ó Yahyá! Que ações, e não palavras, testifiquem a tua fé, se és um homem de verdadeira erudição. Cessa de repetir inutilmente as tradições do passado, pois o dia do serviço, da ação firme, já veio. Agora é o momento de mostrar os verdadeiros sinais de Deus, de apartar os véus da vã fantasia, de promover a Palavra de Deus, e sacrificar-se em Seu caminho. Que ações, e não palavras, sejam o nosso adorno!

A Abençoada Beleza fez elaborados preparativos para a viagem de Táhirih a Badasht e enviou-a com uma carruagem e escolta. O próprio grupo de Bahá'u'lláh partiu para aquela região alguns dias mais tarde.

Badasht aconteceu num grande campo aberto. Em seu centro havia uma corrente d'água que serpenteava, e à sua direita e esquerda e também por trás havia três jardins que causariam inveja ao Paraíso. Um desses jardins foi destinado a Quddús128, mas esse fato foi mantido em segredo. O outro foi para Táhirih, e em um terceiro foi erguido o pavilhão de Bahá'u'lláh. Naquela campina, entre os três jardins, os devotos ergueram as suas tendas. À noite, Bahá'u'lláh, Quddús e Táhirih costumavam encontrar-se. Naqueles dias o fato de que o Báb era o Qá'im ainda não havia sido proclamado; foi a Abençoada Beleza, com Quddús, que preparou a proclamação de um Advento universal e a revogação e o repúdio das antigas leis.

Num dos dias, e aí havia uma sabedoria, Bahá'u'lláh adoeceu; isto é, aquela indisposição estava destinada a servir a um propósito vital. De repente, à vista de todos, Quddús saiu de seu jardim, e entrou no pavilhão de Bahá'u'lláh. Mas Táhirih enviou-lhe uma mensagem, dizendo que uma vez estando adoentado seu Anfitrião, Quddús deveria visitar o seu jardim. Sua resposta foi:

-- Esse jardim é preferível. Vem, então, para esse.

Táhirih, com o rosto descoberto, emergiu de seu jardim, avançando para o pavilhão de Bahá'u'lláh; e enquanto caminhava, bradou essas palavras:

- A Trombeta está soando! A grande Trombeta toca! O Advento universal é agora proclamado!"129

Os devotos reunidos naquela tenda foram tomados de pânico, e cada um se perguntava:

-- Como pode a Lei ser revogada? Como é que essa mulher está aqui sem o véu?

- Lê a Sura do Inevitável130 - disse Bahá'u'lláh.
E o leitor começou:

- Quanto ao Dia que deve vir, subitamente aparecerá... O Dia que causará espanto! O Dia que exaltará!..."

E assim foi a nova Dispensação anunciada e a grande Ressurreição tornou-se manifesta. No início, aqueles presentes fugiram, e alguns renegaram sua Fé, enquanto outros caíram na armadilha da suspeita e da dúvida, e um certo número, depois de hesitar, retornou a presença de Bahá'u'lláh. A Conferência de Badasht fora interrompida, mas o Advento universal fora anunciado.

Depois disso, Quddús foi apressadamente para o Forte de Tabarsí,131 e a Abençoada Beleza, levando provisões e equipamento, viajou para Níyálá, com a intenção de seguir caminho à noite, de lá atravessando o acampamento inimigo para penetrar no Forte. Mas Mirza Taqí, governador de Ámul, soube desses planos, e acompanhado de setecentos soldados armados com rifles chegou em Níyálá. Cercando a cidade à noite, enviou Bahá'u'lláh com onze cavaleiros de volta a Ámul, e todas aquelas calamidades e tribulações, conforme narradas previamente, vieram a acontecer.

Quanto a Táhirih, foi capturada após a separação em Badasht, seus opressores enviaram-na com uma escolta para Teerã. Ali, foi aprisionada na residência de Mahmúd Khán, o Kalántar. Mas ela estava em fogo, enamorada, desassossegada, e não conseguia ficar quieta. As senhoras de Teerã, sob um ou outro pretexto, amontoavam-se para vê-la e ouvi-la. Aconteceu que houve uma celebração, na residência do prefeito, era o casamento de seu filho; havia sido preparado um banquete nupcial e a casa estava decorada. A fina flor das senhoras de Teerã fora convidada, as princesas, as esposas dos vazírs e outras pessoas ilustres. Foi um esplêndido casamento, com música instrumental e melodias cantadas. Dia e noite, flautas e os sinos emitiram canções. Então Táhirih começou a falar, e tão enfeitiçadas ficaram as grandes senhoras que elas deixaram de lado a cítara e os tambores e todos os prazeres da festa de casamento para juntarem-se à volta de Táhirih e ouvirem as doces palavras de sua boca.

Assim ela permaneceu, uma prisioneira sem quem a ajudasse. Então veio o atentado contra a vida do Xá;132 um farmán foi emitido, e ela foi condenada à morte. Dizendo que ela estava convocada a comparecer perante o primeiro-ministro, vieram levá-la da casa do Kalántar. Ela lavou o rosto e as mãos, vestiu-se com um vestido caro, e perfumada com atar de rosas, saiu da casa.

Levaram-na a um jardim, onde os carrascos esperavam; mas esses hesitaram e depois recusaram-se a acabar-lhe com a vida. Encontraram então um escravo, mergulhado na bebida; este embriagado e depravado tinha um coração enegrecido, foi ele que estrangulou Táhirih. Forçou um lenço de pescoço entre os seus lábios e socou-o para dentro de sua garganta. Então, ergueram seu corpo imaculado e jogaram-no em um poço no jardim, e sobre ele jogaram terra e pedras. Mas Táhirih alegrava-se; ela havia ouvido com o coração leve a notícia de seu martírio; fixara os olhos no Reino superno e oferecera sua vida.

Saudações e louvor estejam com ela. Santificado seja o seu pó, enquanto camadas de luz jorram sobre ele, vindas do Paraíso.

GLOSSÁRIO
'Abá: manto, capa
Abençoada Beleza, A: título de Bahá'u'lláh

Abhá: superlativo de Bahá; Mais Glorioso; Todo-Glorioso

Abjad, Cálculos de: valor numérico das letras no alfabeto árabe-persa

Afnán: parentes do Báb
Árvore Sagrada: se refera ao Manifestante de Deus
Beleza Antiga, A: título de Bahá'u'lláh
Dawlih: governo; estado

Escola Shaykhí: uma seita do islã xiita. Os xiitas são divididos em dois ramos: a "Seita dos Sete" e a "Seita dos Dozes". Provinda desta última, a Escola Shaykhí foi fundada por Shaykh Ahamd e Siyyid Kázim, precursores do Báb. O Guardião relata no A Presença de Deus, a história dos primeiros 100 anos da Fé Bábí-Bahá'í, p. 18: "Procurarei representar e correlacionar, ... , aqueles momentosos eventos - que ante os próprios olhos de sucessivas perversas, indiferentes ou hostís gerações - transformaram, insensível e inexoravelmente, um ramo heterodoxo e aparentemente negligível da escola shaykhí... em uma religião mundial..."

Farmán: ordem; comando; decreto real

Farrásh: o mesmo que parsang; unidade de medida, varia de 2 a 3 kilômetros de acordo com o terreno

Fatvá: veredicto pronunciado por um muftí

Hájí: título de um muçulmano que fez peregrinação à Meca

Hazíratu'l-Quds: Celeiro Sagrado; sede administrativa bahá'í

Imám: aquele que lidera a oração

Imám: título do décimo Shí'ih, sucessores de Muhammad. Diferente do califa dos muçulmanos sunís que é um visível e destacado chefe eleito, a vice-gerência do Profeta para os xiitas é um assunto puramente espiritual conferido por Muhammad a Seus sucessores até o décimo. O Imám é: "o sucessor divinamente ordenado pelo Profeta, aquele possuidor de todas as perfeições e dádivas espirituais, aquele que o leal deve obedecer, cuja decisão é absoluta e final, cuja sabedoria é supra-humana e cuja palavra é a autoridade."

Imám-Jum'ih: líder da oração nas sextas-feiras ou na mesquita central

Jináb: título cortês que varia conforme a ênfase; de alguma forma equivalente a "honrado senhor"

Kad-Khudá: chefe do município; líder do vilarejo
Kalántar: prefeito

Mashriqu'l-Adhkár: local de louvores a Deus; Templo Bahá'í

Muftí: explanador das leis muçulmanas

Mujtahid: doutor na lei; clérigo cujo nível o permite a praticar a jurisprudência religiosa. A maioria dos mujtahids persa recebeu seus diplomas dos principais juristas de Karbilá e de Najaf

Mullá: líder religioso muçulmano

Nabíl: letrado; nobre. O Báb e Bahá'u'lláh, ás vezes, se referiam a alguma pessoa por um título cujas letras, no cálculo abjad, teriam o mesmo valor numérico que seu próprio nome. E.g., o valor numérico das letras de Muhammad é 92 e as letras de Nabíl é, também, 92.

Qá'im: Aquele que emerge: título do Báb

Sirát: ponte ou caminho; denota a religião de Deus

Siyyid: título dos descendentes do Profeta Muhammad

'Ulamá: eruditos, santos.
REFERÊNCIAS

1- Não confundir com o autor do livro Os Rompedores da Alvorada. Para tal, ver Nabíl-i-Zarandí.

2- Cf. Nabíl, Os Rompedores da Alvorada, vol II, p. 143, nota 27.

3- Cf. Alcorão, 19:98.
4- Cf. Alcorão, 3:91.
5 Cf. Alcorão, 54:55.
6 1849-1850.
7 1853; 1892.

8 Áqá Ján. Cf. Shoghi Effendi, A Presença de Deus, p. 264.

9 Siyyid Muhammad, o Anticristo da Revelação Bahá'í. Cf. Ibid, pp. 164 e 189 .

10 Os Afnán são os membros da família do Báb.

11 N.T.: No original "caravanserai", alojamento para viajantes.

12 Arauto do Profeta Muhammad
13 Alcorão, 68:4.

14 Esse vinho, afirma Rúmí em outra parte, provém da jarra de "Sim, verdadeiramente". Isso é, simboliza o Convênio Primal celebrado entre Deus e o homem no dia de "Não sou Eu o Teu Senhor?" "E de quando o teu Senhor extraiu das entranhas dos filhos de Adão os seus descendentes e os fez testemunhar contra si próprios, dizendo: Não é verdade que sou o vosso Senhor? Disseram: Sim! Testemunhamo-lo! Fizemos isto com o fim de que no Dia da Ressurreição não dissésseis: Não estávamos cientes."Cf. Alcorão, 7:172.

15 A para turca correspondia a um nono de um centavo. Cf. Webster, New International Dictionary.

16 Nabíl, autor de Os Rompedores da Alvorada, é o "Poeta-Laureado de Bahá'u' lláh, Seu cronista e Seu infatigável discípulo". Cf. A Presença de Deus, p. 512.

17 Mirza Yahyá, o "chefe nominal" da comunidade, "fora nomeado centro provisório até a manifestação do Prometido." Ibid., p. 186.

18 Referência ao simbolismo islâmico, segundo o qual o bem é protegido do mal: os anjos repelem os espíritos maus que tentam espionar o Paraíso lançando meteoros contra eles. Cf. Alcorão, 15: 18, 37:10 e 67:5.

19 Referência ao advento de Bahá'u'lláh em 1863, como o Prometido do Báb. O advento do Báb ocorrera no "ano sessenta"- 1844.

20 As escrituras Bahá'ís salientam que: "De modo algum deve-se admitir um conceito errado da divindade atribuída a um Ser tão grandioso e da encarnação completa dos nomes e das qualidades de Deus numa Pessoa tão sublime.... daquele Deus invisível, conquanto racional, cuja Realidade infinita, incognoscível, incorruptível, que tudo abrange, de modo algum poderia se encarnar na forma concreta, limitada, de um ser mortal, por mais que exaltemos a divindade daqueles Seres que O manifestam na terra." Cf. Shoghi Effendi, A Ordem Mundial de Bahá'u'lláh, cap.: A Dispensação de Bahá'u'lláh, p. 151.

21 De acordo com os cálculos "abjad", as letras de "shidád" somam o total de 309. 1892, data da ascensão de Bahá'u'lláh, foi 1309 A H.

22 Gháriq. As letras que compõem essa palavra somam 1310, cujo ano de Hégira iniciou-se em 26 de julho, de 1892.

23 Seu grande trabalho foi o livro Os Rompedores da Alvorada, traduzido e publicado em inglês pelo Guardião da Fé Bahá'í, Shoghi Effendi, em 1932. Em português, foi traduzido e publicado em 1990. N.E.

24 Termos utilizados pelos sufis.
25 Sidq, verdade.
26 Alcorão, 54:55

27 Essa palavra tem vários significados, entre eles verdadeiro, leal e justo.

28 Yá Sháfí.
29 Alcorão, 76:5.
30 Nabíl de Qá'in era o seu título.
31 Alcorão, 5:59

32 O kran valia 20 sháhís, ou quase 8 centavos de dólar.

33 Mirza Mihdí, filho de Bahá'u'lláh que, ao orar uma noite sobre o telhado da prisão, de lá caiu, falecendo.

34 Cf. Alcorão, 13:28; 2:99; 3:67.

35 Yazíd (filho de Mu'áviyyih), califa 'Ummayad por cuja ordem o Imám Husayn foi martirizado. Famoso pela crueldade. Cf. S. Haim, New Persian-English Dictionary, s.v.

36 A rebelião de Mirza Yahyá que havia sido designado chefe provisório da comunidade Bábí. O Báb jamais havia designado um sucessor ou vice-líder, indicando, em vez disso, aos Seus discípulos, o advento iminente do Prometido. Nesse meio tempo, um virtual desconhecido fora, por razões de segurança, nomeado como o líder ostensivo. Em seguida à Sua declaração em 1863 como o Prometido do Báb, Bahá'u'lláh retirou-se por algum tempo, em Adrianópolis, para permitir aos exilados a escolha entre Ele e esse indigno meio-irmão, cujos crimes e loucuras haviam ameaçado destruir a recém-nascida Fé. Aterrorizado ao ser desafiado para um debate público com Bahá'u'lláh, Mirza Yahyá recusou, caindo no descrédito. Como a história bahá' í tem demonstrado repetidamente, também essa crise, não importa quão dolorosa, resultou em vitórias ainda maiores para a Fé, inclusive a adesão de importantes discípulos a Bahá'u'lláh, e a proclamação global da Sua missão, em Suas Epístolas ao Papa e aos Reis. Cf. A Presença de Deus, Capítulo X.

37 Mirza Yahyá não havia sido banido da Pérsia. Agora, entretanto, ele estava sendo exilado de Adrianópolis para Chipre, e 'Abdu'l-Ghaffár era um dos quatro companheiros condenados a ir com ele. Cf. Epístola ao Filho de Lobo e A Presença de Deus, p. 250.

38 Cf. Alcorão, 11:101; 11:100; 76:5; 76:22; 17:20.

39 Cf. A Presença de Deus, p. 161.
40 Cf. A Presença de Deus, pp. 259; 268; 271.
41 Alcorão, 54:55.

42 Essa referência para as duas palavras - du jihán - pode indicar o ditado: Isfáhán é a metade do mundo - Isfáhán nisf-i-jihán.

43 Para essa definição da Manifestação de Deus, ver A Presença de Deus, p. 175.

44 Essas duas "brilhantes luzes gêmeas" eram dois irmãos, famosos mercadores de Isfáhán. Por dever-lhes uma grande soma de dinheiro, o sumo sacerdote - Imám Jum'ih - da cidade, ordenou seus martírios. Ver a Epístola ao Filho do Lobo e A Presença de Deus, pp. 277-278 e 301.

45 Alcorão, 89: 27-30.
46 Alcorão, 24:35.
47 Alcorão, 89: 27-30.

48 Cf. Alcorão, 13:28: "Não é, acaso, certo, que à recordação de Deus sossegam os corações?"

49 Alcorão, 76:5
50 Alcorão, 13:28.
51 Qu'án 3:91.
52 Alcorão, 29:19; 53:48; 56:62.
53 Mirza Musá.
54 Ver A Presença de Deus, p. 259.
55 Aproximadamente 640 km a noroeste de Bagdá.
56 Teólogos, estudiosos da teologia. N.T.

57 Shikastih - quebrada - uma caligrafia cursiva ou meia taquigrafia, provavelmente foi inventada no final do século dezessete, em Hirát.

58 Alcorão, 76:9.

59 Um famoso calígrafo que vivia e escrevia na corte de Sháh-'Abbás, o Safaví (1557-1628).

60 Mishk significa almíscar. Mishkín-Qalam significa ou pena almiscarada, ou pena preto-azeviche.

61 Alcorão, 61:4.

62 Em algumas das obras deste artista, a escrita era disposta de maneira a tomar a forma de pássaros. Quando E.G. Browne se encontrava na Pérsia, foi-lhe dito que "essas seriam procuradas ansiosamente por persas de todas as classes, se não levassem, a título de assinatura do calígrafo, o seguinte verso:

Dar díyár-i-khatt sháh-i-sáhíb-'alam
Bandiy-i- Báb-i-Bahá, Mishkín-Qalam."

Cf. A Year Among the Persians, p. 227. Os versos poderiam ser assim traduzidos:

Senhor da caligrafia, minha bandeira segue à frente;

Porém um escravo, à porta de Bahá'u'lláh,
Nada mais que isso sou,
Mishkín-Qalam.

Atentar para o jogo de palavras com "porta" que torna possível a inclusão do nome do Báb assim como o nome de Bahá'u'lláh.

63- Ustád é um mestre, isto é, treinado e especializado em uma arte ou profissão.

64- Alcorão, 6:127.
65- Alcorão, 3:28.
66- Alcorão, 2:266, 267.

67- Para algumas destas citações árabes, ver o Alcorão 3:170; 4:12, 175; 5:16, 17; 11: 100, 101; 28; 79; 41:35.

68- O período da história bahá' í passado em Bagdá foi de 8 de abril de 1853, a 3 de maio de 1863. De acordo com várias estimativas o túmán daqueles dias valia de US$ 1.08 a 1.60.

69- Esse era o método usado, à luz da lei do Islám.

70- Alcorão, 7:171.

71- Ver as atribulações que se seguiram à partida de Bahá'u'lláh em A Presença de Deus, capítulo XV.

72- O Hércules persa.
73- Alcorão, 89:27.
74- Alcorão, 4:71.
75- Cf. A Presença de Deus, p. 252.
76- Alcorão, 89: 27-30.
77- Os Afnán são os parentes do Báb.
78- Alcorão, 7:172.
79 Alcorão, 39:69.
80 O Prometido do Báb.

81 Simbolismo islâmico: Satã é o "apedrejado"; com meteoros como pedras, os anjos expulsam demônios do Paraíso. Alcorão 3:31, 15:17, 34; 37: 7; 67: 5.

82 Alcorão, 2:18.
83 Alcorão, 4:69.
84 O primeiro-ministro.

85 Qum é a cidade do santuário de Fátimih, "a Imaculada". Irmã do oitavo Imám, Imám Ridá, ela foi enterrada naquela cidade em 816 AD.

86 Um howdah é um assento que se coloca sobre o lombo de um elefante. N.T.I.

87 O verso prossegue: "Vamos romper o teto do Paraíso e esboçar um novo desenho." N.T.I.

88 Cf. Alcorão, 13:28.
89 Cf. Alcorão, 13:28; 3:190.
90 Cf. Alcorão, 39:68.
91 Cf. Alcorão, 7:171.

92 Manqúl va ma'qúl: conhecimento "deduzido" versus conhecimento "idealizado".

93 Alcorão, 3:190.

94 Bahá'u'lláh estava acompanhado por membros de Sua família e vinte e seis discípulos. A comitiva incluía uma guarda montada de dez soldados com um oficial, uma fila de cinqüenta mulas, e sete pares de howdahs, cada par coberto por quatro guarda-sóis. A viagem para Constantinopla durou de 3 de maio a 16 de agosto de 1863. Cf. A Presença de Deus, p. 221.

95 Alcorão, 26: 119; 36:41.
96 Cf Alcorão, 5:59.

97 Alcorão, 39: 68-69: "E a trombeta soará; e aqueles que estão nos céus e na terra expirarão, com exceção daqueles que Deus queira conservar. Logo soará pela segunda vez e, ei-los ressuscitados, pasmados! E a terra resplandecerá com a luz do seu Senhor..."

98 Na terminologia Shaykhí o Quarto Suporte ou Quarto Pilar era o homem perfeito ou canal de graça, que deveria ser sempre buscado. Assim se considerava Hájí Muhammad-Karím Khán. Cf. Bahá'u'lláh, Kitáb-i-Íqán (O Livro da Certeza ), p. 114, e 'Abdu'l-Bahá, A Traveller's Narrative, p. 4.

99 O Prometido décimo-segundo Imám.

100 Allámiy-i-Hillí, "o doutor muito erudito", título do famoso teólogo Shí'ih, Jamálu'd-Dín Hasan ibn-i-Yúsuf ibn-i-'Alí de Hilla (1250-1325 AD).

101 O ghurúsh turco ou piastra da época correspondia a quarenta paras, sendo que o para valia um-nono do centavo americano. Esses números são apenas aproximados.

102 A primeira sílaba é a tônica: fá-teh-meh.

103 Gibbon escreve sobre o martírio do Imám Husayn e do destino de sua família, que "em uma era e clima distantes a trágica cena ... despertará a simpatia do mais frio leitor."

104 O Sadratu'l-Muntahá, traduzido inter alia como a árvore de Sidrah que marca a fronteira, e a Árvore de Lotte da extremidade. Cf. Alcorão 53:14. Dizem que ela fica no mais lindo ponto do Paraíso, e marca o lugar além do qual nem homens nem anjos podem passar. Na terminologia bahá'í, ela se refere à Manifestação de Deus.

105- Alcorão, 76:5.
106 Pronuncia-se Shams-seh-Zohá.

107 Um precursor do Báb, e co-fundador da Escola Shaykhí.

108 Sua filha tornar-se-ia, mais tarde, esposa de 'Abdu'l-Bahá. Cf. A Presença de Deus, p.189, e Rompedores da Alvorada, p.461.

109 "Porta da Porta", um título de Mullá Husayn, o primeiro a acreditar no Báb. Para um relato de sua irmã, ver Os Rompedores da Alvorada p. 209, nota.

110 "Consolo dos Olhos".

111 As mulheres persas naquela época andavam em público usando espessos véus.

112 Alcorão, 7:7; 14:42; 21:48; 57:25, etc.

113 Cf. Nabíl, Os Rompedores da Alvorada, capítulo XV.

114 Referência à filha de Muhammad, Fátimih, "de rosto belo e radiante, a Senhora de Luz".

115 Filho mais velho do Xá e soberano de mais de dois quintos do reino. Ele ratificou a pena de morte. Pouco depois desses eventos, caiu em desgraça. Ver A Presença de Deus, p.259, 291.

116 O oitavo Imám, envenenado por ordem do Califa Ma'múm, AH 203, depois que o Imám havia sido oficialmente designado herdeiro legítimo do califa. Seu santuário, com o seu domo dourado, foi chamado a glória do mundo xiita. "Uma parte do Meu corpo será enterrada em Khurásán" - o Profeta dizia tradicionalmente.

117 Pronunciado Ta-heh-reh.

118 Cf. Os Rompedores da Alvorada, Vol. II, p.47, nota. Certas linhas, traduzidas por Shoghi Effendi, estão aqui incorporadas.

119 Precursor do Báb, e o primeiro dos dois fundadores da Escola Shaykhí. Ver o glossário.

120 Alcorão, 17:1; 30:56; 50:19; etc.
121 O sexto Imám.

122 O "Ahnasu'l-Qisas", comentário do Báb sobre a Sura de José, foi chamado o Alcorão dos Bábís, e foi traduzido do árabe para o persa por Táhirih. Ver A Presença de Deus, p. 82.

123 Alcorão, 3:61: "... então, deprecaremos para que a maldição de Deus caia sobe os mentirosos." A prova era por imprecações.

124 Alcorão, 21:48; 19:37; etc. No islã, a Ponte para Sirát, afiada como uma espada e mais estreita que um fio de cabelo, estende-se entre o Céu e o Inferno.

125 Cf. Rompedores da Alvorada, vol. II, p. 24. O assassino não era Bábí, mas um ardente admirador dos líderes Shaykhí, as Luminosas Luzes Gêmeas.

126 Cf. Rompedores da Alvorada, vol. II, p. 523.

127 Referência à doutrina segundo a qual há três caminhos para Deus: a Lei (sharí'at), o Caminho (taríqat), e a Verdade (haqíqat). Isto é, a lei do ortodoxo, o caminho do dervixe, e a verdade. Cf. R.A Nicholson, Commentary on the Mathnaví of Rúmí.

128 A oitava Letra da Vida, martirizado com indescritível crueldade no mercado de Bárfurúsh, aos vinte e sete anos. Bahá'u'lláh conferiu-lhe uma posição inferior apenas a do Báb e a dEle mesmo. Cf. Rompedores da Alvorada, Vol. II, pp.360 e seguintes.

129 Cf. Alcorão, 74:8 e 6:73. Também Isaías, 27:13 e Zacarias, 9:14.

130 Cf. Alcorão, Súrih 56.

131 Uma campanha sistemática contra a nova Fé havia sido lançada na Pérsia pelas autoridades civis e eclesiásticas em combinação. Os devotos, cercados sempre que eram isolados, agrupavam-se sempre que podiam, para se protegerem do governo, do clero e do povo. Traídos e cercados enquanto atravessavam a floresta de Mázindarán, cerca de 300 devotos, na sua maioria estudantes e reclusos, construíram o Forte de Shaykh Tabarsí e, por onze meses, resistiram aos exércitos da Pérsia. Cf. Os Rompedores da Alvorada, capítulos XIX e XX; A Presença de Deus, p. 96 e seguintes.

132 No dia 15 de agosto de 1852, um jovem Bábí desequilibrado feriu o xá com um tiro de pistola. O atacante foi imediatamente morto, e as autoridades realizaram um massacre dos devotos, sendo que o seu clímax foi descrito por Renan como "um dia talvez sem paralelo na história do mundo". Cf. Lord Curzon, Persia and the Persian Question, pp. 501-02, e A Presença de Deus, pp. 121 e seguintes.


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